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Eucaristizar a vida

aureliano, 18.06.25

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Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo [19 de junho de 2025]

[Lc 9,11-17]    

O relato da multiplicação dos pães está emoldurado pelo contexto de fim de missão dos discípulos e profissão de fé de Pedro seguida do anúncio da Paixão e condições para o seguimento. Parece que Lucas quer dizer que a Eucaristia refaz as forças do missionário e lhe dá condições de continuar seguindo o Mestre em meio às incompreensões e perseguições. O discípulo é chamado a reafirmar a fé: “Tu és o Cristo de Deus” (Lc 9,20). Ou como em João: “Senhor, a quem iremos? Tens palavras de vida eterna e nós cremos e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,68-69).

No livro dos Atos dos Apóstolos lemos que as primeiras comunidades cristãs tinham como distintivo a refeição comunitária: “Punham tudo em comum... Dividiam os bens entre todos segundo as necessidades de cada um... Partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade” (cf. At 2, 42ss).

O gesto de Jesus ao reunir o povo no deserto e repartir com eles o pão é uma imagem da Igreja. Ele quis que a Eucaristia fosse alimento para todos, representados nessa multidão. Não quis tomar como modelo as refeições que se faziam para alguns poucos, pessoas da mesma classe ou que podiam pagar pelo banquete.

A Eucaristia é sinal dos tempos novos e definitivos trazidos por Jesus. Neles as divisões e perseguições são superadas. O escândalo da desigualdade econômica e social, da fome crescente, da concentração de renda, da marginalização, da destruição do meio ambiente, das guerras e destruições das vidas é incompatível com a Eucaristia. Não é possível ter comunhão com Cristo entregue por nós e desprezarmos ou destruirmos os irmãos: “Quando, pois, vos reunis, o que fazeis não é comer a Ceia do Senhor; cada um se apressa por comer a sua própria ceia; e, enquanto um passa fome, o outro fica embriagado” (1Cor 11,20-21). Na Eucaristia Cristo identifica a comida partilhada com sua própria pessoa. Onde não se reparte o pão, onde há concentração de renda, Cristo não pode estar presente. Mas ele está presente onde o pão é partilhado, a fome saciada, a paz e reconciliação promovidas.

“Na multiplicação dos pães, Jesus não fez descer pão do céu, como o maná de Moisés. Nem transformou pedras em pão, como lhe sugerira o demônio quando das tentações no deserto. Mas ordenou aos discípulos: ‘Vós mesmos, dai-lhes de comer’... e o pão não faltou. Porém, se não observarmos esta ordem de Jesus e não dermos de comer aos nossos irmãos, ele também não poderá tornar-se presente em nosso dom. Então, não só o pão, mas Cristo mesmo faltará” (Pe. Johan Konings, in Liturgia Dominical, p. 397).

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A Eucaristia é o memorial da morte e ressurreição de Jesus. Fazer memória significa não somente lembrar, mas celebrar e mergulhar no mistério de Cristo. É nos colocarmos dentro de toda a vida de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus que, vindo a esse mundo, entregou sua vida por nós. Por isso, na celebração da Eucaristia nós devemos nos empenhar para fazer com que “a mente, o coração concorde com a voz, com as palavras”, no dizer de São Gregório.

Se celebramos a entrega de Cristo, não estamos fazendo um show. Então a missa não é show, promoção pessoal do padre e seja lá de quem for. Nossa atitude deve ser de compenetração, de humildade, de escuta atenta, de acolhimento, de exame de consciência. Isso nos tem recomendado insistentemente o Papa Francisco: “A Missa não é um espetáculo: é ir ao encontro da paixão e ressurreição do Senhor” (08 de novembro de 2017).

No decorrer da História a missa teve várias conotações. Serviu para coroar papas e reis, para agradecer vitórias de guerra, para enfeitar festas e agradar monarcas e senhores poderosos. Os músicos transformaram partes da missa em concertos belíssimos. Outros faziam da missa sua devoção particular. Ainda hoje, em vários lugares, é quase uma “exigência” para falecidos: “missa de corpo presente”, “missa de sétimo dia” etc. É claro que tem sua importância, mas ocorre que muitos pedem esse tipo de celebração para “salvar o falecido”, sem se envolver pessoalmente com a comunidade de fé. Uma espécie de superstição.

O Concílio Vaticano II recuperou o sentido originário da Eucaristia: Memorial da Morte e Ressurreição do Senhor. Quando a comunidade se reúne para celebrar a Eucaristia, ela traz sua vida, suas dores e alegrias e coloca no Coração de Cristo, para que ele, verdadeiro Celebrante, pela oração da Igreja, ofereça ao Pai.

Ao participarmos da Eucaristia estamos nos comprometendo a ser “um só Corpo”. A comunhão no Corpo e Sangue de Cristo nos compromete com Ele. A entrega de Cristo que celebramos pede, exige de nós o gesto de entrega, de doação, de comprometimento com Cristo pela reconstrução da História segundo os critérios do Reino de Deus. Não pode ser verdadeira “comunhão” a busca de um intimismo egoísta que não abre nossos olhos para “ver as necessidades e os sofrimentos de nossos irmãos e irmãs”, e não nos inspira a termos “palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos, os doentes e marginalizados”.

Mais do que discutir sobre alguns aspectos periféricos da celebração tais como: se se deve rezar o Pai-nosso de braços estendidos ou de mãos postas; se se deve comungar ajoelhado e na boca, ou se de pé e na mão; se a hóstia consagrada pode ser mastigada ou se deve degluti-la sem mastigar. São elementos que muitas vezes distraem e afastam mais do mistério do que ajudam a celebrar. Vamos parar com essa mania de querer ser diferentes dos outros, esvaziando o Mistério celebrado. Vamos seguir a orientação da Igreja. Vamos nos concentrar na beleza e profundidade do Mistério Pascal que celebramos e que toca de perto nossa vida, nossas atitudes, nossa ética. “Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais” (Jo 13,15). Configurar nossa vida a Cristo-Servo.

Nesse dia que celebramos a solenidade do Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue do Senhor, somos instados a olhar para o Cristo que se doa, que se entrega, que salva, que enfrenta a morte para que tenhamos vida. Essa contemplação deve nos levar a dar mais um passo em direção a uma vida mais comprometida. Não adianta adorar o Cristo no altar e desprezá-lo no pobre. De pouco vale celebrar a Eucaristia, participar de uma adoração, e depois falar mal dos outros, negar o salário justo, sonegar os impostos e direitos sociais, enganar os outros, ser desonesto nos negócios e no trabalho, dar golpe nos aposentados e pensionistas, disseminar ódio e mentira, omitir-se diante das injustiças sociais, levantar bandeiras que defendem a discriminação, a violência, o armamento da população, o aborto, o preconceito, o desrespeito, a morte.

A Eucaristia, “fonte e ápice de toda a vida cristã”, deve ocupar o centro de nossa espiritualidade, de nossa oração, de nossas escolhas e decisões. Se Cristo decidiu firmemente enfrentar a morte pela nossa salvação, também nós, seus discípulos e discípulas, precisamos nos dispor a esse caminho. Pois “o discípulo não é maior do que o mestre”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Nossa fé é trinitária

aureliano, 13.06.25

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Domingo da Santíssima Trindade [15 de junho de 2025]

[Jo 16,12-15]

Celebramos hoje a Solenidade da Santíssima Trindade. Quase sempre, neste dia, ficamos presos a explicações intelectualizantes sobre a Santíssima Trindade. Numa tentativa de ‘explicar o inexplicável’. Ou seja, o Mistério de Deus em Três Pessoas deve ser crido e não explicado. Deve ser entendido, porém a partir do ‘mergulho’ (batismo) nele. No dizer de Santo Agostinho “é preciso crer para entender” (credo ut intelligam). Ultrapassa nossa inteligência humana e limitada, mas não a contradiz. É um mistério que nos envolve, nos fascina, nos encanta: tremendum et fascinans, (tremendo e fascinante), na expressão de Rudolf Otto (+1937). Não se trata de algo inacessível ou incognoscível. Mas trata-se de um mistério que nos ultrapassa, nos espanta, nos encanta e nos atrai. Enquanto não nos deixarmos tomar por ele para nele nos movermos e existirmos (cf. At 17,28), não conseguiremos compreendê-lo.

Desejo discorrer um pouco sobre a profissão de fé, realidade implícita ao batismo, sacramento que nos introduz na vida de Deus e na comunidade cristã. Professamos a fé através do Credo, todos os domingos, na celebração eucarística; renovamo-la nas celebrações batismais; mas ainda não damos conta do que esta realidade significa e compromete nossa vida toda.

Imediatamente antes de derramar a água na cabeça daquele que vai ser batizado (ou mergulhá-lo na fonte de água), o ministro o convida a fazer a promessa de ‘renúncia ao mal’ (conversão); em seguida o convida a professar a fé (“crês?”). Por este ato a Igreja professa sua fé no Pai, no Filho, no Espírito Santo. Queremos ajudar a compreender o que isso significa em nossa vida.

Creio em Deus Pai todo poderoso, Criador do céu e da terra: reafirmamos nossa fé em Deus que é nosso Pai, que nos criou e cuida de nós com carinho. Um Pai que não nos abandona. Mesmo quando passamos por sofrimentos e tribulações, por dificuldades que não compreendemos e que por vezes não buscamos nem merecemos, Ele está ao nosso lado, dentro de nós. Ampara-nos com seu amor que nunca falha. Sua promessa jamais será tirada. Podemos dizer com confiança Pai nosso, isto é, Paizinho querido (Abbá)! Mesmo que estejamos naquelas situações de risco, de desespero, de desalento, de decepção, Ele está perto de nós, dentro de nós. Muitos o negam. Muitos quebram a aliança de amor que Ele fez conosco. Nossos filhos recusam seu amor. Mas Ele continua fiel e amoroso. Podemos confiar nele. Cremos nele!

Nesses tempos de destruição meio ambiente, de exploração irresponsável e insustentável da terra, é bom nos lembrarmos de que Deus Pai é o Criador de todas as coisas. Ele criou o mundo para que cuidemos dele, o cultivemos com respeito e amor. E pensemos em quem virá depois de nós. Os agrotóxicos sem medida, as mineradoras irresponsáveis, os desmatamentos desumanos, as poluições dos rios e dos lençóis freáticos são uma bofetada no rosto do Pai Criador. É destruição daquilo que Ele criou para todos “e viu que era muito bom”. A terra não pertence a quem tem dinheiro e poder. Ela foi criada para todos os seres vivos. É um dom do Pai para todos nós. Não tem dono. Deve ter cuidadores, cultivadores, zeladores, jardineiros.

Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor. Jesus, o Filho do Pai amado, nascido da Virgem Maria. É o presente de Deus para nós. Veio a esse mundo e entregou sua vida por nós. Mostrou-nos quem é o Pai. Seus gestos e palavras são expressão de que o Pai nos ama e quer nosso bem e nossa salvação. Devolve a saúde aos doentes, dá o perdão aos pecadores, acolhe a todos que vêm a ele em busca de conforto, de perdão e de paz. Tudo nele revela o rosto bondoso e maternal do Pai/Mãe que cuida de todos com carinho e amor. O Filho mostrou-nos o caminho da vida: é preciso amar sempre, até o fim, dar a vida. “Sede misericordiosos como o Pai é misericordioso”. Se nos esquecemos de Jesus, se o deixamos de lado, quem vai preencher o vazio do nosso coração? Somente Jesus pode preencher as profundezas e compreender as ‘dobras’ do nosso coração. Somente uma vida vivida de acordo com o ensinamento de Jesus pode ser verdadeiramente feliz. A pessoa batizada se compromete a configurar sua vida à vida de Jesus. Compromete-se com a construção de um mundo melhor.

Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida: é o mistério que celebramos no domingo de Pentecostes: o Espírito Santo foi derramado em nossos corações. Recebemos a missão de ‘fazer discípulos e de batizar’, porém com a força do Espírito Santo. Ele já nos foi dado. Está dentro de cada um de nós. É o amor do Pai e do Filho. É o “Vento” santo de Deus que nos coloca em movimento, como aconteceu à Virgem Maria que, uma vez inundada da força do alto, foi às pressas ajudar sua prima Isabel. Esse “Sopro” santo nos deixa leves, nos ajuda a abandonar as “obras da carne” para vivermos a “liberdade dos filhos de Deus”. É o “sopro” que nos perdoa, nos liberta, nos santifica, nos leva em direção àqueles que precisam de nós. É o Espírito de Deus que nos ajuda a vencer o espírito do mundo: o lucro a qualquer custo, a ganância, o ódio, o espírito de vingança, a mentira, a corrupção, a exploração, a preguiça, o comodismo. É o “Senhor doador da vida” que nos move a defender a vida sempre e em qualquer circunstância.

É nesta fé que fomos batizados. É esta a realidade que professamos e que somos chamados a viver. Não se trata, pois, de ‘segredos’ nem de ‘mistérios’, mas de um convite amoroso a vivermos essa fé trinitária, fazendo de nossa vida um hino de louvor à Trindade Santa: “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo para sempre. Amém”. Lembrados sempre do dizer de Santo Irineu de Lião: “A glória de Deus é o ser humano vivo. E a vida do ser humano é a visão de Deus”.

Essa relação triádica entre Deus, o indivíduo e a comunidade aparece bem claramente em Mt 5,23-24: “Se estiveres para trazer tua oferta ao altar e ali te lembrares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta ali diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e depois virás apresentar a tua oferta”. Não existe espiritualidade verdadeira se não levar em conta essas três dimensões do ser humano: Deus, a pessoa e os irmãos. O culto só é verdadeiro se há reconciliação, perdão e paz. O culto só é legítimo quando leva em conta a pessoa no seu todo das relações. Quem “mata” o outro, quem destrói o meio ambiente, quem vive em função de si mesmo, quem promove a mentira, o ódio e a ganância, não vive a verdade da fé e da religião: “Tirai da minha vista as vossas más ações! Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem! Buscai o direito, corrigi o opressor! Fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva!” (Is 1,16-17).

Santo Agostinho, buscando entender o Mistério da Santíssima Trindade, passeava pela praia e viu uma criança colocando água do mar num poço feito na areia. Brincou: “O mar nunca caberá aí”. Ao que a criança respondeu: “Assim também não vai caber na tua cabeça o mistério da Santíssima Trindade”. Pois bem, se não conseguimos colocar o mistério do amor de Deus em nossa cabeça, coloquemos nossa cabeça e nossa vida toda dentro desse mistério! Ou seja, deixemo-nos envolver pela Trindade Santa que nos habita para que nossa vida seja expressão de sua bondade no mundo.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Espírito Santo: Luz que dissipa as trevas

aureliano, 06.06.25

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Solenidade de Pentecostes [08 de junho de 2025]

[Jo 20,19-23 ou Jo 14,15-16.23-26]

UM POUCO DE HISTÓRIA

Inicialmente celebrada pelos israelitas, Pentecostes era a comemoração da colheita dos primeiros frutos do trigo. Porque marcava o 50º dia depois do início da colheita, era, por esse motivo, chamada de Pentecostes. (Confira Ex 23, 14-17; 34, 22; Lv 23,15-21; Dt 16, 9-12). É a festa da colheita. Portanto, tempo de muita alegria e fartura.       

A narrativa de At 2, 1-11 mostra a importância que ganhou na Igreja esta festa. Fazendo uso de um recurso literário, Lucas faz o Pentecostes cristão coincidir com o Pentecostes judaico. O Espírito se manifesta confirmando a missão que os discípulos haviam recebido do Mestre. Pentecostes marca o nascimento da Igreja. É a celebração dos frutos do Ressuscitado: o perdão e a paz que brotam de seu Coração bondoso, superando o egoísmo e a maldade do coração humano.

A MENSAGEM DO EVANGELHO

No próprio dia da Páscoa Jesus vem entregar o Dom do Espírito Santo aos seus discípulos. Este Dom garante a continuação da missão de Jesus no mundo. A missão de dar a paz e de tirar o pecado do mundo: “A paz esteja convosco” (Jo 20, 19); “Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados” (Jo 20, 23). É o próprio Jesus agindo por meio de sua Igreja.

“As portas estavam fechadas por medo dos judeus”: Esse relato nos faz pensar no medo que tomava conta dos discípulos antes de serem revestidos do Dom do Pai. Como o medo nos paralisa, nos fecha em nós mesmos, nos impede de servir! O medo é um sentimento que precisa ser assumido e trabalhado em nós. Quando agimos movidos pelo medo fazemos muito mal a nós e aos outros. Medo de assumir um trabalho na comunidade; medo de arriscar; medo de assumir a própria vida; medo de romper com relações que escravizam e destroem a própria vida e a vida dos outros; medo de falar e de viver a verdade; medo movido pela preocupação excessiva com a própria imagem: o que vão pensar ou dizer? Medo de chamar para conversar a fim de resolver mal entendido ou para “botar os pingos nos is”. Medo do inferno, medo de Deus, medo da condenação. Medo da doença, medo da morte, medo de ser abandonado, desprezado, ridicularizado. É preciso vencer o medo! O medo fecha a porta para Deus e para os irmãos! “No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo!” (Jo 16,33).

Mas há o outro lado da moeda: aqueles que querem amedrontar, causar pânico, intimidar os outros, gritar, esbravejar, fazer calar a boca. Quantas pessoas se satisfazem provocando medo para dominar! Querem se impor pela força física, pela pressão psicológica, pelo cargo que exercem, pelas ameaças que fazem, pelo poder econômico ou político. Há muitas pessoas que sofrem terrivelmente debaixo de gente perversa, dominadora, satânica. Há gente que domina os outros até mesmo servindo-se da religião ou da boa-fé. Crianças, mulheres, idosos, pobres, pessoas vulneráveis e indefesas são as principais vítimas dos dominadores e manipuladores inescrupulosos. Um pecado que brada aos céus e pede a Deus vingança! Jesus nunca se impôs aos outros, nunca amedrontou ninguém. Pelo contrário, sempre mostrou-se afável, acolhedor, doador do perdão e da paz.

“Como o Pai me enviou também eu vos envio”. Palavra de Jesus aos discípulos antes de comunicar-lhes do Dom do Espírito Santo. É um elemento essencial na missão. O Pai enviou o Filho para comunicar seu amor ao mundo. Agora o Filho envia aqueles que ele escolheu e consagrou com essa mesma missão: o Pai nos ama e quer salvar a todos. Quer comunicar-nos o perdão e a paz. A Igreja é a mensageira e portadora dessa Boa Nova.

ABRIR O CORAÇÃO PARA A MISSÃO

Ao longo de seu ministério Jesus havia prometido o Espírito Santo aos seus discípulos para auxiliá-los na tarefa que lhes confiaria. Ele teria a missão de inspirá-los, fortalecê-los, lembrar-lhes o que lhes havia ensinado. Desde então lhes restava plantar, pois o Pai garantiria a colheita.

Compete a nós abrir o coração para a ação do Espírito Santo em nós a fim de que nossa vida e nossas comunidades se renovem. Aquele vigor concedido aos primeiros discípulos continua sendo dado a quem se abre à sua ação libertadora. Deixemos o Espírito agir em nós, pois sem a sua força a Igreja fica estéril e confusa, sem ternura e sem missão.

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A FORÇA DO ALTO PERDOA E ANIMA

A festa de Pentecostes tem sua história na comunidade israelita. Inicialmente era o agradecimento a Deus pelos frutos da terra. Uma festa agrícola. Posteriormente foi associada à entrega da Lei no Sinai, tornado-se assim a festa da Aliança de Deus com seu povo.

No cristianismo, Pentecostes celebra a manifestação pública da Igreja. Embora, segundo João, o Espírito Santo seja dado no dia da Páscoa, na Ressurreição, a comunidade lucana a coloca cinquenta dias depois da Páscoa, para evocar e celebrar a manifestação pública da Igreja. Em forma de “línguas de fogo” para dizer do testemunho e da palavra dos discípulos de Jesus manifestando a ação de Deus na pessoa de Jesus de Nazaré. No Sinai foi entregue a Lei a Moisés, escrita em tábuas de pedra. Aqui celebramos a Lei derramada nos nossos corações.

 O evangelho deste domingo mostra a comunidade dos discípulos acuada, medrosa. Os discípulos não tinham iniciativa nem coragem de anunciar a experiência que haviam feito de Jesus. Aquele em quem haviam depositado a esperança frustrou-lhes as expectativas: morrera na cruz como um malfeitor. Porém, a divina “Ruah” do alto, aquele Sopro vital os encheu de novo ânimo, de coragem. Começam então a anunciar, com todo ardor e entusiasmo, aquela realidade que haviam experimentado: a vida de Jesus e a vida em Jesus é o caminho para se viver de maneira justa, alegre e mais feliz.

Soprou sobre eles e disse...”. Esta passagem nos faz lembrar aquele sopro vital que o Criador fez penetrar no homem formado da argila: “Ele insuflou nas suas narinas o hálito da vida, e o homem se tornou um ser vivo” (Gn 2,7). Ou mesmo aquele Sopro de vida de que fala o profeta Ezequiel: “Porei meu sopro em vós para que vivais” (Ez 37,14). Somos cristãos leigos de barro, padres de barro, bispos de barro. É o Sopro Santo de Deus que nos comunica vida. Jesus comunica a nova vida que ele veio trazer do Pai: o Espírito Santificador que nos inspira, nos ilumina, nos fortalece para darmos testemunho da ressurreição do Senhor.

É interessante notar que o Espírito Santo não desceu somente sobre os “Onze”. Ele veio sobre todos que estavam no Cenáculo. Ali havia muitas outras pessoas além dos Apóstolos. O Espírito de Jesus penetra no coração daquelas pessoas e lhes dá novo vigor, novo sentido de vida. Sem o Espírito Santo a vida fica sem sentido, vazia, deslocada daquele centro vital para o qual o Pai nos criou. Desfocada, a vida começa a perder o sentido e o pecado encontra guarida dentro de nós. É a destruição da vida da pessoa. A alegria dá lugar à tristeza, a paz cede a brigas e intrigas, a partilha perde terreno para o egoísmo, o perdão é substituído pelo desejo de vingança, a fraternidade é suplantada pela dominação e coisificação das pessoas, a fé perde para a dúvida e o ceticismo.  Quando Jesus sopra sobre os discípulos e lhes dá o Espírito Santo com o poder de perdoar os pecados, ele quer mostrar que a missão da Igreja, pela força do Espírito Santo, deve ser a de tirar o pecado do mundo.

O pecado, segundo Pe. Antônio Pagola, é a “força de gravidade que nos impede de ir a Deus”. Muito mais do que culpa, é peso, escravidão. Mais do que falar de perdão, é preciso, pois, falar de libertação. Por isso chamamos a Jesus de Salvador. Nota-se, pois, uma vez mais, que o Evangelho não é um ligeiro verniz que se passa no ser humano, mas é tomá-lo a partir do seu ser mais profundo, assim como é, e tornar possível sua volta para Deus. Este é o primeiro fruto do Espírito de Jesus: a libertação. Este é o Espírito, o Espírito do Filho, o Espírito dos filhos, aquele que nos resgata da escravidão da terra e nos abre o horizonte luminoso de filhos.

Esse Espírito traz e atualiza a novidade de Cristo: “Sem o Espírito Santo, Deus está distante; o Cristo permanece no passado; o evangelho, uma letra morta; a Igreja, uma simples organização; a autoridade, um poder; a missão, uma propaganda; o culto, um arcaísmo; e a ação moral, uma ação de escravos. Mas no Espírito Santo o cosmos é enobrecido pela geração do Reino, o Cristo ressuscitado está presente, o evangelho se faz força do Reino, a Igreja realiza a comunhão trinitária, a autoridade se transforma em serviço, a liturgia é memorial e antecipação, a ação humana se deifica” (Atenágoras I, Patriarca de Constantinopla).

Todos nós sentimos dificuldades. Todos sentimos a fraqueza na fé, a fragilidade da existência, a força do pecado em nós. Por vezes o mal parece prevalecer. O bem fica apagado. Fazemos o bem, nos empenhamos na construção de um mundo melhor, mas parece que nossa luta é em vão. Então peçamos ao Espírito Santo que, como aos discípulos e discípulas no Cenáculo, nos encha de seu amor, de sua luz, de sua força:

Vem Espírito Santo e liberta-nos do pecado, sustenta nossa pequenez, dá-nos tua força contra o mal. Não nos deixes desanimar, desistir de caminhar na direção do bem. Mais do que fazer o bem, ajuda-nos a ser bons, justos, solidários, fraternos, promotores da paz. Enche-nos de tua bondade, de tua sabedoria para reproduzirmos em nossa vida as ações de Jesus que “passou pelo mundo fazendo o bem”. Amém.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Nossa missão: testemunhar e abençoar

aureliano, 30.05.25

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Ascensão do Senhor [1º de junho de 2025]

[Lc 24,46-53]

“Homens da Galiléia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu” (At 1,11). Estas palavras ditas pelos anjos por ocasião da subida de Jesus ao Pai, são interpretadas pela Igreja como uma palavra que nos exorta a não ficarmos parados, alienados olhando para o céu, mas que continuemos nossa caminhada nos preparando para a volta do Senhor. Essa é a missão da Igreja: ensinar e ajudar as pessoas a viver com o coração no céu e os olhos na terra.

No relato de hoje, Jesus se despede dos seus abençoando-os e confiando-lhes uma missão, a sua própria missão. Jesus não ficará na cova da morte, mas triunfará da morte e do pecado. Ele ressuscitará. E a comunidade dos crentes deverá anunciar o bem que ele fez à humanidade: a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações. O discípulo deve dar testemunho de tudo isso.

Dar testemunho significa deixar transparecer na palavra e na vida a realidade do que se crê. Dar testemunho da morte e ressurreição de Jesus é expressar com a própria vida a bondade que Jesus manifestou em sua vida. É acolher, perdoar, curar os enfermos, doar-se aos pequenos, enfrentar os riscos e perigos para defender os pequeninos do Reino, é assumir o Deus de Jesus como o absoluto da vida. E tudo isso só será possível mediante a “força do alto”. É o Espírito Santo que dará a força, a luz e a sabedoria para que o discípulo de Jesus possa reproduzir em sua vida as ações do Mestre.

“Vós sereis testemunhas de tudo isso”. Os discípulos serão testemunhas da conversão para o perdão dos pecados, realidades trazidas por Jesus. Ou seja, eles anunciarão com a palavra e com a vida a irrupção de Deus na história humana para transformá-la pela conversão e pelo perdão. O pecado desarmoniza, desorganiza, desconfigura o ser humano. A vida nova trazida por Jesus transfigura, pela força do Espírito Santo, o ser humano. A humanidade transfigurada, reconfigurada pelo Evangelho traz alento e devolve a alegria de viver.

A bênção foi o grande dom que Jesus confiou aos discípulos antes de voltar ao Pai: “Ergueu as mãos e os abençoou”. É muito importante retomarmos a reflexão sobre a bênção. Vem de benedicere=bendizer. É cantar um bendito a Deus pelos dons da criação. É ação de graças ao Pai por tudo que Ele faz por nós. É também dizer palavras de bem para alguém. Foi o que fez Jesus. É o que fazem nossos pais conosco. É o que fazemos com nossos filhos, netos, afilhados etc. Deus nos livre de ser pessoas que amaldiçoam, que carregam a maldade no coração, o desejo de vingança! É preciso que sejamos como Abraão: uma bênção (cf. Gn 12,2). Na medida em que nos aproximamos de Jesus, nos tornamos discípulos dele, nos enchemos de Deus, nos deixamos tomar por ele, fazemo-nos uma fonte de bênção para os outros.

O evangelho termina com estas palavras: “E estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus”. O evangelho de Lucas começa no Templo – anúncio do anjo a Zacarias – e termina no Templo. Zacarias estava no Templo oferecendo incenso ao Senhor. Aqui os discípulos estão bendizendo. Abençoados por Jesus, elevam uma oração de bênção. A bênção que transmitimos aos outros não é nossa, mas procede de Deus. Ele é o “Sol” e nós somos a “lua” que não tem luz própria, mas reflete a luz do Sol.

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Estamos celebrando o Dia Mundial das Comunicações Sociais com o tema: Partilhai com mansidão a esperança que está nos vossos corações (cf. 1 Pd 3,15-16).

Acompanhemos um trecho da mensagem do saudoso Papa Francisco que nos ajuda a rezar e refletir sobre a comunicação da esperança:

“Hoje em dia, com demasiada frequência, a comunicação não gera esperança, mas sim medo e desespero, preconceitos e rancores, fanatismo e até ódio. Muitas vezes, simplifica a realidade para suscitar reações instintivas; usa a palavra como uma espada; recorre mesmo a informações falsas ou habilmente distorcidas para enviar mensagens destinadas a exaltar os ânimos, a provocar e a ferir. Já várias vezes insisti na necessidade de “desarmar” a comunicação, de a purificar da agressividade. Nunca dá bom resultado reduzir a realidade a slogans. Desde os talk shows televisivos até às guerras verbais nas redes sociais, todos constatamos o risco de prevalecer o paradigma da competição, da contraposição, da vontade de dominar e possuir, da manipulação da opinião pública.

Há ainda um outro fenômeno preocupante: poderíamos designá-lo como a ‘dispersão programada da atenção’ através de sistemas digitais que, ao traçarem o nosso perfil de acordo com as lógicas do mercado, alteram a nossa percepção da realidade. Acontece portanto que assistimos, muitas vezes impotentes, a uma espécie de atomização dos interesses, o que acaba por minar os fundamentos do nosso ser comunidade, a capacidade de trabalhar em conjunto por um bem comum, de nos ouvirmos uns aos outros, de compreendermos as razões do outro. Parece que, para a afirmação de si próprio, seja indispensável identificar um “inimigo” a quem atacar verbalmente. E quando o outro se torna um “inimigo”, quando o seu rosto e a sua dignidade são obscurecidos de modo a escarnecê-lo e ridicularizá-lo, perde-se igualmente a possibilidade de gerar esperança. Como nos ensinou D. Tonino Bello, todos os conflitos ‘encontram a sua raiz no desvanecer dos rostos’. Não podemos render-nos a esta lógica.

(...) É interessante notar que o Apóstolo convida a dar conta da esperança ‘a todo aquele que vo-la peça’. Os cristãos não são, antes de mais, aqueles que ‘falam’ de Deus, mas aqueles que fazem ressoar a beleza do seu amor, uma maneira nova de viver cada pequena coisa. É o amor vivido que suscita a pergunta e exige uma resposta: porque é que viveis assim? Porque é que sois assim?” (Mensagem do Papa Francisco para o 59º Dia Mundial das Comunicações Sociais).

Nesse dia seria bom examinarmos como está nossa comunicação. A começar dentro de nossa casa. Estamos nos entendendo? Paramos para escutar? Como resolvo os conflitos: brigando ou dialogando? Ainda mais: por onde ‘navego’ nas redes sociais? A que programas de TV assisto? Que sites frequento? Que tipo de comunicação e relacionamento estabeleço no Facebook, no Twitter, no Instagram, no WatsApp etc? Compartilho mentiras, desinformação? As redes sociais são um importante instrumento de comunicação, de informação, de formação e de evangelização. Mas é preciso utilizá-las com moderação e sabedoria.

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Gostaria de lembrar um acontecimento fundante na Igreja e para a Igreja: a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos a realizar-se nos dias 1º a 08 de junho: “Em 2025, a Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC) convida todas as Igrejas, comunidades de fé e pessoas comprometidas com o ecumenismo a se unirem sob o lema “Crês nisso?”, em referência à pergunta de Jesus a Marta, em João 11,26. A iniciativa deste ano tem um significado ainda mais especial: celebra os 1700 anos do Concílio de Niceia (325 d.C.), marco histórico da unidade eclesial e da formulação da primeira confissão de fé comum entre cristãos.

Organizada pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), a SOUC 2025 tem como proposta fortalecer os laços entre as diferentes tradições cristãs e reafirmar que, em meio à diversidade de expressões, a busca pela unidade continua sendo um testemunho essencial do Evangelho”. (https://www.cnbb.org.br/semana-de-oracao-pela-unidade-crista-2025).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Ouvir, guardar e viver a Palavra

aureliano, 23.05.25

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6º Domingo da Páscoa [25 de maio de 2025]

[Jo 14,23-29]

Estamos no discurso de despedida de Jesus. Em breve ele será glorificado pelo Pai na sua entrega na cruz. Ao partir deste mundo, encerra sua missão terrena. De volta ao Pai deixa os continuadores de sua missão. Continua junto deles na ação do Espírito Santo. Essa ação divina e trinitária se faz presente na história através da Igreja.

Existe, no entanto, um “porém”: o discípulo precisa manifestar seu amor a Jesus guardando a sua palavra. Guardar a Palavra significa ter uma vida condizente com a fé professada. Significa ter a atitude de Maria que guardava no coração os acontecimentos e neles meditava(cf. Lc 2,19). Significa deixar-se conduzir por Deus e modelar a vida de acordo com o ensinamento de Jesus. É uma concretização do amor que Deus colocou dentro de nosso coração pelo Espírito Santo.

Jesus não abandona os seus. Está com eles. Envia-lhes o Consolador, aquele que os defenderá do maligno e não os deixará cair no desânimo. Aquele que não deixará o ensinamento de Jesus cair no esquecimento: “Ele vos recordará tudo o que vos tenho dito”. O que importa a Jesus é que sua mensagem não seja esquecida. Essa mensagem, Boa Nova para a humanidade, não pode ser esquecida porque é o projeto do Pai de humanização da humanidade. Projeto este que Jesus veio revelar.

Talvez caibam aqui algumas perguntas: O que estamos guardando de Jesus? Ou manipulamos com nossas doutrinas e conveniências o ensinamento do Mestre de Nazaré? O que ouço e guardo do Evangelho transforma minha vida, fazendo-me agir de modo novo?

O Espírito Santo é a garantia de que Jesus não abandona seus discípulos à orfandade. O Consolador os defenderá do risco de se desviarem do caminho de Jesus. Ele os enviará para o meio dos pobres: “O Espírito do Senhor está sobre mim e me enviou para anunciar a boa nova aos pobres” (Lc 4,18). Essa vida segundo o Espírito educa o discípulo para viver o estilo de vida de Jesus.

Jesus deixa a paz aos discípulos. Não é a paz mundana. Mas aquela paz que garante a plenitude da vida para todos. Fruto de uma vida vivida na comunhão e intimidade com o Pai. Essa paz, haurida do coração do Pai, deve ser levada aos ambientes por onde passarmos. As pessoas de nossa convivência devem ser contagiadas por essa paz, esse jeito de lidar com os desafios e desencontros a partir de Jesus.

Um cuidado que precisamos ter é o de jamais perdermos essa paz ou nos acovardarmos diante da missão: “Não se perturbe nem se intimide o vosso coração”. Por que então há tanto medo do futuro e da sociedade moderna? Não tenhamos medo, pois o mundo tem sede e fome de Deus. Nossa missão é ajudar as pessoas a saciar sua fome e sede numa vida nova vivida de acordo com o projeto do Pai. Há grandes sinais da presença amorosa de Deus junto de nós. O Papa Francisco, por exemplo, foi um presente de Deus: ele nos convida a tornarmos nossa Igreja mais próxima do evangelho, mais fiel a Jesus. É o Senhor presente na sua Igreja que deve acolher a todos indistintamente.

Prestemos atenção nestas palavras tão significativas da primeira leitura de hoje (At 15,1-2.22-29), num contexto de controvérsia por causa da cultura religiosa: “Decidimos, o Espírito Santo e nós, não vos impor nenhum fardo, além destas coisas indispensáveis: abster-se de carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, das carnes de animais sufocados e das uniões ilegítimas. Vós fareis bem se evitardes essas coisas”. Qual é a questão fundamental aqui? A ameaça à comunhão da Igreja. Não há Igreja se não existe comunhão. E não há comunhão se não se eliminam as barreiras. As barreiras da mentira, do preconceito, da raça, das ideologias, da intolerância, da falta de perdão. Esse relato quer nos dizer que devemos nos ater ao que é essencial: a adesão e seguimento a Jesus como Igreja, em comunhão. Não nos prendermos a crendices, a discussões ocas, a devoções vazias de sentido, a costumes que não respondem mais às necessidades de nosso tempo, a imposições religiosas, a moralismos e rigidezes doutrinárias. Precisamos, de novo, olhar para Jesus. E aprendermos dele as atitudes que nos transformam e transformam o mundo. É por isso que São Carlos de Foucauld, canonizado pela Igreja recentemente, tinha como lema: “Gritar o evangelho com a vida”. É o que basta!

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Não haverá mais templo (cf. Ap 21,22)

O templo onde a comunidade se reúne é significativo, mas não indispensável. O templo de Jerusalém era sinal tangível da presença de Deus, ponto de referência, sinal de unidade. Mas corria o risco de ser espaço de falso culto, de formalidade litúrgica, de meio de exploração da fé do povo.

Hoje os templos se multiplicaram. Pra todo canto vemos um templo aberto. Mas não sei dizer até que ponto eles estão ali para ser sinal de Deus no meio de seu povo. Ser espaço de construção de unidade e fraternidade. Ser ambiente de encontro dos irmãos entre si e com Deus e de acolhida aos que chegam e saem. E até que ponto eles têm ajudado a colocar os fiéis em saída para o encontro com Deus presente nos pobres, no ser humano, templo vivo de Deus.

Um bispo mineiro, muito sábio e místico, anda dizendo que “estamos em tempos de tendas e jardins e não de templos... A Escuta exige abrir mão da inteligência para ouvir verdadeiramente a Palavra (com P maiúsculo) que o outro está dizendo... O momento é das virtudes femininas: beleza, delicadeza, gentileza... Estamos perdidos; necessitamos de espiritualidade e coragem para abrir picadas... Cristianismo não é religião; é um estado de espírito... Levem as crianças para a Serra de Santa Helena e deixem que contemplem, ou para um bairro pobre e deixem elas conviverem... É preciso ouvir o batimento das coisas...”

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Minha vida demonstra que sou cristão?

aureliano, 16.05.25

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5º Domingo da Páscoa [18 de maio de 2025]

[Jo 13,31-33a.34-35]

O contexto do evangelho de hoje é de despedida. Em breve os discípulos já não estarão mais com o Mestre. Acaba de lhes lavar os pés. Judas já tinha colocado no coração o propósito de entregá-lo. Mas Jesus não perde a serenidade e a ternura: “Meus filhinhos!”. Ele quer que fiquem gravados no coração dos discípulos seus últimos gestos e palavras.

Quando uma pessoa lúcida e serena sente chegar seu fim, costuma chamar os seus e fazer-lhes a recomendação final. Dá-lhes o testamento. Foi o que Jesus fez: deu aos discípulos “um mandamento novo: como eu vos amei, amai-vos uns aos outros”. Se os discípulos se amarem uns aos outros com aquele amor de Jesus, eles o sentirão sempre presente no meio deles.

Onde está a novidade do mandamento de amar o próximo, uma vez que já se encontrava na Escritura (Lv 19,18)? Também já se difundia a prática da filantropia entre os povos. O que há de novo no mandamento de Jesus? Certamente é aquele “como eu vos amei”. No início deste mesmo capítulo lemos: “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que a sua hora tinha chegado, a hora de passar deste mundo para o Pai, ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). O amor de Jesus se estende até às últimas conseqüências. É um amor de oferenda, de ágape.

Comentando esta passagem do Evangelho, Santo Agostinho escreve: “Mas este mandamento já não estava escrito na antiga lei de Deus, onde se lê: Amarás o teu próximo como a ti mesmo? (Lv 19,18). Por que então o Senhor chama novo o que é evidentemente tão antigo? Será um novo mandamento pelo fato de revestir-nos do homem novo, depois de nos ter despojado do velho? Na verdade ele renova o homem que o ouve, ou melhor, que lhe obedece; não se trata, porém, de um amor puramente humano, mas daquele que o Senhor quis distinguir, acrescentando: Como eu vos amei (Jo 13,34)” (Ofício das Leituras, Quinta-feira da 4ª semana da Páscoa).

Esse jeito de amar começou a se difundir entre os discípulos de Jesus. E contagiava os circunvizinhos. Por isso lemos nos Atos dos Apóstolos: “Foi em Antioquia que os discípulos foram designados pela primeira vez com o nome de cristãos” (At 11,26). Porque a comunidade reconheceu neles a mesma ação de Jesus: seguidores de Cristo. E lemos no comentário de Tertuliano (séc. II) a admiração dos pagãos em relação aos cristãos: “Vejam como eles se amam!”.

Este amor vivido e proposto por Jesus gera uma nova forma de vida. Não fecha a comunidade em si mesma. Ela se abre a novos horizontes de relação. Ninguém se coloca acima de ninguém. Há respeito mútuo, colaboração, fraternidade. Cria-se um clima de simplicidade, de pequenez, de igualdade. Na comunidade inspirada em Jesus não são os pequenos que atrapalham, mas os grandes.

Por isso Jesus vai indicar a carteira de identidade do cristão: “Nisto todos reconhecerão que sois meus discípulos: no amor que tiverdes uns para com os outros” (Jo 13,35). O que irá permitir reconhecer se uma comunidade é verdadeiramente cristã não será a confissão de uma doutrina, nem seus ritos e disciplinas, mas se ela vive o amor com o espírito de Jesus. É a carteira de identidade cristã.

É certo que vivemos numa sociedade avessa à prática do amor gratuito, generoso. Há trocas de sentimentos, de carícias, de presentes, de corpos, de amizade. Mas quando se exige doação, entrega, oferenda, dificilmente encontramos alguém que se disponha a fazê-lo. Uma coisa é certa: não é possível viver esse mandamento de Jesus sem rompimento com a sociedade egoísta e interesseira que nos cerca. O estilo de vida tem que mudar.

Quando olhamos para nossa Igreja em crise de identidade, com dificuldade de penetrar nas estruturas e culturas contemporâneas, podemos concluir que não se trata simplesmente de uma sociedade perversa, mas porque, por vezes nos falta a nós cristãos aquela atitude assumida e vivida por Jesus. Falta-nos o distintivo cristão.

“Não há símbolo, ícone, discurso, teoria ou espaço que poderá nos identificar como seguidores do Mestre, a não ser o amor vivido cotidianamente. Há até quem diga que formamos a Igreja-Povo de Deus para nos obrigar à conversão ao Amor” (União Marista do Brasil, Mensagem de vida, Nº 20).

Falamos muito de amor. Quando olhamos para Jesus e contemplamos suas atitudes, notamos que ele viveu o amor como algo incorporado em seu existir. Gestos de amor, brotados de um coração que ama, capaz de recriar as pessoas, de perdoar, de acolher, de lutar contra tudo o que desumanizava e fazia sofrer o ser humano. E nós...?

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Aprofundando (escrito por volta do ano 120 de nossa era)

“Os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela terra, nem pela língua, nem pelos costumes. Nem, em parte alguma, habitam cidades peculiares, nem usam alguma língua distinta, nem vivem uma vida de natureza singular. Nem uma doutrina desta natureza deve a sua descoberta à invenção ou conjectura de homens de espírito irrequieto, nem defendem, como alguns, uma doutrina humana. Habitando cidades Gregas e Bárbaras, conforme coube em sorte a cada um, e seguindo os usos e costumes das regiões, no vestuário, no regime alimentar e no resto da vida, revelam unanimemente uma maravilhosa e paradoxal constituição no seu regime de vida político-social.

Habitam pátrias próprias, mas como peregrinos: participam de tudo, como cidadãos, e tudo sofrem como estrangeiros. Toda a terra estrangeira é para eles uma pátria e toda a pátria uma terra estrangeira. Casam como todos e geram filhos, mas não abandonam à violência os neonatos. Servem-se da mesma mesa, mas não do mesmo leito. Encontram-se na carne, mas não vivem segundo a carne. Moram na terra e são regidos pelo céu. Obedecem às leis estabelecidas e superam as leis com as próprias vidas.

Amam todos e por todos são perseguidos.

Não são reconhecidos, mas são condenados à morte; são condenados à morte e ganham a vida.

São pobres, mas enriquecem muita gente; de tudo carecem, mas em tudo abundam.

São desonrados, e nas desonras são glorificados; injuriados, são também justificados.

Insultados, bendizem; ultrajados, prestam as devidas honras.

Fazendo o bem, são punidos como maus; fustigados, alegram-se, como se recebessem a vida.

São hostilizados pelos Judeus como estrangeiros; são perseguidos pelos Gregos,
e os que os odeiam não sabem dizer a causa do ódio. 

Numa palavra, o que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo” (Carta a Diogneto, século II).

*Neste dia 18 de maio comemora-se o “Dia nacional de combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes”. A cada hora 3 crianças são abusadas no Brasil. Cerca de 51% tem entre 1 a 5 anos de idade. Todos os anos 500 mil crianças e adolescentes são explorados sexualmente no nosso país e há dados que sugerem que somente 7,5% dos dados cheguem a ser denunciados às autoridades, ou seja, estes números na verdade são muito maiores. Vamos colaborar para garantir às crianças e adolescentes o direito de crescerem com dignidade e respeito. Trabalhe uma educação aberta, de diálogo, de acompanhamento da criança, de atenção por onde e com quem ela anda. Também por onde ela navega nas redes sociais. Enfim, vamos cuidar de nossas crianças e adolescentes para que possam ter uma vida saudável, direito de todos e sonho de Deus para a humanidade.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Ele nos conhece e nos chama pelo nome

aureliano, 10.05.25

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4º Domingo da Páscoa [11 de maio de 2025]

[Jo 10,27-30]

O contexto do evangelho de hoje é o de Jesus passeando dentro do Templo, por ocasião da festa da Dedicação, quando um grupo de judeus se aproxima, ameaçando-o. Jesus lhes recrimina a falta de fé: “Vós não credes porque não sois das minhas ovelhas” (Jo 10,26). Ouvindo estas palavras os judeus queriam apedrejá-lo (Jo 10,31).

E Jesus lhes diz que, para ser ovelhas do seu rebanho, precisam escutar a sua voz: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem”. Aqui está o que é essencial na fé cristã: ouvir a voz de Jesus e segui-lo. Não é cristão quem se recusa a escutar a Jesus e não se dispõe a segui-lo.

A primeira coisa que precisamos trabalhar em nós é a capacidade de escutar. É o que a Campanha da Fraternidade de 2022 - “Fraternidade e Educação” - propõe como primeira atitude: “O que escutamos e como escutamos orienta o nosso fazer cotidiano e a própria sociedade: escutar é uma condição para nossas relações, para a compreensão do que se passa, para o diagnóstico dos caminhos que devemos tomar e, especialmente, escutar é uma condição para falar com sabedoria e ensinar com amor. Escutar o outro, como Jesus nos demonstrou em toda a sua pedagogia, é o ponto de partida para acolher, compreender, problematizar e transformar a realidade” (Texto-base, 27).

Nesse discipulado em busca de aprender a escutar o outro, precisamos, em meio a tantas vozes que ressoam aos nossos ouvidos, desenvolver a capacidade de distinguir a voz do Bom Pastor. Sua voz não se mistura com os gritos do consumismo, da teologia da prosperidade e da retribuição, do desespero, das ameaças, dos moralismos, do preconceito, daqueles que defendem e propagam a violência e o armamento dos civis. Não! A voz de Jesus se confunde com sua própria vida. Ele dá a vida por suas ovelhas. Quem não tem coragem de dar a vida, de se colocar a serviço, não pode ser ouvido nem seguido. É a voz do lobo que quer devorar: pensa somente em si mesmo. O pastor se sacrifica pelo bem das ovelhas; o mercenário sacrifica as ovelhas em seu próprio benefício.

A palavra viva, concreta e inconfundível de Jesus deve ocupar o centro de nossa vida, de nossas famílias e de nossas comunidades. Por isso precisaríamos adotar o piedoso costume de, todas as manhãs, meditar um trechinho da Sagrada Escritura. Assim vamos nos aproximando daquele ideal de discípulo que sabe ouvir e sabe dizer uma palavra de conforto ao que sofre: “O Senhor Deus me deu língua de discípulo para que soubesse trazer ao cansado uma palavra de conforto. De manhã em manhã, sim, desperta o meu ouvido, para que eu ouça como os discípulos. O Senhor Deus abriu-me o ouvido, e eu não fui rebelde, não recuei” (Is 50,4-5).

Juntamente com a escuta da voz do Pastor vem a segunda parte determinante no discipulado: o seguimento. Prega-se por aí uma religião aburguesada, descomprometida com as dores do povo. Como se o culto fosse um lugar de ‘sedar’ as consciências, de busca de ‘conforto’ espiritual, de uma espécie de ‘negócio’ com Deus. Ao ouvir a Palavra, precisamos nos posicionar. A fé cristã incide diretamente no modo de viver do cristão. A oração (diálogo com Deus) nos coloca na dinâmica da realização da vontade do Pai. É o seguimento de Jesus: crer no que ele creu, dar importância ao que ele deu, defender a causa que ele defendeu, aproximar-se dos pequenos e indefesos como ele se aproximou, confiar no Pai como ele confiou, enfrentar a cruz com a esperança que ele enfrentou.

Escutar a voz do Bom Pastor pode ser até fácil. Mas segui-lo demanda tomada de decisão, atitude cotidiana de conversão. Pe. Antônio Pagola diz que “É fácil instalar-nos na prática religiosa, sem deixar-nos questionar pelo chamado que Jesus nos faz no evangelho deste domingo. Jesus está dentro da religião, mas não nos arrasta para seguirmos seus passos. Sem dar-nos conta nos acostumamos a viver de maneira rotineira e repetitiva. Falta-nos a criatividade, a renovação e a alegria de quem vive esforçando-se por seguir a Jesus” (www.musicaliturgica.com).

O evangelho de hoje traz três verbos que não podem ser esquecidos: a) Ele “conhece” suas ovelhas. Chama pelo nome. É tão importante ser reconhecido pelo nome e não por um número ou coisa semelhante. b) As suas ovelhas ”o seguem”. Importa seguir o Bom Pastor. Não seguir pessoas ou influenciadores sociais. Mas seguir a Jesus. c) Ele “dá sua vida” por elas. Faz a oferta de si mesmo. Ele lhes dá a vida eterna que já começa aqui. Quem escuta sua voz e o segue está na vida eterna. Deve ser uma grande alegria para o seguidor de Jesus.

Louvemos e agradeçamos a Deus pela escolha de Leão XIV, que acolheu o convite do Senhor para ser Bispo de Roma e Pastor da Igreja Universal. Deus o ilumine e inspire nesse serviço árduo e necessário para o bem da Igreja e do mundo. Ele teve como primeira palavra um apelo à paz que brota do Ressuscitado, o Bom Pastor: “A paz esteja com todos vós! Caríssimos irmãos e irmãs, esta é a primeira saudação de Cristo Ressuscitado, o Bom Pastor, que deu a vida pelo rebanho de Deus. Também eu gostaria que esta saudação de paz entrasse no vosso coração, chegasse às vossas famílias, a todas as pessoas, onde quer que se encontrem, a todos os povos, a toda a terra. A paz esteja convosco!”

Considerações necessárias:

  1. Hoje é o dia das Pastorais da Igreja. Estas são um modo de Jesus pastorear seu rebanho. Um modo de servir às várias necessidades das comunidades. Pastoral do batismo, da liturgia, da catequese, do dízimo, da criança, da mulher marginalizada, do menor, dos encarcerados etc. Não se trata de uma mera organização. Trata-se de um modo de serviço, a partir de Jesus, dentro da Igreja, às várias necessidades das pessoas. É importante assumir esse serviço como um ‘lavar os pés’. Jamais como meio de autopromoção, de desfile dentro do templo nos corredores e presbitérios a cata de aplausos e reconhecimento. Há pessoas na liderança da comunidade (padres e leigos) que vivem buscando vantagens, lucros, em constante competição, atrás de benesses sociais e financeiras, transformando o espaço litúrgico num palco. É preciso lançar um olhar para o Bom Pastor. Papa Francisco não se cansava de repetir que “Missa não é espetáculo, mas encontro com o Senhor”.
  2. Há muitas formas de ser pastor: pastores devem ser os pais, os professores, os chefes de órgãos públicos. Como os líderes religiosos e políticos estão exercendo seu serviço? São pastores ou mercenários? Qual é o nível de seu interesse pela pessoa humana? – Infelizmente, o que temos presenciado, ultimamente, nos homens públicos de nosso país, enche-nos de vergonha: uma busca desenfreada pelo poder, pelo dinheiro, por benefícios pessoais, sem o mínimo de ética e de respeito pelos pobres de nossa nação! Na campanha eleitoral enchem a boca para dizer que vão defender os direitos dos pobres e trabalhadores. Depois, enchem o bolso de dinheiro surrupiado dos pobres.
  3. Convido o leitor para prestar atenção nesse trechinho da Mensagem dos Bispos, nossos Pastores, por ocasião da 57ª Assembleia Geral: “A violência também atinge níveis insuportáveis. Aos nossos ouvidos de pastores chega o choro das mães que enterram seus filhos jovens assassinados, das famílias que perdem seus entes queridos e de todas as vítimas de um sistema que instrumentaliza e desumaniza as pessoas, dominadas pela indiferença. O feminicídio, o submundo das prisões e a criminalização daqueles que defendem os direitos humanos reclamam vigorosas ações em favor da vida e da dignidade humana. O verdadeiro discípulo de Jesus terá sempre no amor, no diálogo e na reconciliação a via eficaz para responder à violência e à falta de segurança, inspirado no mandamento “Não matarás”, e não em projetos que flexibilizem a posse e o porte de armas”.
  4. É urgente lembrar que hoje é dia, também, de oração pelas vocações sacerdotais, religiosas e ministeriais na Igreja. Você reza pelas vocações? O que você faz para que mais pessoas tenham a coragem de dar seu sim generoso ao chamado do Pai para um serviço específico na Igreja, como padre, religioso, religiosa? Precisamos pedir ao Pai que “envie trabalhadores para a messe”. E, junto à oração, incentivar e apoiar aqueles que se dispõem a entrar nesse caminho.
  5. Celebramos também o Dia das Mães. Seria bom nos lembrarmos neste dia das mães sofredoras. Há mães que não experimentam alegrias neste dia. Talvez experimentem ainda uma dor maior. Que tal fazermos uma visita solidária a alguma mãe sofrida? Que tal darmos uma presença a crianças que não têm a mãe por perto? Mais do que festanças, comilanças e bebedeiras, precisamos caminhar na direção de maior solidariedade! – Um excelente serviço às mães é repartir as tarefas de casa, aliviar o peso dos trabalhos que as mães costumam ter de trabalhar fora e ainda em casa. Expressar agradecimento pelas incontáveis noites de sono perdidas e inumeráveis serviços, com um “muito obrigado”. E elevar a Deus uma prece de louvor e de ação de graças pela mãe que arriscou sua vida para nos gerar.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Tu me amas?” - um salto no amor

aureliano, 03.05.25

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3º Domingo da Páscoa [04 de maio de 2025]

 [Jo 21,1-19]

A descrição do encontro de Jesus com os discípulos à beira do Mar da Galiléia tem clara intenção catequética. O evangelho quer mostrar que, somente com a presença de Jesus é que o trabalho evangelizador tem eficácia. Não adianta querer confiar somente em si mesmo, nas próprias forças. O trabalho resulta em vão.

Outro elemento fundante no relato é o amor. A liderança que não ama a Jesus na pessoa dos irmãos mais pobres, mais fragilizados não dá conta de agir em nome do Mestre. Vai desanimar, pois está anêmica.

O trabalho se deu à noite. Ou seja, a vida para os discípulos estava obscura, sem horizonte, sem sentido. Passavam, provavelmente, por perseguições e dificuldades de todo tipo. Não se pode esquecer de que os discípulos seguem a iniciativa de Pedro, o líder, mas sem a presença de Jesus. Não adianta enfrentar a “escuridão” confiando nas próprias forças. É um trabalho sem frutos. Sem a presença de Jesus ressuscitado, sem a luz de sua palavra, não há evangelização fecunda, frutuosa.

“Ao amanhecer”, ou seja, sob a luz da presença de Jesus e alimentados por sua palavra, conseguem surpreendente resultado. É a luz que brilha nas trevas da noite. Eles só reconhecem a Jesus quando seguem, com docilidade, as indicações de sua palavra. Ninguém se faz missionário, evangelizador por si mesmo. É a Palavra de Deus que nos constitui. É ela que nos recria e nos orienta. Por isso dizia Santo Agostinho: “Creio para compreender”. Ou seja, precisamos seguir a Palavra de Jesus para acreditarmos na sua presença fecunda entre nós.

Uma das dificuldades que encontramos em nossas comunidades é o excesso de trabalho. Sempre as mesmas pessoas tentando dar conta de inúmeras atividades dentro da comunidade. Há excessiva preocupação com o rendimento, com resultados, quantificação; e um descuido em manter a presença viva do Ressuscitado no trabalho pastoral. Em que isso vai dar? Cansaço inútil, desânimo, abandono. O relato do evangelho de hoje nos indica que, o mais importante não é fazer muitas coisas, mas cuidar melhor da qualidade humana e evangélica do que fazemos.

Pe. Pagola diz uma palavra que nos ajuda a pensar em nossas práticas pastorais: “Não podemos cair na ‘epiderme da fé’. É tempo de cuidar, antes de tudo, do essencial. Enchemos nossas comunidades de palavras, textos e escritos, porém, o decisivo é que, entre nós, se escute a Jesus. Fazemos muitas reuniões, porém a mais importante é a que nos congrega a cada domingo para celebrar a Ceia do Senhor. Somente nele se alimenta nossa força evangelizadora”.

Pe. Herval, nosso irmão sacramentino, de saudosa memória, costumava dizer com muita sabedoria: “Nosso povo precisa é de alimento, não de documento”. E metaforizava: “A mãe não coloca na boca da criança de peito um bife, mas o peito cheio de leite. Isto é, aquilo que a mãe comeu, transformou-se em leite para alimentar seu filhinho. O líder evangelizador deve oferecer o que foi assimilado primeiro por ele mesmo”.

Quando Jesus confia o rebanho a Pedro, significa que ele quer-nos confiar sua Igreja. Não podemos ficar na defensiva, na busca de nossos interesses e conveniências, parecendo que a comunidade não nos diz respeito. Sim! A comunidade é de nossa responsabilidade. Todos devem se preocupar e “apascentar” o rebanho. Todos devem atentar para as “ovelhas” feridas e perdidas. Todos somos responsáveis pelo rebanho do Senhor. E somente o amor de generosidade e gratuidade nos poderá sustentar nessa tarefa.

Junto a essa reflexão, é preciso atentarmos também para a importância de uma “fé agindo pela caridade” (Gl 5,6). É nessa direção que o evangelho de hoje nos aponta quando mostra Jesus pedindo a Pedro: “Tu me amas?”. A liderança da comunidade precisa alimentar um amor profundo por Jesus para aguentar os embates e desafios da missão. E este amor se concretiza no amor aos irmãos, particularmente aos mais necessitados. Não se trata de um amor de amizade ou de bem-querer. Trata-se de um amor-ágape. É aquele amor que enfrenta a morte, que empenha a vida, que assume as últimas consequências como Jesus, como Maria, como os santos. Amor doação, ou “amor-sacrifício”, na expressão do Pe. Júlio Maria.

Vamos dar uma olhadinha para nossas comunidades e nossa vida de fé. Que lugar ocupa Jesus ressuscitado em nossas atividades? O essencial tem sido o fazer ou a vida de intimidade com o Senhor? Partimos dEle ou partimos de nós? Os trabalhos que fazemos na comunidade são em função de nossa projeção e reconhecimento social ou para que o Reino de Deus se realize na história? Onde estamos?

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Aprofundando um pouco mais. Os estudiosos dos textos bíblicos dizem que Jesus interrogava Pedro com o verbo correspondente a ágape (“tu me amas?”), amor oblativo, desinteressado, gratuito. E Pedro respondia sempre com o verbo correspondente a filia (“eu te amo”), amor de amizade. Na terceira vez Jesus usou o mesmo verbo com que Pedro respondia: “tu me amas?”, isto é, “tu queres ser meu amigo?”. Pedro respondeu que sim, que o amaria com o amor de amizade (filia).

Parece que Jesus sentiu que Pedro estava com dificuldade de amá-lo com um amor sublime. Então se abaixa, caminha com Pedro até que ele consiga amar o Mestre com amor sublime, amor de ágape. Notamos a admirável bondade de Jesus de sempre “descer”, de vir até à nossa indigência e pequenez para nos fortalecer em nossa fraqueza.

Alimentados pela Palavra de Jesus e pelo pão e peixe (Eucaristia) podemos dar conta a amar a Jesus de todo o coração, todos os dias da vida. Poderemos seguir a Jesus: “Segue-me”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Tocar as chagas de Cristo

aureliano, 25.04.25

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2º Domingo da Páscoa [27 de abril de 2025]

 [Jo 20,19-31]

O evangelho narra a aparição de Jesus aos Apóstolos no dia da Páscoa, primeiro dia da semana, e o episódio de Tomé oito dias depois. Por isso, ao primeiro dia da semana, chamamos Domingo: o dia do Senhor. É o dia  da Ressurreição de Jesus, dia da Criação, dia do descanso do Homem/Mulher criados por Deus à sua imagem. Dia em que a comunidade cristã se reúne para dar graças ao Pai na celebração eucarística.

O relato mostra a identidade entre aquele que ressuscitou e o que foi crucificado. Por isso o Ressuscitado mostra a Tomé as marcas da paixão. Tomé representa a comunidade que duvida e que depois acredita. Aqueles que devem crer no testemunho dos apóstolos. Se no início a comunidade é acometida pelo medo, agora é tomada pelo novo vigor e alegria de crer no Cristo ressuscitado, presente em seu meio.

“Bem-aventurados os que crerem sem terem visto”. Em vez de provas palpáveis, nos é transmitido o testemunho escrito das testemunhas oculares de tudo quanto Jesus fez e ensinou. Vivemos num mundo em que se exigem provas para se acreditar. Muitos correm atrás de “milagres”. Se para acreditar precisamos de provas, de sinais do céu, restar-nos-ia acreditar em quê? Nossa fé não vem de provas palpáveis, mas das “testemunhas designadas por Deus” (At 10, 41). Nós acreditamos naquelas realidades que elas acreditaram e no-las anunciaram. Sabemos que seremos felizes se crermos sem ter visto.

Acreditamos na comunidade que os Apóstolos fundaram a partir da fé na ressurreição. É nesta comunidade que somos iniciados na fé, no discipulado. “A fé e o tesouro da mensagem evangélica são realidades que não se recebem pessoalmente, mas através da comunidade. A iniciação cristã pressupõe uma comunidade de fé” (Dom A. Possamai). Não é possível ser cristão sem estar inserido numa comunidade de fé. Nossa fé não é privada, mas apostólica e eclesial. “Para ser fiel a Cristo não basta orar e celebrar; é preciso fazer o que ele fez: repartir a vida com os irmãos. Crer não é somente aceitar verdades. É agir segundo a verdade do ser discípulo e seguidor de Cristo” (Pe. J. Konings).

Mais. Enquanto Tomé não fizera o encontro com o Senhor Ressuscitado tocando-lhe a chaga, não acreditara naquele a quem seguira por anos. O texto não diz que Tomé tocou a chaga do Mestre, mas permite perceber que ele a vira: “Estende tua mão e põe-na no meu lado... Porque viste, creste...” (Jo 20,27.29). Concluímos que, somente aquele que “tocar” a chaga do Ressuscitado poderá fazer uma profissão de fé que brota de dentro, isto é, verdadeira e comprometida. E que “chaga” é esta? Os pobres, preferidos do Senhor com quem ele se identifica: “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Em outras palavras: quem diz crer em Jesus Ressuscitado e não o reconhece (“toca”) nos pobres e sofredores, mostra uma fé cristã imatura e inadequada. E se Tomé representa a comunidade cristã, o que foi dito vale para a comunidade que se diz cristã, mas não “toca” os pobres.

A propósito ainda de Tomé, esta figura controvertida do evangelho de João, podemos afirmar que suas dúvidas e objeções transformaram-se em bênçãos para nós. Quando na Ceia Jesus afirmou: “Para onde eu vou, vós já conheceis o caminho”, Tomé responde: “Senhor, não sabemos para onde vais; como podemos conhecer o caminho?” Esta objeção de Tomé arrancou de Jesus uma das mais sublimes palavras do evangelho: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,4-6). São Gregório Magno, a propósito de Tomé, escreveu em uma de suas homilias: “A incredulidade de Tomé foi para nós mais útil do que a fé dos discípulos que haviam acreditado”. Suas dúvidas beneficiaram a fé na ressurreição.

Mais um pouquinho de Tomé. O Mestre, naquele encontro com seu apóstolo “incrédulo”, faz com que eleve seu nível de fé. Restabelecido pela presença do Ressuscitado, Tomé pronuncia aquelas palavras que ainda nenhum apóstolo atrevera a dizer, ao menos que se tenha registrado nos Evangelhos, a respeito de Jesus: “Meu Senhor e meu Deus”.

Peçamos ao Senhor que nos ajude na nossa pouca fé para que as sombras da dúvida, as incertezas e mesmo a perseguição ou o fracasso não nos dominem impedindo de levar a alegria da boa nova àqueles que jazem no desencanto, na desesperança, no isolamento. A experiência do encontro com o Ressuscitado deu novo vigor à comunidade para que pudesse continuar a missão de Jesus. E, já que não podemos “tocar” ou “ver” as chagas do Ressuscitado, Ele, como fizera ao leproso que lhe suplicara: “Senhor, se queres podes curar-me”, ao que responde: “Quero; fica curado!” (cf. Mt 8,2-3), toque e cure nossas chagas, incontestavelmente diversas das suas, pois produzidas pelo pecado ou pela nossa própria condição humana. Que a Eucaristia que celebramos, encontro com o Ressuscitado, nos liberte do medo, nos encha de alegria e de ardor para partilharmos com os mais necessitados o pão, a palavra, o afeto, a acolhida, a solidariedade, o perdão.

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UM ENCONTRO QUE TRANSFORMA

O evangelho deste domingo nos convida a lançar um olhar sobre nossas assembleias dominicais: como celebramos e que sentido continua tendo o domingo para nós cristãos? As celebrações não precisam ser teatrais nem shows para “atrair” as pessoas. Nem se destinam a isso! Precisamos de celebrações que ajudem os fiéis a fazer uma verdadeira experiência de Deus. E o domingo, o dia do Senhor, dia do descanso, dia da Criação, dia da Ressurreição, precisa recuperar seu sentido na vida do cristão.

Vivemos um tempo de crise sem precedentes na história da Igreja. Também a trajetória política e social de nosso País e do mundo, nos desencanta e entristece. Se não nos voltarmos para Jesus Cristo, realizando um encontro profundo com ele, um encontro capaz de renovar nossas estruturas de fé e de mente, de romper as dobras de nosso coração, não se manterá viva na história a memória de Jesus Ressuscitado. Pois há motivos de sobra para nos desacorçoarmos e desistirmos de nossa missão profética na história. Assim a Igreja ficaria omissa na sua missão de continuadora e atualizadora, pela força do Espírito Santo, dos gestos e palavras de Jesus.

O encontro com Jesus ressuscitado transformou a vida dos discípulos. E Tomé foi movido por aquela alegria contagiante de seus companheiros que lhe disseram: “Vimos o Senhor!” Embora tenha, inicialmente, relutado a crer, a fé dos seus irmãos o motivou a continuar dentro da comunidade. E Jesus lhe confirma a fé.

Tomé duvidou. O relato tem duas intenções: primeiro, quer mostrar que fora da comunidade é muito difícil de se crer e se salvar; segundo, esse relato quer dizer que é preciso crer no testemunho dos discípulos. Não é preciso ver para crer. Confirma o que ocorreu ao discípulo que Jesus amava: viu o túmulo vazio e creu (cf. Jo 20,8). Sem ter visto o Senhor ressuscitado, acreditou. Quem ama, crê. Isso veio desfazer uma mentalidade crescente, na época, que todos os que quisessem aderir à fé cristã precisavam “ver” o Ressuscitado. De ora em diante se confirmou: “Bem-aventurados os que creram sem terem visto”.

Ainda um elemento que não pode ser esquecido no relato de hoje é o dom da Paz que Jesus dá aos discípulos, e o dom do Perdão, grande presente pascal. A alegria da comunidade é experimentar, em meio ao medo da perseguição das autoridades judaicas, a paz que brota do coração amoroso de Cristo. E Jesus, sabendo das fraquezas humanas e dos pecados que daí provinham, oferece a “segunda tábua de salvação”, o sacramento da Reconciliação: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados”.

Mais do que nunca é urgente reafirmar nossa fé no Ressuscitado e na sua presença em nosso meio. Não se trata de pregar, de falar, de tentar convencer com afirmações doutrinais apenas, num proselitismo fanático. Isso vale muito pouco para o mundo em que vivemos. É preciso fazer experiência de um encontro verdadeiro. É notável quando uma comunidade está verdadeiramente imbuída do espírito de Jesus Ressuscitado. Ela procura viver como Jesus viveu: sabe escutar, tem sensibilidade, está atenta ao mais sofrido e necessitado. Não se rege por normas e leis, mas pela misericórdia. Não tem medo de enfrentar dificuldades e perseguições por causa de Cristo e em defesa dos pequenos e sofredores. Essa comunidade não se deixa levar pelo medo nem pela mania de grandeza nem pela ganância do dinheiro, do poder e da competição. Ela manifesta, no seu agir, o agir de Cristo. A comunidade se torna um espaço em que se experimenta a presença viva do Ressuscitado.

Sem a força do Cristo ressuscitado continuaremos com medo e de portas fechadas. Se não buscamos nele a força e orientação de como lidar com os desafios atuais, não conseguiremos alimentar a esperança daqueles que ainda permanecem em nossas comunidades e, muito menos, atingiremos os ‘de fora’.

A paz, o perdão e a alegria são frutos da ressurreição. Quando participamos das celebrações e atividades de nossas comunidades precisamos voltar para casa mais animados, mais apaixonados por Jesus Cristo, mais confiantes, mais seguros de que estamos no caminho certo, mais vibrantes em nossa fé, mais dispostos a colaborar e em construir fraternidade. Se isso não estiver acontecendo, precisamos rever nossas celebrações, nossas comunidades e nossa vida.

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LUZ QUE DISSIPA AS TREVAS E AFASTA O MEDO

“Era noite e as portas estavam fechadas por medo”. Não nos pode passar despercebida essa realidade vivida pelos discípulos logo após a tragédia do Calvário. Para eles não havia luz: era noite. Não tinham horizonte. Não podiam vislumbrar novas possibilidades. Aquele em quem depositaram sua confiança “fracassara na cruz”.

As portas estavam fechadas. A missão lhes era impossível. Não tinham coragem de sair.  Portas fechadas para que ninguém entrasse. Também ninguém podia se beneficiar da ação deles, pois se prenderam dentro da casa. Quem está de portas fechadas não sai nem permite alguém entrar. Uma espécie de morte: sem presença, sem oxigenação, sem vida. No Apocalipse temos aquelas provocadoras palavras: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele” (Ap 3,20). Comunidade cristã, discípulo de Jesus não combina com porta fechada. Aliás, o Papa Francisco tem alertado para nossos templos católicos com portas fechadas: “A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai. Um dos sinais concretos dessa abertura é ter, por todo lado, igrejas com portas abertas” (EG, 47).

E o medo? Realidade terrível! Esse sentimento paralisa as pessoas. Impede que se façam boas ações. Muitas vezes reduz a pessoa dentro de seu eu, tornando-a ensimesmada. O medroso não arrisca. Mantém a porta fechada. Investe em sua própria segurança, por vezes em detrimento dos demais. O medo não permite amar. Impede de amar o mundo como Jesus amou. Não lhe confere o ‘sopro’ da vida e da esperança.

Eis que Jesus entra na casa. Para ele não há noite nem portas fechadas nem, muito menos, medo. Ele vem libertar os discípulos desses males que emperram a missão que lhes confiara. Não lhes impõe as mãos nem lhes dá a bênção, como sói fazer aos doentes. Jesus sopra sobre eles o sopro da força que vence o medo e lhes comunica a esperança. O sopro santo que tira o pecado e os envia em missão. As portas então se abrem, o medo se dissipa, pois a Luz venceu a escuridão que os envolvia.

É Jesus ressuscitado que salva a Igreja. É ele que vence o medo que nos envolve e paralisa. É ele que abre as portas do egoísmo e da indiferença. É ele que dá a esperança. Na força dele realizamos a missão. Cremos que ele continua vivo em nosso meio. Conhecedor de nossa fragilidade, ele continua a nos dizer: “Recebei o Espírito Santo”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A ressurreição anima a esperança

aureliano, 19.04.25

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Páscoa do Senhor [20 de abril de 2025]

[Lc 24,1-12; Jo 20,1-9]

O Senhor ressuscitou em verdade (cf Lc 24, 34). A Igreja celebra a ressurreição do Senhor no primeiro dia da semana, o domingo. Domingo vem de dominus, senhor. Ele dominou a morte e o pecado. Por isso é Senhor. Ele exerce o senhorio sobre nós. Não de dominação, mas de cuidado, libertação e salvação. Ele é mais forte do que o mal que nos ameaça e, por vezes, domina.

O evangelho diz que Maria Madalena foi ao túmulo “quando ainda estava escuro”. Essa escuridão simboliza as sombras (angústias) vividas pelos discípulos após a morte de Jesus. Era como se todo o sonho tivesse acabado. Não sabiam o que fazer. Estavam na escuridão.

Ao relatar que a “pedra já fora removida”, o autor quer dizer que é o próprio Deus quem remove as pedras do caminho, quem ressuscita os mortos, quem agiu na vida de Jesus. É o chamado “passivo divino”: tudo é ação da graça de Deus.

O jovem dentro do túmulo vestido de branco significa a manifestação divina. Por isso o espanto. É a consequência da fé pascal que tomava o coração da comunidade dos discípulos e discípulas pela experiência da ressurreição do Senhor.

As mulheres são protagonistas em ir ao túmulo - os discípulos haviam fugido. E recebem a missão de “anunciar aos discípulos e a Pedro” que Jesus se manifestaria a eles na Galiléia. Não na Judéia, onde Jesus encontrara dificuldade de acolhida da Boa Nova, mas na Galiléia onde havia iniciado sua missão evangelizadora.

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O testemunho da ressurreição inclui dois elementos: o sepulcro vazio e a aparição do Ressuscitado. O sepulcro vazio constitui um sinal negativo. Só fala ao “discípulo que ele amava”: “Ele viu e acreditou”. Ou seja, os sinais falam quando o coração está aquecido pelo amor. É preciso ser amigo de Jesus para compreender seus sinais. Já a aparição do Ressuscitado acontece no caminho de Emaús (Lc 24), aos discípulos desejosos de ver o Senhor e auscultar sua Palavra. No gesto da partilha do pão seus olhos se abrem e eles o reconhecem. Em seguida assumem a missão: “Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém” (Lc 24, 33).

A escuridão da madrugada e o túmulo vazio nos dizem que por vezes ficamos confusos diante da maldade humana, diante de tantos abusos do poder, de tanta violência e morte, de tanta corrupção que desencanta e desestimula o poder do voto nas eleições, diante do sofrimento sem fim dos refugiados de guerras e conflitos armados. Somos levados a perguntar: “Deus, onde estás?”. Mas a experiência de fé nos diz que na morte (‘túmulo vazio’, ‘noite’) há sinais de vida; na escuridão há lampejos de luz. Para isso é preciso ser “amigo de Jesus” (discípulo amado), ou seja, ser próximo dele, conviver com ele, reclinar-se sobre seu peito (cf. Jo 13,25).

Esse tempo pascal nos convida a assumir a vida nova que Jesus Ressuscitado veio nos trazer sendo uma presença de luz, de testemunho vivo contra toda maldade junto àqueles que o Pai colocou no nosso caminho. Talvez mesmo a nos perguntar: eu acredito mesmo na ressurreição de Jesus? Que mudança/transformação tem se dado dentro de mim a partir da fé na ressurreição? Em que essa fé no Ressuscitado me atinge?

Ressurreição é ser testemunha da esperança numa sociedade materialista, consumista e desumana, onde o túmulo está vazio e as sombras da morte parecem prevalecer. Páscoa é continuar afirmando com a vida: “Ele vive e está no meio de nós!”.

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A MORTE FOI VENCIDA PELO AUTOR DA VIDA

Pedro e Madalena representam a comunidade que ainda duvidava da ressurreição de Jesus. Estavam em busca de provas e elementos que dessem sentido à vida deles, uma vez que, aquele em quem confiavam, morrera na cruz.

Quando o evangelho menciona “o primeiro dia da semana”, remete o leitor à Criação do mundo, narrada no livro do Gênesis, para mostrar que a Ressurreição de Jesus é a Nova Criação. O fiel cristão, batizado, entra numa vida nova, na Nova Criação de Deus. O mundo velho passou. Agora, é tudo novo. Uma vida que deve ser parecida com a de Jesus. Adão não pode ser referência de vida.

A “madrugada” lembra o alvorecer que desfaz as trevas da morte. Agora a vida brilhou no horizonte. A madrugada, embora traga em si o sinal do dia, possui também uma penumbra que impede de enxergar com clareza. É o que acontecia com Maria Madalena: “ainda estava escuro”. A comunidade ainda estava temerosa.

A “pedra removida” e o “túmulo vazio” são sinais de que algo novo aconteceu. É um sinal negativo da ressurreição. Esses sinais indicavam que Jesus não estava ali, porém não garantiam sua ressurreição.  A “pedra removida” significa que a morte foi vencida. O túmulo não é o último lugar do ser humano. Em Cristo ressuscitado, o ser humano vence também a morte e entra na vida que não tem fim, a vida eterna que já começa aqui, a partir da vida vivida em Deus, à semelhança de Cristo.

O “túmulo vazio” não é prova da ressurreição. A fé na ressurreição não vem da visão, mas da experiência de fé. As “aparições” de Jesus ressuscitado é que consolidam a fé dos discípulos. É o dado da fé. Uma realidade que transcende a razão. Não contradiz a razão, mas está para além da compreensão puramente racional. Por isso Santo Agostinho dirá: “Credo ut intelligam”: creio para compreender. Nós cremos pelo testemunho de fé da comunidade. A fé nos é transmitida. Cremos a partir da experiência que outros fizeram. Fazendo nós também essa experiência, transmitimo-la àqueles que a buscam. Porém, tudo é ação da Graça de Deus.

Pedro e o “outro discípulo” vão correndo ao túmulo. O “discípulo amado” chega primeiro que Pedro. Quem ama tem pressa. Ele “viu, e acreditou”. É o amor que faz reconhecer na ausência (túmulo vazio), a presença gloriosa do Cristo ressuscitado. Agora os discípulos entendem o que significa “ressuscitar dos mortos”. Agora eles vêem, não com os olhos humanos, mas com os olhos da fé. Agora estão iluminados pelo sopro do Espírito Divino que animou Jesus.

Nenhum evangelista se atreveu a narrar a ressurreição de Jesus. Não é um fato “histórico” propriamente dito, como tantos outros que acontecem no mundo e que podemos constatar e verificar, empiricamente. É um “fato real”, que aconteceu realmente. Para nós cristãos, é o fato mais importante e decisivo que já aconteceu na história da humanidade. Um acontecimento que traz sentido novo à vida humana, que fundamenta a verdadeira esperança, que traz sentido para uma das realidades mais angustiantes do ser humano: a morte. Esta não tem mais a última palavra. A pedra que fechava o túmulo foi retirada. A ressurreição é um convite, em última instância, a crer que Deus não abandona aqueles que o amaram até o fim, que tiveram a coragem de viver e de morrer por Ele.

O núcleo central da ressurreição de Jesus é o encontro que os discípulos fizeram com ele, agora cheio de vida, a transmitir-lhes o perdão e a paz. Daqui brota a missão: transmitir, comunicar aos outros essa experiência nova e fundante de suas vidas. Não se trata de transmitir uma doutrina, mas de despertar nos novos discípulos o desejo de aprender a viver a partir de Jesus e se comprometer a segui-lo fielmente. Ressuscitados com Cristo, buscamos “as coisas do alto”, temos o nosso “coração no alto”. A consagração batismal fez de nós novas criaturas. Incorporados a Cristo, enxertados n’Ele, queremos viver “por Cristo, com Cristo e em Cristo” para a glória de Deus Pai. É um modo de vida que transforma a pessoa, a comunidade e a sociedade. Transbordamento de uma alegria que não cabe dentro de nós: é comunicada aos outros. Não nos conformamos mais com injustiça, com mentira, com violência, com traição, com desrespeito, com maldade de toda sorte. Nossa vida se torna profetismo, esperança, inconformismo, saída, cuidado, encontro vivificador.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN