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Salvação: proposta de Deus e abertura humana

aureliano, 27.05.16

9º Domingo do Tempo Comum [29 de maio de 2016]

[Lc 7,1-10]

Os escritos lucanos enfatizam o universalismo da salvação. Seu evangelho é escrito para os gregos que se convertiam à fé cristã. E ele mesmo é proveniente do mundo helenístico. O relato do evangelho de hoje mostra claramente que Jesus veio para todas as pessoas. A salvação de Deus não se circunscreve ao povo de Israel, mas ela acontece para todo aquele que abre seu coração ao amor de Deus manifestado na pessoa de Jesus de Nazaré.

Este oficial romano, comandante de um pelotão de cem soldados (centurião), havia dado mostras de que não era como tantos outros comandantes que embrenhavam pelo caminho do mal. O evangelho fala que ele tinha um empregado doente a quem ele amava muito. Aqui vamos percebendo seu sentimento de compaixão. Não se tratava de um filho, por quem é natural um desvelo redobrado. Mas o fato de um comandante se preocupar com um empregado a ponto de procurar Jesus para curá-lo, ajuda a concluir que o coração desse homem parecia ser mesmo generoso.

Também os próprios judeus enviados pelo centurião dão mostras de que ele era um homem bom: “O oficial merece que lhe faças este favor, porque ele estima o nosso povo. Ele até nos construiu uma sinagoga”. Embora a Palestina estivesse sob o domínio romano, parece que este homem não se enquadrava no esquema daquela dominação insana. Tudo isso vai indicando um caminho trilhado em direção ao bem, à abertura à salvação.

O ponto culminante que mostra a humildade e a fé daquele homem foi sua atitude diante de Jesus: “Mandou alguns amigos lhe dizerem: ‘Senhor não te incomodes, pois não sou digno de que entres em minha casa... mas ordena com a tua palavra, e o meu empregado ficará curado’”. Esta atitude mereceu o grande elogio de Jesus: “Eu vos declaro que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé”.

A grande mensagem deste evangelho para nós hoje é a de reconhecermos que Deus tem várias formas de salvar as pessoas. Os caminhos são muitos. A salvação não está numa única instituição religiosa, como se fosse possível possuir o monopólio da salvação. Jesus é o único caminho que conduz ao Pai. Porém as formas de encontrar esse caminho podem ser diversificadas.

Não podemos nos esquecer dos gestos de bondade do oficial do evangelho que o predispunham para abraçar a fé. Se a pessoa permanece com o coração fechado à prática do bem, fica muito mais difícil realizar um encontro salvífico com o Senhor.

É bom atinarmos para duas situações cruciais que atingem, em cheio, nossa sociedade: Por um lado existem aqueles que pensam que fora do catolicismo não há salvação. Por outro, há aqueles pensam que a salvação está na combinação de várias crenças (sincretismo). Nenhuma dessas atitudes está dentro do universalismo da salvação. Deus salva aqueles que se abrem à sua proposta de salvação mediante um coração sincero e autêntico na situação e caminho em que cada um se encontra. Porém, cremos que Deus se manifestou na pessoa de Jesus Cristo para ser conhecido de maneira única. Quem tem a felicidade de conhecer Jesus Cristo tem a missão de ajudar os outros a fazer esse caminho de encontro com Ele.

Precisamos pensar e rezar um pouco mais nossa vida cristã. Por vezes ficamos acomodados em uma “vidinha de igreja”, julgando-nos salvos, sem preocupação com as necessidades dos outros, sem assumir na vida atitudes de bondade e de honestidade, como daquele oficial. Vivendo assim corremos o risco de ouvirmos de Jesus aquelas terríveis palavras: “Não vos conheço”. E diremos nós: “Mas, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos? Em teu nome expulsamos os demônios? Em teu nome que fizemos numerosos milagres?” E ele nos dirá: “Afastai-vos de mim, vós que cometeis a iniquidade” (cf. Mt 7,22-23). Estejamos, então, atentos à admoestação do Mestre de Nazaré: “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor!’ entrará no Reino dos céus. Mas o que faz a vontade do Pai que está no céu” (Mt 7,21).

Aquelas palavras que revelam a humildade e fé do Centurião, continuam sendo proferidas pela comunidade cristã antes de participar do Banquete Eucarístico: “Senhor, eu não sou digno que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e serei salvo”. Ninguém é digno de comungar. Ninguém está inteiramente preparado para comungar. Participamos da comunhão pela misericórdia de Deus. É Ele que nos salva. É Ele que nos purifica. É a bondade dEle que nos dá condição de entrar em comunhão com Ele pelo Pão consagrado. Tudo é graça! Tudo é misericórdia! A nós compete o empenho de fidelidade, de coerência, de comprometimento cotidiano com o Senhor que se entrega por nós.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

               

 

"Fazei isto em memória de mim"

aureliano, 26.05.16

Celebramos, hoje, na Igreja Católica, a Solenidade de Corpus Christi. Gostaria de abordar um aspecto desta celebração que julgo ser constitutivo da essência da Eucaristia. Trata-se do verbo fazer: “Fazei isto em memória de mim” (cf. 1Cor 11,24-25).

Quero, em primeiro lugar, chamar a atenção para o gesto de Jesus: “fazei isto”. Não se trata de u’a mera repetição do rito de tomar o pão e o cálice e pronunciar as palavras sagradas. Este “fazei” está se referindo ao gesto de Jesus se entregar por nós. Pão partido e entregue e sangue derramado. Deu-se totalmente: “amou-os até o fim” (Jo 13,1).

Em segundo lugar, este “fazei” se liga a outros gestos e palavras de Jesus. Assim, na Última Ceia, depois de lavar os pés dos discípulos, diz: “O que fiz por vós, fazei-o vós também” (Jo 13,15). Ou seja, o gesto de lavar os pés dos discípulos foi um gesto eucarístico: Jesus saiu da mesa, depôs o manto, tomou o avental, desceu e se abaixou para lavar os pés dos discípulos. Sair de si e ir ao encontro de alguém: gesto eucarístico de Jesus, gesto eucarístico do discípulo. Jesus, na Ceia, se refere a este “fazer”.

outro “fazer” muito significativo nos relatos evangélicos. Trata-se da parábola do Bom Samaritano. Na conclusão da parábola o Senhor diz ao doutor da lei que lhe perguntara sobre o que “fazer” para alcançar a vida eterna: “Vai tu também e faze o mesmo” (Lc 10,37).

Para não estender muito, concluo com as palavras da Virgem Maria ao anjo que lhe anunciara o Mistério da Encarnação: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Um Mistério que traz a salvação para toda a humanidade quis passar pelo “fiat” de uma mulher: Maria de Nazaré.

Estas considerações sobre o “fazei isto em memória de mim” do relato da instituição da Eucaristia podem nos ajudar a entrar um pouco mais no sentido da solenidade que celebramos neste dia: Corpus Christi. Não se trata apenas de “ver” a Hóstia consagrada nem mesmo de simplesmente “comê-la”. Mas há uma consequência ética: o nosso fazer precisa coincidir com o “fazer” de Jesus para que não somente levemos o nome de cristãos, mas o sejamos verdadeiramente.

Eucaristia celebrada deve coincidir com Eucaristia vivida. Pão partilhado, mesa farta para todos, nada de desperdício, direitos de todos ao pão e ao chão para sustento cotidiano, políticas públicas que levem em consideração aqueles que realmente precisam, celebrações que ajudem os participantes a serem mais eucaristizados e eucaristizantes. “Tendo levantado os olhos, Jesus viu uma grande multidão que acorria a ele. E disse a Filipe: ‘Onde compraremos pães para que tenham o que comer?’ ... Então Jesus tomou os pães, deu graças e os distribuiu aos convivas” (Jo 6,5.11).

Tomai e comei, tomai e bebei

Meu corpo e sangue que vos dou

O Pão da vida sou Eu mesmo em refeição.

Pai de bondade, Deus de Amor

E do universo, sustentai

Os que se doam por um mundo irmão.

 

Pe Aureliano de Moura Lima, SDN

As consequências da fé batismal

aureliano, 21.05.16

Domingo da Santíssima Trindade [22 de maio de 2016]

Jo 16,12-15

Celebramos hoje a Solenidade da Santíssima Trindade. Quase sempre, neste dia, ficamos presos a explicações intelectualizantes sobre a Santíssima Trindade. É uma tentativa de ‘explicar o inexplicável’. Ou seja, o Mistério de Deus em Três Pessoas deve ser crido e não explicado. Deve ser entendido, porém a partir do ‘mergulho’ (batismo) nele. No dizer de Santo Agostinho “é preciso crer para entender” (credo ut intelligam). Ultrapassa nossa inteligência humana e limitada, mas não a contradiz. É um mistério que nos envolve, nos fascina, nos encanta: tremendum et fascinans: Mistério tremendo e fascinante. Não se trata de algo inacessível ou incognoscível. Mas trata-se de um mistério que nos ultrapassa. Enquanto não entrarmos nele para nele nos movermos e existirmos (cf. At 17,28), não conseguiremos compreendê-lo.

Desejo discorrer um pouco sobre a profissão de fé, realidade implícita ao batismo, sacramento que nos introduz na vida de Deus e na comunidade cristã. Professamos a fé através do Credo, todos os domingos na celebração eucarística; renovamo-la nas celebrações batismais; mas ainda não damos conta do que esta realidade significa e compromete nossa vida toda.

Imediatamente antes de derramar a água na cabeça daquele que vai ser batizado, o ministro o convida a fazer a promessa de ‘renúncia ao mal’ (conversão); em seguida o convida a professar a fé (“crês”). Por este ato a Igreja professa sua fé no Pai, no Filho, no Espírito Santo. Queremos ajudar a compreender o que isso significa em nossa vida.

Creio em Deus Pai todo poderoso: reafirmamos nossa fé em Deus que é nosso Pai, que nos criou e cuida de nós com carinho. Um Pai que não nos abandona. Mesmo quando passamos por sofrimentos e tribulações, por dificuldades que não compreendemos e que por vezes não buscamos nem merecemos, Ele está ao nosso lado. Ampara-nos com seu amor que nunca falha. Sua promessa jamais será tirada. Podemos dizer com confiança Pai nosso, isto é, Paizinho querido (Abbá)! Mesmo que estejamos naquelas situações de risco, de desespero, de desalento, de decepção, Ele está perto de nós. Muitos o negam. Muitos quebram a aliança de amor que Ele fez conosco. Nossos filhos recusam seu amor. Mas Ele continua fiel e amoroso. Podemos confiar nele. Cremos nele!

Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor. Jesus, o Filho do Pai amado, nascido da Virgem Maria. É o presente de Deus para nós. Veio a esse mundo e entregou sua vida por nós. Mostrou-nos quem é o Pai. Seus gestos e palavras são expressão de que o Pai nos ama e quer nosso bem e nossa salvação. Devolve a saúde aos doentes, dá o perdão aos pecadores, acolhe a todos que vêm a ele em busca de conforto, de perdão e de paz. Tudo nele revela o rosto bondoso e maternal do Pai/Mãe que cuida de todos com carinho e amor. O Filho mostrou-nos o caminho da vida: é preciso amar sempre, até o fim, dar a vida. “Sede misericordiosos como o Pai é misericordioso”. Se nos esquecemos de Jesus, se o deixamos de lado, quem vai preencher o vazio do nosso coração? Somente Jesus pode preencher as profundezas e compreender as ‘dobras’ do nosso coração. Somente uma vida vivida de acordo com o ensinamento de Jesus pode ser verdadeiramente feliz. É a conseqüência do batismo.

Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida: é o mistério que celebramos no domingo de Pentecostes: o Espírito Santo foi derramado em nossos corações. Recebemos a missão de ‘fazer discípulos e de batizar’, porém com a força do Espírito Santo. Ele já nos foi dado. Está dentro de cada um de nós. É o amor do Pai e do Filho. É o “Vento” santo de Deus que nos coloca em movimento, como aconteceu à Virgem Maria que, uma vez inundada da força do alto, foi às pressas ajudar sua prima Isabel. Esse “Sopro” santo nos deixa leves, nos ajuda a abandonar as “obras da carne” para vivermos a “liberdade dos filhos de Deus”. É o “sopro” que nos perdoa, nos liberta, nos santifica, nos leva em direção àqueles que precisam de nós. É o Espírito de Deus que nos ajuda a vencer o espírito do mundo: o lucro a qualquer custo, a ganância, a mentira, a corrupção, a exploração, a preguiça, o comodismo. É o “Senhor doador da vida” que nos move a defender a vida sempre e em qualquer circunstância.

É nesta fé que fomos batizados. É esta a realidade que professamos e que somos chamados a viver. Não se trata, pois, de ‘segredos’ nem de ‘mistérios’, mas de um convite amoroso a vivermos essa fé trinitária, fazendo de nossa vida um hino de louvor à Trindade Santa: “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo para sempre. Amém”. Lembrados sempre do dizer de Santo Irineu de Lião: “A glória de Deus é o ser humano vivo. E a vida do ser humano é a visão de Deus”.

Santo Agostinho, tentando entender o Mistério da Santíssima Trindade, passeava pela praia e viu uma criança colocando água do mar num poço feito na areia. Brincou: “O mar nunca caberá aí”. Ao que a criança respondeu: “Assim também não vai caber na tua cabeça o mistério da Santíssima Trindade”. Pois bem, se não conseguimos colocar o mistério do amor de Deus em nossa cabeça, coloquemos nossa cabeça e nossa vida toda dentro desse mistério! Ou seja, deixemo-nos envolver pela Trindade Santa que nos habita para que nossa vida seja expressão de sua bondade no mundo.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

O Espírito Santo é dado em vista do bem de todos

aureliano, 14.05.16

Solenidade de Pentecostes [15 de maio de 2016]

[Jo 20,19-23]

                Um pouco de história

Esta festa era inicialmente celebrada pelos israelitas. Era a comemoração da colheita dos primeiros frutos do trigo. Celebrada no 50º dia depois do início da colheita era, por esse motivo, chamada de Pentecostes. (Podem conferir em Ex 23, 14-17; 34, 22; Lv 23,15-21; Dt 16, 9-12). É a festa da colheita, portanto, tempo de muita alegria e fartura.   

A narrativa de At 2, 1-11 mostra a importância que ganhou na Igreja esta festa. Exatamente no dia do Pentecostes dos judeus, o Espírito se manifesta confirmando a missão que os discípulos haviam recebido do Mestre. Pentecostes marca o nascimento da Igreja. É a celebração dos frutos do Ressuscitado: o coração humano é movido para a fé, superando o egoísmo e a escravidão. O Espírito refaz em seu coração a dignidade de filho de Deus.

                A mensagem do evangelho

No próprio dia da Páscoa Jesus vem entregar o Dom do Espírito Santo aos seus discípulos. Este Dom garante a continuação da missão de Jesus no mundo. A missão de dar a paz e de tirar o pecado do mundo: “A paz esteja convosco” (Jo 20, 19); “Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados” (Jo 20, 23). É o próprio Jesus agindo por meio de sua Igreja.

“As portas fechadas por medo dos judeus” nos faz pensar no medo que tomava conta dos discípulos antes de serem revestidos do Dom do Pai. Como o medo nos paralisa, nos fecha em nós mesmos, nos impede de servir! O medo é um sentimento que precisa ser assumido e trabalhado em nós. Quando agimos movidos pelo medo fazemos muito mal a nós e aos outros. Medo de assumir um trabalho na comunidade; medo de arriscar; medo de assumir a própria vida; medo de romper com relações que escravizam e destroem a própria vida e a vida dos outros; medo de falar e de viver a verdade; medo movido pela preocupação excessiva com a própria imagem: o que vão pensar ou dizer? Medo de chamar para conversar sobre dificuldades interrrelacionais. É preciso vencer o medo!

“Como o Pai me enviou também eu vos envio”. Esta palavra de Jesus aos discípulos antes de comunicar-lhes do Dom do Espírito Santo deve ser levada em conta. É um elemento essencial na missão. O Pai enviou o Filho para comunicar seu amor ao mundo. Agora o Filho envia aqueles que ele escolheu e consagrou com essa mesma missão: o Pai nos ama e quer salvar a todos.

                Abrir o coração para a missão

Ao longo de seu ministério Jesus havia prometido o Espírito Santo aos seus discípulos para auxiliá-los na tarefa que lhes confiaria. Ele teria a missão de inspirá-los, fortalecê-los, lembrar-lhes o que lhes havia ensinado. Desde então restava-lhes plantar, pois o Pai garantiria a colheita.

Compete-nos deixar o coração mais aberto para a ação do Espírito Santo em nossa vida para que nossas comunidades se renovem. Aquele vigor concedido aos primeiros discípulos continua sendo dado a quem se abre à sua ação libertadora. Deixemos o Espírito agir em nós, pois sem a sua força a Igreja fica estéril e confusa, sem ternura e sem missão.

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A FORÇA DO ALTO PERDOA E ANIMA

A festa de Pentecostes tem sua história na comunidade israelita. Inicialmente era o agradecimento a Deus pelos frutos da terra. Uma festa agrícola. Posteriormente foi associada à entrega da Lei no Sinai, tornado-se assim a festa da Aliança de Deus com seu povo.

No cristianismo, Pentecostes celebra a manifestação pública da Igreja. Embora, segundo João, o Espírito Santo seja dado no dia da Páscoa, na Ressurreição, a comunidade lucana a coloca cinqüenta dias depois da Páscoa, para evocar e celebrar a manifestação pública da Igreja. Em forma de “línguas de fogo” para dizer do testemunho e da palavra dos discípulos de Jesus manifestando a ação de Deus na pessoa de Jesus de Nazaré. No Sinai foi entregue a Lei de Moisés, escrita em tábuas de pedra. Aqui celebramos a Lei derramada nos nossos corações.

 O evangelho deste domingo mostra a comunidade dos discípulos acuada, medrosa. Os discípulos não tinham iniciativa nem coragem de anunciar a experiência que haviam feito de Jesus. Aquele em quem haviam depositado a esperança frustrou-lhes as expectativas: morrera como um condenado, na cruz. Porém, o “Vento” do alto, aquele Sopro vital encheu-os de novo ânimo, de coragem. Começam então a anunciar, com todo ardor e entusiasmo, aquela realidade que haviam experimentado: a vida de Jesus e a vida em Jesus é o caminho para se ter uma vida justa, alegre e mais feliz.

“Soprou sobre eles e disse...”. Esta passagem nos faz lembrar aquele sopro vital que o Criador fez penetrar no homem formado da argila: “Ele insuflou nas suas narinas o hálito da vida, e o homem se tornou um ser vivo” (Gn 2,7). Ou mesmo aquele Sopro de vida de que fala o profeta Ezequiel: “Porei meu sopro em vós para que vivais” (Ez 37,14). Jesus comunica a nova vida que ele veio trazer do Pai: o Espírito Santificador que nos inspira, nos ilumina, nos fortalece para darmos testemunho da ressurreição do Senhor.

É interessante notar que o Espírito Santo não desceu somente sobre os “Onze”. Ele veio sobre todos que estavam no Cenáculo. Ali havia muitas outras pessoas além dos Apóstolos. O Espírito de Jesus penetra no coração daquelas pessoas e lhes dá nova vida, novo vigor, novo sentido de vida. Sem o Espírito Santo a vida fica sem sentido, vazia, deslocada daquele centro vital para o qual o Pai nos criou. Desfocada, a vida começa a perder o sentido e o pecado encontra guarida dentro de nós. É a destruição da vida da pessoa. A alegria dá lugar à tristeza, a paz cede a brigas e intrigas, a partilha perde terreno para o egoísmo, o perdão é substituído pelo desejo de vingança, a fraternidade é suplantada pela dominação e coisificação das pessoas, a fé perde para a dúvida e o ceticismo.  Quando Jesus sopra sobre os discípulos e lhes dá o Espírito Santo com o poder de perdoar os pecados, ele quer mostrar que a missão da Igreja, pela força do Espírito Santo, deve ser a de tirar o pecado do mundo.

O pecado, segundo Antônio Pagola, é a “força de gravidade” que nos impede de ir a Deus. Muito mais do que culpa, é peso, escravidão. Mais que falar de perdão é preciso, pois, falar de libertação. Por isso chamamos a Jesus de Salvador. Nota-se, pois, uma vez mais, que o Evangelho não é um ligeiro verniz que se passa no ser humano, mas é tomá-lo a partir do seu ser mais profundo, assim como é, e tornar possível sua volta para Deus. Este é o primeiro fruto do Espírito de Jesus: a libertação. Este é o Espírito, o Espírito do Filho, o Espírito dos filhos, aquele que nos resgata da escravidão da terra e nos abre o horizonte luminoso de Filhos.

Esse Espírito traz e atualiza a novidade de Cristo: “Sem o Espírito Santo, Deus está distante; o Cristo permanece no passado; o evangelho, uma letra morta; a Igreja, uma simples organização; a autoridade, um poder; a missão, uma propaganda; o culto, um arcaísmo; e a ação moral, uma ação de escravos. Mas no Espírito Santo o cosmos é enobrecido pela geração do Reino, o Cristo ressuscitado está presente, o evangelho se faz força do Reino, a Igreja realiza a comunhão trinitária, a autoridade se transforma em serviço, a liturgia é memorial e antecipação, a ação humana se deifica” (Atenágoras I, Patriarca de Constantinopla).

Todos nós sentimos dificuldades. Todos sentimos a fraqueza na fé, a fragilidade da existência, a força do pecado em nós. Por vezes o mal parece prevalecer. O bem fica apagado. Fazemos o bem, nos empenhamos na construção de um mundo melhor, mas parece que nossa luta é em vão. Então peçamos ao Espírito Santo que, como aos discípulos e discípulas no Cenáculo, nos encha de seu amor, de sua luz, de sua força: Vem Espírito Santo e perdoa nosso pecado, fortalece nossa pequenez, dá-nos tua força contra o mal. Não nos deixes desanimar, desistir de caminharmos na direção do bem. Mais do que fazer o bem, ajuda-nos a ser bons, justos, solidários, fraternos. Enche-nos de tua bondade, de tua sabedoria para reproduzirmos em nossa vida as ações de Jesus que passou pelo mundo “fazendo o bem”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Abençoados para abençoar

aureliano, 06.05.16

Ascensão do Senhor [08 de maio de 2016]

[Lc 24,46-53]

“Homens da Galiléia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu” (At 1,11). Estas palavras ditas pelos anjos por ocasião da subida de Jesus ao Pai, são interpretadas pela Igreja como uma palavra que nos exorta a não ficarmos parados olhando para o céu, mas que continuemos nossa caminhada nos preparando para a volta do Senhor. Essa é a missão da Igreja: ensinar e ajudar a viver com o coração no céu e os olhos na terra.

No relato de hoje, Jesus se despede dos seus abençoando-os e confiando-lhes uma missão, a sua própria missão. Jesus não ficará na cova da morte, mas triunfará da morte e do pecado. Ele ressuscitará. E a comunidade dos crentes deverá anunciar o bem que ele fez à humanidade: a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações. O discípulo deve dar testemunha de tudo isso.

Dar testemunho significa mostrar com a palavra e com a vida a realidade do que se crê. Dar testemunho da morte e ressurreição de Jesus é expressar com a própria vida a bondade que Jesus manifestou em sua vida. É acolher, perdoar, curar os enfermos, doar-se aos pequenos, enfrentar os riscos e perigos para defender os pequeninos do Reino, é assumir o Deus de Jesus como o absoluto da vida. E tudo isso só será possível mediante a “força do alto”. É o Espírito Santo que dará a força, a luz e a sabedoria para que o discípulo de Jesus possa reproduzir em sua vida as ações do Mestre.

A bênção foi o grande dom que Jesus confiou aos discípulos antes de voltar ao Pai: “Ergueu as mãos e os abençoou”. É muito importante retomarmos a reflexão sobre a bênção. Vem de benedicere=bendizer. É cantar um bendito a Deus pelos dons da criação. É ação de graças ao Pai por tudo que Ele faz por nós. É também dizer palavras de bem para alguém. Foi o que fez Jesus. É o que fazem nossos pais conosco. É o que fazemos com nossos filhos, netos, afilhados etc. Deus nos livre de ser pessoas que amaldiçoam, que carregam a maldade no coração, o desejo de vingança! É preciso que sejamos como Abraão: uma benção (cf. Gn 12,2). Na medida em que nos enchemos de Deus, nos aproximamos dele, nos tornamos discípulos de Jesus, nos deixamos  tomar por ele, fazemo-nos uma fonte de bênção para os outros.

O evangelho termina com estas palavras: “E estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus”. O evangelho de Lucas começa no Templo – anúncio do anjo a Zacarias – e termina no Templo. Zacarias estava no Templo oferecendo incenso ao Senhor. Aqui os discípulos estão bendizendo. Abençoados por Jesus, elevam uma oração de bênção. A bênção que transmitimos aos outros não é nossa, mas procede de Deus. Ele é o “Sol” e nós somos a “lua” que não tem luz própria, mas reflete a luz do Sol.

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Estamos celebrando o Dia Mundial das Comunicações Sociais com o tema: Comunicação e Misericórdia: um encontro fecundo. Deixo aqui uma palavra do Papa Francisco para reflexão: “A comunicação tem o poder de criar pontes, favorecer o encontro e a inclusão, enriquecendo assim a sociedade. Como é bom ver pessoas esforçando-se por escolher cuidadosamente palavras e gestos para superar as incompreensões, curar a memória ferida e construir paz e harmonia. As palavras podem construir pontes entre as pessoas, as famílias, os grupos sociais, os povos. E isto acontece tanto no ambiente físico como no digital. Assim, palavras e ações hão-de ser tais que nos ajudem a sair dos círculos viciosos de condenações e vinganças que mantêm prisioneiros os indivíduos e as nações, expressando-se através de mensagens de ódio. Ao contrário, a palavra do cristão visa a fazer crescer a comunhão e, mesmo quando deve com firmeza condenar o mal, procura não romper jamais o relacionamento e a comunicação. (...) A comunicação, os seus lugares e os seus instrumentos permitiram um alargamento de horizontes para muitas pessoas. Isto é um dom de Deus, e também uma grande responsabilidade. Gosto de definir este poder da comunicação como «proximidade». O encontro entre a comunicação e a misericórdia é fecundo na medida em que gerar uma proximidade que cuida, conforta, cura, acompanha e faz festa. Num mundo dividido, fragmentado, polarizado, comunicar com misericórdia significa contribuir para a boa, livre e solidária proximidade entre os filhos de Deus e irmãos em humanidade” (Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2016).

Nesse dia seria bom examinarmos como está nossa comunicação. A começar dentro de nossa casa. Estamos nos entendendo? Paramos para escutar? Comunicamos nossas idas e vindas? Ainda mais: por onde ‘navego’ nas redes sociais? A que programas de TV assisto? Que sites visito? Que tipo de comunicação e relacionamento estabeleço no Facebook, no Twitter, no WatsApp etc? As redes sociais são um importante instrumento de comunicação, de informação, de formação e de evangelização. Mas é preciso utilizá-las com moderação e sabedoria.

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Gostaria de lembrar um acontecimento fundante na Igreja e para a Igreja: a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos a realizar-se nos dias 09 a 15 de maio, que traz como lema: Chamados a proclamar os altos feitos do Senhor(1Pd 2,9). O texto todo diz o seguinte: Vós, porém, sois a raça eleita, a comunidade sacerdotal do rei, a nação santa, o povo que Deus conquistou para si, para que proclameis os altos feitos daquele que das trevas vos chamou para sua maravilhosa luz; vós que outrora não éreis seu povo, mas agora sois o povo de Deus; vós que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia” (1Pd 2,9-10). “O Batismo inicia a aventura de um novo itinerário de fé pelo qual todo novo cristão se insere no povo de Deus através dos tempos. A Palavra de Deus – quer dizer as Escrituras a partir das quais os cristãos de todas as tradições rezam, estudam e refletem – estabelece entre eles uma comunhão real, apesar de ainda incompleta. Nos textos sagrados da Bíblia que partilhamos, aprendemos como Deus agiu para salvar os homens no decorrer da história da salvação: livrando o seu povo da escravidão do Egito, e no evento que constitui o maior dos seus altos feitos: a ressurreição de Jesus dentre os mortos fazendo-nos todos entrar numa vida nova. A partir disso, a leitura orante da Bíblia convida os cristãos a reconhecer os altos feitos de Deus na sua própria vida. - Como estamos vendo os “altos feitos” de Deus e como estamos respondendo: pela adoração e o louvor, trabalhando para a justiça e a paz ? - Qual valor damos às Escrituras enquanto elas constituem a Palavra da Vida que nos chama ainda mais à unidade e ao compromisso missionário ?” (WWW. Vaticano).

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Celebramos também o Dia das Mães. Seria bom nos lembrarmos neste dia das mães sofredoras. Há mães que não experimentam alegrias neste dia. Talvez experimentem ainda uma dor maior. Que tal fazermos uma visita solidária a alguma mãe sofrida? Que tal darmos uma presença a crianças que não têm a mãe por perto? Mais do que festanças, comilanças e bebedeiras, precisamos caminhar na direção de maior solidariedade!

Celebrar a Ascensão do Senhor é viver com o coração no céu e com os pés na terra. É andar sempre com passos firmes e solidários. É ter a capacidade de perceber a presença do Ressuscitado no irmão que sofre, na comunidade reunida, na vida que refloresce.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

 

 

ADORAÇÃO SACRAMENTINA: busca de um sentido

aureliano, 02.05.16

No Formulário de Orações da Congregação, a propósito da Adoração Sacramentina, encontramos o seguinte: “É um exercício característico da Congregação; dura meia hora, sendo feita pela tarde, de joelhos, em redor do altar, fora dos bancos ou genuflexórios. Começa pela recitação alternada, pausada do Adoro Te e dos Atos de adoração, terminando pelos Louvores a Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento. No intervalo, a adoração é feita, em particular, seguindo, em substância, o método indicado”.

Abstendo-nos das formalidades propostas dentro de um contexto de época, importa-nos perceber o alcance do propósito do Pe. Júlio Maria ao instituir esta prática na Congregação. Quando se capta o valor de determinadas práticas de oração e se lhe dá uma ressignificação, ela se torna um meio importantíssimo para fortalecer nossa consagração e missão.

A propósito da celebração eucarística, é oportuno perguntar-nos: “Celebramos a Eucaristia para termos um doce colóquio com Jesus eucarístico? - Para isto bastaria a comunhão espiritual”. “Celebramos a Eucaristia para adoração ao Santíssimo? - Para isto já existem as bênçãos, exposições, procissões, visitas”. Daí brota a urgência de uma interpretação do Sacramento da Eucaristia para além da Adoração. O pão consagrado é para ser comido. Este alimento espiritual deve penetrar em nossas “veias”.

Nosso Santo Fundador, ao propor a Eucaristia como fonte de nossa espiritualidade, quis dizer que, assim como nosso organismo absorve as proteínas e vitaminas do alimento que consumimos, assim também o pão eucarístico deve alimentar nossa vida espiritual, inspirar nossa missão, reavivar nosso ardor apostólico.

Ele intuiu que a Adoração Sacramentina, prolongamento do Louvor Eucarístico, seria um meio eficaz para ajudar o Missionário Sacramentino a imbuir-se da vida eucarística. Parecia querer dizer que o missionário, no final do dia, devia colocar-se diante do Senhor Sacramentado e entregar a ele a missão realizada.

Este verso dos Louvores a Nossa Senhora do SSmo. Sacramento revela a alma de Júlio Maria: “Deve ser um distintivo de nossa humilde Congregação - um amor apaixonado pelo Santíssimo Sacramento - e o esforço contínuo para reproduzir a vossa vida eucarística”. Ou seja, o que distingue o Sacramentino de Nossa Senhora é uma vida eucarística. Um homem zeloso, apaixonado pelo Reino de Deus, cheio dos sentimentos eucarístico-marianos, um ‘ostensório de Jesus’ a exemplo de Maria. Está na explicitação de nosso carisma: deixar-nos tomar por Deus; deixar-nos partir, quebrar; deixar-nos entregar para alimento daqueles que o Senhor nos confiou. Tarefa belíssima, porém difícil, árdua, porque eucarística e mariana.

O princípio teológico Lex orandi lex credendi (a norma da oração estabeleça a norma da fé) deve nos colocar em permanente tensão entre o que rezamos, o que professamos e o que fazemos, numa busca permanente de superar a esquizofrenia religiosa que ameaça nossa vida cristã e consagrada.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN