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O Salvador nos encontre preparados

aureliano, 25.11.16

Advento 1.jpg 1º Domingo do Advento [27 de novembro de 2016]

[Mt 24,37-44]

Estamos no Advento! Tempo litúrgico conhecido como preparação para o Natal. Mas na verdade é um tempo de celebrar a vinda do Senhor. Ele veio uma primeira vez historicamente, na Palestina. Ele virá uma segunda vez em sua glória para “julgar os vivos e os mortos”. E ele continua vindo no presente da Igreja, que deve se empenhar para ser sinal de sua presença no mundo.

O comércio se vale deste momento para vender, comprar, ganhar dinheiro. É preciso, porém, ter cuidado para não fazer deste tempo uma ocasião de festas sem aquela preocupação basilar de que falam as leituras da liturgia deste domingo: “Deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz... andemos decentemente; não em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas e ciúmes” (Rm 13,12-13). E ainda: “Ficai preparados, porque o Filho do Homem virá numa hora que não pensais” (Mt 24,44).

Não quero, com isso, negar a importância da festa, do encontro familiar, do descanso, da dança, da música, das alegrias ao redor da mesa. O que deve, porém caracterizar nossas festas é a dimensão cristã destas festividades. Não perder o sentimento de solidariedade: não esbanjar, desperdiçar; não fechar o coração ao pobre e necessitado; buscar a reconciliação, o perdão, a celebração. São elementos que “batizam” as nossas festas natalinas.

O Evangelho fala de três situações que mostram a importância de estarmos preparados. No episódio bíblico do dilúvio ninguém se interessou pela arca que Noé preparava. É uma advertência para estarmos conscientes de que o fim é inevitável. É preciso ouvir e ver os sinais de Deus manifestos nos gestos das pessoas. Sobre a narrativa em que as mulheres e os homens estão trabalhando (cf. Mt 24,40-41), é interessante notar que as pessoas estavam fazendo as mesmas atividades, no entanto “uma será tirada e outra será deixada”. Jesus quer dizer que o importante não é o que se está fazendo, mas o modo como cada um age no seu cotidiano. O cristão faz o mesmo que todos fazem, mas com o diferencial de fazê-lo à maneira de Jesus. Não há necessidade de ações heróicas, mirabolantes, de propósitos impossíveis de serem cumpridas. O que o Senhor quer que nossas atitudes sejam regadas de fraternidade, de sinceridade, de compreensão, de perdão, de ajuda mútua, de solidariedade, de verdade.

Finalmente o ladrão, que sempre surpreende. Para não ser pego de surpresa é preciso vigiar, estar acordado, atento, alerta. Não podemos estar dormindo, mas viver em estado desperto à luz do Dia de Cristo, para que ele nos possa encontrar dispostos para a vida de incansável caridade que ele nos ensinou: “Tudo o que fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25, 40).

Esta vigilância de que fala o evangelho deve ser carregada de esperança. Então não se pode compreender uma espera vigilante que descarta aqueles que estão ao meu lado precisando de minha colaboração. O Papa Francisco chama-nos a atenção: "Não podemos dormir tranquilos enquanto houver crianças que morrem de fome e idosos que não têm assistência médica". Então a vigilância que Jesus pede deve ser inquieta. Não basta rezar, ir à Igreja, pedir isso ou aquilo a Deus. É preciso assumir uma atitude de fiel discípulo de Jesus.

Meu pensamento está voltado para Deus e seu projeto ou voltado para mim mesmo? Isso é que decide a sorte de cada um no juízo de Deus.

Pe. Aureliano de Moura Lima, sdn

 

 

Mírian, uma história de amor e sacrifício

aureliano, 22.11.16

 

O relógio marcava 17h10, horário local, no dia 08 de setembro, quinta-feira. Eu e Pe Euclides estávamos na porta da capelinha da comunidade Nova Betânia, Paróquia Sagrado Coração de Jesus, Nova Canaã do Norte/MT. A capela ainda estava fechada e a missa teria início às 17h30.

Eis que vem descendo um morrinho disfarçado, pois no Mato Grosso as montanhas são raras, uma jovem senhora empurrando uma cadeira de rodas. Ali estava sentada uma jovem. Pe. Euclides comentou: “Aquela é a primeira filha dela. É mãe de outros dois, mais novos”.

Com relativa dificuldade, pois o chão era pedregoso, a mãe chegou à capelinha. Na última etapa, um topezinho: empurra uma vez, afasta a cadeira, empurra de novo. Não deu. Entrega a chave pendente na mão – a chave da igreja - para a filha segurar. A filha demora um pouco a sustentar o molho de chaves, pois suas mãos são deficientes. Mas consegue segurar. Agora, com as duas mãos livres, mas também fortalecidas pela luta de 19 anos de cuidados, consegue superar o obstáculo e chegar, finalmente, à porta da capela.

Quando a mãe chegou com a cadeira bem na porta, parou diante de um degrau rombudo. Deu volta por detrás do templo, passou pela porta do fundo e abriu a porta da frente onde sua filha a aguardava, pressurosa. Eu, meio atrapalhado, já dentro da igreja, fiquei sem saber direito o que fazer, pois era a primeira vez que estava por ali. Não só por isto, mas também sem saber se ela aceitaria ajuda de um estranho. Ofereci-me. A mãe não relutou: “Estou esperando pela tia dela, mas pode ajudar”. Nisto chegou um senhor, parente da menina. Tomamos a cadeira, nós três, e transpusemos o degrau da porta. Finalmente, moça e cadeira estavam dentro do templo. Agora a mãe podia continuar seu ministério: abrir as janelas da capela, ajeitar, com a ajuda de outras colegas, os detalhes do altar e dos ritos para a celebração.

A moça da cadeira, Luana, ficou num cantinho aonde sempre parece ficar: junto à parede entre a mesa da palavra e o primeiro banco.

Cena linda, nunca contemplada por mim: ao começarem as leituras da missa, um irmãozinho, Lucas, subiu ao colo da irmã cadeirante. Pensei: “Mas, a moça não anda, quase não fala, não dá conta de quase nada sozinha, ainda tem que suportar o irmãozinho sentado no colo. Não é possível!”

O menino sentou-se meio desajeitado, sendo seguidamente acomodado pela mãe. Ainda mais. Depois de acomodado, Lucas toma as mãozinhas deficientes da irmã e as coloca em redor de seu busto, entrelaçando suas mãos às da irmã. Ali ficou até à comunhão. Luana participou piedosamente da eucaristia: comungou, o que faz também com dificuldade. Terminada a comunhão, Lucas está de vota ao seu posto: o colo da irmã.

Durante o tempo que Lucas ficara no colinho da maninha, deslizava seu rostinho no dela com aquele carinho angelical. De quando em vez, tocava o rosto da irmã com a mão acariciando-lhe a face. Uma beleza divinal!

No final não me contive em mencionar aquele acontecimento que contemplei como uma página viva do evangelho. A mãe, entre lágrimas e alegria e emoção, falava que a filha é acolhida naturalmente pela família, pelos irmãozinhos. O Lucas é mais expressivo no afeto, por isso, em todas as missas ele repete este gesto. O Rafael, o terceiro irmão, embora não tenha as expressões do Lucas, manifesta maior carinho e cuidado com a irmã.

Luana, 19 anos, recebe da mãe, do pai e dos irmãos os cuidados necessários para viver com dignidade. Mirian, a mãe de Luana, é filha de Conceição. Esta nobre senhora veio, ainda jovem, lá de Conceição do Ipanema/MG, acompanhando o Pe Geraldo Silva, Sacramentino de Nossa Senhora, e Ir. Soledade, Sacramentina de Nossa Senhora, para o Mato Grosso como missionária leiga. Casou-se, e por aí ficou. Plantou no coração da filha, Mírian, a semente da fé e do amor.

Mírian, mulher forte, não desanima, não desiste, não reclama. Teve a primeira filha com deficiência. Ainda arriscou ser mãe mais duas vezes: dois filhos lindos como companheiros de Luana. Com a filha cadeirante, dependente, foi a primeira a chegar à igreja. Abre a igreja, cuida, prepara a liturgia etc.

Somente Deus-Amor é capaz de nos fazer compreender e nos ajudar a contemplar estas expressões de sua bondade manifestadas em gestos simples como no de Mírian e sua família. É uma expressão viva do lema que marcou a vida do Servo de Deus, Pe. Júlio Maria: “amor e sacrifício”. Um evangelho vivo! Voltei para casa incomodado, pois vi uma história de amor e sacrifício.

Pe. Aureliano de Moura Limas, SDN

O Reinado que brota da fé

aureliano, 18.11.16

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Solenidade de Cristo Rei do Universo [20 de novembro de 2016]

[Lc 23,35-43]

A festa de Cristo Rei foi instituída pelo Papa Pio XI em 1925. Com que intenção? Para que os fiéis reconheçam Jesus como Senhor e Rei da história e que, somente nele, se pode construir e viver a paz e a justiça neste mundo.

Os últimos acontecimentos que temos vivido no Brasil e no mundo são sinais de que não é possível construir a paz, a fraternidade, a justiça, a defesa da vida sem os valores do evangelho proclamados por Jesus. A ganância do ter e a sede de poder invadiram o coração dos governantes, legisladores e juízes. A confusão está instalada. Sem volta ao evangelho é impossível reconstruir a paz e a harmonia na história. O poder de governar não pode ser colocado em benefício próprio, mas em favor de todos, particularmente dos mais vulneráveis. É um poder-serviço (cf. Mt 20,26). Neste sentido, o Reinado de Jesus se constitui modelo.

A imagem que temos de rei é de alguém com coroa de ouro, cercado de guardas e militares, sentado num trono, morando num palácio etc. Essa imagem, construída pelas experiências históricas que conhecemos, não ajuda a entendermos a solenidade de hoje.

Precisamos voltar ao evangelho. A cena é da paixão. Jesus está condenado, preso, na cruz. Zombam dele. “Havia uma inscrição acima dele: ‘este é o Rei dos judeus’”. Isso foi escrito a modo de ironia para com Jesus. Mas converte-se numa grande verdade. Ele é realmente Rei, mas o seu reino “não é deste mundo”, disse a Pilatos. O trono de Cristo é a cruz, sua coroa é formada de espinhos e seu reino se concretiza na oferta de toda a sua vida ao Pai.

Para entender a realeza de Jesus é preciso recorrer à compreensão de rei que Deus queria para o seu povo, como evoca o Antigo Testamento. Aquele que seria o “lugar-tenente de Deus” para assegurar a paz e a justiça: “És tu que apascentarás o meu povo Israel e és tu quem serás o chefe de Israel” (2Sm 5,2). Mas a história mostra que quase sempre o coração do rei se desviava da aliança de Deus. Isso trazia muito sofrimento para toda a população.

Jesus inaugura um reino diferente. Seu reinado se inicia na cruz e dele participa quem faz um caminho de conversão: o filho pródigo, Zaqueu, a pecadora, o publicano, o próprio companheiro de cruz: o ladrão arrependido.  O reino de Jesus, para Lucas, é o reino da reconciliação do ser humano com Deus. O bom ladrão não faz apenas um pedido, uma oração, mas também uma confissão de fé em Jesus como Rei: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres com teu reino”. A conversão brota da experiência de fé.

A promessa de Jesus ao suplicante nos garante quem é Jesus e o caminho que devemos trilhar: “Em verdade, eu te digo: hoje estarás comigo no Paraíso”. Jesus reconcilia com o Pai aqueles que acreditam nele. E a cruz é o centro dessa reconciliação, ato supremo do serviço de Jesus a seus irmãos.

A morte de Cristo na cruz é um gesto divino de amor que produz a conversão para a superação do ódio e da divisão. Desta morte todos participamos bem como de sua ressurreição e de seu reinado. Ele é a Cabeça e nós, Igreja, seu Corpo. Vinculados a ele pela consagração batismal somos também reis com ele. Isso não significa nos prevalecermos sobre os outros, mas trilharmos um caminho de conversão, expressa no serviço aos demais e na procura constante do Senhor, que nos entregou sua vida.

Cristo é rei pela cruz. Isso não entra facilmente na nossa cabeça infectada pela idéia capitalista do prestígio, da ambição e do poder. Quem pensa que a festa de Cristo Rei é a reafirmação da instituição eclesiástica está desviando a Igreja do caminho de Jesus. É preciso tirar de nossa cabeça a mentalidade do prestígio e do poder. O reinado de Cristo chega ao nosso mundo por meio de pequenos gestos, escondidos, ignorados, relegados ao esquecimento, tal como a morte de Jesus na cruz.

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Hoje, 20 de novembro, é dia da consciência negra. A data homenageia Zumbi dos Palmares, um líder que defendeu a raça negra contra a escravatura e que morreu no dia 20 de novembro de 1695 enquanto defendia sua comunidade que lutava pelos direitos de seu povo. Seria muito importante que trabalhássemos em nosso coração, com nossos filhos e netos o respeito, amabilidade, a quebra do preconceito. Este se manifesta em piadas, brincadeiras, discriminações. A fé cristã não admite distinção de pessoas: “Todos vós que fostes batizados em Cristo, vos vestistes de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,27-28).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Perseverar no caminho do bem

aureliano, 11.11.16

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33º Domingo do Tempo Comum [13 de novembro de 2016]

[Lc 21,5-19]

O chamado “discurso escatológico” de Jesus não tem como propósito assustar os discípulos, fazer-lhes medo, mas infundir-lhes confiança nas outras palavras de Jesus. É como se dissessem: ‘O Senhor não os enganou. Aquilo que predissera, aconteceu’. A perseguição aos seus seguidores acontece: “O discípulo não é maior do que o mestre”.

A intervenção de Deus na história, na pessoa de Jesus de Nazaré, introduz a novidade de que a salvação é para todos. Jerusalém é condenada porque traiu sua missão. Em vez de ser sinal da salvação de Deus para todos os povos, fechou-se no seu particularismo, apodrecendo sem gerar vida. A fidelidade de Deus é traída pela infidelidade de um povo escolhido. Sendo a salvação o encontro de duas fidelidades, Jerusalém não corresponde. Jesus, o Filho Amado, permanece fiel e garante a salvação a todos.

Embora esteja garantida a salvação, permanece, porém a incompletude enquanto depende da resposta de cada ser humano. É uma promessa que espera ser completada. É um dom que supõe conquista. A fidelidade de cada um deve encontrar eco na fidelidade de Jesus ao Pai.

Deus salva o indivíduo na comunidade. A Igreja tem, pois, a missão de quebrar as barreiras que dividem a humanidade. A divisão, a ganância, o egoísmo, o preconceito, o fechamento são atitudes pecaminosas que bloqueiam a salvação.

As obras suntuosas, as pessoas famosas, as beldades, a fama, o sucesso passarão. Só não passará o amor de Deus testemunhado pela firmeza e fidelidade daqueles que são apaixonados pelo Reino e têm a coragem de entregar a vida. “Quem procurar ganhar sua vida, vai perdê-la, e quem a perder vai conservá-la” [Lc 17,33].

A propósito da segunda leitura de hoje: “Quem não quer trabalhar também não há de comer” [2Ts 3,10], é bom entender que Paulo diz para o cristão não ficar parado. É preciso agir, fazer alguma coisa, não esperar que as coisas caiam do céu. Um mundo novo é construído a partir do empenho de cada um. Quem pensa que basta ir à igreja para se salvar está traindo o projeto de Jesus. É preciso “trabalhar” a salvação e a libertação de si próprio, do mundo e da história. Cada um dentro de suas possibilidades e dons. É preciso ser firme até o fim!

Gostaria ainda de chamar a atenção do leitor para duas realidades assinaladas pelo evangelho de hoje:

A primeira é a chamada de Jesus para que o discípulo não se deixe enganar. Já notaram que a enganação e a mentira correm soltas em nosso meio? É gente vendendo “gato por lebre”, é gente enganando o povo em nome de Deus, é gente prometendo mundos e fundos para ganhar a eleição, é gente vendendo a pílula da felicidade. Enfim, há quem venda e há quem compre; há quem engane e há os que se deixam enganar. Há carência de reflexão, de ponderação, de objetivos claros e definidos. Num momento de crise de sentido, há muita religiosidade: os espertalhões e charlatões se aproveitam das buscas e desesperos do ser humano para “vender seu peixe” e enganar os incautos e ingênuos. Cuidado!

A segunda realidade apontada por Jesus é a necessidade da perseverança: “É pela perseverança que mantereis vossas vidas”. O termo grego que traduz perseverança pode traduzir também paciência. É imprescindível a paciência para se conseguir a preservação da vida e se alcançar a salvação. Paciência não é um mero gesto de suportar uma palavra que desagrade ou aguentar um desaforo. Mas é uma atitude de vida que nos coloca diante de Deus e da vida com serenidade, fidelidade, alegria mesmo em meio a sofrimentos, perseguição e incompreensão. Quero dizer que é uma virtude que precisamos cultivar, pois sem ela nossa salvação corre risco. Os encantos enganosos da vida, a fama, o sucesso, as honrarias, o dinheiro, nada disso nos poderá tirar do centro vital no qual o Senhor nos colocou com sua morte e ressurreição.

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CRISE: DECISÃO NUM JUÍZO

Vivemos tempos de crise. Crise econômica, crise política, crise religiosa, crise familiar etc. A crise é uma oportunidade de crescimento. O termo crise significa encruzilhada. Mais precisamente, crise vem do grego krisis, krínein que significa a decisão num juízo. Assim, diante de uma situação que apresenta várias facetas e que pede que se escolha uma delas, há que se tomar a decisão. Então gera-se a crise que pede um critério de escolha ou julgamento para se decidir por isto ou por aquilo. Os termos crisol, critério, crítica tem sua raiz na palavra crise. É sempre algo que pede um desembaraço, um aprimoramento, um acrisolamento.

Pois bem. O evangelho deste domingo coloca uma situação de crise. Aliás, a vida e as palavras de Jesus (a fé cristã) colocam o discípulo em constante crise. Todos os dias o discípulo de Jesus precisa decidir por sua continuidade ou não no seguimento a Jesus. Pode ser que em dado momento as condições sejam mais ou menos favoráveis. Mas nunca há “paz” para o cristão: é permanente “guerra” contra as forças do mal dentro e fora de si mesmo. O autor de Jó já dizia: “A vida do homem sobre a terra é uma guerra” (Jó 7,1).

“Atenção para não serdes enganados, pois muitos virão em meu nome dizendo: ‘Sou eu!’ e ainda: ‘O tempo está próximo!’ Não os sigais!” (Lc 21,8). Uma clara situação de crise. Pois há propostas diferentes, encruzilhadas. Qual a atitude do cristão? “Não os sigais!”. Esta palavra de Jesus precisa estar sempre presente dentro de nós. Não seguir aquelas pessoas que nos separam de Jesus Cristo, único fundamento de nossa fé. Qualquer pessoa ou situação que nos afastam de Jesus precisam ser rechaçadas. As tentações são muitas. Por vezes se apresentam com aspecto encantador, até divinizado. Mas precisamos voltar ao evangelho. Como Jesus agia? Quais eram suas opções? A quem ele seguia e em quem confiava?

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AS LÁGRIMAS DO CRISTÃO

Outro elemento que precisa ser ressaltado: Jesus chorou sobre a cidade. Lucas relata o choro profético de Jesus: “E como estivesse perto, viu a cidade e chorou sobre ela” (Lc 19,41). Uma atitude de Jesus que deve ser contemplada. Não foi um choro de ira, de lamento vazio, mas um choro de profeta. Lamenta a cidade que não acolheu a visita de Deus. Lamenta um sistema político-religioso que explora os pobres. Solidariza-se com os explorados por um sistema que deveria estar a serviço da vida, mas que optou por sacrificar os pobres. Os poderosos não choram. Os fracos choram. O Profeta da compaixão chora!

O Papa Francisco, em diversas ocasiões, fala da importância das lágrimas nos olhos do cristão:  

  1. “Também nos fará bem pedir a graça das lágrimas, para este mundo que não reconhece o caminho da paz. Peçamos a conversão do coração“.
  2. “Certas realidades da vida só podem ser vistas com os olhos limpos pelas lágrimas“.
  3. “Quantas lágrimas são derramadas a cada instante no mundo; uma diferente da outra; e, juntas, elas formam como um oceano de desolação, que invoca piedade, compaixão, consolação“.
  4. “Se Deus chorou, eu também posso chorar, sabendo que sou compreendido. O pranto de Jesus é o antídoto contra a indiferença pelo sofrimento dos meus irmãos. Aquele choro ensina a tornar minha a dor dos outros, a ser participante do infortúnio e do sofrimento de todos os que vivem nas situações mais dolorosas“.
  5. “Se vocês não aprenderem a chorar, vocês não poderão ser bons cristãos. E isto é um desafio“.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Caminhos de santidade

aureliano, 04.11.16

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Solenidade de Todos os Santos [06 de novembro de 2016]

[Mt 5,1-12]

Na profissão de fé que fazemos todos os domingos confessamos: “(creio) na comunhão dos santos”. Muitas vezes rezamos assim sem saber bem o que isso significa. A solenidade de hoje nos ajuda a entender o conteúdo dessa afirmação: cremos que todos aqueles que confessaram o Cristo e o testemunharam em suas vidas, que todos aqueles que já nos precederam na fé e que procuraram viver neste mundo a comunhão de vida com o Pai, estão juntos de Deus e juntos de nós. Em outras palavras: há um intercâmbio de dons e de orações entre aqueles que crêem no Cristo. “O termo ‘comunhão dos santos’ tem dois significados, intimamente interligados: ‘comunhão nas coisas santas (sancta)’ e ‘comunhão entre as pessoas santas (sancti)’” (Catecismo da Igreja Católica, 948).

Há pessoas que passaram por esta vida e que foram proclamadas pela Igreja como santas, dadas à comunidade como exemplo/inspiração de vida cristã e intercessoras junto a Deus. A Igreja quer afirmar também que elas estão, com certeza, na luz de Deus. Há, porém, uma infinidade de pessoas que viveram neste mundo uma vida santa, fazendo o bem, doando-se aos outros e que são anônimas: não tiveram nem têm nenhum reconhecimento, seus nomes não são lembrados. Muitas delas, às vezes, nossas vizinhas, parentes etc. Pois bem, hoje é dia delas também: celebradas no Santo de Deus, Jesus Cristo, que se oferece em cada Eucaristia para nos santificar.

Quando Jesus proclama as Bem-aventuranças, ele está apresentando um programa de vida para aqueles que se dispõem a segui-lo. Em outro lugar ele diz que quem quiser segui-lo deve ‘tomar a cruz’ cotidiana. Aqui ele não diz coisas muito diferentes. Viver uma vida pobre (desprendida) em favor dos pobres, promover a paz, aguentar tribulação e aflição, ser sedento da justiça do reino, ser puro numa sociedade que só vê no outro uma possibilidade de “comê-lo”, ser perseguido por causa da justiça são realidades que necessitam de um permanente convívio com o Mestre para aprendermos dele, sermos fortalecidos por ele nesse caminho. É o caminho da santidade.

Feliz não é o rico, o que tem tudo. Quem tem tudo e não precisa de nada nem de ninguém é a pessoa mais pobre que existe porque ele não tem sequer a si mesmo, pois não se pertence, mas pertence ao dinheiro. Não é ele que tem dinheiro e bens, mas são os bens e o dinheiro que o têm. É uma situação triste, objetal! É idolatria.

Feliz não é o elogiado por todos, o aprovado por todos os poderosos do mundo, o aplaudido, que vive a fama nos palcos e nos palácios. Feliz não é aquele que por ninguém é perseguido, pois é uma pessoa que não tem nada para dizer, em nada colabora, nada acrescenta, só sabe negar-se a si mesmo e à própria consciência para agradar aos que têm poder. Parece agradar a todos, só não agrada a si mesmo. Vive em torno de si, num narcisismo desgraçado que o faz afogar-se na sua própria imagem, morrendo desesperado e desiludido.

Felizes são o pobre (humilde) e o perseguido por causa da justiça do Reino. Com eles, muitos outros também serão felizes. Isso é ser santo.

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EM QUE CONSISTE A FELICIDADE?

O evangelho de hoje nos ajuda a encontrar o caminho da verdadeira felicidade. Por vezes julgamos que felicidade é viver bem, é sentir-se bem, é ter muitas posses e riquezas, é ter muita gente do lado, é curtir festas, praias, churrascos e bebidas, noitadas e boemias.

A busca da felicidade revela um desejo divino dentro do coração humano. O problema é que nos enganamos com facilidade identificando felicidade com realização de desejos pessoais puramente mundanos e egoístas.

Quando olhamos para a sociedade judaica do tempo de Jesus, podemos identificar o que significava felicidade para aquelas pessoas: terra, filhos, prática religiosa, saúde, vida longa, abundante colheita, paz com os vizinhos.

Mas quando olhamos para a vida de Jesus não identificamos nele esse ideal de felicidade presente na cultura de seus correligionários. O modo de vida de Jesus era diferente. Suas buscas não estavam dentro de si mesmo, mas no cumprimento da vontade do Pai, no cuidado com os pequenos e pobres, no perdão dado aos pecadores, na cura dos doentes e sofredores. Sua vida não girava em torno de si mesmo. Sua felicidade parecia consistir em fazer felizes os outros. Não sabia ser feliz sozinho. Neste sentido era contracultural, remava contra a maré.

Jesus veio nos ensinar que a felicidade está na busca dos interesses e necessidades dos pequenos. Pede que não busquemos felicidade nos próprios interesses nem mesmo nos interesses da própria religião, mas fazendo da religião um modo de viver que promova o bem e a alegria de todas as pessoas.

Felizes os que têm coração de pobre, que sabem viver com pouco. Felizes os que trabalham pela paz. Felizes os que choram diante do sofrimento de alguém e lhe prestam auxílio. Felizes os que se empenham por ter um coração puro e um olhar divino. Felizes os que são perseguidos por promoverem a justiça e a fraternidade. Felizes aqueles que não guardam ódio e rancor no coração e que perdoam com generosidade. Felizes os que sabem partilhar o que têm com quem passa necessidade. Felizes os que dispõem do seu tempo para ajudar alguém. Felizes são todos aqueles que procuram conformar sua vida com a vida de Jesus: serão consolados, saciados, alcançarão misericórdia, reinarão com Cristo na vida em que toda lágrima será enxugada.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Finados: a volta para a casa do Pai

aureliano, 01.11.16

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Comemoração de todos os fiéis defuntos [02 de novembro de 2016]

[Jo 6,37-40]

Para o cristão, celebrar finados é o mesmo que celebrar a esperança. A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte é critério para o cristão no momento decisivo de sua partida, ou na participação na morte de alguém. “O último inimigo a ser vencido é a morte” (1Cor 15, 26). A vinda do Filho de Deus a este mundo e sua morte e ressurreição colocou para nós o ponto final sobre a morte.

A morte para o cristão é um mistério. Isto é, ela só pode ser compreendida à luz do que aconteceu com Jesus de Nazaré. Assim como Ele foi aprovado por Deus, assim também aquele que procura viver como ele viveu será aprovado, ressuscitado pelo Pai. Ressurreição é passagem da morte para a vida (cf. Jo 20,1-18); do pecado para a graça (cf. Cl 1,21-22). É chegar à comunhão com Deus para viver com ele eternamente (cf. Ap 21,1-7).

Finados ou o falecimento de pessoas queridas pode ser uma pedra de toque na nossa vida. Ajuda-nos a valorizar o que ultrapassa os limites da matéria. Lembra-nos a importância de morrermos para nós mesmos. A morte é uma realidade espiritual que confirma a definitiva e inabalável superação do homem confinado na perspectiva material.

Um texto que ajuda a despertar a esperança e a confiança são aquelas palavras de Isaías: “Por acaso uma mulher se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem, eu não me esqueceria de ti!” (Is 49,15).

Aquele que nos deu a vida e nos fez sair do aconchegante ventre materno para a luz do dia, há de nos fazer sair deste mundo, demasiadamente limitado, para a luz e a paz de Deus. “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

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Jo 11,17-45

EM CRISTO, A VIDA PREVALECE SOBRE A MORTE

Defunto vem do particípio latino, defunctu, de+fungor, significa falecido, aquele que cumpriu inteiramente sua função. Quando, na Igreja, esta palavra se acresce do termo fiéis, quer dizer que há algo mais do que uma mera função cumprida. O cristão e todo aquele que busca viver os valores do Evangelho não termina sua vida na morte. Não perde simplesmente uma função ao morrer. Sua vida está “escondida com Cristo em Deus”, (cf. Cl 3,1-4). Para quem busca a vida, defende a vida, dá a vida pela vida, não há morte. Deus não o abandona na “sombra da morte”. O que o Pai fez com seu Filho, fará também com todo aquele que busca viver como Cristo viveu.

A liturgia de hoje propõe vários textos para escolha da equipe de liturgia. Escolhi este relato do evangelho de João. Julguei muito interessante trabalhar esta cena do evangelho, talvez pouco explorada na liturgia.

O capítulo 11 de João é uma catequese sobre a ressurreição. No evangelho de João encontramos Jesus realizando sete sinais. O primeiro aconteceu em Caná da Galileia, na transformação da água em vinho. O sétimo é o relato da ressuscitação de Lázaro. Vejam que João não fala de milagres, mas de sinais. O que Jesus realiza é para levar o discípulo a confiar nele, a reafirmar sua fé no Cristo Ressuscitado. O relato de hoje prepara o discípulo para entrar confiante e esperançoso na cena da paixão. Em outras palavras, a paixão de Jesus, sua cruz e morte não devem ser motivo de desânimo nem de desencanto para o discípulo, mas motivo de se firmar no caminho da cruz, pois esta leva à glória do Pai.

Uma afirmação central no relato de hoje, deve sempre nos acompanhar: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Esta palavra tem sentido quando se torna viva e eficaz dentro de nós. A pergunta de Jesus à Marta e sua consequente resposta coloca nossa vida cristã em constante desafio de fidelidade, sobretudo nas situações-limite da vida. “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” (Jo 11,26). Marta aqui, simbolizando o discípulo fiel, que não desiste da fidelidade e da confiança em meio às tribulações, professa sua fé: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir ao mundo” (Jo 11,27).

Outro elemento, relacionado ao que acabamos de comentar, é o do significado de Marta e de Maria neste relato. Maria, pela atitude de ficar em casa, mergulhada na tristeza, prisioneira do círculo da morte e do pranto, representa aquele que se fecha à possibilidade da fé. Marta, no entanto, embora triste e sofrida pela morte do irmão, se abre confiante ao Senhor como Aquele que pode libertá-la da prisão da morte. Sai do mundo da morte para ser mensageira d’Aquele que é o portador da vida. Uma vez alimentada e confirmada na esperança, vai confortar e animar sua irmã que jaz no círculo da morte. É a nossa missão!

Ainda uma breve palavra a respeito de Jesus nesta cena. Vemos claramente a humanidade de Jesus: “E Jesus chorou”. Dizem que este é o menor versículo da Sagrada Escritura. Jesus era um homem que tinha sentimentos. Chorou a morte do amigo! O interessante para nós é que Jesus não se prendia aos sentimentos. Nem os reprimia. O norte da vida de Jesus era a vontade do Pai. Tinha consciência de sua missão. Sabia que devia levá-la até o fim. Ao realizar aquele sinal da revivificação de Lázaro, no contexto do diálogo com Marta e Maria e na presença de seus inimigos, sabe que sua ação terá consequências em vista do Reino de Deus.

Então não há problema em se chorar e lamentar a morte de alguém. Mas é preciso ressignificá-la na fé. Marta se torna pra nós inspiração de abertura, de discipulado, de adesão firme e confiante ao Senhor que se nos revela nos acontecimentos dolorosos da história.

A morte permanece para o ser humano como um mistério profundo. Ainda não se descobriu a pílula da imortalidade! Todos morreremos: ricos e pobres, sãos e doentes, novos e velhos, religiosos e descrentes. É o fim de todos. O modo como cada um encara este momento é que varia. Para o cristão, a morte segue o caminho de Jesus. Pode ser um cálice amargo que se deve beber até o fim. Porém com aquela certeza de que, se cumprirmos a vontade do Pai, ele nos acolherá de braços abertos para a vida que não tem ocaso.

Como se dará isso, certamente, não o sabemos. Mas a Igreja reza assim: “Nele (Cristo) refulge para nós a esperança da feliz ressurreição. E aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Ó Pai, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada, e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Prefácio da missa).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN