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aurelius

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Quaresma: oração para a conversão

aureliano, 27.02.17

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Quarta-feira de Cinzas [1º de março de 2017]

[Mt 6,1-6.16-18]

Não nos é dado saber com certeza onde nem como surgiu a Quaresma na vida litúrgica da Igreja. O que sabemos é que ela foi se formando progressivamente. Estava entranhada na consciência dos cristãos a necessidade de dedicar um tempo em preparação à celebração da Páscoa do Senhor. As primeiras alusões a um período pré-pascal estão registradas lá pelo século IV. Consta também que, na Quinta-Feira Santa, acontecia a reconciliação dos pecadores; e que na Vigília Pascal se realizavam os batizados dos catecúmenos. Esses dois costumes, vividos desde a antiguidade da fé cristã, vem mostrar que esse tempo nos remete à renovação das promessas batismais ou preparação para o batismo e a práticas penitenciais que nos levem a uma conversão profunda do coração.

A propósito desse elemento da história, o Concílio Vaticano II recomenda: “Tanto na liturgia quanto na catequese litúrgica, esclareça-se melhor a dupla índole quaresmal, que, principalmente pela lembrança ou preparação do batismo e pela penitência, fazendo os fiéis ouvirem com mais frequência a palavra de Deus e entregarem-se à oração, os dispõe à celebração do Mistério Pascal. Por isso, utilizem-se com mais abundância os elementos batismais próprios da liturgia quaresmal; segundo as circunstâncias, restaurem-se certos elementos da tradição anterior. Diga-se o mesmo dos elementos penitenciais” (SC 109).

É bom entender que a Quaresma não é um tempo de práticas penitenciais ultrapassadas, mas é um tempo de experiência de um Deus que está vivo no nosso meio e quer que todos vivam: “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). Um tempo em que somos chamados a participar dos sofrimentos de Cristo para participarmos também de sua glória (cf. Rm 8,17). O acento não está, portanto, nas práticas de penitência, mas na graça santificadora do Senhor que nos convida todos os dias à conversão.

Por possuir um caráter fundamentalmente batismal, a Quaresma nos convida a entrar numa dinâmica de permanente conversão para nos mantermos no caminho encetado pelo batismo. Mortos com Cristo, ressuscitamos com ele para uma vida nova. Quem ressuscitou com Cristo busca as “coisas do alto”. Compromete-se com a vida de todas as pessoas, particularmente com aqueles que não contam, que não são visíveis aos olhos da sociedade, os “sobrantes”.

As três práticas propostas pela Igreja, com raiz na tradição judaica são a oração, o jejum e a esmola. Elas nos ajudam à conversão.

O JEJUM quer nos ajudar a deixar de lado o consumismo proposto por uma sociedade governada por ricos e poderosos que querem ganhar sempre mais à custa dos pobres. Querem arrancar o pouco que o pobre tem. Neste tempo é bom a gente aprender a viver com pouco, a reaproveitar as coisas, a levar uma vida mais simples, mais sóbria. Não se trata de passar necessidade ou fome, pois não é isso que Deus quer. Mas a gente pode viver de modo mais simples sem entrar no modismo da sociedade consumista que mata e exclui. Mais do que jejuar, talvez fosse muito proveitoso evitar o desperdício, cuidar melhor de jogar o lixo na lixeira, manter limpo os espaços públicos; cuidar das fontes e rios; usar a água tratada com mais consciência, como dom do Pai; reutilizar lixo e água; tomar conhecimento dos biomas de nosso País e cuidar deles; preocupar-se e solidarizar-se com quem passa necessidade... Trata-se de um ‘esvaziar-se’ para encher-se dos sentimentos de Jesus; encher-se da bondade de Deus.

A ESMOLA quer despertar-nos para a solidariedade com os mais pobres. Uma conversão que nos torne capazes de partilhar com os outros os bens e os dons que temos. Que nos mobilize pelas causas justas, em favor dos menores, sem voz nem vez. É a luta contra a ganância que faz tantas vítimas em nosso meio. A esmola nos tira de nós mesmos e nos remete em direção dos irmãos pelo gesto da partilha solidária. Não é darmos algo de nós, mas darmo-nos a nós mesmos. A visita a um doente, idoso, pobre é um bom gesto que ajuda no processo de conversão. É a oferta do tempo que temos para nós e que doamos a alguém.

A ORAÇÃO nos coloca numa profunda comunhão com o Pai. Sem uma vida orientada pela oração não podemos construir um mundo de acordo com o sonho de Deus. E a oração verdadeira é aquela que nos coloca em sintonia com o querer de Deus, que nos move em direção aos pobres e sofredores. Ele veio “para que todos tenham vida”. Aproveitar esse tempo para reforçar a leitura orante da bíblia. Rezar todos os dias algum texto bíblico! Oramos não porque Deus desconhece nossas necessidades, mas porque queremos nos entregar a Ele e descobrir a melhor forma de servi-lo nos irmãos. A Leitura Orante ilumina nosso caminho, nossa vida.

Os Biomas brasileiros e a diversidade da vida: O objetivo da Campanha da Fraternidade 2017 é “cuidar da criação, de modo especial dos biomas brasileiros, dons de Deus, e promover relações fraternas com a vida e a cultura dos povos à luz do Evangelho”.

“Biomas são conjuntos de ecossistemas com características semelhantes dispostos em uma mesma região e que historicamente foram influenciados pelos mesmos processos de formação. No Brasil temos 06 biomas: a Mata Atlântica, a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal, a Caatinga e o Pampa. Nesses biomas vivem pessoas, povos, resultantes da imensa miscigenação brasileira.

Os biomas brasileiros sofrem interferências negativas desde a chegada dos primeiros colonizadores ao Brasil, logo após Pero Vaz de Caminha ter escrito para o rei de Portugal afirmando que as “águas são muitas, infinitas. Em tal maneira graciosa (a terra) que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem”.

Os colonizadores começaram a extração do pau-brasil usando, no início, a mão de obra escrava de indígenas e mais tarde dos africanos. Hoje, após mais de 500 anos daquela carta, o que restou da beleza natural descrita por Pero Vaz de Caminha?

A Igreja Católica há algum tempo, tem sido voz profética a respeito da questão ecológica. Neste início do terceiro milênio, ter uma população de mais de 200 milhões de brasileiros, sendo mais de 160 milhões vivendo em cidades gera sérias preocupações. O impacto dessa concentração populacional sobre o meio ambiente produz problemas que põem em risco as riquezas dos biomas brasileiros” (Texto-Base, Introdução).

Talvez fosse bom que cada um tomasse a peito a tarefa de conhecer um pouco do bioma do qual faz parte. Assim será ajudado a se conscientizar mais da necessidade de “cuidar do jardim de Deus”.

Há um trechinho do texto-base da CF que nos faz botar a mão na consciência em relação ao uso dos bens do Jardim de Deus: “A criação é obra prima das mãos de Deus (Salmo 8).  A acusação de que a ordem de Deus “enchei a terra e submetei-a” (Gn 1,28) favoreceria a exploração selvagem da natureza se baseia em uma má compreensão do texto.  O Papa Francisco na encíclica Laudato SI explica que “cultivar” quer dizer proteger, cuidar, preservar, velar. Isso implica uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza. A criação pertence a Deus  (Sl 24; Lv 25,23). O homem, que é imagem e semelhança de Deus, recebeu a vocação de cuidar e guardar com atenção dos seres que dela fazem parte” (cap. II, JULGAR).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O Senhor é minha rocha, minha esperança!

aureliano, 24.02.17

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8º Domingo do Tempo Comum [26 de fevereiro de 2017]

[Mt 6,24-34]

No início do capítulo sexto de seu evangelho, Mateus apresenta Jesus denunciando a hipocrisia nas práticas de piedade – O Papa Francisco chama a isto de vida dupla: “Mas o que é o escândalo? O escândalo é dizer uma coisa e fazer outra; é ter vida dupla. Vida dupla em tudo: sou muito católico, vou sempre à missa, pertenço a esta e aquela associação; mas a minha vida não é cristã. Não pago o que é justo aos meus funcionários, exploro as pessoas, faço jogo sujo nos negócios, reciclo dinheiro, vida dupla. Muitos católicos são assim. Eles escandalizam”. (Homilia em 23/02/2017).

Depois da orientação a respeito da piedade verdadeira, sem hipocrisia (jejum, oração e esmola), Jesus começa a mostrar que o discípulo deve ter uma relação de confiança em Deus e não nos bens terrenos.

A sentença “Ninguém pode servir a Deus e ao dinheiro” já nos é bastante familiar devido à Campanha da Fraternidade de 2010. Talvez nos falte ainda colocar no coração o que essa proposta de Jesus significa. O evangelho da liturgia deste final de semana nos ajudará a internalizar mais esse ensinamento de Jesus.

O termo original para expressar “dinheiro” é Mamon que significa “entrega”, “aquilo no qual deposito minha confiança”, “alicerce de alguma coisa”. Uma imagem que pode ajudar a entender é de alguém que está se afogando e se agarra em alguma corda ou tábua. Ele não solta por nada esse objeto, mesmo quando alguém lhe pede que solte, pois é o que lhe dá segurança naquela situação. Quando Jesus diz que não se deve servir a Deus e ao dinheiro, está dizendo que as consequências deste serviço são bem diferentes. Enquanto o mamon escraviza, domina, suga todas as forças da pessoa, leva a explorar e matar outras vidas pelo seu aumento e sustento, Deus estabelece com o seu servo uma relação de libertação, de mais vida, de horizontes novos, de realização alegre, de harmonia na vida e com as pessoas, de liberdade. É uma relação na confiança, na entrega, na coragem de soltar a “corda da salvação” (bens materiais) para uma relação de partilha, de doação ao modo de Jesus.

Entendendo o “não vos preocupeis” de Jesus: Na verdade Jesus não nos quer preguiçosos, em busca de “sombra e água fresca”, como se diz popularmente. Jesus quer que sejamos pré-ocupados, ou seja, que coloquemos Deus antes de nossas ocupações. Em outras palavras, precisamos estar ocupados: “quem não quer trabalhar, não pode comer”; porém o Senhor deve ter precedência em todas as nossas ações. Há uma oração-coleta na liturgia da Igreja que reza assim: Inspirai, ó Deus as nossas ações e ajudai-nos a realizá-las, para que em vós comece e para vós termine tudo aquilo que fizermos. (5ª feira após as cinzas).  A fidelidade de Deus deve ser parâmetro de nossa fidelidade, nossa verdade. Nesse sentido devemos pré-ocupar-nos com nossa vida.

Confiança em Deus no sofrimento. Não há pessoa que passe a vida toda sem sofrer nenhuma derrota ou fracasso. A vida é feita de vitórias e derrotas, de sucessos e fracassos. A grande dificuldade é lidar com os fracassos da vida. Muitos querem que Deus resolva seus problemas, ou não os deixe cair no fracasso. Porém, muitas vezes Deus entra na nossa história pelo sofrimento. É preciso dar lugar ao mistério de Deus na nossa vida. Nem tudo tem explicação. É verdade que muitos sofrimentos poderiam ser evitados. Quando o evangelho é vivido por todos os membros da família; quando os valores do evangelho estão presentes na comunidade, no coração dos responsáveis pelas políticas e pelos bens públicos e privados, muitos sofrimentos podem ser amenizados ou mesmo erradicados. Porém há situações em que precisamos nos jogar no Mistério de Deus e nos lançarmos nos braços providentes do Pai para que nele encontremos o conforto e a esperança que superam toda dor. É bom guardar no coração estas consoladoras palavras: “Ainda que as mães se esquecessem de seus filhos, eu não me esqueceria de ti” (Is 49, 15).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

É santo quem expressa a bondade do Pai

aureliano, 17.02.17

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7º Domingo do Tempo Comum [19 de fevereiro de 2017]

[Mt 5,38-48]

No Sermão da Montanha Jesus continua mostrando a grande novidade que veio trazer ao mundo para que se estabeleçam novas relações regidas pelo amor.

O judaísmo sempre entendeu a relação existente entre o amor ao Senhor e ao próximo. Prova disso é a insistência do Ensinamento (Lei) em relação aos pobres: estrangeiro, viúva e órfão (cf. Ex, 22, 20-23). A primeira leitura de hoje (Lv 19, 1-2.17-18) insiste em que não se guarde ódio nem se busque vingar de ninguém. A santidade se manifesta no amor ao próximo que se expressa no perdão, no cuidado, na solidariedade, na partilha, na correção fraterna etc.

O problema enfrentado por Jesus com seus irmãos na fé judaica foi que essa relação fraterna era guardada somente para com os correligionários (da própria religião e raça). Jesus quer universalizar essa relação de perdão e de não violência. Vai além: não enfrentar o malvado, ou seja, evitar toda violência, ainda que custe ao discípulo uma atitude de humildade: “Você é um bobo! Eu não aceitaria isso!”. É preciso ainda mais: amar o inimigo. Enquanto alguns contemporâneos de Jesus pregavam: “Ame o que Deus escolheu e odeie o que Deus rejeitou” (Essênios).

O que Jesus introduz de novo em tudo isso? – Seu discípulo deve expressar sempre mais na sua vida as atitudes do Pai que ama a todos os seres humanos. “Sede prefeitos como vosso Pai celeste é prefeito”. A perfeição de que fala Jesus não é psicológica, legalista, cumpridora da lei pela lei. Mas Jesus quer dizer que o discípulo do Reino precisa ser perfeito no amor como o Pai que ama todas as pessoas, independente do que são: “faz chover sobre bons e maus”. O amor não está na linha do merecimento, mas da gratuidade, generosidade. Ou seja, é preciso superar a mentalidade mundana, e enxergar o mundo e as pessoas com o olhar de Deus.

Faz-se necessário mudar o registro da mente e do coração. Entrar num processo de conversão. É poder dizer: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,33). O amor proposto por Jesus é o ágape: não há exclusividade no amor, ele é aberto. Parecido com aquele amor da Graça (lá de Vilas Boas) pelo seu filho Ronildo: “Meu Deus, eu te entrego meu filho. Assim como o Senhor me deu ele, eu te devolvo”. E cuidou dele a vida inteira, gratuitamente!

Talvez nos ajude mais o conceito de santidade, presente no Levítico 19, 1-2. Santidade e pecado coabitam em nós: somos santos e pecadores. Mas perfeição e pecado, não. Perfeição é atributo humano e não divino. É um ideal, algo que dá ideia de completude. A Escritura, com exceção de Mateus, não diz que Deus é perfeito, mas que Deus é Santo. É separado das criaturas, não se confunde com elas. É o Criador. Se Deus, o Santo, ama a todos, aqueles que Ele criou à sua imagem e semelhança, também devem amar para participar da santidade de Deus e comunicá-la aos demais.

Num comentário magnífico ao relato sobre o paralítico colocado na presença de Jesus pelo telhado da casa (Mc 1,1-12), Papa Francisco diz, com toda simplicidade: “Sem dúvida, «o povo é pecador, como eu sou pecador, todos o somos». Mas o povo «procura Jesus, procura algo, procura a salvação». Ao contrário, aquele «grupo» de homens «parados estavam ali, na varanda, a olhar e a julgar» (Homilia em 13/01/17). Ou seja, ainda que a motivação inicial esteja eivada de algum egoísmo, a Graça pode transformar a pessoa. O importante é buscar, é sair da “varanda” e caminhar atrás de Jesus.

Perfeição dá ideia de subida, de degraus. Santidade traduz descida, esvaziamento da auto-suficiência, de toda ambição e busca de riquezas, de prestígio, de projeção social, de dominação dos outros, de opressão. Santidade não é resultado matemático que possa ser contabilizado. É antes uma tendência para Deus, busca de se viver na presença de Deus, uma luta diária contra os desejos egoístas presentes no “homem velho”, para usar a linguagem paulina (Rm 6,6). É a verificação da própria indigência e, ao mesmo tempo, uma esperança confiante no amor, na graça, na salvação que vem de Deus. É um caminhar lentamente, passo a passo. “Caminheiro, não existe caminho. Passo a passo, pouco a pouco, o caminho se faz”. Não por nós, mas pela graça e perdão do Pai, com nossa resposta generosa, cotidianamente, pacientemente, confiantemente...

Assim como os filhos refletem a fisionomia dos pais, assim o discípulo de Jesus deve expressar, em suas relações, a santidade e o amor do Pai.

Obs.: No alto, foto de Ir. Doroty, assassinada aos 73 anos, no dia 12 de fevereiro de 2005, em Anapu/PA. Antes de receber os disparos que lhe ceifaram a vida, ela teria dito, quando lhe perguntaram se tinha arma: "Eis minha arma", e mostrou-lhes a bíblia.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Ronildo, você foi um sinal de Deus para nós

aureliano, 15.02.17

Ronildo Lopes.jpg 

“OBRIGADO, SENHOR. TUDO PELA TUA GLORIA” Ronildo Lopes 7 de fevereiro às 18:28

 “Padre, eu queria me confessar”. – “Pois, não, Ronildo. Agora mesmo”. Assim nosso saudoso Ronildo se dirigiu a mim, mais de uma vez, na capela São José de Vilas Boas. Uma alma de escol! Um jovem de consciência bem formada. Equilibrado, consciencioso, piedoso, temente a Deus, alegre, buscava manter-se sempre na presença de Deus.

Tinha sua opção político-partidária, gostava de contar e de ouvir causos, era torcedor fiel do Vasco da Gama, versátil em assuntos variados. Com isto quero dizer que Ronildo não era homem fanático nem fora da realidade nem vitimizado. Um jovem como qualquer outro, porém consciente e coerente com sua fé cristã e católica, e limitado pela enfermidade, definida pela Zezé Cola como “distrofia muscular contínua”.

Ao publicar este texto sobre o Ronildo Lopes, sepultado neste dia 14 de fevereiro, em Vilas Boas, minha intenção é que chegue ao conhecimento de muitas pessoas as maravilhas que Deus realizou na vida deste nosso irmão que viveu na simplicidade, no anonimato, na limitação da enfermidade, mas que fez de sua vida um dom para Deus e para os irmãos. Constituiu-se um exemplo de vida para todos nós. Aplicam-se a ele as palavras da Sagrada Escritura: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (2Tm 4,7). Não foi isso que o Ronildo fez?

Obs: Os comentários extraídos do Facebook e publicados aqui sofreram ligeira correção, mas o conteúdo não foi alterado. Fiz uma seleção daqueles que julguei mais significativos. Desculpem-me a diagramação: não consegui arranjar tudo.

Últimos momentos

Maria Jose Fui lá visitá-lo, Zezé; ele falou pra mim: ‘Tô indo embora’.
Dr. Cláudio veio consultar a mamãe aqui em casa. Depois da consulta eu falei com ele: ‘Vamos visitar o Ronildo, Dr.’ E ele falou: ‘Vamos’. Chegando lá, ele olhou pro médico e disse: ‘Tô indo embora, Dr.’ Levaram ele pro hospital: soro na veia, antibiótico... mas nada,  em vão. ‘Se a senhora fica bem, eu tô indo embora, tô muito mal; me perdoa se fiz alguma coisa com a senhora. Ai a Graça (mãe) falou: ‘Pode ir meu filho’. Foi para um canto do quarto e disse: ‘Meu Deus, eu te entrego meu filho. Assim como o senhor me deu ele, eu te devolvo’. Dizendo isso, ele foi acabando.

Esse depoimento da Graça, sua mãe, e as últimas palavras do Ronildo, registrados pela Maria José, irmã de sue pai, mostram a sublimidade e a singeleza do ambiente de fé em que Ronildo viveu e morreu.

Os relatos que seguem são vários depoimentos que julguei interessante registrar para que se confirmem a santidade, a nobreza de alma, o “bom odor de Cristo” (2Cor 2,15) deixados pelo Ronildo. Vilas Boas fica enobrecida, honrada pela vida deste jovem cheio de Deus que viveu entre nós.

Meu pai, José Lopes, escreveu assim:

"OBRIGADO, SENHOR. TUDO PELA TUA GLÓRIA" Estas talvez vão ser as últimas palavras escritas por RONILDO LOPES. Este querido filho da minha Vilas Boas, meu parente de sangue, tanto do lado do seu pai, José Geraldo Lopes, como de sua mãe, Maria das Graças dos Santos. Ele sofre de esclerose múltipla, (disse a Zezé Cola que é Distrofia Muscular Contínua) desde criança. Já, para ele ir a escola, andava com dificuldades, pois suas pernas não o ajudavam. Mesmo assim caminhava cerca de dois quilômetros para aprender a ler. Mas a esclerose só evolui, a ponto de ele usar uma cadeira motorizada para se movimentar. Assim mesmo com muita dificuldade. Seu pai e sua mãe cuidam dele com muito carinho. Ronildo, apesar de todo sofrimento, é uma pessoa maravilhosa. Grande devoto de Nossa Senhora e de Jesus Eucarístico. Mesmo com todos os distúrbios em seus membros, tanto os inferiores como os superiores, não reclama de nada. RONILDO nos dá um exemplo de vida: já que temos os membros perfeitos, ainda reclamamos. Ronildo hoje já está com mais de quarenta anos. De poucos dias para cá, sua enfermidade está agravando. Portanto, vamos interceder a Deus por ele e também por seus pais, que sofrem com a doença do seu filhinho. "POR TUDO, DEUS SEJA LOUVADO"! (Manhã de 13/02/17).

 

Horas depois, papai postou o seguinte:

“Eu disse que talvez fossem as últimas palavras que o Ronildo Lopes, havia escrito. Agora vejo a confirmação feita pela sua irmã, Diana Lopes, que ele já se acha junto de Deus. Se alguém precisar de uma graça, pode interceder a ele. Toda sua vida foi voltada para Deus. Descanse em paz, RONILDO” (13/02/17).

 

No mesmo dia, mais tarde, papai publicou:

Nas centenas de páginas do Facebook, vão ficar para a história as palavras últimas, escritas pelo jovem Ronildo Lopes, logo que começou a se sentir ofegante, há uns 6 dias atrás. Palavras do próprio RONILDO: "OBRIGADO SENHOR, TUDO PELA SUA GLORIA”. E depois que escreveu estas palavras, não escreveu mais nada, pois a sua condição não permitiu. Para ele escrever, sua mãe levantava o seu braço e colocava a sua mão no computador (já havia muitos anos que não dominava nenhum dos seus membros), e ele só usava o dedo indicador para digitar. Também usava o mesmo dedo para movimentar a sua cadeira mecânica.

 

No dia do seu sepultamento, papai escreveu:

O APÓSTOLO SÃO PAULO, DISSE: "TUDO CONCORRE PARA O BEM DOS QUE AMAM A DEUS". Hoje tivemos essa confirmação. No sepultamento do RONILDO, não se ouviu nenhuma lamúria; pois todos dizem por uma só boca: "Morreu uma criatura santa”. Durante todos os anos de sua existência, nunca se viu reclamar de sua insuficiência física. Mesmo em sua cadeira de rodas, estava sempre pronto a ajudar o seu próximo naquilo que estivesse em seu alcance, através da Internet. Sua urna recebeu as bandeiras do Terço dos Homens e a bandeira do APOSTOLADO DA ORAÇÃO". Ronildo era um menino alegre e bem disposto, mesmo com todos os seus limites. "APAGOU UMA LUZ AQUI NA TERRA, PARA ACENDER UMA ESTRELA NO CÉU". (14/02/17)

 

Diana Lopes, sua irmã, registrou assim a Páscoa do irmão:

Lá se foi nosso amigo Ronildo Lopes. Tá junto com Papai do céu. Deixou nesta terra só bons exemplos. Agora nos resta seguir pelo menos um pouco do que ele nos deixou!
A seguir, alguns comentários da página da Diana, sua irmã:
Maria Aparecida Teixeira Raimundo Meus sentimentos Diana e toda família. O Ronildo está agora ao lado do Pai do céu. Exemplo de humildade e aceitação. O céu está em festa recebendo ele. 

Kleber Costa Que esteja em paz. Grande ser. Conheci pouco o primo, mas transparecia uma humildade e felicidade que não eram deste mundo.

Jose Almir V. Melo Muitas saudades, uma grande perda para família, amigos e para a Igreja, mas no céu agora ele canta com os anjos, santos e Nossa Senhora diante do trono de Deus. Um santo que temos lá para interceder por nós!

Marilia Franco Que triste! Meus sentimentos a toda família... tenha certeza: ele cumpriu sua missão e deixou um aprendizado para todos. Nem nos tempos de escola nunca reclamou. Deus preparou um bom lugar para ele.

Aureliano Moura Lima Diana, José Geraldo e Graça, meu abraço solidário, minhas orações e nossa gratidão por terem cuidado e dado aquela educação cristã cristalina ao Ronildo. O Senhor dê a ele a Luz e a Paz que não têm fim.

Said Teixeira Meus sentimentos Diana Lopes. Ronildo Lopes era um grande homem que vai sempre ser lembrado pelas milhares de coisas boas que fez, e com certeza já está ao lado da Pai.
Vanessa Rodrigues Ô Diana, sei que não deve estar sendo fácil pra vocês, mas com certeza ele está num bom lugar, cheinho de paz e conforto. Ronildo foi pessoa humilde, cheia de fé e resignação, que mesmo com todas as dificuldades da vida nunca reclamou, pelo contrário, o sorriso no rosto sempre foi presença constante. É um exemplo pra todos nós! Que Deus conforte vocês e dê muita força nesse momento! Queria muito ir aí me despedir dele, mas infelizmente, não vai dar pra eu ir. Mas tô aqui em oração por ele e por toda a família. Fiquem bem!
Mariana Souza‎ para Diana Lopes Hoje Vilas Boas está de luto. Infelizmente a vida nos pega de surpresa às vezes, mas saiba que a vontade de Deus é a melhor pra todos nós. Venho aqui para deixar os meus sentimentos a você e sua família. Tenho certeza que o Ronildo tinha muito orgulho de vocês. Ele vai fazer muita falta, mas agora ele está lá pertinho de Deus. Que o Senhor conforte todos os corações nesse momento doloroso. Você, madrinha, é uma pessoa maravilhosa e fez tudo que pode por ele. Agora carregue com você apenas a lembrança da pessoa de luz que o Ronildo foi para todos e saiba que ele está bem protegido pelo Papai do Céu.

A seguir, outros depoimentos (na página de José Lopes): 

Maria Marta Eu sempre o admirei, pois com limitações nunca deixava de participar da Santa missa e de outras reuniões, seja Vicentino e Apostolado da Oração ou Celebração da Palavra. Força meu amigo (hospitalizado).

Zezé Cola Sr. José, muito bom dia. Estamos todos em oração pela vida do Ronildo. Eu costumo dizer que ele é um anjo que Deus deixou cair no meio de nós, tamanha a sua resignação no sofrimento. A doença dele se chama Distrofia Muscular Progressiva (hospitalizado).

José De Anchieta Moura Lima Modelo de vida, de missão e de um testemunho fiel da sua fé. Um santo que se junta a outros santos e santas de Deus. Descanse em paz, meu irmão, no Reino do Senhor da Vida!

Felipe Moura Lima Ronildo, um santo entre nós! Daqui a alguns anos teremos uma canonização em Vilas Boas!

 

Na página da Maria José, sua tia:

Maria Jose Hoje sepultamos meu sobrinho e irmão em Cristo, Ronildo. Desde pequeno os médicos já falavam que ele ia parar de andar. Sofria de uma doença que atrofiava os músculos. Ele começou a frequentar a escola. Era um menino muito humilde. Aos 15 anos, vindo da escola, caiu em frente da casa da mamãe. Aí acabou: ele não andou mais; continuou a estudar até à oitava série.

Com ajuda da sua mãe ele trabalhava com artesanato: fazia carrinho de madeira. Foi um menino de Deus. Doaram a cadeira pra ele: foi uma felicidade. Chegou a internet e aí ele comprou seu computador. Trabalhava o dia todo. Inteligente que só vendo. Há poucos dias começou a sentir-se mal: as coisas de sempre; e pregou em nós esta peça. Foi uma pessoa de Deus, e é. Deus o levou pra junto dele. Descanse em Paz, Ronildo.

Hilton Carlos Saudade eterna deste primo que nos deixou um exemplo de vida cristã. Com certeza será mais um intercessor por nós lá no céu junto à corte celeste. Peço a Deus Pai que continue abençoando e fortaleça ao José Geraldo, Graça, Diana e todos da família neste momento de tristeza.

Cristina Silva Ele era uma pessoa maravilhosa. Estudamos juntos em Vilas Boas. Ele irá fazer muita falta. Mas agora está bem, ao lado do Pai. Que Deus possa dar muita força a todos e aos familiares. Descanse em paz Ronildo Lopes.

 

Na página do Ronildo Lopes (alguns comentários):

Luci Laura É, estamos aqui de passagem, mas nunca vou esquecer de você, amigo, do seu sorriso e da sua alegria. Sei que você está bem. Você deixou um aprendizado enorme por onde passou. Que Deus conforte o coração de seus pais.
Jhonatan Machado É, meu querido Nildo. Vai ser difícil! Vai ser difícil chegar na sua casa e ver aquele cantinho ao lado do sofá vazio, vai ser difícil não escutar sua risadinha, que por sinal é única, vai ser difícil não brincar do vasco c vc no zap, tudo vai ser difícil. Mas quero que saiba que vou ser forte por vc, pela madrinha, padrinho, Diana e td família. Tentar ser um pouquinho do que foi pra mim. Nunca vi reclamar de nada, sempre c um lindo sorriso no rosto. Hoje dói não ter vc aqui por perto, mas sabemos que está em um Lugar mto melhor, que vc msm nos disse esses dias, que lá é lindo. Sempre acreditamos em vc, não era desse vez q seria diferente né ?!! Pois bem meu amigo, só queria lhe Agradecer por tudo que foi, é, e sempre vai ser em minha vida! Eu te amo muito! OBRIGADO pelos ensinamentos!
AAAh postei essa foto pq me lembro mto bem a felicidade que senti quando recebi essa carretona que vc msm fez para mim! Parece que foi ontem... mas gostaria q fosse hj... 
Mais uma vez, OBRIGADO POR TUDO! 
Você marcou na minha vida. Viveu, morreu na minha história
Fernanda Cristina É muito triste a dor da perda, principalmente quando é um anjo que a todo momento nos lembra que não devemos desistir, que não devemos ser fracos e que Deus está conosco a todo momento, que a fé nos torna forte para superar tudo, se vai, mas o seu sorriso, a sua força, a sua fé, o seu exemplo nos ensina a ser pessoa melhor. Obrigada por nos ter dado a oportunidade de ter vc em nossas vidas. Vá com Deus meu primo, tenho a certeza que vc estará no céu junto com Deus. Em nosso corações e lembranças estará sempre vc. Obrigada Ronildo Lopes por ter feito a diferença em nossas vidas e a Deus por nos ter dado o privilégio de tê-lo conosco em nossas vidas.

Rosiléia De Moura Lima Sempre que eu ia à Guiricema, conversava com ele. Sempre no mesmo cantinho, na igreja. Que Deus o tenha em um bom lugar...

Marcia Silva  Hoje o sol não brilhou, os pássaros não cantaram, os risos se calaram e as lágrimas rolaram em meu rosto. Meu coração sofre em silêncio. Padrinho, descanse em paz. Vou sentir muita falta do senhor. Tá junto com Papai do céu. Deixou nesta terra só bons exemplos. Agora nos resta seguir pelo menos um pouco que ele nos deixou !
Zezé Cola‎ Nosso anjo da cadeira de rodas se foi. Ei, Ronildo, tá doendo demais saber que não mais verei sua cadeira naquele cantinho da Igreja de onde sempre gostou de assistir às missas. Eu estava pedindo a Deus para que fizesse o melhor por vc... e Ele fez. Recolheu o anjo que, propositadamente, deixou cair aqui no meio de nós. Que lição vc nos deu, amigo! Que exemplo de resignação, que coragem de viver o sofrimento sem nunca blasfemar, sem nunca deixar de dizer: Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Meu querido amigo, descanse em paz nos braços serenos do Pai. Interceda por nós aí no céu. Tenho certeza de que está num lugar muito especial, ao lado dos anjos e dos santos, no colo aconchegante de Jesus. Obrigada por todas as lições que nos ensinou com sua existência tão leve. Jamais nos esqueceremos de seu sorriso tão carregado de pureza e de seu  coração tão transbordante de amor. No dia 16 de junho de 2016 vc postou essa mensagem: "valoriza teu pai, valoriza tua mãe, tua família, teus amigos, valoriza os que estão ao seu lado. A vida não avisa quando vai terminar." Você soube valorizar tudo isso, meu amigo. Vá em paz. Sua missão foi muito bem cumprida. 
♪ E eu gostava tanto de você, gostava tanto de você. ♫

 

Obrigado, Senhor, pela vida do Ronildo, pelo dom de sua família. A fé cristã nos diz que a vida de quem morre na paz de Deus não é tirada, mas transformada. Temos certeza de que ele está junto de vós. Por isso pedimos que Ronildo, na Luz que não tem ocaso, interceda por nós que ainda peregrinamos neste mundo, para que tenhamos um pouco mais de gratidão, de paciência, de generosidade, de solidariedade, de coerência de vida cristã. Maria, nossa boa Mãe, interceda por todos nós. Amém. 
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Literalidade e Espiritualidade da Lei

aureliano, 09.02.17

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6º Domingo do Tempo Comum [12 de fevereiro de 2017]

[Mt 5,17-37]

Estamos no capítulo 5º de Mateus. No domingo retrasado rezamos o Evangelho das Bem-aventuranças: a verdadeira felicidade está em viver segundo o Espírito de Jesus. No domingo passado vimos que o discípulo é chamado a iluminar e a dar novo sabor à própria vida e à vida dos outros a partir de Jesus. Hoje, continuando a leitura do mesmo capítulo, ouvimos o ensinamento novo de Jesus em relação à Lei.

A fidelidade à Lei ou Torá, Ensinamento do Senhor, era o que colocava o judeu piedoso no caminho da santidade e da justiça. A dificuldade apontada por Jesus na reforma que ele faz da Lei era o entendimento corrente no seu tempo, de que bastava a fidelidade externa, uma observância à letra da Lei para ser justo. Jesus mostra que cumprir a Lei não é executar o que está prescrito ou deixar de fazer o que é proibido. Cumprir a Lei e realizar toda justiça, é agir de acordo com a vontade amorosa do Pai que está por trás da letra da Lei. É viver o espírito da Lei.

Assim, quando a Lei diz “não matarás”, ela quer dizer, “não sufocarás teu irmão por desprezo ou por rixa, por meio do preconceito ou da lei da ‘vantagem’”. É claro que o mandamento “não matarás” refere-se também a atitudes e legislações que tiram da pessoa a possibilidade de viver com dignidade, de ter acesso à saúde e à educação, ao pão de cada dia.

Pelo que se constata, não há dúvida de que as atitudes do Governo brasileiro (Executivo, Congresso e Judiciário) estão levando à morte milhares de pessoas. Um grupo de políticos e empresários desonestos roubou uma parte do patrimônio brasileiro. Há uma manobra satânica para livrá-los da condenação à devolução do que roubaram. Agora, o que sobrou está sendo entregue aos ricaços e ao capital estrangeiro. Isto mata muita gente e sacrifica muitas vidas. É terrível cair nas mãos de um grupo que age movido somente por interesses politiqueiros, sem o mínimo de consciência ética, desdenhando totalmente o bem comum, o clamor dos pobres. É um daqueles pecados que, na linguagem da catequese tradicional, “bradam aos céus e pedem a Deus por vingança”. Não que Deus seja vingativo, mas são pecados que afrontam a ordem natural da Criação, que destroem a humanidade. “Lembrai-vos de que o salário, do qual privastes os trabalhadores que ceifaram os vossos campos, clama, e os gritos dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos” (Tg 5,4).

Da mesma forma, o “não adulterarás” dever ir além. Deve levar o discípulo de Jesus a lutar contra a cobiça que habita o coração de toda pessoa. No entendimento dos rabinos do tempo de Jesus, se a mulher olhasse para outro homem ou se demonstrasse qualquer insinuação de desejo por possuí-lo, já era motivo para divorciar-se dela. Porém o homem (varão) era imune a essas penalizações. Jesus, porém, coloca homem e mulher no mesmo nível de compromisso e de fidelidade. O mal é gestado nas más intenções que brotam do coração (cf. Mc 7, 21) tanto do homem quanto da mulher. Nesse mesmo sentido é preciso entender que o divórcio não faz parte do plano de Deus. Ainda que, em determinadas circunstâncias, seja um mal menor, é sempre um mal. Todos sabemos bem das conseqüências danosas provocadas pela separação do casal!

O evangelho de hoje nos ajuda a entender que diante de nós estão dois caminhos: “Diante dos homens está a vida e a morte, o bem e o mal; ser-te-á dado o que preferires” (Eclo, 15, 17; cf Dt 30,15-20). A Lei de Moisés nos ajuda a escolher qual o melhor caminho. Jesus, interpretando a Lei, nos mostra a necessidade de ir além de sua literalidade. Em outras palavras: se alguém pensa que para servir a Deus basta ir ao templo, “assistir” à missa, sem cultivar o amor e o cuidado para com os pais; ou que, em relação ao casamento, basta honrar o “contrato matrimonial”, sem necessidade de se preocupar em renovar o amor, o respeito e a fidelidade ao esposo, à esposa, aos filhos todos os dias, está fora do projeto de Deus; não está cumprindo a justiça do Reino. É o caso também de quem pensa que roubar ou matar é tirar algo do outro ou tirar a vida de alguém, podendo andar de mãos dadas com a corrupção e a mentira. Ou mesmo não se importando com a devastação do meio ambiente que geme dores de morte etc.

Viver o espírito da Lei, o Ensinamento de Deus, para se cumprir a justiça do Reino anunciado por Jesus, leva o discípulo a olhar para seu interior onde está inscrita a vontade do Pai. Escutando a consciência, voz de Deus, conferindo-a com a Palavra que ouvimos, vamos percebendo por onde andamos e que contornos de conversão precisamos fazer.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Ser sal e ser luz: dar sabor e ver

aureliano, 04.02.17

5º Domingo do Tempo Comum [05 de fevereiro de 2017]

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[Mt 5,13-16]

Hoje continuamos a rezar, na liturgia, o Sermão da Montanha. Jesus, o novo Moisés, quer mostrar a novidade do seu ensinamento em relação ao antigo. Com o projeto do Reino dos Céus (ou de Deus) anunciado por Jesus, Mateus procura mostrar às comunidades cristãs oriundas do judaísmo que precisavam assumir uma prática de vida nova, um novo modo de viver (cf. Mt 5,1-12: Bem-aventuranças) uma vez que a postura dos judeus de então não correspondia mais ao sonho de Deus para a humanidade.

Na confusão de propostas religiosas, de pregadores de todo canto, o discípulo de Jesus deveria assumir uma postura nova e decisiva: ser sal e ser luz. Em outras palavras: devia dar novo sabor e nova cor à vida das pessoas, ao mundo, a partir de uma vida de intimidade com Jesus. Participando da vida de Jesus, “Sol nascente que nos veio visitar”, o discípulo - tal qual a lua que recebe do sol a luz para iluminar a noite -, uma vez iluminado, ilumina a vida em torno de si, ilumina a vida do irmão, percebe e solidariza-se com sua necessidade: repartirá o pão com o faminto, hospedará o pobre sem destino (migrante), vestirá o nu, jamais se esconderá de seu irmão pobre, enfrentará o “dedo que acusa e a conversa maligna” (cf. Is 58, 7-10).

Os cristãos são chamados a transformar um mundo sem sal, sem sabor (sabedoria), sem a luz da verdade, da justiça e da fidelidade, em Reino de Deus. Isso só será possível se o discípulo de Jesus procurar configurar sua vida à de Cristo. Se procurar viver os valores do Evangelho, se buscar reproduzir as atitudes de Jesus, sobretudo para com os pequeninos, os indefesos, os pecadores, os doentes, os sofredores.

“Se fizeres isto (repartindo o pão com o faminto, recolhendo em casa os pobres desabrigados, vestindo os que estão nus), a tua luz romperá como aurora. Então tua luz brilhará nas trevas e tua escuridão será iluminada” (cf. Is 58,7-10). É a participação na glória de Deus. Glória que se manifesta e se exercita na caridade para com os pobres. Onde não há caridade não está Deus, por conseguinte não há luz. E sem luz não se caminha seguro, corre-se sempre o risco de se cair no precipício ou de atropelar os outros.

O espírito mundano nos leva ao espírito de competição, a abocanhar tudo, a fechar os olhos para a necessidade do miserável, a gastar tudo ou a acumular sem repartir, a pagar o mal com o mal, a valer-nos das oportunidades para tirar vantagens em prejuízo dos outros, a extorquir os desamparados e indefesos etc. O espírito de Jesus nos convida a assumir uma postura de luz que brota do seu coração e chega aos pobrezinhos através de nós; uma postura de sal que dá um novo sabor à vida de tanta gente. Pois a sabedoria da vida, o prazer de viver não está no acúmulo de bens, nem em curtir todo o prazer do mundo, nem no luxo, nem na ostentação, mas em ocupar-se com aqueles que são mais fracos, impotentes, desprezados, que não são levados em conta na sociedade. A propriedade de conservar que o sal possui quer dizer que, a prática da caridade em favor do irmão, sobretudo do indefeso, ajuda a conservar em nós a Aliança que o Senhor fez conosco em seu Filho Jesus.

De nossa vida ficará aquilo que se tiver tornado amor: “No entardecer da vida seremos julgados sobre o amor” (S. João da Cruz). Se tiver ficado amor na vida que tivermos vivido, não entraremos nas trevas (noite) da morte, pois a Luz amorosa mantida no coração e na vida não se apagará jamais. O resto irá para o túmulo. É preciso, pois, que nos convertamos a cada dia em amor. Então seremos sal, seremos luz!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN