A luz de Cristo nos faz iluminados
4º Domingo da Quaresma [26 de março de 2017]
[Jo 9,1-41]
João escreve com uma linguagem própria, em relação aos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas): longos diálogos cujas cenas são carregadas de simbolismo, provocando realismo e suspense no leitor. A principal mensagem do relato de hoje é a acolhida da revelação de Jesus enfatizada no contraste entre o “ver” e o “cego”. No texto encontramos 14 vezes a palavra “cego” e 18 referências ao “ver”. Os fariseus julgam ver tudo a partir da Lei e expulsam da sinagoga aquele que passou a ver depois do encontro transformador com Jesus.
Não podemos perder de vista que, desde os inícios do cristianismo, a quaresma é o tempo de preparação para o batismo dos catecúmenos. Por isso os textos bíblicos e litúrgicos são escolhidos de forma a levar aquele que será batizado a entender e a assumir a fé que irá professar e a mergulhar-se cada vez mais no mistério do Cristo, luz do mundo. Nas Igrejas Orientais o batismo era chamado de “iluminação”.
A liturgia continua convocando o batizado à conversão do coração. É preciso afastar a ideia de que somente se deve preparar e pensar no batismo quem ainda não foi batizado. A realidade batismal deve acompanhar toda a vida do cristão. É uma vida nova. É um jeito novo de viver: “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz o Senhor: andai como filhos da luz, pois o fruto da luz consiste em toda bondade, justiça e verdade” (Ef 5, 8-9).
Aquele cego de nascença representa cada pessoa chamada a fazer caminho de seguimento de Jesus. Nascer cego lembra a realidade de pecado (original) em que toda pessoa nasce. É preciso ser “ungido” no encontro com Jesus e “lavar-se” nas fontes batismais para enxergar o mundo com o olhar de Jesus. “O pior cego é aquele que não quer ver” exclama o ditado popular. Cegos eram os fariseus e mestres da lei que não queriam enxergar a grande novidade enviada por Deus ao mundo na pessoa de Jesus. Continuavam cegos, embora acreditassem enxergar.
O encontro com Jesus nos abre os olhos e o coração e passamos a enxergar o mundo de modo novo, sem aquela cobiça que faz tanto mal, sem inveja e ciúme. Sem a sede do poder e do dinheiro que provoca tantas desavenças. Passamos a ver o outro não mais como ameaça ao nosso bem-estar ou como objeto de exploração e lucro, mas como irmão que precisa de nós, que pode somar conosco na construção de um mundo melhor.
Enquanto nosso olhar para o mundo for a partir de nossos interesses egoístas, seremos cegos conduzindo cegos. Se, porém, adotarmos a ótica de Jesus, que nos foi dada no batismo, seremos uma possibilidade para construir família, comunidade, sociedade, relações mais humanizadas. Despertaremos nos outros sua capacidade de enxergar melhor. Seremos reflexos da luz de Jesus: “Vós sois a luz do mundo. Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vendo as vossas boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos céus (Mt 5,14.1).
Outro elemento importante do evangelho de hoje é não atribuir o sofrimento humano a uma punição de Deus pelo próprio pecado ou de antepassados. É uma compreensão por demais mesquinha e medíocre sobre Deus. Essa idéia está muito disseminada em nosso meio. Precisa ser erradicada, pois faz muito mal às pessoas e emperra a transformação da história. É uma idéia que nega a liberdade da pessoa, o mistério de Deus e do sofrimento humano. Jesus corta esse mal pela raiz: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas é para que nele sejam manifestadas as obras de Deus” (Jo 9, 3).
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A CEGUEIRA NA REFORMA PREVIDENCIÁRIA
Registro, a seguir, dois parágrafos da nota da CNBB sobre a proposta do atual governo para a Reforma da Previdência Social. Uma atitude de quem, à semelhança dos fariseus do evangelho de hoje, recusa-se a enxergar as pessoas e o mundo com o olhar e a luz de Jesus. No Congresso e no Planalto há muitos que se dizem cristãos, mas não guardam nenhum escrúpulo para usarem de perversidade quando seus interesses espúrios estão em jogo. Uma lástima!
... “Buscando diminuir gastos previdenciários, a PEC 287/2016 “soluciona o problema”, excluindo da proteção social os que têm direito a benefícios. Ao propor uma idade única de 65 anos para homens e mulheres, do campo ou da cidade; ao acabar com a aposentadoria especial para trabalhadores rurais; ao comprometer a assistência aos segurados especiais (indígenas, quilombolas, pescadores...); ao reduzir o valor da pensão para viúvas ou viúvos; ao desvincular o salário mínimo como referência para o pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a PEC 287/2016 escolhe o caminho da exclusão social.
... Às senhoras e aos senhores parlamentares, fazemos nossas as palavras do Papa Francisco: ‘A vossa difícil tarefa é contribuir a fim de que não faltem as subvenções indispensáveis para a subsistência dos trabalhadores desempregados e das suas famílias. Não falte entre as vossas prioridades uma atenção privilegiada para com o trabalho feminino, assim como a assistência à maternidade que sempre deve tutelar a vida que nasce e quem a serve quotidianamente. Tutelai as mulheres, o trabalho das mulheres! Nunca falte a garantia para a velhice, a enfermidade, os acidentes relacionados com o trabalho. Não falte o direito à aposentadoria, e sublinho: o direito — a aposentadoria é um direito! — porque disto é que se trata’” (wwwcnbb.org.br).
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN