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As consequências da profissão de fé

aureliano, 25.08.17

Profissão de fé de Pedro.jpg

21º Domingo do Tempo Comum [27 de agosto de 2017]

[Mt 16,13-20]

Este relato do evangelho de Mateus é um marco muito importante, pois mostra dois modos de se compreender a pessoa de Jesus: um modo confuso (messianismo=milagreiro, resposta para todos os problemas); e uma confissão clara: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (messianidadade de Jesus). Pedro, representando todos os discípulos, estabelece com sua resposta, uma nova fase no seguimento de Jesus. Com isso Jesus afasta a concepção messiânica que habitava o coração dos fariseus, saduceus e mesmo dos discípulos. Demonstra que sua messianiadade se manifesta no sofrimento da cruz, passagem "necessária” para a glória da ressurreição (cf. Mt 16,21-28).

A confissão de Pedro brotou da pergunta de Jesus a respeito da compreensão que tinham de sua própria identidade: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro, não pela própria força, mas por inspiração do Alto, faz a profissão de fé: “Tu és o Filho do Deus vivo”. A fé é dom do Pai que deve ser cultivado por aquele que crê.

Esse episódio de Pedro precisa continuar ressoando dentro de nós. Que significado tem para nós confessarmos que Jesus é o Filho de Deus? Que lugar ele ocupa em nossa vida, em nossas decisões, em nossas escolhas? Que sentido tem para minha vida ler a bíblia, ir ao templo, participar da celebração, fazer oração?

Somos pessoas apaixonadas por Jesus mesmo no meio de indiferenças, injustiças, maldades? Continuamos fiéis a ele também quando a vida não sorri para nós? As pessoas com as quais convivemos, trabalhamos podem perceber, notar, ver que realmente acreditamos nele? Nossas atitudes estão no caminho da coerência de vida, na simplicidade, na humildade, no gesto de misericórdia?

Fazemos caminho de discipulado buscando a conversão do coração? Procuramos ver a vida como Jesus? Conseguimos enxergar nos excluídos, nos pobres, nos doentes, nas crianças, nos idosos a imagem dele?

“Seguimos a Jesus colaborando com ele no projeto humanizador do Pai, ou seguimos pensando que o mais importante do cristianismo é preocupar-nos exclusivamente com nossa salvação, com nosso bem-estar? Estamos convencidos de que o modo de seguir a Jesus é viver cada dia fazendo a vida mais humana e mais esperançosa para todos?

Vivemos o domingo cristão celebrando a ressurreição de Jesus, ou organizamos nosso fim de semana vazio de sentido cristão? Aprendemos a encontrar a Jesus no silêncio do coração, ou sentimos que nossa fé vai-se apagando, afogada pelo ruído e vazio que há dentro de nós?

Cremos em Jesus ressuscitado que caminha conosco cheio de vida? Vivemos acolhendo em nossas comunidades a paz que deixou como herança aos seus seguidores? Cremos que Jesus nos ama com um amor que nunca acabará? Cremos em sua força renovadora? Sabemos ser testemunhas do mistério de esperança que levamos dentro de nós?” (Pe. José Antônio Pagola).

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CONTINUANDO A REFLEXÃO...

A profissão de fé de Pedro é a base da comunidade cristã: "Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo". É nessa fé que a Igreja se firma e caminha. É o Espírito que sustenta a caminhada da Igreja. Ela não se instituiu sobre "carne e sangue", mas no Amor gratuito do Pai revelado na entrega livre do Filho pela salvação da humanidade (cf. Jo 10,18).

As "chaves do Reino" que são confiadas a Pedro devem sempre abrir as cadeias e algemas daqueles que estão dominados pelo mal. Quanta gente presa nas amarras da mentira, da ambição, da corrupção, do ódio, do medo, do preconceito, da enganação! Nosso mundo precisa, cada vez mais,  das "chaves do Reino" para que haja mais partilha, mais sentido de vida, mais perdão, mais fraternidade e compreensão.

Pedro foi encarcerado por causa da fé! Levou às últimas consequências sua profissão de fé: "Tu és o Cristo". Paulo também foi preso, ameaçado e perseguido pelos de dentro e pelos de fora. Mas levou até o fim sua missão: "Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. (...) O Senhor me assistiu e me revestiu de forças, a fim de que por mim a mensagem fosse plenamente proclamada e ouvida por todas as nações" (2Tm 4, 6-7.17).

Podemos nos perguntar: até que ponto damos conta de sustentar nossa fidelidade ao Evangelho, levando às últimas consequências nosso batismo? O que é mesmo que nos faz desanimar, abandonar a missão, a comunidade? O "conteúdo" de nossa vida é Jesus Cristo? Ou são as vaidades e posses da sociedade capitalista e consumista? O que preciso deixar e o que preciso abraçar com mais vigor para ser verdadeiro discípulo de Jesus?

*Neste dia dedicado às(aos) catequistas, queremos abraçar a todos pelo serviço generoso de fazer ecoar o amor de Deus no coração de nossas crianças e jovens. Continuem firmes nesse caminho, pois mais do que busca de realização pessoal, vocês estão ajudando nossas famílias a encontrar Aquele que dá o verdadeiro sentido à vida. Jamais abandonem a Palavra de Deus que é fonte viva e eficaz para sua vida, em primeiro lugar, e para os catequizandos: “A catequese será tanto mais rica e eficaz quanto mais ler os textos com a inteligência e o coração da Igreja” (Verbum Domini, 74). Vale a pena “perder o tempo” (a vida) de vocês para doá-lo em favor de nossas crianças e jovens. Deus fortaleça vocês na luta contra os “adversários” do projeto de Jesus.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“O Senhor fez em mim maravilhas”

aureliano, 18.08.17

assunção de nossa senhora.jpg

Assunção de Nossa Senhora [20 de agosto de 2017]

[Lc 1,39-56]

A solenidade da Assunção de Maria foi celebrada pela Igreja desde eras antigas. O nome da festa era Dormição de Maria. Isto é, Maria, depois de sua peregrinação neste mundo, ‘repousou no Senhor’. A celebração deste acontecimento está intimamente associada à ressurreição de Jesus. A Páscoa da Virgem traz no centro, não a Mãe, mas o Filho, para quem o olhar do fiel se deve voltar. Aquela que colaborou para a Encarnação do Filho de Deus deve participar da sua Ressurreição. Na festa da Assunção de Maria se revela aquilo que todo homem e mulher anseiam: ser acolhidos inteiramente no céu.

O dogma da Assunção de Maria, festejado a 15 de agosto, tem nomes diferentes, como Nossa Senhora da Boa Viagem, Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora dos Prazeres etc. Foi proclamado por Pio XII, em 1950, com a Bula ‘Munificentissimus Deus’, com o seguinte texto: Definimos ser dogma divinamente revelado: que a imaculada mãe de Deus, sempre virgem Maria, cumprindo o curso de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória eterna”.

A bíblia não fala nada a respeito do final da vida de Maria. São João mostra que ela, aos pés da cruz, foi adotada pela comunidade como mãe (Jo 19, 27). Lucas nos diz que ela estava junto ao grupo que se preparava para a vinda do Espírito Santo, em Pentecostes (At 1,13s e 2,1). Então a bíblia não conta detalhes sobre o final da vida de Maria.

Nos primeiros séculos, os cristãos tinham o costume de guardar os restos mortais dos santos, especialmente dos apóstolos e mártires. Não há, porém, nenhuma notícia sobre o corpo de Maria. Os evangelhos chamados apócrifos, isto é, aqueles relatos sobre a vida de Jesus e dos atos apostólicos que não entraram na ‘lista’ (cânon) dos livros que a Igreja considerou inspirados por Deus, contam histórias da chamada Dormição de Maria. E assim, no século VIII, a devoção popular criou uma história para contar como se deu a morte e a ressurreição de Maria.

O dogma da Assunção só pode ser compreendido em relação à Ressurreição de Jesus. Maria, diferente de nós, não precisou esperar o fim dos tempos para receber um corpo glorificado. Depois de sua vida terrena ela já está junto de Deus com o corpo transformado, cheio de graça e luz.

Ainda mais. Não podemos entender a Assunção como se Maria subisse ao céu com o corpo que ela possuía aqui na terra, com ossos, pele, carne, sangue. Não é assim que a Igreja interpreta a ressurreição dos mortos. O corpo de Jesus ressuscitado e o de Maria assunta foram transformados e assumidos por Deus. Paulo deixa bem claro: “... O mesmo se dá com a ressurreição dos mortos: semeado corruptível, o corpo ressuscita incorruptível; semeado desprezível, ressuscita reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado corpo psíquico, ressuscita corpo espiritual” (1Cor 15,42-44a).  Por isso cremos que Maria já está glorificada junto de Deus, toda inteira. Ela antecipa o que está prometido para cada um de nós: participar do banquete da Vida que o Senhor preparou para “aqueles que o amam” (cf. 1Cor 2,9).

O cântico de Maria no evangelho de hoje diz que o Senhor “olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as gerações me chamarão de bem-aventurada, pois o Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor... Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs os poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou”. Aí está a ação de Deus na vida de Maria, a humilde serva do Senhor, que decidiu responder sim ao chamado de Deus para participar na obra da salvação da humanidade. Sua humildade e fidelidade ao projeto do Reino de Deus lhe valeram a participação na glória de Deus, ao lado de seu Filho. Maria é aqui figura da Igreja, que deve levar adiante, não obstante as perseguições e sua pequenez, a missão de Jesus.

O evangelho da liturgia de hoje traz dois relatos: a Visita de Maria a Isabel e o chamado ‘Cântico de Maria’. O primeiro mostra Maria como aquela que assumiu inteiramente o projeto do Pai na sua vida. Não mede esforços para prestar um serviço à sua parenta em necessidade. E no seu encontro com Isabel manifesta-se a sua fé profunda: “Feliz aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido”. Todo aquele que deposita sua confiança em Deus, colaborando na realização do sonho de Deus para a humanidade, é feliz. O relato manifesta também o reconhecimento por parte de Isabel de que aquele que Maria trazia no seio é o Senhor: “Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite?”. Maria é Mãe de Deus e bem-aventurada: “Bendita és tu entre as mulheres”.

O segundo relato é um hino inspirado no cântico de Ana (1Sm 2, 1-10) que canta a ação de Deus em favor da humanidade. É um hino jubiloso que proclama a derrubada dos poderosos e a elevação dos humildes pela ação Deus em Jesus. É a oração dos pobres que confiam em Deus e no seu poder sobre o mal. Um hino que empenha o fiel nessa luta como Maria.

Quando lemos o evangelho e vemos Maria assumindo como primeira atitude, depois de ter acolhido em seu seio o Filho de Deus, a de levar seus préstimos para a prima Isabel, somos levados a pensar em nossas atitudes. Nossa sociedade se deixa levar cada vez mais por uma atitude egoísta que leva a terceirizar a caridade e os cuidados para com aqueles que, por vezes, de dentro da nossa casa, são considerados peso e empecilho para passeios, curtição, jogos, prazeres, baladas...

Mas é preciso ressaltar, porém, que ainda nos deparamos com famílias que cuidam dos seus com afeto, carinho, respeito. Pessoas com necessidades especiais cuidadas com um zelo divinal, marial. Uma presença muito parecida com a de Maria: escuta do ancião que quer contar um caso, visita a um casal em dificuldade de relacionamento, presença nos abrigos, asilos e hospitais onde se encontram pessoas passando por sofrimento e dificuldades.

Para além dos gestos personalizados, faz-se necessário empenho na luta por políticas públicas que atendam às necessidades dos menos favorecidos. Participação em conselhos comunitários e associações que se empenham pelos direitos do cidadão e da comunidade. São gestos simples que nos colocam em sintonia com o ensinamento de Jesus e com as atitudes de fidelidade de Maria, sua Mãe. A recomendação permanente do Papa Francisco é que a Igreja se coloque “em saída”, como “hospital de campanha” que não pergunta pelo que provocou as feridas, mas que se preocupa em cuidar, aliviar o sofrimento.

A assunção de Maria foi o resultado do seu peregrinar à luz de Deus nesse mundo. Cada vez que ela dava novos passos para seguir a Jesus, para buscar a vontade de Deus, o Senhor assumia e transformava sua pessoa. Até que chegou o momento final. É o que está reservado para nós! Na vida de fé, cada passo novo que damos corresponde da parte de Deus a nos acolher, tomar pela mão, assumir e transformar. A nós resta-nos deixar que Deus nos tome pela mão e nos faça discípulos fiéis, dedicados, humildes e perseverantes como Maria, enquanto aguardamos a bendita esperança da ressurreição.

*Encerramos, hoje, a Semana Nacional da Família. Seria bom agradecermos a Deus pela família que temos e pedir a Ele a graça de nos solidarizarmos e trabalharmos pelas famílias em dificuldade. Uma família animada pela espiritualidade cristã traz vida, luz e esperança para a sociedade e para o mundo.

**Nosso abraço carinhoso às pessoas consagradas nesse seu dia: deixaram tudo para viver mais radicalmente o evangelho, numa vida semelhante à do Filho de Deus: pobre, casto e obediente. Um serviço generoso ao Reino “para que todos tenham vida”. Uma vida pobre na solidariedade com os empobrecidos e ‘sobrantes’ e na busca da partilha dos bens e dos dons: mesa comum. Uma vida obediente na solidariedade com os que não são ouvidos nem levados em conta: ouvidos atentos ao Pai e aos sinais dos tempos. Uma vida celibatária casta em solidariedade com aqueles que sofrem por falta de amor, de afeto; com aqueles e aquelas que não podem experimentar a beleza e a alegria da colhida afetuosa e gratuita: abandonados, deserdados, abusados, explorados afetiva e sexualmente; uma contestação de uma sociedade baseada na busca do prazer ao preço da dignidade da pessoa humana. Que Maria, nossa boa Mãe, nos ajude a viver com alegria nossa consagração para que seja um “sacrifício de louvor”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Atitude confiante: “Senhor, salva-me”

aureliano, 12.08.17

Tempestade no mar.jpg

19º Domingo do Tempo Comum [13 de agosto de 2017]

[Mt 14,22-33]

O relato de hoje está em continuidade com o relato da multiplicação dos pães (Mt 14,13-21). Aquele Jesus que multiplicou os pães, dando um sinal do Reino anunciado nas parábolas do capítulo 13 de Mateus, tem poder também sobre a tempestade do mar (como nos relatos teofânicos do Antigo Testamento). N’Ele se pode confiar. O discípulo pode assumir a participação em sua vida: “Dai-lhes vós mesmos de comer”, pois nas tempestades da vida, ele está junto, não abandona.

É interessante fazer a leitura da simbologia presente neste relato: o mar revolto, na mitologia antiga, representava o domínio das forças do mal. Aquilo que o homem não conseguia explicar ou dominar ele o atribuía a forças superiores: ou deuses, ou anjos, ou demônios. A noite significava o domínio das trevas. O barco, a realidade de cada um em meio aos desafios: ondas e ventos. Pode também significar a comunidade que faz experiências diferentes: sem a presença de Jesus, é tomada pelo medo; com Jesus, acalma-se e continua sua missão.

O evangelho de hoje nos ajuda a repensar muitas coisas. Primeiro, mostra Jesus orante. Mateus mostra Jesus orando apenas duas vezes: aqui, depois da multiplicação dos pães, e no Monte das Oliveiras, antes da sua prisão. Lucas já é mais farto em mostrar essa dimensão de Jesus. O fato é que Jesus reservava tempos fortes de oração ao Pai. E o fazia muitas vezes sozinho. Essa atitude de Jesus apresentado nos evangelhos nos faz perguntar: qual o tempo que reservo para a oração, a leitura orante da bíblia, para a celebração? Sem oração, vida de intimidade com o Pai, não se podem vencer as “tempestades” da vida.

Outro elemento é a relação de Jesus com os discípulos e com Pedro, particularmente: não os abandona à mercê das tempestades. Os discípulos quando viram Jesus, pensaram que fosse um fantasma e ficaram com medo. Ninguém podia dominar o mar, caminhar sobre ele! Jesus diz aquelas confortadoras palavras: “Tende confiança, sou eu, não tenhais medo”. A certeza de que Deus caminha conosco, que não nos abandona no meio das dificuldades é muito confortador! Sem a presença dele ficamos apavorados e com medo. Com ele ficamos serenos e confiantes. Pedro até arrisca caminhar sobre as águas! Mas a atitude de Pedro serviu de lição para si mesmo e também para nós. Jesus não pretende que seu discípulo caminhe sobre as águas, faça espetáculo, sinais mirabolantes. Por isso Pedro afunda. Todo aquele que confia em si mesmo, que busca o poder, assume atitude de dominação, assume atitudes de autossuficiência está na contramão do ensinamento de Jesus. E, consequentemente, afunda a si mesmo e aos outros. Nossa atitude deve ser sempre parecida com a de Jesus: confiar no Pai e estender a mão àqueles que estão afundando no mar da maldade, da injustiça, do sofrimento. Quantas pessoas a nos dizer todos os dias: “salva-me!”.

Um elemento que não pode passar despercebido é também a dimensão da fé. Muitas vezes entende-se fé como o conhecimento intelectual de um conjunto de verdades e doutrinas proclamadas e confessadas com os lábios. O relato do evangelho de hoje manifesta claramente que fé é um dom de Deus que precisa ser cultivado e que se manifesta em atitude de vida.  É uma abertura confiante a Jesus Cristo como sentido último da existência. É ter a coragem de “caminhar sobre as águas”. Ou seja, entregar-se confiante a Deus e não aos ídolos cotidianos que nos iludem, sugam nossas energias e desviam nossa atenção do caminho do bem. É viver sustentados não por nossas seguranças materiais e argumentos puramente racionais, mas por nossa confiança n’Aquele que nos toma pela mão.

Por outro lado, este relato dá margem para refletir sobre as incertezas e falta de fé muito presentes em nossa sociedade contemporânea. Hoje já se fala de sociedade pós-cristã. Experimentamos uma realidade social religiosa, porém sem fé cristã. Muitos buscam expressões e manifestações religiosas, mas não querem se comprometer com a fé proclamada. Fazem da religião uma espécie de supermercado. Cada um busca na religião o que lhe convém, aquilo que mais lhe agrada ou atende a seus anseios e sentimentos do momento. A falta de fé, as dúvidas, as incertezas não estão longe de nós. Estão dentro de nossas casas, de nossas comunidades, até mesmo dentro de nós. Não raro ocorre experimentarmos aquele sentimento de Pedro e a atitude dos discípulos - medo, insegurança, incerteza - que mereceram a advertência de Jesus: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31). Por outro lado, Jesus o tomou pela mão, bem como dissera aos discípulos: “Tende confiança, sou eu, não tenhais medo” (Mt 14,27).

Finalmente, um grande ensinamento deste relato é o modo como Deus se manifesta: na brisa suave (1Rs 19, 9-13). Nosso Deus não é um Deus da ameaça, do medo, da punição, do castigo. De jeito nenhum. O Deus que Jesus revela é um Deus misericordioso, manso, que se dá a conhecer nas pequenas coisas. Isso não significa que seja um Deus de moleza, complacente, pois tem mais força do que o mar. Ele quer que não tenhamos medo, mas uma fé confiante. E essa fé não é de momento, de entusiasmo, como fogo de palha, mas constante, indo até Ele sem se deixar “levar pelas ondas”.

Senhor, salva-nos da corrupção, da falta de ética, da maldade que ameaça milhões de brasileiros desempregados e injustiçados. Salva-nos, Senhor, de gente corrupta e depravada. Salva-nos, Senhor, quando a mesquinhez e a ganância ameaçam tomar conta de nosso coração. Salva-nos, Senhor, quando a fé, a confiança, a esperança se mostrarem enfraquecidas e ressequidas pelas ondas do materialismo, do hedonismo, do narcisismo e do relativismo. Salva-nos, Senhor! Toma-nos pela mão, sobretudo quando nos faltarem forças, quando o desânimo nos ameaçar, quando a escuridão embaçar nossos horizontes. Salva-nos, Senhor! Toma-nos pela mão! Tira todo medo de nosso coração. Ajuda a nossa pouca fé! Amém.

*Nesse mês consagrado às vocações seria bom intensificarmos nossa oração pelas vocações e também promovermos o trabalho vocacional em nossas comunidades. Muitas pessoas não assumem ministérios na comunidade ou mesmo não entram para a vida consagrada e presbiteral por falta de motivação, apoio. Que você tem feito pelas vocações?

**Comemoramos neste domingo o Dia dos Pais. Penso que seria oportuno lembrarmos, com mais piedade e carinho, de nossos pais, vivos ou falecidos. Fazer uma viagem na nossa própria história e descobrirmos aí motivos para agradecermos ao Pai do céu o dom de nossa vida cuidada pelos nossos pais. Quanta luta, quanto trabalho, quantas angústias nossos pais sofreram e enfrentaram para nos criar e educar! Também seria bom exercitarmos a atitude de perdão para com nosso pai se porventura temos motivo para isso: naquelas situações que nosso pai não exerceu com seriedade e responsabilidade a paternidade. Enfim, cada qual sabe como deverá se colocar diante de Deus para louvar e agradecer.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Vida cristã: ser configurado a Cristo

aureliano, 04.08.17

transfiguração 06 de agosto.jpg

Transfiguração do Senhor [06 de agosto de 2017]

[Mt 17,1-9]

A festa da Transfiguração do Senhor já era celebrada no Oriente no século IX. Foi estendida ao Ocidente no século XV pelo Papa Calisto II, em memória da vitória dos cristãos contra as forças otomanas, no cerco de Belgrado, em 1456.

O relato da transfiguração é apresentado logo após o anúncio da paixão, seguido da ‘repreensão’ que Pedro fizera a Jesus (cf. Mt 16,22-23), pois ele esperava um Messias poderoso para libertá-los das mãos dos romanos. Por isso entendemos que nesse relato estão entrelaçados dois aspectos paradoxais: sofrimento e glória. Lucas o confirma ao relatar que a conversa entre Moisés, Elias e Jesus versava sobre “sua partida que iria se consumar em Jerusalém” (Lc 9, 31). A glória ilumina a cruz. A perspectiva da Glória nos ajuda a dar sentido às dificuldades e cruzes da vida. É um apelo aos discípulos a reconhecerem a verdadeira identidade de Jesus, o Filho amado do Pai, ao mesmo tempo que evidencia o crime hediondo daqueles que tramam sua morte.

Quando vemos, nesse relato, sofrimento e glória articulados, não devemos interpretar como sendo o sofrimento o preço da glória; como se Deus barganhasse conosco. Não. A cruz ou sofrimento é consequência da fidelidade ao projeto do Pai. Faz parte da vida do discípulo de Jesus que busca viver um estilo de vida que se opõe à proposta mundana que conduz e gera a morte. “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mt 16, 24). Como o Pai glorificou e confirmou seu Filho, ele fará o mesmo com aqueles que buscarem configurar sua vida com a vida de Jesus. No ser humano de Jesus toda a humanidade foi transfigurada, glorificada.

Moisés e Elias: este, representante dos profetas e aquele, representante da Lei. Ambos se encontraram com Deus na montanha. O episódio da transfiguração mostra Jesus, o Filho amado do Pai, que realiza e sintetiza em sua própria vida a Lei e os Profetas. Agora é Ele que deve ser ouvido.

A voz do Pai deve continuar ressoando em nossa vida: “Este é o meu Filho bem-amado, aquele que me aprouve escolher. Ouvi-o”. Essas palavras nos remetem ao relato do batismo de Jesus: “Este é meu Filho bem-amado, aquele que me aprouve escolher” (Mt 3, 17). Consequentemente, nos levam ao nosso batismo pelo qual nos foi dada a vida nova em Jesus Cristo.

Escutar a voz do Filho, revelador do amor do Pai, deve ser a meta de todo cristão. Abraão ouviu, acreditou e “partiu” (cf. Gn 12, 1-4). Por isso se tornou a grande bênção para a sua posteridade. O cristão batizado, ouvindo a voz do Filho, confirmado pelo pedido de sua mãe: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2, 5), será sempre uma bênção para sua família e comunidade. Não se esqueça, porém, que é uma realidade que demanda a cruz. O que conforta e anima é a perspectiva da ressurreição, da vida nova, da serenidade, da alegria verdadeira que “ninguém poderá tirar” (Jo 16,22).

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O MEDO DE ESCUTAR JESUS

“Ao ouvirem isso, os discípulos caíram de rosto em terra tomados de grande medo” (Mt 17,6). Os discípulos não suportaram ouvir aquela voz que confirmava a vida de Jesus. E não suportaram também a ordem: “Escutai o que ele diz”. Parece que os discípulos ainda não queriam ouvir a Jesus. Preferiam continuar ouvindo outras vozes.

Quão frequente é a tentação da recusa em ouvir a voz do Senhor que clama dentro de nós, em nossa consciência, e nos fala pelas nossas comunidades e sinais dos tempos! Por isso a Igreja reza com o salmista: “Hoje, não fecheis o vosso coração, mas ouvi a voz do Senhor” (Sl 95). Preferimos, muitas vezes, permanecer na ignorância, na mesmice, no “deixa pra lá”. Não é tarefa fácil prestar ouvido ao apelo à conversão, à mudança de vida, pois pede desacomodo.

É preciso deixar-se tocar pelo Senhor: “Jesus aproximou-se, tocou neles e disse: ‘Levantai-vos! Não tenhais medo’” (Mt 17,7). É o toque do Senhor que nos acorda, que nos faz perceber e ver a história com outros olhos. Deixar-se tocar pelo Senhor é desenvolver a capacidade de ouvir as pessoas, de olhar o mundo com um olhar de Deus; de debruçar-se todos os dias sobre a Palavra de Deus e orientar a própria vida por ela. É deixar que o projeto do Pai ilumine nossos próprios projetos. É lançar-se com mais confiança nas mãos do Pai, sabendo que Ele cuida de todos nós.

O Servo de Deus, Pe. Júlio Maria De Lombaerde, fundador de nossa Congregação, comentando este evangelho, falava da importância de se retirar para ouvir o Senhor. Jesus – observava ele – conduziu os discípulos à parte sobre uma alta montanha. Significa que é preciso deixar de lado as distrações e preocupações mundanas para estar com o Senhor e ouvi-lo. “Enquanto uma alma está entregue às preocupações das noticias, aos devaneios, ao tumulto dos vãos pensamentos, fica escravizada pela imaginação e pelas distrações, e Deus não é para ela senão o Deus desconhecido de Atenas (At 17,23)”. E continua: “O homem distraído não se conhece a si mesmo, não vê o que deve reformar em si, não descobre razões de melhorar, de praticar a virtude. Toda a sua vida decorre no esquecimento de Deus e na ignorância dos próprios defeitos. (...) O homem espiritual, porém quer elevar-se da terra, aproximar-se de Jesus transfigurado, transfigurar-se com Ele pela prática da virtude” (Comentário Litúrgico, p. 164-165).

Sobe, pois, a montanha! Escuta o Mestre! Deixa-te tocar por ele! Põe-te de pé e segue a Jesus! Não tenhas medo de ouvi-lo e de segui-lo! O movimento é sempre este: subida e descida: subir a Montanha para estar com ele. Descer a Montanha para estar com os outros de modo novo, iluminado, transfigurado, encantado, fortalecido.

*Lembramos hoje a vocação ao ministério ordenado: diácono, padre e bispo. Seria bom fazermos, hoje, uma prece pelo nosso pároco, pelos padres que conhecemos, por aqueles que nos marcaram na fé, por aqueles padres que passam por dificuldades, tribulações, desencanto e enfermidades, por aqueles que vivem em situação de risco, de violência, de miséria. E vamos pedir ao Pai que envie padres profetas e santos para sua Igreja. Sacerdotes configurados a Cristo-Servo.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN