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Maria, Mãe de Deus e da comunidade

aureliano, 31.12.17

Santa Maria.jpg

Santa Maria, Mãe de Deus [1º de janeiro de 2018]

[Lc 2,16-21]

“Quanto a Maria, guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19). Esse relato já bastaria para mostrar como Maria, mãe de Jesus, foi uma mulher profundamente de Deus. Essa frase bastaria para buscarmos em Maria um exemplo de verdadeira discípula, mãe, mulher, íntima do Pai.

Mulher contemplativa, via, ouvia e se admirava dos acontecimentos. Sabia que tudo provinha do Pai. Meditava tudo em seu coração. Os acontecimentos em torno do Menino não eram motivo de orgulho, de vaidade, de vanglória. Eram motivo para colocar-se ainda mais no coração do Pai. Sem compreender o que estava acontecendo, lança-se confiante e silente no Mistério de Deus.

Ao celebrarmos, hoje, Maria Mãe de Deus, valem aqui algumas considerações a respeito desse dogma da Igreja.

Dogmas são como que placas a indicar o caminho da nossa fé. Metaforicamente funcionam como balizas, olhos-de-gato, arrimos e proteção. Os meio-fios de uma via são balizas que não fecham o caminho, mas indicam por onde se deve caminhar. No passado havia um exagero em relação aos dogmas, criando-se uma espécie de dogmatismo: muitas placas e pouco caminho. Hoje, após o Vaticano II, a Igreja fez uma purificação da estrada, tirando muita coisa que atrapalha, valorizando mais a Palavra de Deus e a experiência de vida de cada um, dialogando de maneira mais aberta. Deste modo ela não abre mão das verdades que acredita, distinguindo o núcleo entre aquilo de que não pode abrir mão e aqueles elementos que evoluem com o tempo. Abre-se a possibilidade do diálogo que, ao contrário de negar os fundamentos da fé, favorece maior crescimento e amadurecimento da vida cristã e eclesial.

O dogma da Maternidade Divina de Maria foi definido pelo Concílio de Éfeso, no ano 431. A discussão era cristológica, isto é, girava em torno da divindade e humanidade de Jesus. Afirmando que Jesus é Deus e homem, concluiu o Concílio que Maria é Theotokos, ou seja, Genitora (Mãe) de Deus, porque é mãe de Jesus que é Deus.

Maria é mãe porque gerou e educou Jesus, o Filho de Deus. Em poucas cenas e palavras, mas profundamente significativas, os Evangelhos retratam Maria sempre atenta, fiel, humilde, generosa, acolhedora, solícita, aberta à vontade do Pai.

Ao proclamar Maria Mãe de Deus, não estamos fazendo de Maria uma deusa, nem colocando-a como quarta Pessoa da Santíssima Trindade. Porém como Deus é comunidade de pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo), Maria, mãe do Filho de Deus, toca cada pessoa da Trindade. É filha predileta e escolhida do Pai.  Como mãe, é figura do amor criador de Deus Pai. Em relação ao Filho, Maria é mãe, educadora, discípula e companheira. É também uma mulher cheia do Espírito do Senhor. Templo vivo de Deus. Sua docilidade ao Espírito Santo explica sua maternidade biológica e seu coração aberto a Deus.

A comunidade-Igreja participa da maternidade de Maria. Ela gera novos filhos pela fé, pelo batismo, pelo testemunho do bem. A comunidade é chamada a dar o aconchego de mãe àquele que sofre, que precisa de carinho, de educação, de cuidados, de pão. A ‘opção preferencial pelos pobres’ é uma das formas mais claras de a Igreja mostrar seu rosto materno: preocupando-se com aqueles que não têm moradia, que estão desempregados, que não têm pão, que estão doentes e sem cuidado, sem reconhecimento, cujos direitos essenciais lhes são negados, aqueles que estão na invisibilidade social e econômica. Coração de mãe não aguenta ver os filhos em condições desumanas.

Santo Ambrósio, no século IV, dizia que cada cristão é mãe como Maria, pois gera Cristo na sua alma, no seu coração. Quando cultivamos a ternura, a intuição, o cuidado, a acolhida, a capacidade de zelar pela vida ameaçada, estamos desenvolvendo nossa dimensão cristã de mãe. Uma espécie de maternagem.

Nesse dia mundial de oração pela paz, queremos que nossas palavras encontrem ressonância em nossos gestos e atitudes. Sendo contra a violência, mais ternos, evitando palavras que machucam e entristecem, a partir de nossos lares e ambiente que frequentamos e em que trabalhamos. Lembrando-nos de que a paz é fruto da justiça (cf. Is 32,17), enquanto nossas relações forem injustas, desrespeitosas, torna-se em vão falar de paz. Esta não se constrói com palavras, mas com atitudes.

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MARIA, MÃE DAQUELE QUE VEIO TRAZER A PAZ

Estamos começando o ano. “Feliz Ano Novo!” dizem todos. O que será mesmo um Ano Feliz? Meu pai tem sugerido desejar: “Abençoado Ano Novo”. Seria importante refletirmos um pouco sobre o que queremos neste ano de 2018. Que propósitos de vida estou assumindo? De quem vou me aproximar neste ano? Com quem vou trabalhar? Como quero que seja minha relação com eles/elas? Com que lentes vou olhar as pessoas, a história, as lágrimas, a violência, o poder político e econômico? Que colaboração pretendo dar para que o mundo possa ser melhor? Como será minha oração durante esse ano? Com que espírito participarei da comunidade? Mais do que pedir um ano melhor ou excelente, peçamos ao Pai que nos ajude a ser melhores, mais humanos em 2018.

Neste dia em que celebramos o dia da Confraternização Universal ou Dia Internacional da Paz, é tempo também de pensar na paz. Que paz queremos? Uma paz psicológica que visa ao bem-estar pessoal? Uma paz que nos faz fugir dos conflitos e angústias sociais e humanas para um “oásis” distante dos problemas humanos? Essa não é a paz que Jesus trouxe e anunciou. O Shalom judaico é indicativo de um estado de ânimo, de bem-estar pessoal e comunitário. É saúde e qualidade de vida envolvendo a comunidade. Não há paz para o judeu piedoso enquanto seus irmãos estiverem sofrendo, vítimas da maldade humana. Então devemos nos perguntar: “Que paz estamos desejando e construindo?”. Pois a paz/shalon é dom de Deus, mas também constructo humano. A paz é fruto da justiça (cf. Is 9,1-6; 32,17).

Celebramos neste dia, com a Igreja, a Maternidade Divina de Maria. Esse dogma foi definido em 431, no Concílio de Éfeso. A discussão girava em torno da humanidade e divindade de Jesus. Dessa discussão concluíram essa realidade de Maria: ela não é mãe somente da humanidade de Jesus, mas de toda a sua pessoa de Filho de Deus Encarnado. Se Jesus é Deus, então Maria é Theotokos - Mãe de Deus.

O evangelho de hoje nos relata que “Maria guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração”. Vê-se, por esse e outros textos, que Maria não ocupa o centro do evangelho. Tudo o que acontece nela é referido ao Pai, no Filho, pelo Espírito Santo. Ela foi uma mulher preparada por Deus para ser Sua Mãe. E correspondeu com uma vida de humildade, de serviço, de cuidado, de presença atenta, de fidelidade. É Mãe de Deus e nossa Mãe. A meditação sobre aqueles acontecimentos iam-lhe modelando a alma para que fosse sempre mais de Deus e da comunidade.

Obrigado, Maria, mãe de Jesus. Nós te agradecemos por teres ensinado Jesus a andar, a falar, a caminhar e a amar. O teu olhar amoroso de mãe, o teu sorriso, o teu colo e a tua presença de qualidade marcaram a personalidade e a missão de Jesus. Obrigado porque também aprendeste a ser mãe, amando sem reter o teu Filho. Ensina-nos a viver os traços da maternidade: o afeto, a ternura, o cuidado e a intuição. Amem

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

E a família, como vai?

aureliano, 28.12.17

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Sagrada Família de Nazaré [31 de dezembro de 2017]

[Lc 2,40-52]

 PALAVRA DE DEUS: FONTE INSPIRADORA DAS FAMÍLIAS

A família não teve, desde sempre, a constituição pai, mãe e filhos, como conhecemos hoje. Os antropólogos dizem que a família se formou devido à necessidade de sobrevivência diante da escassez de alimentos e das ameaças vindas de fora.

Dessa constituição do grupo familiar para autodefesa surgiram as tribos ou clãs: grupos familiares constituídos de pai, mãe, avós, filhos, primos, tios etc. Assim viviam os israelitas. O que os diferenciava de outros clãs era a vida centrada na Palavra de Deus. Seus costumes e posturas eram orientados pelo ensinamento de Deus. Assim se entende Jesus: ele viveu dentro de um clã, e não somente com José e Maria, como pode ocorrer de imaginarmos a partir de nossa compreensão atual.

Fundante na vida de Jesus é que ele ampliou a compreensão de família. “’Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?’ E repassando com o olhar os que estavam sentados ao seu redor, disse: ‘Eis a minha mãe e os meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe’” (Mc 3,33-35). Família, portanto, não está mais no vínculo do sangue ou de religião. Família se constitui sobre o cumprimento da vontade de Deus que é empenho para que haja “vida em abundância para todos” (Jo 10,10).

Daqui brota uma nova compreensão de família, hoje. Sabemos que as famílias, hoje, vivem outra realidade. Pais e filhos têm pouco contato. O trabalho absorve grande parte do tempo das pessoas. A mulher-mãe não fica mais em casa para cuidar dos filhos (nem o pai). De um modo geral, pela força das circunstâncias, esse ofício foi terceirizado para a babá ou a avó. Os filhos ficam quase o tempo todo na escola ou na rua. Além de outros aspectos como a droga, a violência, a internet ou a televisão que tomam o tempo e desvirtuam as relações porque transmitem outros valores, quase sempre à revelia daqueles que os pais ensinam.

E os idosos? Ou ficam sozinhos ou são deixados nos asilos. Antigamente eles ficavam em casa sob os cuidados de todos que, normalmente, estavam por ali. Além disso, de modo geral, os filhos e netos não querem o trabalho de cuidar dos idosos e doentes. Interessam a muitos a aposentadoria e a herança. Mas a gratuidade do trabalho permanece bem distante da maioria dos casos. É bom lembrar a palavra do Eclesiástico 3,12-14: “Filho, cuida de teu pai na velhice, não o desgostes em vida. Mesmo se a sua inteligência faltar, sê indulgente com ele, não o menosprezes, tu que estás em pleno vigor. Pois uma caridade feita a um pai não será esquecida, e no lugar dos teus pecados ela valerá como reparação”.

Celebrando a Sagrada Família de Nazaré, Jesus, Maria e José, vamos deixar de lado aquela ideia de “família perfeita”. O importante é termos aquele Espírito que animou a Sagrada Família, no cuidado uns para com os outros, no respeito, na doação para que nossas famílias sejam espaço em que todos possam se sentir seguros, acolhidos, respeitados, amados, educados, em condições de desenvolver suas potencialidades. Quanto mais assumirmos a Palavra de Deus como fonte inspiradora de nossas ações e a Eucaristia como alimento cotidiano, mais compreenderemos o modo de constituir família segundo os critérios do Reino de Deus.

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E A FAMÍLIA, COMO VAI?

É muito comum ainda, ouvirmos nos rotineiros cumprimentos, essa pergunta: “E a família, vai bem?” A resposta normalmente é positiva: “Sim. Está tudo bem, com saúde, graças a Deus”. Mesmo que a situação não esteja lá essas coisas, não faz parte do protocolo contar os problemas e dificuldades que ocorrem entre “quatro paredes” para todo aquele que pergunta. Até porque essa pergunta já supõe uma resposta afirmativa. Ou mesmo, alguns fazem essa pergunta para “puxar” assunto.

Mas todos sabemos da profundidade e complexidade que envolve falar sobre família. Hoje sabe-se que família não se resume àquela constituição familiar de 30 ou 40 anos atrás: papai, mamãe, filhinhos. Todos ali, bonitinhos, arranjadinhos, obedientes... Uma estrutura patriarcal em que o macho determinava, por vezes só com o olhar, o que ele queria ou o que deveria ser feito. E mesmo que a família não tivesse esse tipo de comportamento em seu interior, havia uma harmonia interna que não era ameaçada nem influenciada por fatores externos. Havia mesmo uma prevalência “religiosa” sobre os comportamentos de pais e filhos.

Hoje o mundo mudou muito. A sociedade dita as normas econômicas, sociais, relacionais, educacionais, religiosas. Há uma espécie de ditadura de interesses econômicos que impõe aos grupos e pessoas o que eles devem fazer, o que comprar, o que usar, o que comer, como conviver, até mesmo que religião seguir ou como orar etc. E se a gente ousa entrar nos comportamentos afetivo-sexuais vigentes então, a discussão não tem fim.  Hoje precisamos entender um pouco mais a “questão de gênero”. Não adianta fugir ou evitar o assunto, pois ele está na pauta do dia: redes sociais, filmes, músicas e novelas, escola e rua. Isso incide diretamente nas famílias, núcleo constituinte da sociedade. E esta quer sempre impor seus ‘valores’. Isso tudo sem falar nas constituições e organizações familiares que giram em torno de pelo menos nove modalidades, segundo alguns entendidos desse assunto. Há autores que já falam de doze!

Então, o que fazer? É preciso voltar à família de Nazaré. Não vejo outro caminho. Lucas, nesse belíssimo relato de hoje, desvela uma faceta da família de Nazaré que precisa ser contemplada por todos nós. Um episódio que mostra a centralidade do Pai celeste na vida da família de Nazaré. A religião vivida, praticada por José, Maria e Jesus, ajuda a compreender e a aprofundar o projeto salvífico do Pai.

Uma família que observava ‘religiosamente’ a Lei do Senhor: “Iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa” (Lc 2, 41). Não é a mera observância religiosa que salva. O ritualismo é uma realidade que mata a pessoa e a comunidade. Jesus condenou inúmeras vezes uma prática religiosa desligada da vida. Mas, quando a religião é séria, ética, próxima da Verdade, do Bem e do Belo, ajuda a pessoa e a comunidade a realizar um encontro transformador e realizador com o Criador e Pai. Os pais de Jesus procuravam fazer o que ordenava a Lei. Aliás, Mateus diz que José “era um homem justo” (Mt 1,19). Isto significa que era fiel cumpridor dos Ensinamentos de Deus. Maria, a “cheia de graça”, a “serva do Senhor”, a “bendita entre as mulheres”, ouvinte atenta da Palavra. Essas indicações dos evangelhos nos revelam o caminho que esses pais percorriam para deixar sua marca no coração do filho Jesus. Por isso ele os segue: tendo entrado na idade adulta, doze anos para a cultura judaica, também ele sobe ao Templo.

Na viagem de volta, notam algo estranho: cadê o Menino? Ficara em Jerusalém. É interessante notar o cuidado prestimoso dos pais para com o Menino. Aquele cuidado humano. Aquela responsabilidade paterno-maternal em não desamparar o filho, não perdê-lo de vista. E a lição veio: “Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai” (Lc 2,49). Jesus quis lhes mostrar que o seu “Pai” é do céu. Seu pai terreno, jurídico não podia determinar sua vida. Ele veio para fazer a vontade do Pai do céu. Aqui aparece claramente que a missão dos pais é a de ser expressão do Pai celeste na vida dos filhos. Os pais não são donos dos filhos. Nem podem gerar filhos a seu bel-prazer. Filho é dom de Deus. Não pode ser fruto do querer egoísta dos pais. Não estou dizendo que se deva ter filho a torto e a direito. É preciso planejar a família. Mas o filho deve ser sempre acolhido como dom. Como tal, não pode brotar de mero bel-prazer dos pais. Por isso deve-se acolher com todo carinho o filho que não foi planejado, o filho que nasce doentinho ou com alguma deficiência. É sempre um dom do Pai. Nós somos todos do Pai!

Nem tudo na vida é compreendido perfeitamente por nós. A fé nos coloca dentro do Mistério de Deus. Muitos acontecimentos da vida não têm explicação. Têm significado, ou seja, Deus pode nos revelar algo a partir daqueles acontecimentos. Para isso precisamos acolhê-los no coração: “Eles não compreenderam as palavras que lhes dissera... Sua mãe, porém, conservava no coração todas estas coisas” (Lc 2,50-51). A meditação e contemplação do Mistério de Deus revelado em Jesus, Palavra do Pai, é que nos possibilita compreender o que o Pai quer de nós.

Escrevendo sobre os relatos da Infância de Jesus, exatamente no episódio do evangelho de hoje, o Papa Bento XVI faz um comentário interessante sobre a importância da vida de fé: “As palavras de Jesus não cessam jamais de serem maiores que a nossa razão; superam, sempre de novo, a nossa inteligência. A tentação de reduzir e manipular as palavras de Jesus, para fazê-las entrar na nossa medida, é compreensível; faz parte de uma reta exegese precisamente a humildade de respeitar essa grandeza, que muitas vezes nos supera com as suas exigências, e não reduzir as palavras de Jesus com a pergunta sobre aquilo de que podemos ‘crê-Lo capaz’. Ele considera-nos capazes de grandes coisas. Crer significa submeter-se a essa grandeza e pouco a pouco crescer rumo a ela. Nisso, Maria é apresentada por Lucas deliberadamente como aquela que crê de modo exemplar: “Feliz aquela que acreditou” (Lc 1,45) [A Infância de Jesus, Planeta, p. 105].

Podemos concluir que, para a família caminhar bem, (note que caminhar aqui remete às idas e vindas da Sagrada Família nas estradas da Judéia e da Galiléia) precisa alimentar-se de uma profunda experiência de Deus, de intimidade com o Pai, de busca da Sua vontade. Então poder-se-á tratar de qualquer modelo de organização familiar. O que importa, acima de tudo, é se essa família está buscando fazer a vontade do Pai; se está colocando em sua vida o Pai e seu projeto de vida como prioridade, como absoluto. Então muita coisa na sociedade também poderá melhorar. É um processo lento, de conversão cotidiana, de esperar contra toda esperança. É uma questão de fé.

"Sagrada Família de Nazaré, que nunca mais haja nas famílias episódios de violência, de fechamento e divisão; e quem tiver sido ferido ou escandalizado seja rapidamente consolado e curado" (Amoris Laetitia, 325).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Uma luz brilhou nas trevas

aureliano, 24.12.17

Natal.jpg

Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo [25 de dezembro de 2017]

[Lc 2,1-14]

Durante quatro semanas viemos nos preparando para a celebração do Natal. A cada domingo uma vela era acesa na Coroa do Advento. O acender progressivo das velas – uma por semana – quis significar a Luz que brilhou progressivamente nas trevas. A expectativa dessa Luz vem de longa data. No século VIII a. C. o Primeiro Isaías já a anunciava: “O povo que andava na escuridão viu uma grande luz; para os que habitavam as sombras da morte uma luz resplandeceu” (Is 9,10).

As trevas são o egoísmo que insiste em impedir a entrada da Luz de Deus na história, no coração humano. A força da luz, porém é maior do que as trevas do pecado. Embora este insista em prevalecer através da ganância, do consumismo, da competição desleal, da exploração, do desrespeito, da corrupção, do preconceito, da indiferença. Porém, “A graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens” (Tt 2,11). Para que a luz vença as trevas é preciso, porém, que o ser humano abandone a “impiedade e as paixões mundanas” vivendo “neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade” (Tt 2,12).

A sociedade pós-moderna e neoliberal sufoca o sentido do Natal. E os cristãos vão perdendo de vista seu sentido verdadeiro. As compras de presentes e mais presentes, despesas inúteis, gastos e festas com verniz de generosidade, bondade e emoção. Ações de momento que não trazem a libertação verdadeira do ser humano. Pelo contrário, costuma aprisioná-lo ainda mais nas malhas de uma ideologia assistencialista, por vezes marcada por um espiritualismo alienante ou uma fé emocionalista que proclama: “Deus mandou isso para você!”. “Tenha fé que você vai conseguir!”. “Levante as mãos quem aceita a salvação”. “Tive uma revelação: você está sendo curado nesse momento”. Fica parecendo que as dificuldades da vida se resolvem como num passe de mágica! Espere aí, gente! Vamos sair dessa fé infantil e viver uma fé mais madura, mais consistente! Chega de enganar as pessoas ou de iludir-se a si mesmo! Há programas de televisão que se dizem cristãos, mas que não têm nada a ver com o Evangelho, com Jesus de Nazaré.

O Jesus que celebramos neste Natal é gente de verdade. Um menino pobre, filho de um casal de trabalhadores anônimos da Galiléia. Experimenta a condição dos excluídos: nasce entre os pastores – pois não havia lugar na hospedaria da cidade – excluídos e odiados pelos citadinos porque o rebanho era ameaça às lavouras dos proprietários de terra residentes na cidade. Não veio justificar a exclusão e a miséria que atingia (e atinge ainda hoje) a maior parte da humanidade. Pelo contrário, veio para anunciar que o Reino de Deus é partilha, é vida em abundância para todos. E que todos nós que nos dizemos cristãos, só o seremos de fato quando nos comprometermos com Evangelho que ele veio anunciar.

O “Filho de Davi” nasce entre os pastores na cidade de Belém, a cidade de Davi. Este rei, quando menino, era pastor. Foi consagrado para ser o pastor de Israel. Porém, assediado pelo poder, assumiu uma postura de rei poderoso. E perpetrou muitos atos de maldade e de infidelidade, muito embora tenha pedido perdão. Porém, aquele que devia ser a salvação de Israel descenderia de Davi. Ao nascer, o faz em meio aos pastores para lembrar que veio para ser pastor do rebanho, e não para se servir das ovelhas (cf. Ez 34). – Quando olhamos para os dirigentes e legisladores de nosso País (e quase todos se dizem cristãos!), que metem a mão no dinheiro público para fazerem lobby (influência) junto ao grande capital e aos eleitores, somos acometidos por uma grande decepção e indignação: as ovelhas estão sendo devoradas e/ou abandonadas pelos lobos travestidos de pastores!

O sinal para identificar o menino é também interessante: “Um recém-nascido envolto em faixas e deitado numa manjedoura”. É o sinal da mudança de valores: aqueles que esperavam um Messias poderoso não poderão encontrá-lo. A salvação brota do meio dos marginalizados, dos simples, dos pequeninos. Os sinais para encontrá-lo não são luzes brilhantes, nem milagres estupendos, nem roupas de grife. Mas “um recém-nascido envolto em faixas”. Ademais os primeiros a visitá-lo não são os dignitários da cidade, mas os simples pastores. Sua presença como primeiras testemunhas do nascimento do Salvador evidencia a gratuidade e simplicidade de Deus, que dispensa aparatos oficiais.

Eis, pois, a grande Luz que nos enche de alegria. Experimentar e contemplar a salvação de Deus, em Jesus, deve ser motivo de profunda alegria para todos nós: “Eis que eu vos anuncio uma grande alegria”. Renunciando às trevas do egoísmo, colocamo-nos na grande Luz de Deus. Nesse encontro amoroso e gratuito com o Senhor, somos fortalecidos para continuar trabalhando em favor dos excluídos, dissipando as trevas com a luz que recebemos de Deus na participação da vida divina que nos mereceu Jesus pela sua morte e ressurreição. Então não precisamos temer as trevas, pois em Jesus recebemos “graça sobre graça” (Jo 1,16).

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POR QUE 25 DE DEZEMBRO?

Muita gente pensa que o dia 25 de dezembro é a data do aniversário de Jesus. Porém é preciso esclarecer que não se tem nenhum registro do dia nem do mês em que Jesus nasceu. O que se sabe com bastante certeza é que terá nascido entre os anos 04 e 06 antes da Era Cristã.

E como se estabeleceu o dia 25 de dezembro para celebrar o Natal do Senhor? É que em Roma, nesta data, se celebrava o “Nascimento do Sol invicto”. Ou seja, na noite mais longa e no dia mais curto, devido à distância entre o sol e a linha do equador, acreditava-se que o sol “renascia”. Era o solstício do inverno, ou seja, a volta do sol que marcava o fim do inverno e início do verão. Como o sol representava uma divindade pagã, 25 de dezembro era dia de festa religiosa. Ora, a Igreja, com a sabedoria que lhe é própria, valeu-se deste fato para introduzir os cristãos na celebração daquele que é o Sol que não tem ocaso, a Luz definitiva da vida do fiel, o “Sol Invicto”. Assim, os pagãos que se convertiam à fé eram introduzidos na celebração de Jesus Cristo, a “Sol nascente que brilha nas trevas” (cf. Lc 1, 78-79). A festa pagã foi cristianizada.

Se na Igreja Romana se celebra o Natal no dia 25 de dezembro pelas razões aludidas, a Igreja Oriental celebra esta mesma solenidade no dia 06 de janeiro, denominando-a Epifania, manifestação do Senhor. Neste dia os cristãos de rito ortodoxo celebram numa mesma liturgia o nascimento do Salvador e a visita dos Reis Magos (Dia de Reis).

O que tudo isso importa para nós? Que a liturgia da Igreja é sempre uma busca de inculturar a fé na realidade que vivemos. Símbolos e celebrações pagãs foram cristianizados e introduzidos na liturgia cristã para que o ensinamento e a vida de Jesus encontrem ressonância dentro de nós e nos ajudem a transparecer na vida cotidiana as realidades que celebramos na liturgia.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Deus veio até nós por Maria, a Serva

aureliano, 22.12.17

4º domingo do advento B.jpg

4º Domingo do Advento [24 de dezembro de 2017]

[Lc 1, 26-38]

O Natal está às portas. O evangelho de hoje traz o cumprimento de todos os sinais que anunciavam a vinda do Salvador. A promessa feita a Davi (2Sm 7), realiza-se no filho de Maria. Maria não era descendente de Davi. Era uma jovem, como tantas outras, na cidade pacata e periférica de Nazaré que, como a descendência de Maria, o Primeiro Testamento jamais mencionou.

É José que garante a realização das Escrituras, dando descendência davídica ao filho de Maria, garantindo assim juridicamente a Jesus o título de ‘Filho de Davi’.

É interessante notar alguns aspectos deste evangelho:

“No sexto mês”: Aqui somos remetidos ao “sexto dia” da criação, quando Deus fez o homem. O texto quer dizer que, em Jesus, há uma nova criação, uma nova humanidade. Deus quer contar com pessoas renovadas, livres do pecado que desfigura o ser humano. A Encarnação do Filho de Deus nos dá um novo modo de existir.

“Uma cidade da Galiléia chamada Nazaré”: Deus está invertendo a ordem da realidade religiosa e social daquele tempo. Da Judéia, onde estava o Templo, para a Galiléia, região periférica em relação ao poder e à religião. Nazaré era uma cidadezinha cujo nome nem aparece no Primeiro Testamento. Mas é aí, de onde não se esperava nada de bom (cf. Jo 1,46), no anonimato, que Jesus passa boa parte de sua vida.

“Uma jovem”: Mulher sem ascendência renomada, do comum do povo. Escolhida para ser a mãe de Jesus. O que importa aqui é que a graça de Deus está nela: “Alegra-te, ó cheia de graça, o Senhor está contigo”. Torna-se mãe do Filho de Deus, filho do Altíssimo. Sua grandeza não está em ser Filho de Davi, mas Filho do Altíssimo. Maria é a nova habitação de Deus. É escolhida e agraciada como sinal salvífico de Deus: “O Senhor vos dará um sinal: eis que a jovem está grávida e dará á luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel” (Is 7, 14). Esse gesto de Deus em escolher uma “virgem” (mulher nova), mostra a gratuidade e generosidade de Deus que salva a humanidade, que a recria de maneira miraculosa e misteriosa como somente Ele sabe e pode fazer. É iniciativa de Deus! Ao homem compete colocar-se numa atitude de acolhida, de respeito, de contemplação, de ação de graças.

“Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo”: Alegrar-se em meio a tanta desilusão e decepção não é coisa fácil. Mas é a primeira palavra que Maria ouve do Anjo. A alegria precisa criar raízes dentro de nós, de nossas famílias, de nossas comunidades eclesiais. A tristeza não pode prevalecer em nós. A grande força que nos move e não nos deixa abater pela tristeza e desilusões é a certeza de que o “Senhor está conosco”. O encontro com Ele e a certeza da presença d’Ele junto de nós deve encher nosso coração de alegria (Papa Francisco).

“Não temas, Maria!”: Essa expressão é das mais repetidas na Sagrada Escritura. O Senhor sabe que somos muito medrosos e que o medo nos faz muito mal. Por isso insiste tanto: “Não tenhas medo”. Medo do futuro, medo da morte, medo de ser abandonado, medo de perder o emprego, medo de malefícios, medo de fazer caminhos de conversão etc. Vamos recobrar nossa confiança no Senhor! Entreguemo-nos confiantes a Ele. E teremos aquela intrepidez que animou os santos mártires na vivência da fé cristã diante dos inimigos da fé e da humanidade.

“Darás à luz um filho, e tu o chamarás com o nome de Jesus”: Nós cristãos somos chamado a ser iluminadores. Jesus é a luz do mundo. Nós também, n’Ele, somos chamados a ser luz. Há muita gente precisando de nossa luz: um bom exemplo, um coração que seja capaz de escutar, uma palavra sábia, um bom conselho, uma palavra de conforto, uma visita solidária, uma presença motivadora, uma atitude de acolhida e respeito etc. Fazer nascer Jesus para tantos que anseiam por conhecê-lo e amá-lo.

“Eu sou a serva do Senhor”: Palavras que expressam a resposta de Maria à proposta/convite de Deus chamando-a para colaborar na obra da salvação/recriação da humanidade. A graça de Deus só se torna fecunda no homem se este o quiser. Ao responder ‘Sim’, Maria coloca-se como serva na obra salvadora da humanidade. É a primeira pessoa que, pela adesão da fé, ‘permite’ a Deus realizar a obra da salvação do mundo em Jesus Cristo. O ‘sim’ de Maria representa a fé da humanidade e a disponibilidade com que a Igreja quer assumir o Mistério do Natal.

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“Eis aqui a serva do Senhor...” “De Davi e de Natã aprendemos que a pressa é vizinha da superficialidade, e ambas são um perigo para a fé lúcida e operante. O Advento é um convite à escuta despojada e ao diálogo aberto: escuta de Deus que fala inclusive à margem dos livros e canais de TV, no silêncio do recolhimento e na contemplação profunda dos sinais dos tempos; diálogo tecido com os fios de intercâmbio, dos encontros com os diferentes, das ações solidárias, das preces engajadas.

E aqui emerge límpida a figura de Maria. À margem dos grandes acontecimentos, na periferia dos lugares importantes, no anonimato suspeito de Nazaré, ela é capaz de discernir a Palavra de Deus na tenda da sua casa. E Deus começa apreciando e elogiando a beleza daquela que seria sua primeira morada, da arca que abrigaria o sacramento da sua Aliança definitiva com seus filhos e filhas. “Alegre-se, cheia de graça! O senhor está com você!”

No coração do diálogo, uma proposta, um pedido tão exigente quanto irrecusável: “Você vai ficar grávida, terá um filho e dará a ele o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado filho do Altíssimo.” Maria mostra-se pronta ao engajamento de corpo e alma no desejo de Deus e discute apenas o modo como isso poderá ser feito. Sua preocupação não é construir um templo para que Deus habite no mundo. Ela aceita ser a morada de Deus e coloca-se a seu serviço” (Pe. Itacir Brassiani).

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AVE MARIA

Um senhor que há muito se afastara da vida de fé, procurou o padre manifestando o desejo de voltar à vida de comunidade. O padre pediu-lhe que recitasse o Pai Nosso. O penitente o esquecera. Pediu-lhe então: “Reze uma Ave Maria”.  – “Desta, sim, me lembro”, retrucou feliz e aliviado aquele que buscava o sentido para sua vida. E recitou feliz e reconfortado a Ave Maria.

Esta historinha quer nos ajudar a perceber o quanto é conhecida esta oração e o efeito que ela produz no coração de quem a recita com confiança. É a mais comum e recitada de todas. Porque simples e significativa, muito rezada. Fala de uma mulher simples e significativa para a história da salvação.

A primeira parte desta prece está na Sagrada Escritura. São as palavras do Anjo e de Isabel a respeito daquela que fora escolhida para ser Mãe do Filho de Deus. A segunda parte - Santa Maria, Mãe de Deus - não se tem ao certo quando foi composta. Mas nos inícios da Idade Média já era recitada. Uma prece que mostra nossa dependência de Deus e nossa confiança de que Maria, Mãe de Deus e nossa, intercede por nós, preocupa-se conosco. Nos momentos alegres e difíceis ela nos acompanha. “Agora e na hora de nossa morte”: no momento em que pronunciamos a oração e naquele momento derradeiro acreditamos que Ela está por perto, como o fizera com seu Filho na Cruz.

A primeira palavra do Anjo a Maria foi “Alegra-te”. É palavra que deve sempre nos acompanhar. A visita de Deus deve nos encher de alegria. De modo que, na ‘hora derradeira’ aquela Alegria continue presente dando-nos a esperança do perdão do Pai e da acolhida em Seus braços. “Alegra-te, Maria”. “Roga por nós, Mãe”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

João Batista: testemunha da Luz

aureliano, 15.12.17

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3º Domingo do Advento [17 de dezembro de 2017]

[Jo 1,6-8.19-28]

No domingo passado, Marcos mostrava João Batista convidando à conversão. Proclama a chegada do Reino de Deus. Para isso é preciso assumir um caminho novo, pelo batismo de conversão. Já o evangelho de João, neste domingo, mostra João Batista dando testemunho. Este evangelista evita a categoria ‘Reino’; prefere ‘vida eterna’. Deus não se manifesta naquilo que o mundo chama reino no sentido de poder dominador e opressor, mas em Jesus mesmo: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9). Quando Jesus perdoa, acolhe, cura, senta-se à mesa com os pecadores, ensina, liberta, toca os doentes, passa a noite em oração, ensina a rezar etc. ele irrompe o Reinado de Deus.

João Batista se coloca como o que veio dar testemunho. “Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, para que todos chegassem à fé por meio dele” (Jo 1,7). Ele não é a luz do mundo, mas apenas uma lâmpada provisória, uma voz que clama no deserto. E faz uma provocação: “No meio de vós está quem vós não conheceis” (Jo 1,26).

Essa palavra do Batista nos provoca a pensar em nossa vida cristã. Será que Jesus continua entre nós como um ‘ilustre desconhecido’? Somos convidados a descobri-lo. É interessante notar que João Batista fala de luz: ele veio dar testemunho da luz. E a luz brilhou nas trevas, mas as trevas não o reconheceram (cf. Jo 1,5). Estamos com o sol brilhando no meio de nós, mas continuamos sem enxergar. Há alguma ‘catarata’ impedindo nossa visão. Precisaríamos identificar, dar nome a esse mal na vista que não nos deixa ‘conhecer’ aquele que está no meio de nós como luz.

A cobiça de ter sempre mais, de dominar os outros, de ganhar de todos, de ser sempre o primeiro, de ter sucesso a qualquer custo; o ciúme, a inveja, a ganância, a insensibilidade, o preconceito, a indiferença diante de quem sofre, a mentira, a preguiça, o comodismo são males que não nos deixam ‘conhecer’ Aquele que está no meio de nós.

A conseqüência de tudo isso é a ausência da alegria que o Senhor veio nos trazer com sua vinda ao mundo. A Boa Nova traz a alegria por si mesma, pois anuncia a libertação dos oprimidos, a cura dos enfermos, a recuperação da vista aos cegos. É o “Ano da graça do Senhor” (cf Is 61,1; Lc 4,18). Um Deus que nos ama tanto que dá sua vida para que tenhamos mais vida.

Enquanto pensarmos que alegria consiste em passar o réveillon na praia de Copacabana ou num hotel cinco estrelas ou coisa do tipo, estaremos distantes de ‘conhecer’ aquele que está no meio de nós, no pobre que estende a mão, que clama por socorro, que pede um pedaço de pão; de crianças e idosos ameaçados pela fome, pela violência, pelo abandono. Um dia desses, visitando um Lar de Idosos, perguntei a um senhor: “A família tem vindo visitá-lo?”. Ele respondeu de pronto: “Não. Eles estão bem de vida. Têm carro, apartamento, bom emprego. Estão bem. Não vêm me visitar, não!”. E não disse mais nada.

‘Conhecer’ Aquele que está no meio de nós é decisivo para uma celebração de um Natal que faça jus a esse nome. É viver a palavra de Paulo: “Estai alegres! Rezai sem cessar. Dai graças em todas as circunstâncias, porque essa é a vosso respeito a vontade de Deus em Jesus Cristo” (1Ts 5,17-18).

Não se trata de “conhecer” intelectualmente. Trata-se de conhecer com o coração. Em outras palavras, ter convicção, acreditar (credere=cor dare) em Jesus, entregar o coração. Posso saber tudo a respeito de Jesus e da Sagrada Escritura. Mas se esse conhecimento não se torna convicção de fé dentro de mim, não me transforma por dentro, não me faz ser melhor, então, do ponto de vista da fé, é um conhecimento vazio, pois não tem incidência sobre meu cotidiano, minhas escolhas e decisões.

O testemunho de João é verdadeiro porque não é dado por algum interesse pessoal, mas pelo cumprimento de uma missão divina. “Eu não sou o Messias. Sou a voz que clama no deserto: aplainai o caminho do Senhor” (cf. Jo 1,19.23). Sua pregação fala alto porque sai da boca de alguém que vive o que fala. Por isso penetra o coração das pessoas e incomoda até mesmo as autoridades do templo.

Ainda mais. João Batista se coloca como servidor de Deus. Ele se define simplesmente como uma “voz”. Algo passageiro, invisível. Conclama à conversão, mas não aparece. Esse espírito de humildade de João Batista que jamais pretendeu assumir um lugar que seus admiradores sugeriam que assumisse, nos ajuda a rever nossa postura diante da fama, do sucesso, das oportunidades de ocuparmos lugar de honra social. Na perspectiva cristã, não pode existir lugar e posto de honra, de poder pelo poder: qualquer cargo ou posto deve ser ocupado na dimensão do serviço.

Nossa preparação para o Natal está levando em conta o testemunho de João Batista? Estamos nos abrindo para ‘conhecer’ melhor Aquele que já está no meio de nós? Nossa vida é um facho de luz a iluminar aqueles que vivem na escuridão? Buscamos a alegria verdadeira brotada do coração de Deus no serviço aos pequeninos? Com que objetivo ocupamos ou buscamos cargos e encargos sociais e políticos?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Preparai os caminhos do Senhor”

aureliano, 08.12.17

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2º Domingo do Advento [10 de dezembro de 2017]

[Mc 1,1-8]

Estamos no advento, tempo de preparação para celebrarmos bem o Natal do Senhor. É uma Solenidade que precisaria ocupar o primeiro lugar em nossa preocupação nesses dias. Há uma corrida às compras, às viagens, às festas. Tudo isso é importante e muito bom. O que nos desafia é a ausência do elemento cristão em tudo isso na vida de muitos cristãos. Quando não há preocupação em colocar no centro da vida a pessoa de Jesus, o grande Presente do Pai para a humanidade, toda festa, folia, encontro ficam sem sentido.

No domingo passado, o primeiro do Advento, a liturgia enfocava a Segunda Vinda de Cristo, mostrando a necessidade da vigilância: “Vigiai, pois não sabeis quando será o momento” (Mc 13,35). Neste e nos demais domingos, a liturgia nos convida a prestar mais atenção ao acontecimento da Primeira Vinda. É o evento fundador da História da salvação da humanidade. Cristo é o Princípio e Fim de todas as coisas (Ap 22,13). Ele entra na nossa história, sem privilégios: assume nossas dores e pecados, nasce pobre numa manjedoura, sem nada que lhe dê reconhecimento senão sua simplicidade e doação.

A figura de João Batista questiona nosso modo de vida e nossa preparação para o encontro com o Senhor. É preciso assumir uma vida simples, despojada, num caminho de permanente conversão. Como precursor do Senhor, João Batista, o aponta não somente com suas palavras, mas com sua vida. Ele não é o Messias. É apenas a voz que não se vê, que não aparece, que não esnoba, mas que convoca à conversão. Um modo de vida que provoca e questiona a vida de outros.

Como discípulos missionários temos a missão de ajudar as pessoas a fazer o encontro com Jesus, a reconhecê-lo como Mestre e Senhor. Para isso precisamos ter um pouco do espírito de João Batista: não se coloca no centro, não chama a atenção sobre si, não se julga mais importante e melhor do que os demais. Não se julga digno de “desatar as correias de suas sandálias”. Lancemos um olhar contemplativo para a figura de João Batista. Em quê nos sentimos questionados pela vida dele? Nossa vida está focada nas coisas ou nas pessoas?

No início do cristianismo os fiéis esperavam a volta de Jesus para breve. Por isso viviam um fervor muito grande, até mesmo exagerado (cf. 2Ts 3,10-12). Com o passar do tempo suas expectativas sofreram uma espécie de frustração: o Senhor não veio como esperavam! E começaram a cometer os mesmos pecados e abusos que hoje cometemos: consumismo, comodismo, ganância, infidelidades, intrigas. Seria bom guardarmos a palavra de Pedro, na segunda leitura de hoje: “Esforçai-vos para que ele vos encontre em paz, puros e irrepreensíveis” (2Pd 3, 14).

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O DESEJO DE CAMINHAR

Um elemento muito importante na vida cristã é o cultivo do desejo. Não estou falando aqui de psicanálise, mas de um caminho espiritual. O ser humano, do ponto de vista filosófico e psicológico é um ‘ser desejante’. Pe. Dalton Barros, redentorista, fala de “desejos” e “Desejo”. Os desejos que nos habitam podem destruir o Desejo (com D maiúsculo). Esse Desejo é que clama dentro de nós. E seu clamor é de uma “brisa suave”, como ocorreu a Elias (1Rs, 19,12-13). Os desejos da carne, no dizer de São Paulo, clamam em nós (cf. Gl 5,17). Querem prevalecer sobre o Espírito. Um pensamento de Simone Weil leva a um profundo questionamento a respeito de nossa fé cristã: “Onde falta o desejo de encontrar-se com Deus, ali não há crentes, mas pobres caricaturas de pessoas que se dirigem a Deus por medo ou por interesse”.

Outro pensamento do evangelho de hoje é o do ‘caminho’: “Preparai o caminho do Senhor”. A comunidade cristã em seus primórdios era conhecida como ‘Caminho’. Saulo perseguia os adeptos do ‘Caminho’ (cf. At 9). Não se tratava de um sistema religioso com normas e leis. O entendimento da comunidade cristã como Caminho continua muito interessante. No caminho esbarramos com várias situações e pessoas. Há retrocessos e avanços. Há atalhos e curvas, há pedras e espinhos, há provas, desilusões, cansaços, dores, dúvidas, angústias, incertezas, desânimo. É até meio perigoso dizer, mas as dúvidas e incertezas podem nos estimular mais do que a segurança de certezas absolutas, fechadas, simplistas e rotineiras.

Além do mais, quando lidamos com nossa fé como ‘Caminho’, aprendemos a lidar com os irmãos de caminhada. Cada um é responsável pelo seu próprio passo. Cada um tem um ritmo. Ninguém pode ser forçado a me acompanhar. Também não tenho que acompanhar o ritmo de ninguém. Além disso, na caminhada há etapas. As situações e circunstâncias de cada um são diferentes. O que importa mesmo é caminhar, não desanimar, não recuar, não se desviar “nem para a direita nem para a esquerda” (cf. Js 1,7). Estar atento ao chamado que o Senhor faz a todos: viver de maneira digna e feliz, e trabalhar para que todos tenham acesso à mesma dignidade e alegria de viver.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Imaculada: preservada em vista de Cristo

aureliano, 07.12.17

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Imaculada Conceição de Nossa Senhora [08 de dezembro de 2017]

[Lc 1,26-38]

O dogma da Imaculada Conceição de Nossa Senhora foi proclamado por Pio IX, em 1854. Porém, bem antes de ser proclamada Imaculada pela Igreja, Maria, Mãe de Jesus, já era cultuada como aquela na qual jamais morou o pecado, o egoísmo, o fechamento em si mesma. A comunidade cristã sempre acreditou que Maria é toda santa, toda de Deus.

Há alguns mal-entendidos acerca de Maria. Tem gente que pensa que Maria era tão santa que não tinha dúvidas, crises, dificuldades. Como se para ela tudo fosse fácil. Como se vivesse uma vida mágica. Quando queria alguma coisa era só ‘estalar o dedo’, fazer ‘abracadabra’. E daí as perguntas: Se Maria era toda santa, sem pecado, sua vida teve algum mérito? Foi mais fácil para ela servir a Deus do que para nós, pobres pecadores? Maria sentia essas forças negativas, desejos perversos que nos assaltam?

Bem. É preciso entender o que significa para a Igreja reconhecer Maria como Imaculada. Precisamos ter em conta de que nós, cristãos, fomos marcados pela Graça salvadora de Cristo. A segunda leitura da liturgia de hoje diz: “Antes da criação do mundo, Deus nos escolheu em Cristo, para sermos, diante dele, santos e imaculados” (Ef 1,4). Toda pessoa já nasce com essa “benção” de Deus. Significa que o Pai nos criou em Cristo para a felicidade.

Porém, ninguém nasce pronto. A gente sabe que toda pessoa experimenta, em maior ou menor grau, situações de desencontro desde o seio materno: amor e desamor, acolhida e rejeição, afeto e violência. Mas a fé nos diz que somos fruto do amor generoso do Pai e entramos num projeto de vida e de alegria, de bondade, de acolhida. Experimentamos, contudo, que há algo errado na história que não nos permite realizar plenamente esse projeto do Pai. É o “Mistério do Mal”, (Mysterium iniquitatis). Está espalhado no mundo e dentro de toda pessoa. A Tradição deu-lhe o nome de “Pecado Original”.

Porém, o Filho de Deus veio trazer para a humanidade a “Graça Original”. Ela nos recria e salva, pois é mais forte do que o pecado original. E a fé da Igreja nos diz que Maria, foi preservada desse “Pecado Original”. Ou seja, o Pai, em atenção aos méritos da salvação trazida por Cristo, preservou sua Mãe deste Mal. Ele quis preparar para si um seio, uma vida que não fosse contaminada pelo mal, pelo pecado. Assim ela nasceu mais integrada do que nós, com mais capacidade de ser livre e de acolher a proposta do Pai. Esse fato, porém, não lhe tira o esforço de ter que peregrinar na fé, de passar por dificuldades e crises, como todo ser humano. Mas, diferentemente de nós, Maria trilha um caminho sempre positivo, sem se desviar do caminho de Deus. Esse ‘privilégio’ não faz de Maria uma pessoa orgulhosa, vaidosa, arrogante. De jeito nenhum. Pelo contrário: livre interiormente, ela tem mais condições de desenvolver as qualidades humanas recebidas de Deus. Coloca-se mais aberta, mais inteira ao que o Senhor quer dela. Coloca-se como serva: “Eis aqui a serva do Senhor”. E reconhece que tudo que acontece em sua vida é dom do Pai: “O Senhor fez em mim maravilhas” (Lc 1,49).

A solenidade de hoje nos diz que Maria foi preservada da culpa original. Foi fiel ao projeto do Pai. Correspondeu generosamente ao dom recebido do Pai. Também nós, pecadores, marcados pelo egoísmo e desejo de poder, queremos corresponder ao dom da Graça batismal que arrancou de nós as raízes do mal, mas não tirou de nós a tendência para o pecado: concupiscência. Se mesmo Maria teve de se esforçar para ser fiel ao projeto amoroso do Pai, muito mais nós devemos nos esforçar todos os dias para fazermos um caminho de fidelidade ao Pai e ao evangelho que seu Filho nos deixou.

“Obrigado, Senhor, por nos teres dado Maria Imaculada. Olhando para ela, sentimos a alegria de ver uma da nossa raça, humana e limitada como nós, mas transbordante de Graça. Olha, Senhor, pela humanidade manchada pela violência, pelo consumismo, pela pobreza, pela falta de sentido para viver. Dá-nos a graça de integrar os nossos desejos, pulsões, tendências e afetos. Liberta nossa liberdade. Acolhe a cada um de nós, santos e pecadores, e faze-nos humildes servidores da Boa Nova, como Maria. Amém.” (Afonso Murad, em Com Maria, rumo ao Novo Milênio).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Que ninguém seja surpreendido

aureliano, 01.12.17

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1º Domingo do Advento [03 de dezembro de 2017]

[Mc 13,33-37]

DEUS ENTRA EM NOSSA HISTÓRIA

O tempo litúrgico do Advento celebra a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo ao mundo. É Deus entrando em nossa história para salvá-la, dando-lhe um sentido novo. O cristão é chamado a renovar em seu coração a esperança da salvação que nunca falha. A Igreja aproveita a oportunidade para ajudar seus fiéis a renovar as atitudes interiores de vigilância, de expectativa, de oração fervorosa e contínua, de abertura ao Senhor que quer “armar sua tenda no meio de nós” (cf. Jo 1,14). Ele quer continuar conosco (Emanuel), quer que lhe abramos o coração, quer que nos convertamos ao seu amor, quer que nossas atitudes sejam inspiradas nas palavras e ações de Jesus e de Maria de Nazaré.

Com o Advento, iniciamos o Ano Litúrgico. É tempo de renovar a esperança no Deus que virá, mas que já está no meio de nós: “já e ainda não – jam et nondum”. A vigilância recomendada por Jesus, hoje, é o modo como o reconhecemos no meio de nós. Aliás, no evangelho do domingo passado (Mt 25, 31-46) temos o caminho por onde devemos trilhar para uma constante vigilância: o serviço generoso aos pequeninos do Reino.

O mercado se vale desta ocasião para vender, comprar, ganhar dinheiro. É preciso, porém, ter cuidado para não fazermos deste tempo uma ocasião somente para fazer festas, deixando em segundo plano aquela preocupação basilar de que falam as leituras da liturgia deste domingo: “É ele também que vos dará a perseverança em vosso procedimento irrepreensível, até ao fim, até ao dia de Nosso Senhor, Jesus Cristo” (1Cor 1,8). E ainda: “Vigiai, portando, porque não sabeis quando o dono da casa vem... Para que não vos suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo” (Mc 13,35-36).

Não quero, com isso, negar a importância da festa, do encontro familiar, do descanso, da dança, da música, das alegrias ao redor da mesa. O que deve, porém caracterizar nossas festas é a dimensão cristã destas festividades. Não perder o sentimento de solidariedade: não esbanjar, desperdiçar; não fechar o coração ao pobre e necessitado; buscar a reconciliação, o perdão, a celebração. Uma excelente oportunidade para reconciliar-se com um vizinho ou um familiar com quem se está brigado. São elementos que podem tornar mais cristãs as festas natalinas.

EVANGELHO DO DIA: “VIGIAR”

O acontecimento histórico, pano de fundo desse relato de Marcos, é a destruição de Jerusalém, no ano 70, pelo exército romano. Foi um acontecimento terrível que provocou muito sofrimento, morte, destruição, sobretudo, do maior símbolo da fé judaica, o Templo. A comunidade de Marcos procurou tirar destes acontecimentos importante lição para a vida cristã: é preciso vigiar.

Ademais, havia no coração dos primeiros cristãos a convicção de que a parusia, isto é, a Segunda Vinda do Senhor, estava perto. Então conduziam a vida com este pensamento. E como a “volta” não acontecia, demorava, começaram a esmorecer na fidelidade ao Evangelho. Daí a ordem insistente: “Vigiai”. Ou seja, o cristão precisa viver em permanente estado de alerta para não se deixar perverter pelo mal que campeia no mundo.

Ainda mais: a vinda do Senhor não deve ser para o cristão motivo de medo, mas de alegre e confiante esperança. Essa expectativa da vinda gloriosa do Senhor, muito presente nas primeiras comunidades cristãs, deve nos levar a pensar no Cristo que inaugurou a presença do Reino no nosso meio, e que, uma vez concluída sua missão neste mundo, entregou-nos a tarefa de continuar (com ele) o que ele começou. Portanto é um trabalho, uma tarefa na qual devemos estar sempre acordados, atentos, vigilantes. É assumir como nossa a causa de Deus. Nossa ocupação neste mundo é trabalhar para que o Reino de Deus se estabeleça no mundo e nos corações. Não podemos dar tréguas, dar-nos por satisfeitos, acomodar-nos.

Há três situações que ameaçam a vigilância do cristão: a superficialidade da vida; a sensualidade na busca do prazer carnal; a necessidade de bem-estar.

Superficialidade: As relações tendem a ser inconsistentes; há muito jogo de interesse nas ditas ‘amizades’; mesmo as práticas religiosas estão marcadas pela superficialidade: diante de um desagrado, abandona-se ou troca-se de credo. Falta raiz, profundidade, falta convicção. Muitas relações se sustentam na base da troca, do dinheiro, do patrimônio material. Uma vez que alguma situação dessas começa a ruir, está desfeita a amizade, a parceria, o companheirismo. Isso sem falar daquelas pessoas de duas caras... É muito triste!

Sensualidade: Realidade humana interessante e, por vezes, necessária, marcada, no entanto, por um caráter ardiloso que transvia os corações vigilantes, pervertendo relações esponsais, familiares e comunitárias, trazendo grande prejuízo para a sociedade. É uma armadilha que prende a pessoa aos instintos egoístas. Um grau de sensualidade faz parte das relações, sobretudo das relações amorosas. Mas se a pessoa apostar nos jogos sensuais como substância da vida, vai se desviar do caminho da vida, do caminho de Jesus. Ela não é a única realidade que constitui o ser humano. Nem é o único meio de se estabelecer relação saudável.

Necessidades de bem-estar: Outra armadilha do mal que nos prende é o consumismo: compramos coisas de que não precisamos; gastamos o que não temos; fechamos os olhos às necessidades de nossos irmãos que vivem realidades miseráveis. O autocentramento fecha o ser humano em seu próprio mundo, tornando-o incapaz de abrir-se aos demais. Aos eternos insatisfeitos com a vida, é bom lembrar Santo Agostinho: “Fizeste-nos, Senhor, para ti. E o nosso coração andará inquieto enquanto não descansar em ti”.

A recomendação de Jesus para que estas armadilhas não nos surpreendam é o estado permanente de vigilância: estarmos acordados e atentos á vivência de nossa fé. Buscar o “único necessário” (cf. Lc 10,42).

A única forma de entregarmos a Ele um “relatório” completo de tudo o que fizemos é nunca faltarmos ao “serviço”. Viver cada dia como se fosse o último. Não adiar comprometimento com a comunidade e com a causa dos pobres. Não omitir. Não mentir. Não enganar.

A obra de Deus é resultado de mão dupla: Ele vem ao nosso encontro e nós vamos ao encontro d’Ele. A parte de Deus ele já a realizou em seu Filho Jesus. A nossa parte é a disposição diária de realizar a vontade d’Ele, cultivando o amor que ele veio nos ensinar. Procurando expressar em nossa atitude as atitudes de Jesus.

Vigiar é o contrário de adormecer, de desligar-se. Hoje em dia estamos plugados, conectados dia e noite nas redes sociais mas, com muita frequência, totalmente desligados uns dos outros e de nossa relação com Deus, realidade última que nos constitui. Jesus quer dizer que vigiar é não se deixar seduzir pelas propostas de um mundo afastado de Deus, capitalista, consumista, hedonista. Não se pode desanimar diante dos desafios e dificuldades. Ligar-se a Deus, confiar n’Ele, acreditar no projeto de Jesus e tocar em frente. Assim, ninguém será surpreendido.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN