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aurelius

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Pedro, a rocha; Paulo, a missão: diferenças que se completam

aureliano, 29.06.18

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Solenidade de São Pedro e São Paulo [1º de julho de 2018]

[Mt 16,13-19]

Hoje se celebram na Igreja duas vocações distintas e complementares: Pedro governa as responsabilidades da evangelização. Alguns o identificam com o fundamento institucional da Igreja. Jesus lhe dá o nome de Pedro que significa “pedra”, “rocha”. Sobre sua profissão de fé a comunidade é edificada. Cefas, Kepha significa gruta escavada na rocha. Nessa gruta os pobres ou os animais se escondem e/ou moram. Aí é o lugar do cuidado, da proteção, da geração da vida. A Igreja torna-se, pois, o lugar privilegiado do cuidado da vida. É a caverna rochosa onde os pequeninos do Reino encontram abrigo e cuidado.

Pedro recebe o “poder das chaves”, isto é, o serviço de administrador da comunidade. Recebe também o poder de “ligar e desligar”, isto é, o poder da decisão, da responsabilidade pastoral para orientar os fiéis no caminho de Cristo. Esse ministério é confirmado por outros textos: “Confirma os teus irmãos” (Lc 22, 31). “Apascenta os meus cordeiros” (Jo 21, 15). É a intenção clara de Jesus em prover o futuro da Igreja.

Paulo é o fundador carismático da Igreja. Aquele que se preocupa com a ação missionária da Igreja. Tem a preocupação de anunciar além-mar. Por isso é cognominado “Apóstolo das Gentes”. Representa a criatividade missionária. Vai para além do institucionalizado. Rompe com normas e leis que prendem o evangelho: Verbum Dei non est alligatum – “A palavra de Deus não está algemada” (2 Tm 2,9).

A complementaridade desses dois carismas fundadores da Igreja continua atual: a responsabilidade institucional e a criatividade missionária. Alguém deve responder pela instituição, pois esta dá suporte ao missionário. Por outro lado, alguém tem que “pisar no acelerador” da missão, sem se prender muito, para que a missão não fique refém de normas anacrônicas e obsoletas. O novo desafia o institucionalizado e o atualiza. A tensão entre ambos é que mantém acesa a chama da missão.

Nesse “dia do Papa” seria bom reaquecermos nossa veneração à pessoa do Papa, sucessor de Pedro. Ele é o sinal da unidade e da caridade da Igreja. Com os limites que são próprios ao ser humano, ele continua sendo o sucessor de Pedro, o Bispo de Roma, reconhecido pela Igreja, desde a antiguidade, como aquele que “preside a assembléia universal da caridade” (Santo Inácio de Antioquia , século II).

O que importa nessas considerações é sermos pessoas que, como Pedro e Paulo, tenham a coragem de doar a vida pela causa do Reino de Deus. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas. Eles se doaram até ao sangue.  E nós? Onde estamos na doação, na entrega, na missão? Como zelamos da nossa Igreja? Como anda nossa identidade cristã e católica frente às afrontas e desrespeito ao evangelho, à vida e à Igreja? Até que ponto sou comprometido com minha comunidade?

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Pedro e Paulo: coragem e fidelidade batismal

São Pedro e São Paulo coroam o mês de junho e as festas juninas. É interessante notar que não se trata somente de festas populares, mas há uma espiritualidade subjacente a esses momentos dentro de nossas comunidades. A alegria, o encontro, a dança, as manifestações da piedade popular, as celebrações... Claro que, em grande medida, as festas são mais pagãs do que cristãs. Muitos se valem destas festividades para lucrar muito dinheiro e garantir “curral eleitoral”. Outros se entregam à bebida e às drogas, desvirtuando o clima de alegria, confraternização e celebração da comunidade. Mas não podemos deixar morrer o sentido original destas festividades. Ainda mais: deve ficar a mensagem de que os santos mais populares deste mês: Santo Antônio, São João e São Pedro, são homens que viveram para Deus e testemunharam com sua vida a fé que professaram em Jesus Cristo.

Hoje, ao celebrarmos São Pedro e São Paulo, solenizamos as duas colunas da Igreja. "Pedro, o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel. Paulo, mestre e doutor das nações, anunciou-lhes o Evangelho da Salvação. Por diferentes meios, os dois congregaram à única família de Cristo e, unidos pela coroa do martírio, recebem, por toda a terra, igual veneração" (Prefácio da missa). Pedro representa a Igreja institucional, é a "Pedra" que recebe a incumbência de "confirmar os irmãos", enquanto Paulo representa o carisma missionário, atravessa mares e desertos para anunciar a Boa Nova do Reino, formando novas comunidades cristãs.

A profissão de fé de Pedro é a base da comunidade cristã: "Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo". É nessa fé que a Igreja se firma e caminha. É o Espírito que sustenta a caminhada da Igreja. Ela não se instituiu sobre "carne e sangue", mas no Amor gratuito do Pai revelado na entrega livre do Filho pela salvação da humanidade (cf. Jo 10,18).

As "chaves do Reino" que são confiadas a Pedro devem sempre abrir as cadeias e algemas daqueles que estão dominados pelo mal. Quanta gente presa nas amarras da mentira, da ambição, da corrupção, do ódio, do preconceito, do medo, do preconceito, da enganação! Nosso mundo precisa, cada vez mais,  das "chaves do Reino" para que haja mais partilha, mais sentido de vida, mais perdão, mais fraternidade, mais respeito e compreensão.

Quando lançamos um olhar de fé sobre esses dois homens cuja solenidade celebramos hoje, percebemos quão distantes ainda estamos da vivência de uma fé autêntica, corajosa, testemunhal!

Pedro foi encarcerado por causa da fé! Levou às últimas consequências sua profissão de fé: "Tu és o Cristo". Paulo também foi preso, ameaçado e perseguido pelos de dentro e pelos de fora. Mas levou até ao fim sua missão: "Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. (...) O Senhor me assistiu e me revestiu de forças, a fim de que por mim a mensagem fosse plenamente proclamada e ouvida por todas as nações" (2Tm 4, 6-7.17).

Até que ponto damos conta de sustentar nossa fidelidade ao Evangelho, levando às últimas consequências nosso batismo? Quais são as ilusões ou dificuldades que nos faz desanimar, abandonar a missão, a comunidade? O que constitui o "conteúdo" de nossa vida: Jesus Cristo ou as vaidades e posses da sociedade capitalista e consumista? O que preciso deixar e o que preciso abraçar com mais vigor para ser verdadeiro discípulo como Pedro e Paulo?

Nesse dia a Igreja nos pede orações pelo Papa. Ele é o sucessor de Pedro. É ele que “preside a assembleia universal da caridade” (Santo Inácio de Antioquia) e é o sinal visível da unidade da Igreja. Peçamos ao Senhor que lhe dê muita luz para conduzir a Igreja pelos caminhos de Jesus. E lhe dê muita força e coragem para enfrentar os obstáculos e as resistências que essa sociedade e as situações difíceis que os "de dentro" lhe oferecem. E que tenha a sabedoria necessária para ajudar a Igreja a se abrir ao diálogo com o novo que surge a cada dia sem perder a fidelidade a Jesus e à sua missão.

O Papa Francisco tem surpreendido o mundo com seus gestos de simplicidade, de humildade, de acolhida, de uma palavra profética. Precisamos prestar mais atenção a seus ensinamentos. Ele nos aponta o verdadeiro caminho pelo qual a Igreja deve passar. Ele pede uma Igreja em saída para as periferias, numa presença e defesa dos mais pobres. “Prefiro uma Igreja acidentada, a uma Igreja doente por fechar-se”.

“A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque nesse caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e exige-o o amor por toda a pessoa, independentemente do seu desenvolvimento. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandona, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura, e em todas as formas de descarte. Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo, onde alguns festejam, gastam folgadamente e reduzem a sua vida às novidades do consumo, ao mesmo tempo que outros se limitam a olhar de fora enquanto a sua vida passa e termina miseravelmente” (Gaudete et Exsultate, 101).

 Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Seu nascimento trouxe alegria

aureliano, 22.06.18

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Nascimento de São João Batista [24 de junho de 2018]

[Lc 1,57-66.80]

Estamos celebrando as festas juninas. Muita manifestação de alegria por todo lado. Arraiá, dança, quadrilha, comidas típicas, canjica (mugunzá), caldo de feijão, etc. Muita coisa boa, sem dúvida. Não se podem admitir, porém, em nossas comunidades eclesiais, as malditas cerveja e cachaça, pois, no contexto de celebração religiosa cristã, fazem muito mal. É maldito o dinheiro ganho às custas da venda de bebida alcoólica em nossas comunidades eclesiais. Há famílias inteiras destruídas e em sofrimento por causa de bebida alcoólica. Pedimos aos dependentes frequentar o AA, construímos e/ou ajudamos a manter Casas de Recuperação, mas os incitamos ao vício da bebida alcoólica. Não é uma incoerência absurda? Graças a Deus que nossos Bispos estão tendo a coragem de decretar a proibição da comercialização e consumo de bebida alcoólica nas quermesses e celebrações de nossas comunidades.

Embora se festejem, por vezes não se sabe a origem das festividades neste mês. Foram introduzidas no Brasil pelos portugueses desde o início da colonização. E pegou com facilidade, pois eram parecidas com as festas das culturas indígenas e africanas das quais muitos elementos foram incorporados.

Neste mês, a Igreja católica celebra três santos muito populares: Santo Antônio (dia 13), São João Batista (dia24) e São Pedro (dia 29). É provável que a alegria e a festa estejam mais ligadas a São João pelo mesmo fato de que, por ocasião de seu nascimento, os parentes e vizinhos ficaram muito felizes e alegres. Mas qual foi o motivo de tanta alegria?

Poderíamos elencar três razões: duas explícitas, claras, evidentes: o desatar da língua de Zacarias e a fecundidade do seio estéril de Isabel. E uma, implícita, oculta, presente apenas na interrogação: “o que virá a ser este menino?”. Aquele que veio dar “testemunho da luz”, pois “a mão do Senhor estava com ele”.

A esterilidade de Isabel e a mudez de Zacarias eram sinais do que ocorria na comunidade de Israel: ausência de fervor, de entusiasmo, de vibração por Deus, de fidelidade à Aliança.

Esterilidade de Isabel: A dominação implantada pelos romanos, aliada à cooperação da liderança religiosa e política do povo, matava a esperança da comunidade. Diversos grupos brigavam entre si disputando o poder ou tentando se livrar de um poder opressor. Além disso, o serviço e o culto verdadeiro a Deus estavam eivados de hipocrisia e cada vez mais distantes da vida da comunidade. A capacidade generativa da comunidade estava obstruída.

Mudez de Zacarias: Esse fato evoca a voz emudecida dos profetas de então: voz calada, embargada. Não havia mais quem se levantasse, em nome de Deus, para apontar caminhos de esperança. A mudez pode significar também que a oração e o culto estavam sem expressão, sem sentido, esvaziados pela incoerência dos dirigentes do culto e da nação. Não ressoava nem aos ouvidos de Deus nem aos ouvidos da assembleia celebrante.

Lição para nós: Não parece que essa realidade se repete em nosso meio? A palavra de Deus, as celebrações, as orações parecem estar estéreis, sem fruto, sem sentido. Não se vêem os frutos, a alegria de ser cristão. Uma vida cristã apagada, desencantada, desencarnada. E a profecia está sumida de nosso meio. Estamos vivendo um marasmo espiritual. O desencanto e a decepção tomaram conta de nós. Há uma espécie de conivência com o mal: “todo mundo faz”; “não tem mais jeito”... Esse é o grande perigo da humanidade: indiferença, desânimo, desencanto. Paralelo a isso, toma corpo uma onda espiritualista, uma religiosidade baseada na emoção e no sensacionalismo. Realidade sem base, sem consistência, destituída da convicção que brota da confiança no Pai e da lucidez da razão. O Papa Francisco chama isso de “Mundanismo espiritual”.

O nascimento de João Batista irrompe o novo na história: uma mulher cheia de Deus vence a esterilidade. É a possibilidade de vida nova de onde não se esperava mais nada. Um homem que desata a língua e proclama o nome do filho: “João é o seu nome”, e prorrompe em louvor a Deus: “Bendito o Deus de Israel que visitou e libertou o seu povo”. Ou seja, Zacarias proclama que Deus é misericórdia (significado do nome João) e olhou para nós. Por isso canta: “Deus visitou e libertou o seu povo. Sobre nós fará brilhar um Sol nascente, para iluminar a todos que se acham nas trevas e nas sombras da morte”. A luz voltou a brilhar. O Sol nasceu. Agora somos aquecidos, iluminados, fecundos. João Batista aponta esse Sol que ilumina e dá novo sentido à vida. Eis o motivo da grande alegria que contagiou todos os moradores das montanhas da Judéia.

A Solenidade do Nascimento de João Batista nos ajuda a pensar na nossa missão. O que nos torna mudos diante da história? Como romper nossa mudez e celebrar, proclamar e denunciar profeticamente? Será que nos comprometemos com poder escuso, com o dinheiro, com a politicagem, propinas, ameaças que nos calam diante das maldades e injustiças?

Refletindo acerca da esterilidade rompida de Isabel, poderíamos perguntar: como está nossa capacidade de gerar? Geramos alegria, mais vida, fraternidade, harmonia? Ou ainda a fofoca, o preconceito, a competição, o ciúme continuam matando a vida em nós e fora de nós? A capacidade generativa do seio materno está intimamente relacionada à generosidade, à gratuidade. Como está nossa a capacidade de sermos gratuitos, generosos?

João significa “Deus é misericórdia”. Ele vem e aponta a luz que é Jesus, aquele que salva (Cf. Jo 1, 7-12). Trabalhamos em nós o sentimento de misericórdia? Podemos dizer que nossa vida aponta a luz que é Jesus? Nossas atitudes correspondem a nossas palavras, às realidades que celebramos? “É preciso que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3, 30).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A força que faz crescer vem de Deus

aureliano, 15.06.18

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11º Domingo do Tempo Comum [17 de junho de 2018]

   [Mc 4,26-34]

O Reino trazido por Jesus é obra de Deus e não dos homens. Essa é a mensagem central da liturgia de hoje. Jesus se remete à realidade rural de seu tempo, certamente experimentada por ele, e compara a dinâmica do Reino com a semente. Conta duas parábolas: a semente que cresce sozinha e a semente pequenina que cresce e se torna grande. Então o povo poderia facilmente compreender o que Jesus queria dizer. Falava a linguagem deles.

A semente que cresce sozinha: Ela não depende do homem que a semeou. Possui uma força interna que a faz crescer e produzir frutos. Aquele que a semeou nem sabe como isso se dá. Essa historinha de Jesus quer mostrar que assim acontece com o Reino de Deus. As coisas de Deus não dependem do ser humano. Deus age no coração e na vida das pessoas independente de nós. Ou melhor: ninguém deve pensar que as pessoas se tornam mais cristãs por causa de seu anúncio. Não! É Deus que age no coração de cada um. É preciso entender também que Deus tem seu tempo. O tempo de Deus não é o nosso tempo. A nós compete semear. A colheita é de Deus.

A semente pequenina que se torna uma grande árvore: Nesta parábola Jesus mostra que seu Reino não é de grandeza, de holofotes, de aparência, de sucesso, de palco, de televisão. Deus age de modo simples e discreto na vida das pessoas. A própria vida de Jesus foi assim. Ele foi perseguido, caluniado, condenado, morto. Mas está vivo, presente no meio de nós. Nossa fé assim acredita, pois verifica sua presença e ação na história. Crer em Jesus revoluciona as relações: um novo modo de ser que se torna “escândalo para os judeus e loucura para os pagãos” (Cf. 1Cor 1,22-25). Do ponto de vista da sociedade do consumo, da aparência, da fama, da competição, é uma “loucura”.

A mensagem que Jesus nos transmite, hoje, nos ajuda a entender a dinâmica de nossa missão. Não podemos pensar que vamos mudar o mundo com nossas próprias forças. É o poder de Deus que atua através de nós. Não podemos trabalhar com vistas a resultados imediatos. Nossa missão é semear a boa semente. A colheita não é nossa. A seara é de Deus. Por que então essa ânsia em ver resultado, em colher os frutos? E o anúncio deve ser feito na simplicidade de nosso cotidiano. Não podemos andar a cata de aplausos, de holofotes, de reconhecimento, de sucesso. Jesus não foi assim. O “acontecimento Jesus” deve nos iluminar e inspirar sempre. Precisamos ser mais parecidos com ele. Ainda que nossa comunidade seja pequena, insignificante; ainda que nosso trabalho não tenha reconhecimento; ainda que nossa vida e ação sejam anônimas, invisíveis: a Graça de Deus está aí, agindo. Embora não compreendamos ou percebamos, Deus age. É o processo da fecundidade e não do fazimento. O mundo é dele. Nossa comunidade é dele. Nossa família lhe pertence. Nossa vida foi consagrada por Ele e a Ele no batismo. Entreguemo-nos a Ele com confiança. E empenhemo-nos na missão com entusiasmo.

O extraordinário de Deus se esconde nas coisas ordinárias e comuns da vida de cada dia. Pe. Júlio Maria, fundador de nossa Congregação, costumava dizer que “a santidade consiste em fazer as coisas ordinárias de modo extraordinário”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Ser família de Deus: não pecar contra o Espírito Santo

aureliano, 09.06.18

10º Domingo do Tempo Comum [10 de junho de 2018]

[Mc 3,20-35]

Estamos no capítulo 3º do evangelho de Marcos. Depois da eleição dos Doze, o evangelista retoma a controvérsia que contesta e questiona o poder de Jesus. O centro da questão é saber “Quem é este? De onde vem o poder que manifesta?” Os parentes o acusam de louco; os escribas, de possuído pelo demônio.

Jesus é o vencedor dos poderes do mal. Ele tira o pecado do mundo. Traz nova perspectiva de vida para todos. Introduz novo horizonte de sentido na vida daqueles que o assumem como Salvador e Mestre. Quem se recusa a reconhecer isso peca contra o Espírito Santo e exclui-se da salvação. Aqueles, porém, que reconhecem tal realidade manifestada nas palavras e nos gestos de Jesus, estão no caminho do cumprimento da vontade do Pai, entrando, consequentemente, para a família de Deus: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos: quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.

O relato do evangelho deste domingo nos mostra Jesus em pleno exercício da missão. Não desiste nem desanima mesmo diante da perseguição familiar e religiosa. Ninguém fá-lo desistir. Ele compreende a missão que o Pai lhe dera e a assume até às últimas consequências.  Familiares e pessoas poderosas (políticos, por exemplo) costumam nos ‘enredar’ (colocar numa rede) para nos afastar da vivência da fé cristã. Fazem promessas de facilidades ou armam ciladas para nos fazer cair. É preciso ser forte e cheio de Deus para que esses inimigos do evangelho (“inimigos da cruz de Cristo” na expressão do Apóstolo das Gentes – Fl 3, 18)), não nos façam fraquejar e desanimar ou mesmo mudar o foco. Há muitas pessoas que tiveram uma formação cristã, educadas em bons princípios e valores na família, na comunidade, na escola, mas que se descambaram para a uma vida perversa, mentirosa, corrupta, desonesta e violenta ao associar-se a gente pervertida.

A atitude de Jesus em relação à família nos faz repensar nossas relações familiares. Ele rompe com uma cultura machista e patriarcal que colocava o apego e defesa da raça, do sangue, da cultura acima dos valores do Reino. Jesus amplia o conceito de família. Na dinâmica do Reino trazido por Jesus, a família de Deus não se constitui de alguns privilegiados que passaram por um ritual ou por serem de uma mesma raça ou religião. Deus é maior do que a religião e laços familiares. Jesus não está preso a nenhuma religião nem a nenhum grupinho seleto. Para Jesus, o mais importante é “fazer a vontade do Pai”.

A ‘família de Deus’ é aquela que coloca os valores do Reino como prioridade em sua vida: a justiça, a verdade, a generosidade, o perdão, a solidariedade, a fraternidade, o serviço desinteressado, o cuidado com a pessoa e com o meio ambiente; a quebra dos preconceitos de raça, sexo, condição social, religião; a tolerância e convivência respeitosa com mentalidades, culturas e crenças diferentes, o diálogo respeitoso, a sensibilidade aos sofrimentos dos pobres etc.

Há muita gente que pensa somente nos “seus” familiares e amigos, nas “suas” coisas. Jesus nos ensina que precisamos sair dessa atitude bairrista, provinciana, de pensar somente em nós e na “nossa” família, para lançarmos um olhar mais além. O batismo nos faz irmãos uns dos outros, rompendo assim com a estratificação social. Portanto, não pode haver mais exclusão nem discriminação entre nós. Nosso cuidado não pode se restringir, então, apenas aos “da nossa casa”. Nosso olhar deve-se voltar para aqueles que estão perto de nós e precisam de nossa ação. Como aquela mãe de família, separada do marido, que trabalha com afinco para tratar de suas duas filhas. Percebendo que uma criança de seu local de trabalho (creche) não tem onde ficar com sua mãe (que trabalha durante o dia), abandonada pelo companheiro, levou ambas para dentro de sua casa a fim de ampará-las, mãe e filho, até que arranjem uma forma de viver com o mínimo de dignidade. São gestos pequenos, mas significativos que ilustram o que Jesus disse no evangelho de hoje. Ultrapassam os laços de sangue.

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PECADOS CONTRA O ESPÍRITO SANTO

“Em verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno” (Mc 3,28-29).

Muitas pessoas ficam curiosas em saber que pecado é esse que não tem perdão. O que é mesmo o pecado contra o Espírito Santo? O contexto do evangelho de hoje o revela: um clima de fechamento, de resistência às palavras e às ações de Jesus. Falta de acolhida à novidade do Reino de Deus. Ora, Deus não salva ninguém à força. Santo Agostinho já o entendera bem: “Quem te criou sem ti, não te salvará sem ti”.

A falta de cultivo da vida interior, a busca frenética pelo bem-estar, o acúmulo de coisas, a busca de si e de seus próprios interesses em detrimento do bem da coletividade são realidades que fecham o coração e impedem a ação do Espírito de Deus em nós.

Seria bom, portanto, que cada um verificasse que importância está dando àquelas realidades que são o essencial de sua vida: a vida eclesial, a vida familiar, o cuidado com os mais sofridos, o zelo pela verdade e pela coerência de vida, a sinceridade e honestidade nas relações de trabalho e vizinhança, o carinho e cuidado para com os pais ou idosos, a abertura de coração. Confrontar a própria vida com a vida de Jesus que se deixou conduzir pelo Espírito.

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EXPULSAR DEMÔNIOS

Há muitos religiosos por aí “especialistas” em “expulsar demônios”. Se a pessoa não os tem, eles arranjam para ela. É uma forma de enganar e arrancar o dinheiro dos incautos e sofredores, além de mantê-los reféns de seu poder. Com o avanço das Ciências e da Medicina sabemos de muitas doenças que, no tempo de Jesus, eram consideradas possessões diabólicas, não passam de distúrbios ou deficiências mentais. É só procurar o psiquiatra ou o psicólogo que a pessoa vai ser tratada. Além, é claro, de se preparar um ambiente adequado que a ajude a viver. Não se trata de ‘possessões diabólicas’, mas de doenças mentais. Cuidado com os falsos pastores!

Os demônios que precisam ser expulsos têm nomes e estão dentro de nós: a mentira, a traição, a falsidade, a preguiça, a safadeza, a inveja, a cobiça, a vingança, a ingratidão, o fechamento, o orgulho, o parasitismo, a corrupção, a grosseria, a incoerência, a dureza de coração etc. Esses demônios fazem um mal enorme. Em alguns eles agem com mais força; em outros, são enfraquecidos pelo esforço de se viver em Deus. Vamos exorcizar esses demônios! E eles são teimosos: não gostam nem querem sair de dentro da gente, não!

Senhor Jesus, ajuda-nos a compreender que nosso pecado, nossa omissão, nossas escolhas erradas, nosso egoísmo podem fazer muito mal e causar muito sofrimento. Dá-nos a graça de romper com o mal em nós e fora de nós para que nossa vida seja mais parecida com a tua. Que nossas palavras e ações sejam de mais abertura, acolhida, discernimento, tolerância e perdão. Faze de nós instrumentos de paz e de justiça para construirmos um mundo mais irmão e solidário, em que todos tenham acesso aos bens da criação, à vida digna e feliz.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Para que serve o Sábado?

aureliano, 02.06.18

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9º Domingo do Tempo Comum [03 de junho de 2018]

Mc 2,23 – 3,6]

O relato do evangelho para esse domingo sugere dois pontos de reflexão: o repouso dominical e a transgressão da lei.

São João Paulo II escreveu uma cartinha sobre o domingo (Dies Domini). Ali ele tenta mostrar a importância de se recuperar o Domingo como Dia do Senhor, Dia da Criação, Dia do Ser Humano, Dia do Descanso.

A preocupação do Papa revelava o que estamos vivendo: o domingo perdeu quase por completo seu sentido original que traz no próprio nome: Dominica, Dies Domini: Dia do Senhor. As mudanças nas relações econômicas, culturais, sociais e religiosas pelas quais  tem passado o nosso mundo, trazem consigo esse novo modo de viver o Domingo. Isso não somente entre os agnósticos e arreligiosos, mas também entre os próprios cristãos e católicos.

Se por um lado essa espécie de indiferença diante do domingo e outras celebrações litúrgicas ditas “de preceito”, trazem certa dificuldade e tristeza, por outro, ajudam a reconsiderar  caminhos feitos e fortalecer aqueles que ainda acreditam na força e importância de celebrar o Domingo como dia do Senhor e do descanso.

A ordem de Deus a Moisés para que se guardasse o Sábado era um meio de se fazer memória da libertação do Egito operada pelo próprio Senhor. Também traz dentro de si o eterno desejo do Criador: o ser humano não é escravo; precisa viver em liberdade. Quando o texto sagrado diz que “o sétimo dia é sábado para o Senhor teu Deus” (Dt 5,14), quer nos lembrar que o “Sábado” não é mera prescrição ou observância legal, mas uma exigência de liberdade e diálogo entre Deus e seu povo. É um dia de descanso “para o Senhor”. - Não é preciso dizer que o Sábado dos judeus se converteu no Domingo para nós cristãos por causa da Ressurreição do Senhor.

Outra reflexão que fazemos a partir do evangelho de hoje é referente à transgressão das leis e normas. Até que ponto a Lei deve ser cumprida e desde quando deve ser transgredida?

Nos tempos de Jesus a observância do Sábado se transformara num peso insuportável. Em vez de ser dia de repouso, de descanso, tornou-se dia de peso, de cansaço. Uma escravidão. O culto sabático caiu numa ação externa e formal.

Jesus veio dar novo sentido à Lei, ao Sábado. Ele não transgride nem suprime a Lei, mas vem dar-lhe pleno sentido (cf. Mt 5,17). Para isso ele parte de dois princípios: a misericórdia e a consciência. Uma realidade divina e outra humana. Apelo do Alto e resposta humana.

No princípio da Misericórdia ele parte da realidade do ser humano e suas necessidades imediatas que precisam estar acima de qualquer lei. Uma legislação ou código de normas que não leva em conta o ser humano como prioridade é vazia de sentido. “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado” (Mc 2,27). A misericórdia deve prevalecer sobre as exigências legais. Por isso Jesus cura aquele homem no dia de Sábado. Quem quiser viver o princípio da Misericórdia coloca em risco sua vida à semelhança de Jesus: é uma atitude eucarística.

Um dado interessante no relato do evangelho de hoje é que, estando dentro da sinagoga, num momento de culto a Deus, enquanto as atenções se voltam para Deus, Jesus volta seu olhar para aquele homem doente. E pede que ele “fique no meio”. Foi, certamente, uma afronta aos dirigentes do culto. Deus não deve ocupar o primeiro e absoluto lugar no culto? Será que Jesus está invertendo o sentido da celebração? O que levou Jesus a colocar o homem doente no centro? – Jesus não inverte o sentido do culto, mas quer ensinar que um culto que não nos compromete com os irmãos é vazio para o Pai. É como se ele dissesse: “O culto que agrada ao Pai é aquele que converte o coração do ser humano e o coloca em empatia, em solidariedade, em atitude de misericórdia para com aqueles que sofrem” (cf. Is 58,6-7). – Convenhamos: há atitudes dentro de nossas celebrações eivadas de egoísmo, vaidade, desprezo, indiferença, discriminação... (cf. Tg 2,2-4).

Jesus veio mostrar um novo modo de se relacionar com Deus. O culto que não leva a cuidar do ser humano não chega ao coração do Pai. Podemos afirmar então que a grande contribuição de Jesus em relação às outras religiões é a de revelar um Deus que não existe para si mesmo. Deus criou o ser humano para que participasse de sua vida e glória. Deus é amor que se doa, que sai de si, que se interessa pelo ser humano. E sua glória consiste em buscar o bem de todas as criaturas.

Portanto, não basta defender a ordem no País, - lembrando que o lema do governo atual é “Ordem e Progresso” -, se não se busca a defesa e os cuidados dos direitos fundamentais da pessoa humana. O Estado existe para administrar e distribuir equitativamente os bens da Nação. Se, em nome da ordem, o Estado prejudica o ser humano, tal ordem não pode ser cumprida. É um pecado e um crime empenhar-se num progresso que se faz em detrimento da humanidade. O “descartado”, o “inválido”, o “sobrante”, o “invisível” precisa estar “no meio”: para receber visibilidade e cuidado.

O mesmo pode-se dizer em relação à Igreja. Suas leis devem estar sempre a serviço da humanidade. Não podem constituir-se em uma carga pesada que sufoca e oprime. Não é suficiente defender uma disciplina da Igreja por si mesma. Se tal disciplina não ajuda a comunidade a ser mais generosa, mais tolerante, mais misericordiosa, mais inclusiva precisa ser revista, refeita na medida do Evangelho.

A primeira missão da Igreja não é impor leis morais, mas ajudar o ser humano a descobrir que Deus o ama. Ajudá-lo a encontrar aquele ponto no qual descobre a bondade e o amor de Deus por ele e pela humanidade toda, manifestado em Jesus de Nazaré. E levá-lo a perceber que ele é chamado por Deus a colaborar na obra da salvação e cuidados da humanidade.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN