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aurelius

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"Dai-lhes vós mesmos de comer"

aureliano, 27.07.18

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17º Domingo do Tempo Comum [29 de julho de 2018]

 [Jo 6,1-15]

Estávamos até então refletindo o evangelho de Marcos. Neste e nos próximos domingos vamos refletir o capítulo 6º de João. A Igreja pensou numa oportunidade de se considerar o evangelho de João tão rico, mas com pouco espaço no calendário litúrgico.

Marcos, o evangelho mais antigo, trata do sinal da multiplicação dos pães de modo a notar maior solidariedade entre os cristãos. Ele envolve os discípulos na cena: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.

Mas o fato é que os discípulos não se preocupam com a fome das pessoas. Por isso eles recomendam a Jesus que os despeça para que comprem pão pelo caminho. Ou seja: deixe que eles se virem.

O problema é que, quem tem dinheiro vai se alimentar. Mas quem não o tem, vai continuar com fome. Notamos que a solução apresentada pelos discípulos foi extremamente egoísta. Cada um deve se virar! É a proposta da economia neoliberal: quem tem condições, capital, investe e cresce. Quem não tem, sobra. O caminho do atual governo do nosso País é exatamente esse: preocupação absoluta com o mercado e abandono das políticas públicas e sociais.

No evangelho de João, Jesus age de modo soberano. Enquanto Marcos esconde o mistério e a missão de Jesus aos ouvintes, pois não eram capazes de compreender, João revela para o cristão a glória de Deus.

Interessante no texto de hoje é esse olhar misericordioso de Jesus. No evangelho do domingo passado vimos Jesus manifestando sua compaixão pelo povo, pois estava “como ovelhas sem pastor”. Então ele inventa um jeito de cuidar do rebanho.

Ninguém precisa ficar esperando milagre do céu. É só mudar a mente e o coração e começar a colocar em comum os bens e os dons. Aqueles pães e peixes, depois que estão nas mãos de Jesus, que dá graças sobre eles, não são mais do jovem nem dos apóstolos, mas de Deus para a multidão faminta. Isso mostra que os bens e dons que temos, vividos na dimensão da “ação de graças” não são mais nossos, mas “eucaristizados” para “eucaristizar”, ou seja, usados numa partilha alegre e comprometida.

A Eucaristia de que participamos semanalmente deve nos levar a essa “vida eucarística”, numa partilha generosa para que “todos tenham vida”.

Vimos, pelo evangelho de hoje, que o problema da fome no mundo não se resolve com dinheiro. Somente o espírito de partilha e de solidariedade é capaz de diminuir a fome nos países e regiões empobrecidos. Enquanto prevalecer desperdício, acúmulo, ganância, propina, desonestidade haverá famintos e necessitados no mundo.

A Igreja tem a missão de atuar profeticamente no mundo para que haja mais partilha e justa distribuição de renda. Para isso a Igreja precisa ser pobre. Somente uma Igreja pobre, no espírito de São Francisco de Assis, conforme tem preconizado tantas vezes o Papa Francisco, poderá ter credibilidade e influência na história. Tudo isso, porém a partir do encontro profundo com a pessoa de Jesus de Nazaré. Pois sem conversão do coração, atuada pela graça libertadora de Deus em nós, não se entende nem se exerce a partilha dos dons e dos bens.

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AS CONSEQUÊNCIAS DA CELEBRAÇÃO DA EUCARISTIA

Os exegetas interpretam Jo 6,1-15 como um relato eucarístico. Ou seja, ele quer significar o sentido da celebração da Eucaristia na Igreja. Sendo assim podemos afirmar que só faz sentido a celebração eucarística que compromete os participantes com os necessitados da comunidade. Aliás, há um belíssimo texto do século II, escrito por São Justino, que fornece as indicativas para a celebração da Eucaristia: “No dia que se chama do Sol [domingo] celebra-se uma reunião dos que moram nas cidades e nos campos e ali se lêem, quanto o tempo permite, as Memórias dos Apóstolos ou os escritos dos profetas. Assim que o leitor termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos tais belos exemplos. Erguemo-nos, então, e elevamos em conjunto as nossas preces, após as quais se oferecem pão, vinho e água, como já dissemos. O presidente também, na medida de sua capacidade, faz elevar a Deus suas preces e ações de graças, respondendo todo o povo ‘Amém’. Segue-se a distribuição a cada um, dos alimentos consagrados pela ação de graças, e seu envio aos doentes, por meio dos diáconos. Os que têm, e querem, dão o que lhes parece, conforme sua livre determinação, sendo a coleta entregue ao presidente, que assim auxilia os órfãos e viúvas, os enfermos, os pobres, os encarcerados, os forasteiros, constituindo-se, numa palavra, o provedor de quantos se acham em necessidade.” (Apologias).

Esse último parágrafo nos remete ao texto do evangelho de hoje: a Eucaristia deve nos mover à partilha, à sensibilidade para com os necessitados. Os bens e os dons são oferecidos para o bem dos mais pobres e carentes.

Por vezes se levantam questões meramente rituais: se o ministro deixou de fazer isso ou aquilo dentro da celebração. Outros ficam implicados se a comunhão deve ser dada na mão ou na boca. Se o fulano pode ou não pode comungar etc. Com isso se esquece do essencial da Eucaristia que é o louvor ao Pai em Cristo e na força do Espírito que se concretiza na caridade fraterna.

Outro texto dos primeiros séculos do cristianismo também vai nessa mesma direção. São Cipriano (século III), bispo de Cartago, exortava a uma matrona rica da cidade: “De resto, tal como és, nem podes praticar a caridade na Igreja. Com efeito, teus olhos cobertos por espessas trevas e pela escuridão da pintura negra, não vêem o necessitado e o pobre. És abastada e rica e pensas que celebras o domingo. Tu, que nem sequer olhas para a caixa de esmolas, vens à celebração dominical sem oblação, e ainda participas da oblação que o pobre ofereceu?” (Patrística, Obras Completas I, Vol. 35,1).

A Eucaristia é o espaço e o ambiente cultual próprio que deve mover à partilha. Participar, comungar e voltar para casa como se nada acontecesse ao derredor é um descaso e uma ofensa ao Senhor que se oferece por nós. Pois ele lançou um olhar sobre a multidão faminta e providenciou-lhe o alimento (cf Mc 6, 35-44).

Ainda insistindo na importância da Eucaristia na vida da Igreja chamada a ser Sinal de Cristo no mundo, tomo aqui uma catequese do Papa Francisco para nos ajudar a perceber o sentido e as consequências da celebração da Ceia do Senhor: “Ao primeiro gesto de Jesus, ‘tomou o pão e o cálice do vinho’, corresponde assim a preparação dos dons, é a primeira parte da preparação eucarística. É bom que sejam os fiéis a apresentar o pão e o vinho ao sacerdote, porque eles significam a oferta espiritual da Igreja ali recolhida para a Eucaristia. Ainda que hoje os fiéis já não levem, como antes, o seu próprio pão e vinho destinados à Liturgia, todavia o rito da apresentação destes dons conserva o seu valor e significado espiritual.

A propósito, é significativo que, na ordenação de um presbítero, o bispo, quando lhe entrega o pão e o vinho, diz: ‘Recebe as ofertas do povo santo para o sacrifício eucarístico’; é o povo de Deus que leva a oferta para a missa. Portanto, nos sinais do pão e do vinho o povo fiel coloca a própria oferta nas mãos do sacerdote, o qual a depõe sobre o altar ou mesa do Senhor, que é o centro de toda a Liturgia Eucarística. O centro da missa é o altar e o altar é Cristo. No ‘fruto da terra e do trabalho do homem’ é por isso oferecido o compromisso dos fiéis a fazer de si próprios, obedientes à Palavra divina, um ‘sacrifício agradável a Deus Pai todo-poderoso’, ‘para o bem de toda a sua santa Igreja’. Desta maneira a vida dos fiéis, o seu sofrimento, a sua oração, o seu trabalho são unidos aos de Cristo e à sua oferta total, e deste modo adquirem um valor novo.

É verdade que a nossa oferta é coisa pouca, mas Cristo precisa deste pouco – como acontece na multiplicação dos pães – para o transformar no dom eucarístico que a todos alimenta e irmana no seu Corpo que é a Igreja. Pede-nos pouco o Senhor e dá-nos tanto, boa vontade, coração aberto, sermos melhores, e na Eucaristia pede-nos estas ofertas simbólicas que se tornarão Corpo e Sangue. Uma imagem deste movimento oblativo de oração é representada pelo incenso que, consumido no fogo, liberta um fumo perfumado que sobe para o alto: incensar as ofertas, a cruz, o altar, o sacerdote e o povo sacerdotal manifesta visivelmente o vínculo do ofertório que une toda esta realidade ao sacrifício de Cristo. Recordemos que o primeiro altar é a Cruz.

É quanto exprime também a oração sobre as ofertas. Nela o sacerdote pede a Deus que aceite os dons que a Igreja lhe oferece, invocando o fruto do admirável intercâmbio entre a nossa pobreza e a sua riqueza. No pão e no vinho apresentamos-lhe a oferta da nossa vida, a fim de que seja transformada pelo Espírito Santo no sacrifício de Cristo e se torne com Ele uma única oferta espiritual agradável ao Pai. Enquanto se conclui assim a preparação dos dons, a assembleia dispõe-se para a Oração Eucarística.

A espiritualidade do dom de si, que este momento da missa nos ensina, possa iluminar os nossos dias, as relações com os outros, as coisas que fazemos, os sofrimentos que encontramos, ajudando-nos a construir a cidade terrena à luz do Evangelho” (fonte: www.snpcultura.org).

Não é o dinheiro que vai resolver o problema da fome no Brasil e no mundo. Resolve-se a fome com a partilha, com a generosidade, com a disponibilidade de não reter somente para si “os cinco pães e os dois peixes”. Quem tem muito dinheiro, ao invés de ajudar a diminuir a fome, aprofunda o fosso da miséria. A fome é debelada pelo espírito de partilha, de solidariedade, de cuidado, de justiça, de não deixar desperdiçar-se o alimento, de distribuir equitativamente o pão. E essa compreensão e atitude estão enraizadas na vida de Jesus de Nazaré cujo Memorial é a Eucaristia.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Pastores e Pastorais, cuidem do rebanho!

aureliano, 20.07.18

16º domingo do TC - B.jpg

16º Domingo do Tempo Comum [22 de julho de 2018]

  [Mc 6,30-34]

Estamos ainda no capítulo sexto de Marcos. Se você notar bem, houve um salto em relação aos versículos proclamados no evangelho do último domingo. O texto retoma o envio dos discípulos: a volta da missão. O relato do assassinato do Batista (6,17-28) mostra um banquete de morte. Jesus vem oferecer um banquete de vida.

Jesus oferece aos discípulos, que retornam cansados da missão, um descanso. Esse descanso, porém não é uma ociosidade improdutiva. Mas, pelo entendimento que o autor sagrado tem do deserto, trata-se de uma retirada para um encontro com Deus. Pois deserto, na Sagrada Escritura, é o lugar da luta contra o espírito do mal e do encontro com o Pai, na oração. De qualquer modo, é um lugar de revisão de vida, encontro consigo mesmo, de confronto e luta espiritual. Ajuda a descobrir por que caminhos Deus nos quer conduzir.

Para surpresa do grupo de Jesus, a multidão chegou lá antes deles. O que surpreende ainda mais é a atitude de Jesus. Em vez de expulsar, de maldizer a multidão, de reclamar ‘contra Deus e o mundo’, pois estavam em busca de “descansar um pouco”, enche-se de compaixão “porque eram como ovelhas sem pastor”. Jesus nunca decepciona aqueles que o buscam. Tem sempre um gesto, uma palavra que conforta e reanima.

Essa atitude de Jesus é o centro do relato de hoje. Jesus não sabia olhar para ninguém com indiferença. Não suportava ver as pessoas sofrendo. Esse seu jeito de ser entrou no coração das primeiras gerações cristãs. Por isso Marcos recorda esse fato, num tempo em que, certamente, a indiferença e mesmo o cansaço ameaçavam minar a vida da comunidade. Então começam a perceber que Jesus se compadecia das crianças sem carinho, dos enfermos abandonados e sofredores, dos que passavam fome. Estava atento ao que se passava ao seu redor. Não era um alienado e ensimesmado.

Essas atitudes de Jesus levam a comunidade a reconhecê-lo como o Pastor prometido em Ezequiel 34: “Eu mesmo vou buscar meu rebanho para cuidar dele”. Cuida das ovelhas fracas, cura as feridas, conforta as doentes, alimenta as famintas, busca e reconduz as desgarradas e perdidas. É o bom Pastor do Salmo 23 (22) que não abandona “no vale tenebroso” aqueles que a Ele se entregam confiantes.

Esse gesto de Jesus nos insta a olhar com mais cuidado ao nosso redor. Pode ser u’a mãe que não sabe o que fazer com o filho rebelde ou desencontrado. Pode ser um pai desempregado e desiludido. Pode ser uma esposa que não suporta mais a droga na família. Pode ser um jovem decepcionado com os pais. Pode ser uma pessoa perdida em relação ao sentido da vida e à religião. Pode ser uma jovem que engravidou e não sabe o que fazer para não ser expulsa de casa ou abandonada pelo namorado. Precisamos estar atentos, compassivamente, como Jesus. As dores e angústias das pessoas estremeciam-lhe a alma, moviam-lhe a entranhas.

Às vezes perdemos tempo e energia discutindo ninharias, falando mal dos outros, ou mesmo envolvidos em questões mesquinhas, enquanto há tantas “ovelhas sem pastor”. Há, pois, necessidade urgente de formarmos lideranças que sejam verdadeiros pastores e pastoras para o povo. Chega de lobos travestidos de ovelhas, de mercenários travestidos de pastores!

A nomenclatura que tanto usamos nas comunidades – pastoral - tem aí sua raiz. Por isso, hoje, o importante não é multiplicar atividades chamando-as de pastoral, mas estar atento para que, os que as realizam, tenham alma de pastor, atitude de pastor: acolhida, liderança e amor até doar a própria vida. É preciso adquirir o “cheiro das ovelhas”. E as “ovelhas” não são apenas as pessoas que frequentam nosso grupo, mas toda pessoa em situação de necessidade.

“Pastoral é conduzir o povo pelo caminho de Deus. É inspirada não pelo desejo de poder, mas pelo espírito de serviço. Jesus não procurou arrebanhar o povo para si. Inclusive, vendo o entusiasmo equivocado, se retirou (Jo 6,14-15). Ele procura levar o rebanho ao Pai, nada mais. Ser pastor não é autoafirmação, mas o dom de orientar carinhosamente o povo eclesial para Deus” (Pe. J. Konings).

Note bem: Uma das razões do celibato consagrado dos religiosos e dos padres é deixá-los mais disponíveis para cuidar das ovelhas sem pastor. Sendo assim, o tempo que gastariam consigo mesmos e com suas coisas, gastam-no com o rebanho que lhes foi confiado. Rezemos para que nossos padres, religiosos e religiosas vivam com alegria sua consagração e se dediquem, com generosidade, ao serviço das ovelhas, principalmente daquelas abandonadas e infelizes, sem medir esforços, sem adiar urgências, sem mediocridade, mas com o espírito de Jesus, Bom Pastor.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A sabedoria que liberta e salva

aureliano, 13.07.18

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15º Domingo do Tempo Comum [15 de julho de 2018]

   [Mc 6,7-13]

No domingo passado refletimos no evangelho a rejeição que Jesus sofreu por parte dos seus: “Donde lhe vem isso? Não é ele o carpinteiro?”. Notamos que, assim como Jesus, o profeta do Reino sofre rejeição quando é fiel à Aliança de Deus.

No evangelho deste domingo estamos refletindo o envio missionário que Jesus faz de seus discípulos. Depois de chamá-los para estar com Ele (Mc 3,12-15) envia-os em missão.

A Igreja de Jesus existe para evangelizar. É a Assembleia dos convocados (Ekklesia) para levar à humanidade a Boa Nova de Jesus. Ela não é um clube, um grupinho de seletos e privilegiados que vivem em função de si mesmos. Nesta perspectiva a Igreja não pode excluir ninguém. Muito pelo contrário, sua missão é incluir, trazer para o meio quem está fora, abandonado, à margem. Ser instrumento de cura, libertação e salvação de todas as pessoas. Por isso, universal. É a continuadora da missão de Jesus.

Jesus, ao enviar seus discípulos em missão, faz-lhes algumas recomendações: Que não levassem nada pelo caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas. O missionário, assim como Jesus, deve confiar-se totalmente à providência do Pai e na partilha dos irmãos. Levar muitas coisas torna a missão pesada para si e para os outros. A prioridade na missão não são as estruturas (prédios, livros, recurso tecnológico, muito estudo – embora sejam importantes!), mas pessoas despojadas, doadas, generosas, apaixonadas por Jesus Cristo. O resto vem por acréscimo.

O judeu piedoso, quando fazia missão, levava a própria ‘ração’ para não correr o risco de comer um alimento impuro. Os filósofos cínicos, tidos como despojados, levavam a sacola para angariar as esmolas que lhes garantiam a sobrevivência. Jesus insiste que o discípulo missionário seja desprendido, não para atender sua autossuficiência, mas para que seja mais livre e disponível para servir. Assim Jesus se distancia da mentalidade judaica ou mesmo filosófica (cinismo) da sua época. O que ele propõe é algo inovador, levando o discípulo a sair de si mesmo.

O cajado e as sandálias recomendados por Jesus dão ao discípulo missionário segurança na missão. A sandália favorece a caminhada e o cajado protege o missionário bem como o rebanho.

Quando Jesus recomenda permanecer na casa: “ficai aí até vossa partida”, ele quer dizer que o discípulo deve se contentar com o que tem, sem ficar procurando novidades aqui e acolá. A missão é dinâmica, exige mobilidade por si mesma, mas não fica à cata de novidades e comodidades. Comodismo, vida mansa, projeção social, aplausos, sucesso a todo custo, poder e dinheiro não combinam com vida cristã, com a missão confiada por Jesus à sua Igreja.

O conteúdo da pregação dos discípulos foi “que todos se convertessem”. E suas ações foram: expulsar demônios e curar doentes.

Na sua ação evangelizadora, os discípulos não falam em negociar com ofertas e dízimo de ninguém. Nem em doutrinação, em catecismo etc. O anúncio consiste na proposta de conversão para o perdão dos pecados. Ou seja, é preciso assumir uma vida nova, um jeito novo de viver. De agora em diante quem determina o modo de viver daquele que abraça a fé cristã são a vida e os ensinamentos de Jesus. Os sacramentos com os quais normalmente as pessoas se preocupam: batismo, primeira eucaristia, crisma, confissão, matrimônio etc serão recebidos a partir da experiência de conversão, de uma vida voltada para Jesus Cristo. É claro que o sacramento proporciona esse encontro, mas não faz sentido recebê-los se não se tem compromisso com Jesus Cristo e sua Igreja. Eles não são adereços da fé. São uma realidade da atuação da Graça salvadora de Deus em nós.

Curar os doentes e expulsar os demônios!!! Como isso se dá na vida do discípulo missionário? Os demônios são aquelas realidades que escravizam, dominam as pessoas. Pode ser um vício, a politicagem, o jogo do poder, a mentira, a traição, a desonestidade, a dominação, o adultério, a corrupção. O poder de cura é exercido quando buscamos um trabalho que devolve à pessoa sua capacidade de viver bem, com dignidade, feliz. O trabalho na Pastoral da Criança, o envolvimento com a Pastoral Carcerária, o empenho na Associação de Moradores para que o bairro ou o córrego possa ter acesso aos benefícios das políticas públicas, a visita e o cuidado com os doentes e debilitados. Enfim, há muitas formas de se trabalhar para que os demônios sejam expulsos e os doentes recuperem a saúde.

Jesus não pediu que o discípulo o defendesse, mas que cuidasse das pessoas, levando-as à conversão do coração e à libertação dos males que lhes acometem, sobretudo aos pequeninos do Reino. Que o enxergasse nos últimos da sociedade. É assim que o Reino vai se manifestando entre nós.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Santo de casa... faz milagres?

aureliano, 06.07.18

14º domingo do TC - B.jpg

14º Domingo do Tempo Comum [08 de julho de 2018]

[Mc 6,1-6]

A expressão “santo de casa não faz milagres” é muito comum entre o povo quando se refere a pessoas conhecidas da comunidade ou membros da própria família que deve fazer uma homilia na celebração ou proferir uma palavra profética sobre determinada situação que precisa tomar novo rumo, precisa ser acertada, mudada.

Parece que essa expressão tem raiz e confirmação no evangelho de hoje que mostra uma situação em que Jesus é rejeitado pelos seus: estando em sua cidade, ensinando aos seus correligionários, compatriotas e familiares na sinagoga, estes ficam admirados com sua sabedoria, mas recusam-se a acreditar nele. Jesus então profere a sentença: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”. E Jesus “ficou admirado com a falta de fé deles”.

Parece haver aqui dois equívocos: por um lado, prevalecia uma espécie de orgulho e vaidade que só levava a dar crédito em quem tivesse posses, conhecimento profundo das ciências, fosse de família rica, reconhecida, mestre no conhecimento da Escritura, parecendo que Deus chama somente esse tipo de pessoas para anunciar seu Reino. Por outro lado havia também um sentimento de inferioridade que levava as pessoas a se recusar ouvir uma palavra sábia de quem fosse de origem simples, pobre, (semi-)analfabeto, comum como os demais.

O fato é que, para ser ouvido na assembleia, precisava ser pessoa que gozasse de reconhecimento social, de influência política, membro reconhecido da hierarquia.

Talvez seja essa também a nossa dificuldade, ainda hoje. Se a pessoa não tem influência política, religiosa e econômica, não é ouvida. É muito difícil reconhecer a presença de Jesus e uma palavra profética num ‘Seu Zé’ ou numa ‘Dona Maria’ que nos diz que precisamos olhar com mais cuidado para nossos irmãos mais pobres e sofredores. Que precisamos descer do trono e acolher o pequeno, o doente, o embriagado, o presidiário. Que precisamos ser mais honestos e justos nos nossos negócios. Que precisamos ser mais comprometidos com a família e com a comunidade. Que precisamos aprender a partilhar os dons e os bens. Que precisamos zelar pela Mãe-Terra, não apoiando nem votando nos deputados e senadores que estabelecem leis perversas como essa da liberação dos agrotóxicos (PL 802) e da proibição da comercialização dos produtos orgânicos. O “Seu Zé” e a “Dona Maria” muitas vezes nos dão uma lição de vida cristã que nos deixa envergonhados!

O que é que nos faz mudar de atitude? Uma fé autêntica em Jesus que se fez pobre para nos enriquecer com sua pobreza (Cf. 2Cor 8,9). Acreditar, isto é, entregar-se a esse homem que passou trinta anos numa vida oculta tão simples que, quando inicia sua missão e diz uma palavra profética, dizem dele: “Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria...?” Não se prevaleceu de ser igual a Deus, mas humilhou-se, fazendo-se um de nós (Cf. Fl 2, 5-11).

Para quem não quer crer, a vida de Jesus nada revela. Jesus só transforma a vida daquele que dele se aproxima com humildade, simplicidade e de coração aberto. Ele não buscou aplausos, reconhecimento social, sucesso, posses de bens e poder político. Ele buscou, acima de tudo, a vontade do Pai. É o que mais lhe interessava. E a vontade do Pai era salvar a todos, particularmente, os mais pequeninos (Cf. Jo 6,39).

É essa fé de Jesus que devemos alimentar em nós. Mais do que ter fé em Jesus, precisamos ter a fé que o animava. Aquele espírito de entrega, de comunhão, de sacrifício, de oferta de si, de acolhida, de encantamento e entusiasmo pelo Reino. Jesus não desanimava, mesmo quando não era aceito ou reconhecido. Continuava seu caminho. Tinha firmeza porque confiava no Pai.

Será que não está faltando em nós um pouco mais de humildade para reconhecer a ação de Deus que nos fala nos gestos e palavras dos simples e humildes, pessoas que nós conhecemos, que moram na nossa rua, participam de nossa comunidade, ou mesmo parentes nossos? Será que não nos está faltando um pouco desse espírito que animava a vida de Jesus para que nossa participação na transformação da comunidade e da sociedade seja mais eficaz? Será que o espírito de grandeza não nos quer invadir quando buscamos ou proferimos belos discursos, porém, vazios de atitudes evangélicas? Ou mesmo quando nos recusamos ouvir e prestar mais atenção aos “santos de casa” para acolhermos melhor a Palavra de Deus que nos transmitem?

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O PECADO

Penso que o relato do evangelho de hoje (Mc 6,1-6), unido ao à primeira leitura: “corações empedernidos” (Ez 2,2-5), leva-nos a considerar um pouco a realidade do pecado na Igreja e no mundo.

O que notamos nos contemporâneos e correligionários de Jesus é a recusa em ver naquele Homem de Nazaré a manifestação do querer de Deus. Um profeta que aponta caminhos novos, mudança de hábitos, atitudes que expressem uma fé vivencial e não apenas cultual.

A história do povo de Israel revela uma caminhada de muitas vicissitudes. A idolatria sempre foi uma grande tentação: abandono do projeto de Deus para atender aos instintos egoístas do poder, do ter e do prazer. Eram tentados a seguir as práticas dos povos vizinhos que viviam segundo os ídolos. Eram levados a acreditar que as alianças com grandes reis e nações pagãs lhes trariam segurança e riqueza. Assim iam se afastando cada vez mais do único e verdadeiro Deus que os libertara da escravidão do Egito. A liderança do povo de Israel perfazia um caminho de incredulidade que, por sua vez, levava todo o povo à infidelidade.

Estas considerações são importantes para compreendermos a reação dos judeus do tempo de Jesus diante de seus gestos e palavra proféticos. Davam continuidade à tradição perversa dos pais. Era o pecado da rejeição. Diante da quebra de suas expectativas perversas se recusam a aceitar e acolher a manifestação de Deus na pessoa de Jesus.

Com isso quero dizer que as influências da sociedade – “povos vizinhos” - podem nos afastar do caminho de Deus. As ideologias, as ‘delações premiadas’, os ódios guardados, o desejo de vingança, as propinas, o dinheiro fácil, a má companhia, a busca de si e dos próprios interesses, o uso do outro em benefício próprio, o consumismo desenfreado, o suborno, a mentira, a incoerência de vida, os adultérios sem escrúpulo etc. São algumas das tentações que seduzem o cristão e o homem de bem, afastando-o de uma vida em Deus para um mundanismo destruidor da vida.

O pecado é a recusa de comunhão com Deus, provocando a desagregação da humanidade. Uma força de gravidade que nos afasta do bem, da luz, da verdade, da justiça, de Deus. Leva à alienação do ser humano em relação aos verdadeiros valores que consolidam a unidade e o sentido da vida humana. Pecar é dizer não ao amor de Deus oferecido a nós na entrega de seu Filho amado. Pecar é optar pelo autocentramento, pela busca de si mesmo, pela não-mudança de hábitos e atitudes contrários ao amor de Deus.

Rejeitar a atitude profética de Jesus de Nazaré leva a humanidade a um descaminho desagregador e autodestruidor. Por isso o cristão, ainda que atormentado pela necessidade de lutar contra o pecado e suas consequências todos os dias, busca força e sustentação na oração, na Eucaristia, na Palavra proclamada e refletida, na comunidade, para alimentar sua esperança, pois esta “não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN