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aurelius

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O culto que agrada a Deus brota do coração

aureliano, 31.08.18

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22º Domingo do Tempo Comum [02 de setembro de 2018]

   [Mc 7,1-8.14-15.21-23]

Neste domingo estamos de volta ao evangelho de Marcos.  No relato de hoje vemos um confronto entre Jesus e os escribas e fariseus. Aqueles (os escribas), provenientes de Jerusalém, eram os entendidos da Escritura; estes (os fariseus), uma espécie de irmandade que se caracterizava pela observância rigorosa da Lei. Jesus vai dizer que aquelas tradições que guardavam e exigiam que se guardassem não eram divinas, mas humanas, inventadas pelos que estão longe de Deus, embora se julguem próximos dele. O contexto é da discussão entre cristãos provindos do judaísmo que insistiam na necessidade da observância da Lei de Moisés e os cristãos provindos do helenismo que não tinham o costume de tais práticas. Marcos quer dizer que, com a presença de Jesus, o que voga agora é a Lei do Espírito: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

Os povos antigos e, dentre estes, os judeus, tinham muita dificuldade de lidar com as situações de doenças graves e de morte, pois eram realidades que eles não podiam compreender nem dominar. Por isso criavam uma série de leis e normas que os distanciavam e, como que os “imunizavam” deste desconforto. Aí se explica a exigência de os judeus lavarem as mãos antes das refeições: ficarem puros para a relação com o divino.

As palavras de Jesus lembrando a profecia de Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”, são critério para repensarmos nossa relação com Deus. É uma denúncia de determinadas atitudes que parecem cristãs e católicas, mas que trazem no seu bojo uma grande hipocrisia. Não basta colocar uma “capa” cristã para a oração, e continuar com um coração impuro, perverso, rancoroso, desonesto, insensível, distante de Deus. “Não adianta ir à Igreja rezar e fazer tudo errado” já dizia o poeta cantor.

“O que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai de seu interior. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo”. Com essas palavras Jesus traz uma liberdade muito grande para os pobres. Antes viviam preocupados com a observância das leis sem conta e quase não podiam viver. Agora estão livres desta preocupação. Jesus vem libertar o ser humano de leis externas e coloca no seu coração a Lei do Espírito, do Amor. Ama e faze o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos” (Santo Agostinho).

Volto aqui à citação que Marcos faz de Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (Is 29,13). É a queixa de Deus. O que caracteriza toda religião é prestar culto a Deus. Acontece, porém que, de modo geral, se entende prestar culto com os lábios, repetindo fórmulas, recitando ou cantando salmos e hinos etc. Enquanto o coração está longe d’Ele.

Não há dúvida, porém, de que o culto que agrada a Deus nasce do coração, da adesão interior, desse centro profundo da pessoa, donde brotam as decisões, desejos e projetos. Quando nosso coração está longe de Deus, nosso culto fica sem conteúdo. A falta de vida, de escuta sincera da Palavra de Deus, de amor ao irmão torna vazio nosso culto. O que dá conteúdo ao nosso culto é a fidelidade cotidiana, a atenção aos mais necessitados, a prática da misericórdia e da justiça, o empenho em ser parecido com Jesus: “Quero misericórdia e não sacrifício”. Ou lendo Tiago: “A religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 1,27).

“As doutrinas que ensinam são preceitos humanos”. A propósito destas palavras de Jesus, diz Pe. Pagola: “Em toda religião há tradições que são ‘humanas’. Normas, costumes, devoções que nascem para viver a religiosidade em determinada cultura. Podem fazer muito bem. Porém, fazem muito mal quando nos distraem e nos distanciam da Palavra de Deus. Nunca poderão ter a primazia. Ao terminar a citação do profeta Isaías, Jesus resume seu pensamento com palavras muito sérias: ‘Deixais de lado o mandamento de Deus para apegardes à tradição dos homens’. Quando nos apegamos cegamente a tradições humanas, corremos o risco de esquecer o mandamento do amor e nos desviarmos do seguimento a Jesus, Palavra de Deus encarnada. Na religião cristã o primeiro é sempre Jesus e seu chamado ao amor. Só depois vêm nossas tradições humanas, por mais importantes que possam parecer. Não podemos deixar o essencial cair no esquecimento”.

Pode ilustrar as tradições que distraem, por exemplo, os excessos nas vestes litúrgicas, os enfeites exagerados, a busca de brilho e de ritos inventados. Os elementos litúrgicos devem ajudar a entrar em comunhão com o Pai na celebração. Jamais cansar, distrair, desfocar do essencial da celebração, a Páscoa do Senhor. Outros elementos que matam o culto ou a celebração acontecem na celebração de alguns sacramentos como o matrimônio, o batismo, a primeira eucaristia, ordenação. Há um excesso de parafernália que não deixa a gente encontrar Jesus. Se se pergunta: “Onde está Jesus naquela celebração?”, a resposta pode ser decepcionante. Fica parecendo um culto pagão. Os elementos do evangelho ficam ofuscados pelo brilho da vaidade, da autorreferencialidade, do sucesso, do narcisismo. É urgente revermos isso!

*Neste mês celebramos a Bíblia, Palavra de Deus para nós, crentes. O tema do Mês da Bíblia para este ano é: “Para que n’Ele nossos povos tenham vida”. E o lema: “A sabedoria é um espírito amigo do ser humano” (Sb 1,6). A proposta para estudo são os capítulos 1-6 do livro da Sabedoria. Sugiro que cada um procure ler esses capítulos. Mas seria bom ler a introdução do livro que o editor faz, pois ajuda na compreensão. Assim você terá uma chave de leitura para ajudar a compreender todo o livro no seu contexto histórico. Mesmo porque este é um dos sete livros ausentes na lista dos livros da bíblia protestante. Planeje algo neste mês que coloque você em sintonia com a Palavra de Deus. Prepare em um cantinho de sua casa ou do quarto um altarzinho para a bíblia; deixe-a aberta, de preferência no livro da Sabedoria. Participe de um encontro bíblico, entre num grupo de reflexão ou círculo bíblico, faça uma pesquisa/estudo em algum site católico sobre este tema etc. É bom termos diante dos olhos as palavras de São Jerônimo: “Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo”.

Pe. Aureliano de Moura  Lima, SDN

Escolher a Cristo, Pão que alimenta e Palavra que liberta

aureliano, 24.08.18

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21º Domingo do Tempo Comum [26 de agosto de 2018]

[Jo 6,60-69]

Durante os cinco últimos domingos refletimos e rezamos o capítulo sexto de João. Hoje chegamos ao final. Jesus veio, como que, preparando seus discípulos para viverem um modo novo, uma vida nova. Desde a partilha do pão no deserto até à radicalidade de fazer-se pão para os demais, como Jesus, o Pão da vida. Esse é o projeto de Jesus. Uma vez eucaristizados devemos ser eucaristizantes.

No final notamos dois grupos de discípulos: os que creram nele e os que não creram. Os que se deixaram atrair pelo Pai e os que preferiram o projeto do mundo. Os que optaram pela “carne” e os que seguiram as inspirações do “espírito”. E o grupo dos que “voltaram atrás” era grande: “Muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66).

Interessante notar que Jesus não se deixa abalar pelo abandono daqueles que preferem seguir outros caminhos, ou, seus próprios caminhos: “Então Jesus disse aos doze: ‘Vós também vos quereis ir embora?’” (Jo 6,67). Jesus não admite meio termo. Não é possível servir a dois senhores, “servir a Deus e ao dinheiro” ao mesmo tempo (cf. Mt 6,24). Os discípulos precisariam tomar uma decisão. Jesus não se satisfaz com uma busca inconsequente, descomprometida, curiosa e interesseira. Deviam tomar uma decisão firme e resoluta. Ter a coragem de andar nas pegadas do Mestre: à semelhança dele, entregar-se pela salvação do mundo.

“Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6,60). Jesus não contemporiza com ninguém. Ter fé em Jesus é comprometer-se com ele. É abandonar a vida mundana que se pauta na preocupação com a conta gorda no banco, com o sucesso, com o reconhecimento social, com o acúmulo de bens e com altos salários, com festas e passeios sem medida, com falta de ética, de verdade e de honestidade. É preciso romper com essa mentalidade para seguir Jesus. O compromisso com Jesus se manifesta na preocupação com os mais necessitados, com os abandonados, com a partilha dos bens da criação, com os benefícios que as políticas públicas lhes devem assegurar. Fé em Jesus leva a comprometer-se com a família, a aliviar os sofrimentos dos doentes, a acolher e amar as crianças, a socorrer e confortar os idosos. Em solidariedade e comprometimento com os “sobrantes” da sociedade.

As palavras de Josué, na primeira leitura da liturgia desse domingo, devem ecoar forte dentro de nós nestes tempos difíceis em que cada um escolhe aquilo que mais lhe agrada e interessa, em detrimento da ética, do respeito, do cuidado pela vida: “Se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses a quem vossos pais serviram na Mesopotâmia, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (Js 24,15).

Servir ao Senhor não se resume em frequentar o templo, ir a um culto ou celebração, fazer esse ou aquele ato de bondade. Não. Servir ao Senhor significa assumir uma postura de vida que se pauta pela vida de Jesus de Nazaré. No templo celebramos uma realidade que buscamos viver com a graça de Deus. Aquilo que experimentamos durante a semana, colocamos no altar do Senhor como comunidade de fé reunida. Relativamente ao bem que fazemos, pode ser que haja aí mais vaidade e troca de favores do que um serviço generoso e despojado: “Ainda que distribuísse todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse o meu corpo às chamas, se não tivesse caridade, isso nada me adiantaria” (1Cor 13,3).

A abertura ao Pai é imprescindível para se assumir uma nova postura na vida que se fundamenta na fé. O batismo que nos torna novas criaturas nos introduz no coração do Pai, nos dá a vida divina (eterna). A humildade, a simplicidade, a abertura de coração, a sensibilidade ao outro são virtudes e qualidades que precisam ser cultivadas para que vivamos de acordo com a vida divina infundida em nós no batismo. “Ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai” (Jo 6,65).

“A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Essa confissão de fé de Pedro nos ajuda a refletir na verborréia que deparamos no nosso mundo. Mesmo dentro da Igreja usamos de uma multiplicidade de palavras e de normas que dizem pouco ou quase nada ao nosso povo. É preciso saber se estamos sendo coerentes com o que dizemos, com o que pregamos. Precisamos nos examinar sobre o que dizem para nós, eclesiásticos, as palavras de Jesus.  Pois nEle as palavras brotavam de dentro, de uma vida de intimidade com o Pai. Não eram palavras vazias, enganosas, ideologizadas, mentirosas. Nosso maior serviço aos irmãos hoje é colocá-los em contato, não com nossas palavras, mas com as palavras de Jesus. Elas sim são “espírito e vida” (Jo 6,63).

A pergunta que Jesus fez aos discípulos em crise deve continuar ecoando dentro de nós: “E vós, não quereis também partir?” (Jo 6,67). É uma chamada a sair de uma fé de tradição para uma fé de decisão e adesão. E nossa decisão deve ser por Jesus. Ninguém deve ocupar o lugar dele em nosso coração. Enquanto estivermos frequentando a igreja por motivações egoístas ou por causa de alguém, estamos colocando em xeque nossa continuidade e maturidade na fé. Nossa participação na comunidade deve ser motivada pelo bem que nos faz, tornando-nos pessoas boas para que possamos fazer o bem.

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AS CRISES DO CAMINHO

Olhando ainda mais de perto o relato da liturgia de hoje podemos considerar também a situação de crise em que vivemos e sua importância  para ajudar a crescer e a purificar o caminho.

Uma pergunta que precisa ser colocada é: O que nos motiva a permanecer na Igreja? Qual é a razão pela qual continuamos a participar, a celebrar, a colaborar?

A resposta de Pedro diante da palavra de Jesus: “Vós também vos quereis ir embora?” foi definitivamente uma profissão de fé: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,67-69).

Dúvidas e incertezas são realidades constitutivas do ser humano. Por isso disse o divino Mestre: “Entre vós há alguns que não crêem” (Jo 6,64). Decepções, desencantos, fragilidades, desencontros, apegos, fechamentos, arrogância são elementos que produzem dúvidas. Ter visto e se encontrado com Jesus ainda não garante a fé. Alguém pode conhecer tudo acerca do evangelho, da vida de Jesus e da Igreja e não ter fé. Esta é fruto de um encontro amoroso entre a bondade de Deus que vem ao nosso encontro e de nossa resposta livre de acolhida a essa bondade que ele revelou em Jesus de Nazaré. Essa resposta vivida, concretizado no cotidiano conduz à salvação.

A resposta de Pedro nos diz que não há saída possível. Quem tem palavras de vida eterna é o próprio Cristo, Filho do Deus vivo.

Somente um encontro profundo com o Senhor poderá transformar nossa vida, gerar em nós aquela convicção que nada neste mundo poderá tirar. Trago aqui umas palavras do Papa Francisco que podem ajudar nesse caminho de seguimento a Jesus: “Todos os cristãos, em qualquer lugar e situação que se encontrem, estão convidados a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de procurá-lo dia a dia, sem cessar. (...) Não me cansarei de repetir estas palavras de Bento XVI que nos levam ao centro do Evangelho: ‘Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo’” (EG, 3 e 7).

*Nosso abraço carinhoso e cheio de gratidão às/os catequistas que abraçam com tanto amor e fé a tarefa de "fazer o amor de Deus ecoar nos corações dos catequizandos". Vocês são a alma de nossas comunidades. Sua dedicação, seu entusiasmo, sua generosidade enriquecem a Igreja, animam os fiéis, alegram as famílias, encantam a todos. Maria, nossa Boa Mãe, a primeira catequista de Jesus, lhes inspire palavras acertadas nas horas incertas e os  encoraje nas horas atribuladas. Um abraço fraterno, agradecido e afetuoso.

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

"O Senhor fez em mim maravilhas"

aureliano, 15.08.18

Assunção de Nossa Senhora 2018.jpg

Assunção de Nossa Senhora [19 de agosto de 2018]

[Lc 1,39-56]

A solenidade da Assunção de Maria foi celebrada pela Igreja desde eras antigas. O nome da festa era Dormição de Maria. Isto é, Maria, depois de sua peregrinação neste mundo, ‘repousou no Senhor’. A celebração deste acontecimento está intimamente associada à ressurreição de Jesus. A Páscoa da Virgem traz no centro, não a Mãe, mas o Filho, para quem o olhar do fiel se deve voltar. Aquela que colaborou para a Encarnação do Filho de Deus deve participar da sua Ressurreição. Na festa da Assunção de Maria se revela aquilo que todo homem e mulher anseiam: ser acolhidos inteiramente no céu.

O dogma da Assunção de Maria, festejado a 15 de agosto, tem nomes diferentes, como Nossa Senhora da Boa Viagem, Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora dos Prazeres etc. Foi proclamado por Pio XII, em 1950, com a Bula ‘Munificentissimus Deus’, com o seguinte texto: Definimos ser dogma divinamente revelado: que a imaculada mãe de Deus, sempre virgem Maria, cumprindo o curso de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória eterna”.

A bíblia não fala nada a respeito do final da vida de Maria. São João mostra que ela, aos pés da cruz, foi adotada pela comunidade como mãe (Jo 19, 27). Lucas nos diz que ela estava junto ao grupo que se preparava para a vinda do Espírito Santo, em Pentecostes (At 1,13s e 2,1). Então a bíblia não conta detalhes sobre o final da vida de Maria.

Nos primeiros séculos, os cristãos tinham o costume de guardar os restos mortais dos santos, especialmente dos apóstolos e mártires. Não há, porém, nenhuma notícia sobre o corpo de Maria. Os evangelhos chamados apócrifos, isto é, aqueles relatos sobre a vida de Jesus e dos atos apostólicos que não entraram na ‘lista’ (cânon) dos livros que a Igreja considerou inspirados por Deus, contam histórias da chamada Dormição de Maria. E assim, no século VIII, a devoção popular criou uma história para contar como se deu a morte e a ressurreição de Maria.

O dogma da Assunção só pode ser compreendido em relação à Ressurreição de Jesus. Maria, diferente de nós, não precisou esperar o fim dos tempos para receber um corpo glorificado. Depois de sua vida terrena ela já está junto de Deus com o corpo transformado, cheio de graça e luz.

Ainda mais. Não podemos entender a Assunção como se Maria subisse ao céu com o corpo que ela possuía aqui na terra, com ossos, pele, carne, sangue. Não é assim que a Igreja interpreta a ressurreição dos mortos. O corpo de Jesus ressuscitado e o de Maria assunta foram transformados e assumidos por Deus. Paulo deixa bem claro: “... O mesmo se dá com a ressurreição dos mortos: semeado corruptível, o corpo ressuscita incorruptível; semeado desprezível, ressuscita reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado corpo psíquico, ressuscita corpo espiritual” (1Cor 15,42-44a).  Por isso cremos que Maria já está glorificada junto de Deus, toda inteira. Ela antecipa o que está prometido para cada um de nós: participar do banquete da Vida que o Senhor preparou para “aqueles que o amam” (cf. 1Cor 2,9).

O cântico de Maria no evangelho de hoje diz que o Senhor “olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as gerações me chamarão de bem-aventurada, pois o Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor... Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs os poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou”. Aí está a ação de Deus na vida de Maria, a humilde serva do Senhor, que decidiu responder sim ao chamado de Deus para participar na obra da salvação da humanidade. Sua humildade e fidelidade ao projeto do Reino de Deus lhe valeram a participação na glória de Deus, ao lado de seu Filho. Maria é aqui figura da Igreja, que deve levar adiante, não obstante as perseguições e sua pequenez, a missão de Jesus.

O evangelho da liturgia de hoje traz dois relatos: a Visita de Maria a Isabel e o chamado ‘Cântico de Maria’. O primeiro mostra Maria como aquela que assumiu inteiramente o projeto do Pai na sua vida. Não mede esforços para prestar um serviço à sua parenta em necessidade. E no seu encontro com Isabel manifesta-se a sua fé profunda: “Feliz aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido”. Todo aquele que deposita sua confiança em Deus, colaborando na realização do sonho de Deus para a humanidade, é feliz. O relato manifesta também o reconhecimento por parte de Isabel de que aquele que Maria trazia no seio é o Senhor: “Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite?”. Maria é Mãe de Deus e bem-aventurada: “Bendita és tu entre as mulheres”.

O segundo relato é um hino inspirado no cântico de Ana (1Sm 2, 1-10) que canta a ação de Deus em favor da humanidade. É um hino jubiloso que proclama a derrubada dos poderosos e a elevação dos humildes pela ação de Deus em Jesus. É a oração dos pobres que confiam em Deus e no seu poder sobre o mal. Um hino que empenha o fiel nessa luta como Maria.

Quando lemos o evangelho e vemos Maria assumindo como primeira atitude, depois de ter acolhido em seu seio o Filho de Deus, a de levar seus préstimos para a prima Isabel, somos levados a pensar em nossas atitudes. Nossa sociedade se deixa levar cada vez mais por uma atitude egoísta que leva a terceirizar a caridade e os cuidados para com aqueles que, por vezes, de dentro da nossa casa, são considerados peso e empecilho para passeios, curtição, jogos, prazeres, baladas...

Mas é preciso ressaltar, porém, que ainda nos deparamos com famílias que cuidam dos seus com afeto, carinho, respeito. Pessoas com necessidades especiais cuidadas com um zelo divinal, marial. Uma presença muito parecida com a de Maria: escuta do ancião que quer contar um caso, visita a um casal em dificuldade de relacionamento, presença nos abrigos, asilos, orfanatos e hospitais onde se encontram pessoas passando por sofrimento e dificuldades.

Para além dos gestos personalizados, faz-se necessário empenho na luta por políticas públicas que atendam às necessidades dos menos favorecidos. Participação em conselhos comunitários e associações que se empenham pelos direitos do cidadão e da comunidade, sobretudo nestes últimos tempos em que houve grandes perdas de direitos adquiridos. São gestos simples que nos colocam em sintonia com o ensinamento de Jesus e com as atitudes de fidelidade de Maria, sua Mãe. A recomendação permanente do Papa Francisco é que a Igreja se coloque “em saída”, como “hospital de campanha” que não pergunta pelo que provocou as feridas, mas que se preocupa em cuidar, aliviar o sofrimento.

A assunção de Maria foi o resultado do seu peregrinar à luz de Deus nesse mundo. Cada vez que ela dava novos passos para seguir a Jesus, para buscar a vontade de Deus, o Senhor assumia e transformava sua pessoa. Até que chegou o momento final. É o que está reservado para nós! Na vida de fé, cada passo novo que damos corresponde da parte de Deus a nos acolher, tomar pela mão, assumir e transformar. A nós resta-nos deixar que Deus nos tome pela mão e nos faça discípulos fiéis, dedicados, humildes e perseverantes como Maria, enquanto aguardamos a bendita esperança da ressurreição.

*Encerramos, hoje, a Semana Nacional da Família. “O ‘Evangelho da Família’ ressalta o lado positivo da Família, a família como boa notícia, como um bem, um dom de Deus. ‘Alegria para o mundo’ acentua o fato de que ser família não é um aspecto da doutrina, um valor apenas para os cristãos ou para as pessoas religiosas. É uma riqueza para o mundo, para a humanidade toda” (Dom João Bosco Barbosa de Sousa). Seria bom agradecermos a Deus pela família que temos e pedir a Ele a graça de nos solidarizarmos e trabalharmos pelas famílias em dificuldade. Uma família animada pela espiritualidade cristã traz vida, alegria e esperança para a sociedade e para o mundo.

**Nosso abraço carinhoso às pessoas consagradas nesse seu dia: deixaram tudo para viver mais radicalmente o evangelho, numa vida semelhante à do Filho de Deus: pobre, casto e obediente. Um serviço generoso ao Reino “para que todos tenham vida”. Uma vida pobre na solidariedade com os empobrecidos e ‘sobrantes’ e na busca da partilha dos bens e dos dons: mesa comum. Uma vida obediente na solidariedade com os que não são ouvidos nem levados em conta: ouvidos atentos ao Pai e aos sinais dos tempos. Uma vida celibatária consagrada em solidariedade com aqueles que sofrem por falta de amor, de afeto; com aqueles e aquelas que não podem experimentar a beleza e a alegria da colhida afetuosa e gratuita: abandonados, deserdados, abusados, explorados afetiva e sexualmente; uma contestação de uma sociedade baseada na busca do prazer ao preço da dignidade da pessoa humana. Que Maria, nossa boa Mãe, nos ajude a viver com alegria nossa consagração para que seja um “sacrifício de louvor”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Crer em Jesus, o Pão da vida

aureliano, 10.08.18

19º Domingo do Tempo Comum [12 de agosto de 2018]

   [Jo 6,41-51]

Continuamos refletindo o capítulo sexto do evangelho de João. Neste capítulo Jesus se apresenta como o “Pão da Vida”. Os judeus reagem a essa revelação de Jesus e, consequentemente, não se deixam “atrair” pelo Pai à fé no seu Filho querido.

Por que não se abrem à Boa Nova? Porque estão fechados em si mesmos. Têm medo de abandonar a estrutura fria, pétrea, ritualista que haviam criado. Uma espécie de redoma que os protege. O novo trazido por Jesus os ameaça. Exatamente porque mexe com as estruturas fixas e comodistas que haviam criado em torno da Lei e do Templo.

Não cabia na mentalidade deles que a Encarnação do Mistério insondável de Deus se desse num homem simples, de Nazaré, filho de Maria e de José: “Não é ele o filho de José?”. Sem uma atitude de simplicidade, de abertura, de humildade, de entrega não é possível acreditar em Jesus. É preciso deixar-se “atrair pelo Pai”. A fé é dom de Deus e não constructo humano. É deixar-se tocar pelo “encontro com uma Pessoa, com um Mistério que dá novo horizonte e sentido à vida” (Bento XVI).

A vida eterna se alcança por meio dessa fé. E vida eterna não é simplesmente algo para além da morte nem continuação dessa vida. É a experiência de uma existência vivida em Deus já neste mundo. E que continua de modo novo e pleno na eternidade. Fé é adesão a Jesus Cristo. É o comprometimento com sua vida, seu ensinamento. Dá coragem de enfrentar o que ele enfrentou: “As forças da morte, a injustiça e a ganância do ter, presentes naqueles que impedem ao pobre viver”.

O profeta Elias, de quem fala a primeira leitura (1Rs 19,4-8), enfrentou essa realidade: defensor da fé de Israel, protetor dos pobres (a vinha de Nabot), profeta de Deus: foi perseguido. Foge com medo da perseguição e entra numa situação de dor, de angústia profunda, de desânimo, pois se sente sozinho, talvez por confiar muito nas próprias forças. Pede a morte. Mas o Senhor não o abandona. Dá-lhe o pão para que caminhe e busque em Deus a força para prosseguir sua missão.

A fé cristã é, pois, comprometedora. Ela nos coloca, por vezes, face a face com a morte. Possuir a vida eterna é lutar, desde já, para que todos tenham vida. Para que o Pão da
Vida esteja na mesa e no coração dos mais pobres. Comer do pão, que é o próprio Jesus presente na Eucaristia e na Palavra, garante vida eterna. O corpo de Jesus doado na Eucaristia mostra como ele se entrega, se doa. E quando comungamos (do Pão e/ou da Palavra) estamos dizendo que nos comprometemos com tudo o que Jesus fez e ensinou. Aquele “amém” pronunciado como resposta à palavra do ministro quando nos diz: “o Corpo de Cristo”, significa: “Eu creio”, “Eu me comprometo”, “Eu também quero doar minha vida”.

Comer o Pão da Vida significa nos comprometermos a doar também um pão de vida. Não nos é desconhecido que a própria religião pode prometer um pão de morte. Quanta gente sendo enganada por líderes religiosos prometendo prosperidade, cura, emprego, milagres! Fazendo campanha eleitoreira em nome da religião! É um pão de morte porque de desilusão, de fantasia, de enganação. Jesus promete um alimento que “perdura para a vida eterna”. Ele é o pão do céu: “Quem dele comer nunca morrerá”. Este Pão que alimenta e revigora, deve fazer brotar melhores condições de vida ao redor de quem dele participa.

Deixemo-nos atrair pelo Pai para que Jesus seja realmente nossa fonte de vida. Para que nossa vida seja marcada verdadeiramente por ele. Para que nossas decisões, nossas atitudes, nossos relacionamentos se inspirem nele. Para que busquemos, acima de tudo, o bem das pessoas e não usemos delas em proveito próprio. Foi isso que Jesus fez. É o que o cristão deve fazer.

Santo Agostinho dizia: "Dois amores construíram duas cidades: o amor a si mesmo, dizendo que queria contentar a Deus, construiu a cidade da Babilônia, isto é, aquela do mundo e da imoralidade; o amor a Deus, ainda que para contentar a si mesmo, construiu a cidade de Deus". Isso significa que o amor de si mesmo, o egoísmo, destrói a vida. O amor pelo próximo é construção de vida. É doação, é saída de si. Todo amor-doação é gerador de nova vida. Foi o que Jesus fez e pediu que fizéssemos: “Amai-vos como eu vos amei”.

*Neste dia em que celebramos o Dia dos Pais, pensemos um pouco na responsabilidade de ser pai: ser colaborador do ato criador de Deus Pai. O pai da terra é representante do Pai do céu. Deve, pois, amparar, zelar, educar, acompanhar a vida de seus filhos. Não basta colocar filho no mundo. É preciso formar para a vida. Pai não é aquele que gera, mas aquele que educa. Essa história de que basta dar “pensão alimentícia” é irresponsabilidade, falta de compromisso e de amor ao ser humano que tem direito a ter um pai que ama, que forma, que educa, que limita, que se doa. Pensemos e rezemos também pelos pais presidiários, desempregados, doentes, refugiados, impossibilitados de participar da vida dos filhos. Pensemos ainda nos filhos que não têm ou não tiveram a oportunidade de ter um pai presente, solícito, amoroso, que lhe dê firmeza e rumo para a vida. Há muita dor que precisa de alento, de solidariedade.

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Trabalhar pelo alimento que não perece

aureliano, 03.08.18

18º Domingo do Tempo Comum [05 de agosto de 2018]

   [Jo 6,24-35]

Uma pergunta intrigante: Por que continua o interesse pela pessoa de Jesus mesmo depois de dois mil anos de sua vida em Nazaré? Por que seus ensinamentos continuam mexendo com os corações e as mentes de tanta gente?

Aproximando-nos do evangelho deste domingo (Jo 6, 24-35), quando Jesus, depois de alimentar uma multidão faminta, lhe diz: “Esforçai-vos pelo alimento que não se perde”, notamos aí que o pão material não preenche o vazio do coração humano. Este busca algo maior, mais consistente, permanente, que ultrapasse a fome de apenas consumir, de satisfação físico-psíquica.

Em primeiro lugar deve vir o pão material, é claro. Não é possível evangelizar alguém que passa fome, pois o primeiro sinal do evangelho é a promoção da vida: “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). Por isso Jesus multiplica os pães. Ou seja, move as pessoas a realizar a partilha daquilo que elas mesmas já têm: cinco pães e dois peixes. Nas mãos de um só, alimentava o individualismo humano. Nas mãos de Jesus, depois de dar graças, alimenta uma multidão. Tudo que é partilhado se multiplica. Tudo que é acumulado estraga e míngua (a vida própria e dos outros).

A resposta de Jesus a um povo que o procura por causa dos milagres, pode parecer, à primeira vista, um tanto dura e, até mesmo, sinal de desprezo pelos que saciara no dia anterior. Mas não se trata nem de menosprezo nem de indelicadeza nem de dureza. Jesus quis mostrar que o sinal realizado deveria servir de lição para os líderes do povo. Estes são os primeiros responsáveis por promover entre o povo a partilha e a solidariedade. Confiar em ‘salvador da pátria’ ou ‘herói nacional’ sempre foi desastroso. A História mostra isto. O líder deve ajudar o grupo a desenvolver suas próprias capacidades e seus próprios dons para que não falte a ninguém as condições necessárias à vida.

Porém, Jesus quer ajudar ainda o grupo a sair de uma dimensão materialista e mesquinha da vida. O relato mostra que o povo tem sede de algo mais. E que, além disso, não sabe caminhar sozinho. E pode, por conseguinte, entrar numa relação de dependência e comodismo.  Por isso Jesus recomenda realizar as obras de Deus que é “crer naquele que ele enviou”. E crer significa comprometer-se, acolher na esperança, investir todas as forças e energias na proposta do Reino que Jesus veio revelar, aderir à sua Pessoa. Significa assumir na própria vida as atitudes de Jesus. Ainda mais: fé cristã não é aderir ou cumprir uma série de regras e normas eclesiásticas e divinas.  Fé cristã é a busca permanente, cotidiana de conformar a própria vida com a vida de Jesus. É procurar ter as atitudes de Jesus: acolhida, perdão, compreensão, respeito, partilha, entrega.

Jesus percebe nossa fome e quer saciar-nos. Sabe que temos fome de justiça, de paz, de fraternidade, de perdão, de sentido de vida, de verdade. Jesus se apresenta como “o pão da vida”, aquele que alimenta, que “dá vida ao mundo”. É esse alimento que nos dá alento no sofrimento, nas tribulações, nas angústias, na hora da morte. É o pão que perdura para a vida eterna. Quem come deste pão, a vida de Jesus, nunca mais terá fome ou sede.

É por isso que a vida e a pessoa de Jesus, não obstante dois mil anos passados, continuam atraindo e provocando as pessoas. Ele é o pão verdadeiro. Há muitos alimentos por aí com aparência de ‘pão’, mas envenenados. Quanto mais a pessoa os consome, mais fome tem, mais vazia fica. Somente Jesus preenche o vazio do coração humano. Por isso aquela gente grita: “Senhor, dá-nos sempre deste pão”.

Com aquela multidão queremos também pedir ao Senhor que desperte em nós a preocupação com os que passam fome de pão e de paz, de alegria e de harmonia, de justiça e de fraternidade. Não pensemos apenas no nosso pão, na nossa mesa, na nossa casa, mas também nos que precisam de nossa colaboração para conseguir o pão. Esse é o sentido da Eucaristia que semanalmente celebramos: uma vez eucaristizados, nos tornamos eucaristia para os outros: pão tomado por Deus, partido e entregue para o povo: “Fazei isto em memória de mim”.

*Neste primeiro domingo de agosto celebramos o Dia do Padre. É oportunidade de agradecermos a Deus pelos padres que passaram por nossa vida, nos ajudaram, nos deram os sacramentos. Alguns já partiram desta vida. Outros continuam no meio de nós. É dia também de rezarmos e refletirmos sobre as vocações sacerdotais. O que você tem feito pelas vocações? Você ajuda, reza, apoia os vocacionados? Você ajuda a nós padres a sermos mais pastores, mais próximos, mais dedicados? Não trate o padre como ‘coitadinho’, não! Ele escolheu essa vocação atendendo ao chamado de Deus e da Igreja. Colocou-se livremente a serviço do evangelho. Precisa ser ajudado a viver com fidelidade e dedicação. E você, cristão leigo, deve ajudá-lo a ser um verdadeiro colaborador e servidor das comunidades, rezando por ele, fazendo a correção fraterna quando necessário, sendo colaborativo nos serviços e ministérios da comunidade! Ajudem-nos a sermos mais pastores, mais misericordiosos, mais generosos, mais paternais.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN