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O salto da fé

aureliano, 26.10.18

30º Domingo do TC - 28 de outubro.jpg

30º Domingo do Tempo Comum [28 de outubro 2018]

   [Mc 10,46-52]

Entender o que Jesus queria ensinar foi difícil. Os evangelhos mostram a dificuldade de compreensão por parte dos discípulos a respeito da dinâmica do Reino de Deus.

No último domingo vimos Tiago e João disputando os primeiros lugares. Jesus, por sua vez, lhes dá a lição: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas entre vós não deve ser assim” (Mc 10,42-43). Os discípulos mantinham uma incompreensão em relação à missão messiânica de Jesus. Estavam cegos. O relato de hoje vem mostrar, no cego Bartimeu, o estado de cegueira dos discípulos.

Jesus está a caminho de Jerusalém, onde deve entrar triunfalmente, antes de morrer. O caminho é para a morte, mas a entrada é triunfal. Um triunfo que por um lado revela a messianidade de Jesus, e, por outro, o equívoco da multidão em relação à missão do Filho de Deus. O relato de Marcos, colocando essa situação do cego Bartimeu exatamente nessa altura do evangelho, reveste-se de um significado profundo: aquele cego representa os discípulos de Jesus e o “salto” (“deixando sua capa, levantou-se = deu um salto”) que precisam ainda dar, bem como a cegueira de que precisam se curar.

Para aquele homem tudo era noite. Não vê nada! Mas ele ‘ouve’ uma luz. Surge uma possibilidade. E quanto mais o repreendiam, mais ele gritava! E Jesus, ouvindo seus clamores diz: “Chamai-o”. Esse chamado de Jesus remete a tantos chamados que o Senhor faz. Esse homem não via, mas ouvia. Estava atento aos sinais do Senhor. Por isso ouviu o ‘chamado’. Em meio a tantas “vozes” mundanas, não é fácil distinguir qual é a voz de Jesus!

Interessante notar que, enquanto alguns o repreendiam, outros o animavam: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” Vejam a importância de se ter alguém que encoraje, que anime. Na comunidade é assim também: há pessoas que não querem o crescimento do irmão. Humilham, diminuem, marginalizam. Por outro lado, há também aqueles que transmitem esperança e coragem. É destes que precisamos nos aproximar. É nesses que devemos nos inspirar.

Os gestos realizados pelo cego revestem-se de uma riqueza maravilhosa! São três: “O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus”. O que isso significa? Aquele manto era o lugar em que o mendigo dormia, se sentava, colocava as esmolas etc. Jogar o manto é romper com o passado, com o comodismo. É deixar aquela vida medíocre de esmoler, de dependência e assumir sua própria vida. Mais. Ser cego, na cultura daquele tempo, era ser castigado por Deus. O cara não podia ler as Sagradas Escrituras. Não podia caminhar até o Templo ou à sinagoga. Então era tido como uma escória social, totalmente discriminado, marginalizado. E “saltar” em direção a Jesus significa deixar este estado de ‘homem velho’, na expressão de São Paulo, e assumir uma vida nova.

Vejam que ele salta ainda cego. É o salto da fé. Esta nos coloca num estado de esperança, de confiança. É um salto no escuro! Mas sabendo que não se há de ser desamparado. Há Alguém que nos acolhe e nos dá a vida nova. Este homem encontra a salvação por causa de sua fé.

O terceiro gesto, também é muito significativo. Complementa o segundo. “Foi até Jesus”. É o gesto da confiança, da simplicidade, da humildade. Ele sabe que Jesus poderá dar-lhe a visão. Jesus era a única pessoa que poderia fazê-lo enxergar. E a palavra de Jesus unida à sua fé, devolveu-lhe a visão. Quem se aproxima de Jesus, deixando de lado as coisas, o desejo de posse, o comodismo, buscando assumir um caminho novo, certamente enxergará o mundo de uma forma nova, como Deus o vê. Enxergará o irmão!

E, finalmente, o coroamento. Aonde o evangelho quer chegar: “... ele foi seguindo Jesus pelo caminho”. Aquilo que faltava aos discípulos se realizou no cego Bartimeu. Os discípulos estavam como que cegos. Não conseguiam enxergar quem era Jesus. Estavam na procissão, mas não sabiam para quê. Os interesses escusos dos discípulos os colocavam em situação de trevas. Ainda mais: o medo e a falta de compreensão do projeto do Pai levavam-nos a ter atitudes egoístas e infantis.

O cego Bartimeu nos dá também a grande lição de que não podemos deixar passar a oportunidade da “passagem de Deus” pela nossa vida. Nem os opositores, nem o manto, nem a própria cegueira o impediram de lançar-se à busca de uma nova vida. Por isso foi salvo. A presença graciosa de Jesus transformou seu comodismo e seus medos em coragem, ousadia e nova visão de mundo. É o que acontece com quem se aproxima de Jesus e se deixa transformar por ele.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Entre vós não deve ser assim”

aureliano, 19.10.18

29º Domingo do TC - 21 de outubro.jpg

29º Domingo do Tempo Comum [21 de outubro 2018]

   [Mc 10,35-45]

No domingo passado, Jesus exortava a renunciar às riquezas. O apego a elas é empecilho para o seguimento de Jesus, para a salvação. Jesus propõe um caminho novo: a partilha com os pobres. Para que não haja necessitados (cf. At 4, 32-35).

Neste domingo, continuando o caminho para Jerusalém, onde se dará o desfecho de sua entrega total ao Pai por nós, Jesus continua ensinando aos seus discípulos, a partir do caminho que eles mesmos vão fazendo em que aparecem seus defeitos e pecados. Eles precisam mudar a mentalidade. E como é difícil mudar a maneira de pensar! Sobretudo quando se trata de pensar à maneira de Jesus: sair de si mesmo.

Os filhos de Zebedeu, do grupo dos primeiros discípulos, já pensavam nos privilégios de terem sido os primeiros! Pensando que Jesus seria um grande líder político, que entraria triunfalmente em Jerusalém, dominando e desbaratando o poder opressor, querem garantir uma fatia no bolo do poder: “Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória” (Mc 10,37).

Jesus se vale desse pedido para dar-lhes um ensinamento. É preciso “beber o cálice”. Ou seja, é preciso participar da mesma sorte de Jesus. É preciso “ser batizado” no mesmo batismo de Jesus. Isto é, terão que dar conta de experimentar, de imergir na paixão e sofrimento do Mestre. João e Tiago precisam estar dispostos a enfrentar a dor e o sofrimento, a percorrer o caminho da entrega da vida com o Mestre pela salvação da humanidade.

Na segunda parte do evangelho Jesus é bem claro no ensinamento a respeito do poder temporal buscado pelos filhos de Zebedeu: “Os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos” (Mc 10, 42-44). Os discípulos poderiam recordar a tirania do império romano e de outros malvados de seu tempo como Herodes Antipas e seus familiares. Jesus propõe uma interrelação totalmente diferente. Agora a relação deve ser de fraternidade e de serviço: “Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate por muitos” (Mc 10, 45).

“Entre vós não deve ser assim”. Essa palavra de Jesus deve nos acompanhar. Penso que ela resume todo o ensinamento de Jesus nesse relato. Ele exige que sejamos diferentes, que tenhamos atitudes diferentes daquelas que o mundo propõe. Enquanto a sociedade do consumo propõe como caminho de felicidade o sucesso, o dinheiro, a aparência, os aplausos, o acúmulo, o poder, a capacidade de influenciar, o gozo a todo custo, Jesus propõe um caminho de doação, de respeito, de solidariedade, de saída de si, de partilha dos bens, do serviço generoso, da alegre convivência, de cuidado para com o mais fraco.

Essa é a “política” de Jesus. É o Reino de Deus que ele inaugurou. Enquanto no mundo da política rasteira muitos estão preocupados com seus cargos em perigo, com os altos salários, com os acordos espúrios para tirar vantagem, com os primeiros lugares, com os privilégios, Jesus vem propor uma atitude de serviço, de lava-pés, de fazer valer o poder-serviço.

Ministro vem de minus ou minor, menor. Quem tem algum ministério, seja na Igreja, seja na sociedade, deve entender-se como servidor de todos. Em face do pequeno o homem revela o que tem no coração: bondade ou sede de poder. O pequeno, o fraco, o necessitado de minha ajuda pode ser um objeto para meus caprichos, como pode ser alguém que me ajuda a expressar a bondade e a misericórdia.

Para refletir: Como exerço meu ministério na comunidade: busco servir ou me sirvo do ministério? Como tenho atuado na política: estou à cata de vantagens pessoais, ou estou empenhado nas necessidades da comunidade? Ainda mais: os outros discípulos começaram a brigar com João e Tiago por causa de seu pedido. Fico disputando, brigando, competindo com os outros, ou valorizo, respeito, admiro e mesmo incentivo aqueles que exercem bem seu ministério?

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Certamente a palavra emblemática de Jesus: “Quem quiser ser o maior, se faça servidor de todos” encontre pouca repercussão em nossa sociedade atual. Hoje perdura a busca do triunfo. De modo geral, as pessoas querem vencer a todo custo. Além de medir força com os outros, há também a busca do bem-estar pessoal, social. Bom salário, conta corrente forte, aplicação financeira, o máximo possível de passeios e curtição, livrar-se de qualquer situação ou pessoa que ‘pese’ a vida. Um modo de vida que traga o máximo de prazer e conforto e eliminação de toda pessoa ou situação que gere desconforto, mal-estar. Estabelecer poucas relações sociais para não ser incomodado: cada um cuide de si mesmo. Não complicar a vida. Quanto mais distante daqueles que me ‘incomodam’, melhor. Aproximações somente para tirar vantagens.

Bem. Diante de tal quadro é bem difícil fazer ecoar a palavra do Evangelho. Ser cristão, discípulo de Jesus, em meio a tanta indiferença humana talvez seja o grande desafio para nós, hoje.

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O relato de hoje acena para a necessidade se refletir sobre a religião. Pe. Pagola fala de “Religião da autoridade” e “Religião do chamado”. A ‘religião de autoridade’ busca impor normas e doutrinas, exigindo obediência à autoridade que se impõe pelo medo, pela ameaça, pela coação. Já a “religião do chamado” não impõe, mas propõe um caminho de salvação; não atua pelo poder, mas pelo serviço; não julga nem condena, mas acolhe, perdoa e incentiva a caminhar. A fé cristã deve colocar-se no caminho de um serviço humanizador aos homens e mulheres de nosso tempo se quiser perdurar e influenciar a história.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Como lidar com os bens materiais

aureliano, 13.10.18

28º Domingo do Tempo Comum [14 de outubro 2018]

28º Domingo do TC - 14 de outubro.jpg

   [Mc 10,17-30]

No evangelho do domingo passado refletimos sobre Jesus orientando a vida familiar. A relação conjugal não se fundamenta numa relação de dominação, mas de respeito, de corresponsabilidade, de ajuda mútua. Em síntese, marido e mulher são co-criadores com o Pai.

Neste domingo, continuando a leitura do evangelho de Marcos, Jesus continua a instruir seus discípulos para que a vida deles seja um marco diferencial na sociedade. O cristão precisa fazer a diferença. Agora Jesus ensina a se relacionar com os bens. Realidade muito próxima do casamento. A gente sabe que muitas crises no relacionamento conjugal brotam da relação com o dinheiro. Quantas brigas por conta de dívidas, por conta de diferença de salários, por conta de compra e venda! Quanta confusão, depois da separação, por causa de bens e de pensão! Quanta confusão e, por vezes, morte por causa de herança! Então vamos acompanhar a orientação de Jesus a respeito desse caminho que o discípulo deve fazer.

Esse moço que recorre a Jesus se preocupa com a vida eterna. Não lhe interessa tanto a vida presente uma vez que os bens já lhe estão garantidos. Primeiramente Jesus faz com que sua atenção se volte para o Pai e não tanto para Jesus: “Só Deus é bom”. Os mandamentos da Lei relativos ao próximo ele os tem observado. Notamos, porém, que os Dez Mandamentos não foram citados. Apenas alguns e mesmo assim naquela conotação negativa: “não”. Então lhe faltava a dimensão positiva da vida. Ele observava a Lei, mas não sabia partilhar. Não tinha gratuidade. Não sabia o que estava fazendo. Fazia por fazer. Como aqueles casos muito comuns entre nós: “Por que você quer batizar seu filho?” Ou “Por que você é católico?” A resposta normalmente ecoa: “Porque todo mundo batiza” Ou “Porque meu pai é católico”. Ou simplesmente: “Por que nasci numa tradição católica”. E por aí vai. Uma fé sem fundamento, sem gratuidade, sem generosidade, sem conhecimento, sem razão.

Jesus quis ajudar aquele homem a dar um passo decisivo na vida. É algo que caracteriza a fé cristã: a partilha. “Vai, vende tudo o que tens. Dá o dinheiro aos pobres. Depois vem e segue-me”. Não basta dividir os bens com os pobres. É preciso seguir a Jesus. O seguimento de Jesus é que caracteriza o cristão. Poder-se-iam distribuir os bens por vaidade. E nesse aspecto Paulo já alertara: “Ainda que eu desse todos os meus bens aos pobres; se não tivesse amor, isso de nada valeria” (1Cor 13,3).

No desenrolar do texto Jesus percebe a dificuldade de o rico entrar no Reino. Jesus não está falando de vida depois da morte, não. Ele está falando do Reino de Deus. A vida eterna começa aqui, com a erupção do Reino de Deus. Quem não se desapega, como aquele moço que não teve coragem de se desvencilhar dos bens, não pode entrar na vida de Deus. A vida eterna é a vida em Deus.

A salvação é dom de Deus: “Para Deus tudo é possível”. Ninguém compra a vida de Deus, repartindo seus bens, fazendo caridade etc. Deus nos salva de graça. Porém nossos gestos de bondade, de generosidade, de partilha, de perdão, de tolerância, de respeito, de solidariedade são nossa resposta à bondade de Deus que nos salva. Quem vive preso às suas coisas, fechado em si mesmo, indiferente ao sofrimento alheio ou, pior ainda, buscando sempre oportunidades para aumentar suas posses, defraudando os outros, está cada vez mais longe da salvação. Sua vida está atravancando a ação salvadora de Deus. É uma pedra de tropeço, um escândalo, que impede a vida de florescer. Mata a alegria e as esperanças das pessoas.

Na prática, cada um de nós podia dar uma olhadinha no modo como lida com os bens e posses. O que fazemos com o dinheiro? Onde o guardamos? Com que finalidade? O que estamos comprando? Para quê compramos? Tem gente que renova as mobílias todos os anos. Compra sem necessidade nenhuma. Tem gente que está sempre na ponta da tecnologia. É necessário estar na “crista da onda”? Por outro lado, há pessoas que deixam de comprar coisas essenciais para a casa, que deixam de cuidar da saúde da família para guardar o dinheiro ou aumentar o patrimônio. E, muitas vezes, se endividando com prestações a perder de vista. Tem gente que nem consulta a família para fazer certos gastos. Tem gente que gasta o salário com jogatina, com prostituição e adultério, com bebedeira sem conta, com churrascada desmedida para amigos, com drogas de toda qualidade. Tem gente que vive uma vida miserável para aplicar o dinheiro em rendimentos bancários. Mas não é capaz de partilhar um centavo com os mais pobres!

Isso sem falar da agiotagem que assassina milhares de famílias. Um pecado que brada aos céus: o sujeito tem dinheiro; vê o irmão na pior; empresta-lhe a juros exorbitantes; escraviza o pobre coitado que nunca ou quase nunca consegue pagar (Cf. Sl 15,5).

“A maneira sadia de lidar com o dinheiro é ganhá-lo de forma limpa, utilizá-lo com inteligência, fazê-lo frutificar com justiça e saber compartilhá-lo com os mais necessitados” (Pe. J. A. Pagola).

Não está na hora de colocarmos a mão na consciência e rezarmos um pouco mais nosso ser cristão? Aquele homem do evangelho voltou triste porque possuía muitos bens. Conclui-se que a posse de muitos bens não traz alegria para ninguém. A verdadeira alegria está no bom uso dos bens, do dinheiro. Quando sabemos partilhar, distribuir, comprar ou vender dentro de critérios honestos e a partir de um diálogo respeitoso e cristão dentro de nossa casa, estamos no caminho do verdadeiro discipulado de Jesus. Então experimentaremos a verdadeira alegria que brota de uma vida vivida em Deus, na construção do Reino de partilha, de paz e de justiça.

Penso ser oportuno lembrar também os milhões roubados dos cofres públicos pela corrupção; os desvios sem conta de dinheiro público para os bolsos de gestores e políticos sem consciência; os privilégios garantidos por legislação injusta como auxílio-moradia, auxílio-doença, auxílio-transporte, verba indenizatória para quem já ganha salários exorbitantes: a lei pode garantir, mas não significa que seja justo; as privatizações das empresas estatais, o desejo de alguns mandatários de tomar as reservas indígenas e quilombolas para repassá-las a empresários que não têm mais onde guardar dinheiro. A distância entre ricos e pobres tende a aumentar cada vez mais em nosso País. E pior: com o aval do ‘sufrágio universal’ (votos nas urnas). A estatística confirma que, nas últimas eleições, cresceu no Congresso Nacional o número de milionários. Eles irão propor ou votar projetos que favoreçam os mais pobres em detrimento de aumentarem seu patrimônio? Vamos pensar nisso.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Mãe Aparecida, transforma-nos em vinho bom!

aureliano, 11.10.18

Nossa Senhora Aparecida.jpg

Nossa Senhora Aparecida - 12 de outubro

[Jo 2,1-11]

Diferentemente dos outros evangelistas, João não apresenta Jesus chamando publicamente as pessoas para a conversão ao Reino de Deus (Mt 4,17; Mc 1,15). João apresenta Jesus iniciando sua vida pública numa festa de casamento. Em Israel o casamento é imagem da aliança de Deus com seu povo (cf. Os 2,19-22).

Neste mesmo capítulo notaremos a discussão a respeito do templo quando Jesus se apresenta como o Templo de Deus, substituindo o templo de Jerusalém que se tornara objeto de exploração dos pobres (cf. Jo 2,13-22). Então o relato de hoje quer mostrar que Deus Pai fez uma nova aliança com a humanidade na pessoa de Jesus de Nazaré. Um novo casamento. Por isso, no evangelho de João, temos a narrativa do primeiro sinal de Jesus numa festa de casamento.          

Aqueles aparatos da festa são metáforas da religião antiga que deveria ser renovada pela presença salvadora de Jesus. As talhas, a água, o encarregado são símbolos de uma realidade que precisava ser renovada pelo amor incondicional que Jesus trouxe e revelou, representada no vinho. O vinho novo é o amor de Jesus manifestado “até o fim” (Jo 13,1).

“A mãe de Jesus estava lá”. É muito interessante interpretar essa expressão do evangelho. Primeiro, não tem nome. É mais do que a mãe de Jesus. Ela representa a comunidade cristã. Depois, é a noiva do casamento que está à procura do noivo. O casamento, a aliança se dará na Cruz, a Hora de Jesus que naquela festa de casamento ainda não havia chegado. Na cruz ele dirá: “Mulher, eis aí teu filho”.

Relacionada a Maria, mãe de Jesus, está aquela bela palavra que atravessou séculos como uma ordem da Mãe de Deus: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Esta palavra deve continuar ecoando em nossos ouvidos e coração. Pois fazer o que Jesus mandou significa acreditar na palavra dele e colocá-la em prática. Acreditar na palavra de Jesus é abrir-se ao seu amor e deixar-se transformar como aquela água que se transformou em vinho e alegrou o coração de todos os convivas. É a vida nova, um jeito novo de ser, um caminho renovado pela graça de Deus haurida nos sacramentos, na oração, no encontro com ele.

Portanto, Maria, a Mãe de Jesus, é ícone da Igreja. Neste evangelho ela representa a comunidade de Israel que anseia pela vinda do Messias e, por outro lado, a comunidade cristã que acolhe e se deixa renovar pelo vinho novo que ultrapassa as estruturas caducas de uma lei que escraviza as pessoas. Só o amor, representado pelo vinho no relato de hoje, poderá transformar os caminhos da humanidade.

Celebrando hoje nossa Padroeira, queremos elevar nossa prece confiante ao Pai, para que nós brasileiros sejamos fiéis à nossa vocação, nos empenhemos na construção da paz e da justiça, no serviço generoso aos irmãos. Nesses tempos difíceis em que vivemos, quando o ódio, a violência, o preconceito, a tortura, a sede do poder a qualquer preço, a discórdia e a divisão estão sendo disseminados em nossa Nação, queremos voltar nosso olhar contemplativo à Mãe de Deus e nossa e pedir que ela interceda por nós e nos ajude a cultivar em nosso coração os sentimentos que havia em Cristo Jesus (cf. Fl 2, 5-11). Não haja lugar em nosso coração para o fechamento, para a discriminação, para o ódio e desejo de vingança, para a busca de lucro e sucesso a qualquer preço. Que a Paz, fruto da Justiça, encontre guarida dentro de nós e ao redor de nós.

A imagenzinha negra, pequena e simples de Aparecida nos recorde o compromisso com os quilombolas, com as nações indígenas, com os marginalizados, com os Sem-Terra e Sem-Teto, com os milhões de pobres que estão descendo cada vez à cova da morte que os ricaços e dominadores de nosso País estão lhes abrindo. Que as bancadas da Bala, da Bíblia e do Boi, que foram reforçadas na última eleição, não nos tirem a esperança, o alimento, os direitos de cidadãos e de filhos e filhas do mesmo Pai.

Finalmente, que neste dia também dedicado às crianças, nosso coração se abra ao cuidado e carinho para com esses pequeninos tão amados por Nosso Senhor, muitas vezes vitimados por abusos e maus tratos de adultos irresponsáveis e maldosos. Peçamos a Maria, a Virgem humilde e simples de Nazaré, nos dê aquela simplicidade e candura que caracterizam o coração da criança.

 

Ó mãe da nossa pátria,

Escuta a nossa voz:

Teus olhos compassivos

Se voltam para nós.

 

Tu és nosso socorro

Em nossas aflições;

Guarda junto do teu

Os nossos corações.

 

Louvor e honra ao Filho

Que pela Virgem vem;

No Espírito és o brilho

Do Pai eterno. Amém.

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Mãe do Céu morena, / Senhora da América Latina.

De olhar e caridade tão divina, / de cor igual à cor de tantas raças.

 

Virgem tão serena, / Senhora destes povos tão sofridos.

Patrona dos pequenos e oprimidos, / derrama sobre nós as tuas graças.

 

Derrama sobre os jovens tua luz, / aos pobres vem mostrar o teu Jesus

Ao mundo inteiro traz o teu amor de Mãe.

Ensina quem tem tudo a partilhar, / ensina quem tem pouco a não cansar

E faz o nosso povo caminhar em paz.

Derrama a esperança sobre nós, / ensina o povo a não calar a voz.

Desperta o coração de quem não acordou.

Ensina que a justiça é condição / de construir um mundo mais irmão.

E faze o nosso povo conhecer Jesus.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Sim ao amor e à unidade; não à dominação e ao preconceito

aureliano, 05.10.18

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27º Domingo do Tempo Comum [07 de outubro 2018]

   [Mc 10,2-16]

O ser humano é chamado, no amor, a realizar-se como pessoa. Porém essa realização não se dá sem a colaboração do outro que lhe diz quem ele é e por onde está caminhando. Ele deve realizar um encontro com alguém que seja capaz de comunhão com ele. É aí que se dará um diálogo aberto e nobre para, juntos, descobrirem a plenitude de sua vocação.

Quando os fariseus, cheios de maldade e de dúvidas também, fazem a Jesus aquela pergunta crucial sobre o divórcio, ele responde com maestria remetendo-se à ordem da Criação: “Desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Assim já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe”.

Jesus quer dizer que a separação do casal não faz parte do projeto original de Deus. Homem e mulher foram criados em mesmo nível de igualdade. Para viverem juntos, constituindo família, segundo sua vocação, realizando-se no que fazem e vivem.

Aqui entra um elemento fundamental: Deus não fez o homem superior à mulher. Nem vice-versa. Jesus condena essa atitude e quer que todos tenham a mesma dignidade e igualdade nas relações. Jesus desautoriza explicitamente todo autoritarismo machista que permitia ao homem “despedir a mulher por qualquer motivo”.

Na verdade havia interpretações divergentes relativas a esse tema entre as duas escolas mais famosas do judaísmo de então: a de Hillel, mais liberal em relação ao divórcio, permitindo, por exemplo, que o marido poderia pedir carta de divórcio quando a mulher não cozinhasse de acordo com seu gosto, ou quando ele gostasse mais de outra. Já a escola de Shammai, mais rigorosa, só admitia o divórcio em caso de adultério ou má conduta da mulher. À mulher restava recorrer para separação se o marido tivesse contraído a lepra ou exercesse um ofício repugnante.

Por aí se vê que a discussão não era simples. E os fariseus ficavam meio engasgados diante de tamanho impasse. Queriam saber a opinião de Jesus. Ao invocar o projeto original de Deus, a Criação, Jesus convida a uma reflexão mais profunda. Não se trata somente de continuar com a mulher ou abandoná-la. Em primeiro lugar trata-se de perceber que Deus os fez homem e mulher. São iguais perante Deus. Depois é preciso notar que o casamento é um projeto divino. É um dom para a humanidade. É o cuidado de um pelo outro e de ambos pelos filhos. Não se pode invocar a lei para justificar projetos egoístas. A Lei que deve prevalecer no coração humano é a Lei do amor.

O sonho de Deus é que o casal entre num projeto de vida estável e indissolúvel. O divórcio não faz parte do projeto do Pai, porque ele traz em si as marcas da dor, do golpe, da ferida quase incurável, da morte. As facilidades oferecidas por Moisés “por causa da dureza de vossos corações” estão em alta, nos últimos tempos. Sabemos por experiência que, sempre que o egoísmo prevalece, o sofrimento intensifica-se na vida humana. Mas todas as vezes que o amor-ágape encontra guarida no coração humano, o sofrimento é minimizado pelo alento da generosidade, do cuidado e do perdão.

Cabe aqui levar em consideração os casos de fracasso no casamento. Podemos dizer que não faz parte do projeto ideal de Deus. Mas a continuidade da relação por vezes se torna insustentável. Quando o egoísmo toma conta de uma parte ou de ambas, a situação vai se tornando insuportável, chega a ser desumana. Sem mencionar aquelas situações em que uma das partes é, simplesmente, abandonada (com os filhos). Se essa parte fiel, sadia, encontra amparo de alguém que valoriza, que respeita, que cuida devemos nos atirar confiantes nos braços da providência e da misericórdia divinas. Mas sabendo sempre que a questão da separação do casal não deve estar sempre sobre a mesa, como insistem as telenovelas. O casal que se faz discípulo de Jesus empenha todas as forças para levar adiante essa relação que significa o amor eterno que Deus tem por todos nós. Amor manifestado na entrega de seu Filho Unigênito pela nossa salvação. Amor expresso na entrega de Cristo pela sua Igreja.

Cabe considerar também a necessidade de acolhermos e oferecermos nosso ombro aos casais recasados. Eles não estão excomungados, não foram expulsos da Igreja. Estão em situação irregular, mas continuam em comunhão eclesial. Devem ser acolhidos. Devem participar da celebração, dos serviços da Igreja. Se a Igreja lhes retira o direito de receber a comunhão é porque “seu estado e condição de vida contradizem objetivamente a união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e atualizada na eucaristia” (São João Paulo II). Mas isso não autoriza ninguém condená-los, discriminá-los, rejeitá-los. Precisam ser acolhidos e amados em sua nova condição. É preciso ter para com eles o espírito de Jesus.

Escutemos o Papa Francisco: “Quanto às pessoas divorciadas que vivem em uma nova união, é importante fazer-lhes sentir que fazem parte da Igreja, que ‘não estão excomungadas’ nem são tratadas como tais, porque sempre integram a comunhão eclesial. Estas situações ‘exigem um atento discernimento e um acompanhamento com grande respeito, evitando qualquer linguagem e atitude que as faça sentir discriminadas e promovendo a sua participação na vida da comunidade. Cuidar delas não é, para a comunidade cristã, um enfraquecimento da sua fé e do seu testemunho sobre a indissolubilidade do matrimônio; antes, ela exprime precisamente neste cuidado a sua caridade” (Amoris Laetitia, 243).

“Essa sublime vocação do matrimônio indissolúvel é hoje fonte de violentas críticas à Igreja. Que fazer com os que fracassam? Objetivamente falando, sem inculpar ninguém – pois de culpa só Deus entende, e perdoa – devemos constatar que há fracassos, e que fica muito difícil celebrar um “sinal eficaz do amor inquebrantável de Jesus” na presença de um matrimônio desfeito... Por isso, a Igreja não reconhece como sacramento o casamento de divorciados. Teoricamente, se poderia discutir se o segundo casamento não pode ser aceito como união não-sacramental (como se faz na Igreja Ortodoxa). E observe-se que muitos casamentos em nosso meio são, propriamente falando, inválidos, porque contraídos sem suficiente consciência ou intenção; poderiam, portanto, ser anulados (como se nunca tivessem existido). Em todo caso, o matrimônio cristão, quando bem conduzido em amor inquebrantável, é uma forma de seguir Jesus no caminho do dom total” (Pe. J. Konings).

O que importa aqui é nos colocarmos diante do Pai como a criança, porque “o Reino de Deus é dos que são como elas”. Ou seja, em qualquer circunstância, é preciso de nos colocarmos diante do Pai com o coração aberto, com disponibilidade de alma, desarmados, confiantes na misericórdia d’Ele, como aprendizes, com transparência e sinceridade de coração.

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TRÊS PALAVRAS MÁGICAS PARA FAZER O CASAMENTO DURAR

Papa Francisco esclarece que o "para sempre" não é só questão de duração. "Um casamento não se realiza somente se ele dura, sua qualidade também é importante. Estar juntos e saber amar-se para sempre é o desafio dos esposos".

E fala sobre a convivência matrimonial: "Viver juntos é uma arte, um caminho paciente, bonito e fascinante (…) que tem regras que se podem resumir exatamente naquelas três palavras: 'posso?', 'obrigado' e 'desculpe'".

"Posso? é o pedido amável de entrar na vida de alguém com respeito e atenção. O verdadeiro amor não se impõe com dureza e agressividade. São Francisco dizia: 'A cortesia é a irmã da caridade, que apaga o ódio e mantém o amor'. E hoje, nas nossas famílias, no nosso mundo amiúde violento e arrogante, faz falta muita cortesia."

"Obrigado: a gratidão é um sentimento importante. Sabemos agradecer? (…) É importante manter viva a consciência de que a outra pessoa é um dom de Deus, e aos dons de Deus diz-se 'obrigado'. Não é uma palavra amável para usar com os estranhos, para ser educados. É preciso saber dizer 'obrigado' para caminhar juntos."

"Desculpe: na vida cometemos muitos erros, enganamo-nos tantas vezes. Todos. Daí a necessidade de utilizar esta palavra tão simples: 'desculpe'. Em geral, cada um de nós está disposto a acusar o outro para se desculpar. É um instinto que está na origem de tantos desastres. Aprendamos a reconhecer os nossos erros e a pedir desculpa. Também assim cresce uma família cristã.

Finalmente, o Papa acrescenta com bom humor: "Todos sabemos que não existe uma família perfeita, nem o marido ou a mulher perfeitos. Isso sem falar da sogra perfeita…".
E conclui: "Existimos nós, os pecadores. Jesus, que nos conhece bem, ensina-nos um segredo: que um dia não termine nunca sem pedir perdão, sem que a paz volte à casa. Se aprendemos a pedir perdão e a perdoar aos outros, o matrimônio durará, seguirá em frente" - https://pt.aleteia.org/2014/03/12

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN