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aurelius

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As palavras e ações revelam o coração

aureliano, 28.02.19

8º Domingo do TC - C.jpg

8º Domingo do Tempo Comum [03 de março de 2019]

[Lc 6,39-45]

É a ultima parte do “Sermão da Planície”. Uma coletânea de sentenças em vista da construção da comunidade cristã. Tanto para os mestres, a liderança da comunidade, como para os discípulos, os fiéis participantes. O guia precisa enxergar bem para conduzir seus guiados (cf. Lc 6,39-40). Um guia desnorteado, iludido, insensato pode levar todos os seus guiados a se perderem. O mestre precisa estar bem iluminado, centrado no Mestre maior, Jesus, para que conduza com justiça e sabedoria os discípulos.

Sem hipocrisia

Jesus nos ensina que as pessoas devem ser avaliadas pelos seus frutos, e não por aquilo que aparece à primeira vista, pela aparência. A gente pode se enganar e se perder. Não são os belos discursos, as frases de efeito, as promessas de realização e sucesso que garantem a verdade e sinceridade do líder. Mas suas ações, sua atitude, os frutos produzidos. Isso é que garante a confiança que se pode colocar na pessoa que está à frente do grupo.

Jesus condena um discurso marcado pela hipocrisia. “Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão” (Lc 6,42). Cada um deve olhar para dentro de si mesmo e avaliar como tem caminhado. O julgamento pertence a Deus. “Não julgueis, para não serdes julgados; não condeneis para não serdes condenados; perdoai, e vos será perdoado” (Lc 6,36-37).

Que frutos produzimos?

A nós compete tentar produzir frutos bons. E quais são os frutos que o Senhor espera de nós? A justiça amorosa, o serviço aos irmãos, o comprometimento com os desafios da família e da comunidade. O envolvimento nas políticas públicas. Sair daquele pensamento e atitude de conformismo e de que religião deve ser vivida dentro do templo. “Sujar” os pés na lama em busca de melhoria de vida dos mais pobres a partir do Evangelho. “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (Papa Francisco).

Solidários e comprometidos

Uma Igreja que se empenha em ser fiel a Jesus Cristo, que assume o Evangelho como norma de vida, produz frutos. A verdadeira religião é aquela que atua pela libertação e salvação dos órfãos, das viúvas, dos pobres. “A religião pura e sem mácula diante de Deus, nosso Pai, consiste nisto: visitar os órfãos e as viúvas em suas tribulações e guardar-se livre da corrupção do mundo” (Tg 1,27).

E João já advertia a comunidade: “Se alguém, possuindo os bens deste mundo, vê o seu irmão na necessidade e lhe fecha o coração, como permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade” (1Jo 3,17-18).

Nossa confiança deve ser investida naqueles que, por suas ações, mostram-se participantes do projeto do Reino de Deus. Aqueles que trabalham pela fraternidade, pela justiça e pela paz. Não adianta proclamar a Palavra ou carregar a Bíblia debaixo do braço ou fazer longas e fervorosas orações, mas continuar com atitudes que manifestam frutos podres de uma vida hipócrita, distante do evangelho. Estes tais não merecem nossa confiança. Só merece nossa confiança quem se coloca, a exemplo de Jesus, a serviço dos fracos, dos injustiçados, dos pequenos e sofredores, os perseguidos e marginalizados.

Como anda nossa acolhida?

Um modo muito interessante e necessário de produzirmos frutos é a acolhida, o respeito, a ajuda aos sofredores. Quando não tornamos a vida dos irmãos mais difícil do que já está. Quando sabemos acolher, ouvir, respeitar a partilha que nos fazem aqueles que passam por momentos de dor e angústia. Quando não envenenamos com nossas fofocas e calúnias a vida dos outros. Quando desenvolvemos em nós o espírito de compaixão e solidariedade com os pecadores, acolhendo-os e perdoando-lhes as fraquezas. Quando respeitamos os idosos e lhes proporcionamos um pouco de alegria e bom sabor na vida já marcada pela insegurança, pelo medo, pela enfermidade.

Fé e vida

Podemos pensar também nos cultos e liturgias que celebramos. Jesus invocou certa vez o profeta Isaías ao recriminar a hipocrisia na oração: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. Em vão me prestam culto, pois o que ensinam são pensamentos humanos” (Mt 15,8-9). Deus não se interessa por práticas religiosas vazias, descomprometidas. Às vezes há mais comércio, panos, fumaça, ritos e louvações do que corações sinceros e retos com desejo de louvar a Deus e de buscar a conversão sincera e a mudança de vida. Não são os “sacrifícios e holocaustos” que lhe agradam, mas um coração puro e reto. Quando o interior não for puro e reto, o futuro não será humano. “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração” (Lc 6,5).

Ser amante da verdade

As sentenças do evangelho de hoje nos permitem fazer uma reflexão sobre a verdade. Vivemos num mundo marcada e descaradamente mentiroso e falso. As aparências e as máscaras é que dão as cartas. Merece credibilidade o que aparece, que agrada, que dá lucro.

Há especialistas em mentir, em montar e espalhar fake news, em armar estratégias malignas para enganar a população. As guerras, por exemplo, são geralmente realizadas dentro de esquemas mentirosos. Vejam a mentira em torno da guerra do Iraque. Que amparo os Estados Unidos estão oferecendo à população iraquiana? Está em destroços! Hoje estamos assistindo à situação da Venezuela. A mentira que fazem circular nas mídias em torno da Venezuela é terrível. Não se diz a verdade a respeito dos interesses internacionais, a começar pelos Estados Unidos, sobre o petróleo venezuelano. Por detrás das notícias da falta de alimento e medicamento para a população - que certamente são verdadeiras - se esconde a tramóia perversa de se apossar da riqueza do País: a maior reserva de petróleo do mundo. A mentira não nos deixa ver os abusos, os desvios, os acordos perversos. A mentira nos cega.

Líderes mentirosos trazem verdadeira miséria e desumanidade à população. Isso tanto em nível de política nacional e internacional, quanto em nível de Igreja, de comunidade, de família, de ambiente de trabalho.

Em nível de religião, é sabido que muitos se valem de discurso religioso mentiroso para enganar as pessoas e tirar proveito da situação. Incutem o medo, o desespero, o fanatismo na pessoa. Dominam. Então a pesssoa começa a fazer o que o falso mestre mandar. Há inúmeros charlatões enganando os pobres, sugando-lhes todas as forças e roubando-lhes o pouco que têm para sobreviver.

Pelos frutos é que se conhece a árvore. “Não existe árvore boa que dê frutos ruins, nem árvore ruim que dê frutos bons” (Lc 6,43). Estejamos, pois, atentos.

*Carnaval

Neste final de semana é tempo de carnaval. Inicialmente era uma festa pagã. A Igreja Católica quis dar-lhe um sentido. Então estabeleceu que, nos três dias imediatamente anteriores à Quarta-feira de Cinzas, dia em que tem início a Quaresma, se fariam as festas de despedida da “carne” (carne vale = adeus à carne) para se entrar com sobriedade no tempo de conversão e de penitência proposto pela Igreja aos seus fiéis.

Cada um vive esse tempo como lhe apraz: uns passeiam; outros rezam; outros brincam; outros fazem retiros. Não se pode perder de vista, porém, o respeito pela pessoa humana. O cristão precisa ser comedido e responsável no uso do álcool e outras drogas. Nesse tempo muitos acham que podem tudo. Há muita falta de respeito pelas pessoas. Muita droga e muito sexo desmedido. Realidades que não condizem com a vida cristã. Não há nada de mal em se festejar, brincar e se alegrar. O mal está na falta de respeito, no desperdício, nos excessos: “Conduzi-vos pelo Espírito e não satisfareis as obras da carne. (...) Os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com suas paixões e seus desejos. Se vivemos pelo Espírito, pelo Espírito também pautemos a nossa conduta” (Gl 5,16.24-25). Vamos nos divertir como cristãos e não como pagãos: “Outrora éreis treva, mas agora sois luz no Senhor: andai como filhos da luz” (Ef 5,8).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Misericordiosos como o Pai

aureliano, 22.02.19

7º Domingo do TC - C.jpg

7º Domingo do Tempo Comum [24 de fevereiro de 2019]

[Lc 6,27-38]

Um sentimento que insiste em habitar no coração humano é o da vingança: pagar o mal com o mal. Uma forma de compensar a dor sofrida é fazer o outro sofrer também. Ou, no mínimo, desejar o mal a quem nos fez mal.

Em A República, capítulo I, no diálogo em busca da definição de justiça no sentido de “dar a cada um o que lhe compete”, Sócrates faz Polemarco afirmar que “a Justiça é favorecer aos amigos e prejudicar os inimigos”. Ora, se o inimigo faz o mal, portanto deve-se-lhe devolver o que ele oferece: o mal. Mas a compreensão de justiça na Sagrada Escritura se distancia da compreensão filosófica. Jesus vem nos ensinar como se deve entender e fazer justiça.  A justiça do Reino de Deus contesta e corrige a justiça humana.

Daí nasce a importância revolucionária que Jesus introduz nas relações humanas: “Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam” (Lc 6,27). Não se pode entender isso senão mediante o dom da fé. Uma relação amorosa e confiante com o Pai.

Quando Jesus fala do amor aos inimigos, não está falando de mero sentimento em relação a eles. Certamente o sentimento não será livre de dor, de mágoa, sobretudo quando ficam marcas, feridas profundas, cicatrizes. Quando deparamos com nossas dores diante do mal causado pelo inimigo, é natural dar-nos tempo para recuperar a paz. Aliás, não é possível ao ser humano simplesmente dizer que está perdoado, e pronto. O perdão não acontece de um dia para o outro. É um processo longo e trabalhoso.

Isso nos ajuda a entender que Deus também tem paciência conosco e nos espera no nosso tempo para nos perdoar.  Portanto, é bom compreendermos que Jesus está falando de atitude que brota da vontade, do querer, de se interessar pelo bem do inimigo. E não de mero sentimento. Uma realidade que parte da experiência de fé.

Há pessoas que dizem: “Fulano pra mim não existe mais. Não faz mais diferença em minha vida!”. Isso significa que o ofensor foi assassinado no coração. Está morto. Então não houve perdão, mas assassinato. Aqui o ódio deu lugar à indiferença. Um tanto pior.

O que está em jogo aqui é o amor de Deus que está para além e envolve toda miséria humana. Um amor gratuito, generoso, que não exige nada em troca. Não tem nada a ver com aquela liberalidade humana do chefe que, para agradar os subordinados e ser querido por eles, dá um lauto banquete e distribui presente a todos. Não! Não é isso. Trata-se de uma atitude amorosa, gratuita que se fundamenta em Deus, por causa de Deus, por amor a Deus.

A primeira leitura de hoje (1Sm25,2.7-9.12-13.22-23) traz uma demonstração disso. Saul quis matar Davi. E este conseguiu se salvar da lança do Monarca. Quando surge uma oportunidade de Davi acabar com a vida de seu perseguidor, não o faz. Por quê?  Pelo fato de ser um ungido do Senhor: “Não o mates! Pois quem poderia estender a mão contra o ungido do Senhor, e ficar impune?” (1Sm26,11). Davi entrega a Deus a causa: “O Senhor retribuirá a cada um conforme a sua justiça e fidelidade. Pois ele te havia entregue hoje em meu poder, mas eu não quis estender a mão contra o ungido do Senhor” (1Sm 26,23). Quando vejo no outro, por pior que ele me possa parecer, a imagem de Deus, me predisponho a fazer um caminho de perdão e de amor.

Essa passagem da Escritura poderia iluminar também as guerras e conflitos mundiais. Governantes que se dizem cristãos ficam de espreita para avançar e destroçar as comunidades, povos e nações. Sem piedade nem constrangimento nenhum pelo mal causado aos pequenos e fracos. Uma sede satânica de destruição, de usurpação, de avançar e tomar territórios e patrimônios dos outros! Que tristeza! Que falta de humanidade! Que falta de Deus e do evangelho em nosso mundo!

“Sede misericordiosos como vosso pai é misericordioso” (Lc 6,36). Jesus não está pedindo que sejamos perfeitos como o Pai (como está dito em Mt 5,48), mas que imitemos sua bondade, seu gesto de perdão. A medida de nosso perdão oferecido aos ofensores e inimigos faz com que o Pai não nos julgue, não nos condene e nos perdoe sempre (cf. Lc 6,37). Pois “com a mesma medida que medirdes, sereis medidos” (Lc 6,38).

Podemos também dizer que o gesto de perdão proposto por Jesus não é uma questão opcional. Não depende de nossa escolha, como se cada um pudesse decidir se perdoa ou não, sem implicação para a humanidade. Não! A generosidade, o perdão, a busca do bem para as pessoas são constitutivos da busca do querer de Deus. É obra de “justiça” no sentido bíblico: nossa relação filial com Deus justo e santo. Acontece nossa realização como cristãos. Em síntese, poderíamos dizer que, sem esse espírito, o nome de cristãos não corresponderia ao que dizemos ser e acreditar.

O cristão é aquele que, no seguimento de Cristo, faz um caminho diferente da proposta social. Caminha na contramão da história. Coloca-se em contestação da sociedade de consumo, de vingança, de violência, de dominação, de mentira, de aparência, de busca de sucesso e poder. Suas atitudes são “estranhas”, incompreensíveis: amar os inimigos, abençoar os amaldiçoam, rezar pelos perseguidores (cf. Lc 23,24. At 7,60).

Portanto, perdoar não é esquecer. Perdoar é dar tempo ao tempo. É saber trabalhar dentro de si o desejo de vingança, o sentimento de ódio. É compartilhar com alguém a dor da ferida sofrida. É buscar a paz interior. É amar de novo. É dar nova oportunidade. É entregar o ofensor nas mãos do Pai misericordioso. Todas as vezes que se lembrar da ofensa, que sentir a dor doída no coração, oferta ao Pai do céu ambos: o ofendido e o ofensor. E poderá dizer com toda confiança: “Pai nosso... perdoai-nos como nós perdoamos”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Felizes os pobres! Ai dos ricos!

aureliano, 15.02.19

6º Domingo do TC - C.jpg

6º Domingo do Tempo Comum [17 de fevereiro de 2019]

[Lc 6,17.20-26]

No relato do evangelho do domingo passado (5º Domingo), vimos Jesus chamando os quatro primeiros discípulos. Quer que sejam “pescadores de homens”. E eles entendem que precisam se desapegar dos bens materiais para seguir a Jesus com liberdade e inteireza de coração (Lc 5,10-11). O relato transparece claramente que Jesus quer um novo modo de vida e de mentalidade para seus seguidores.

O relato do evangelho de hoje traz o “Sermão da Planície” em contraposição ao “Sermão da Montanha” de Mateus 5,1-12. Lucas tem perspectiva diferente de Mateus. Os destinatários são outros: comunidades provenientes da cultura grega, pagã. O conteúdo dos dois relatos é o mesmo. Mas aqui Jesus profere também uma maldição contra os ricos. Além disso, ao “descer a montanha”, Jesus quer mostrar a condescendência de Deus que vem até nós. Elemento fundante da nossa fé cristã é a revelação de um Deus que se faz um de nós (cf. Jo 1,14), que desceu e se tornou servo (cf. Fl 2,7). De rico que era, se fez pobre por nós (cf. 2Cor 8,9). Um Deus que “desce”.

A fé cristã provoca uma revolução no coração daquele que acredita. O encontro com Jesus Cristo transforma a pessoa, abre um horizonte novo, faz enxergar o mundo de modo diferente. Produz no coração do crente o desejo de Deus, o desapego, o espírito de partilha, de solidariedade. Foi isso que aconteceu aos santos e santas: São Francisco de Assis, Beato Charles de Foucauld, Pe. Júlio Maria, Santa Teresa de Calcutá e tantos outros.

Mas convenhamos. Ouvir uma proclamação de felicidade para os pobres é muito bom! E todos gostam de ouvir e até de dizer. Mas ouvir que os ricos estão perdidos, não é coisa fácil: “Ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação”. O Profeta, na primeira leitura, visa a nos preparar para isso: “Maldito o homem que confia no homem e faz consistir sua força na carne humana” (Jr 17,5). Por outro lado, brota do coração de Deus uma palavra de consolo: “Bendito o homem que confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor” (Jr 17,7).

Alguém poderia argumentar: “Deus criou os bens deste mundo para serem usufruídos”. É verdade! Porém há que se distinguir: uma coisa é possuir os bens e usufruí-los; outra coisa é ser possuído por eles, ser escravo dos bens materiais. E como se não bastasse, escravizar os outros para possuir sempre mais. Atentemos à advertência de São Paulo: “Eis o que digo, irmãos: o tempo se faz curto. Resta, pois, que aqueles que têm esposa, sejam como se não tivessem; aqueles que choram, como se não chorassem; aqueles que se regozijam, como se não regozijassem; aqueles que compram, como se não possuíssem; aqueles que usam deste mundo, como se não usassem plenamente. Pois passa a figura deste mundo” (1Cor 7,29-31). Os bens materiais não podem ocupar o primeiro lugar em nossa vida. Porque eles não trazem dentro de si a felicidade permanente, verdadeira, intransferível.

A Sagrada Escritura quer nos mostrar que nenhum bem material é definitivo. Na parábola do homem que construiu um grande armazém para guardar sua colheita e se locupletar sozinho, Jesus mostra que a vida e os bens só têm sentido na medida em que são vividos e empregados segundo os critérios do Reino de Deus: “Insensato, nessa mesma noite ser-te-á reclamada a alma. E as coisas que acumulaste, de quem serão?” (cf. Lc 12,16-21). A vida do ser humano não consiste em possuir muitos bens, em ter muito dinheiro, em ser reconhecido pelo que tem (cf. Lc 12,15). Há muita vaidade por aí. Há pessoas que pensam somente em trabalhar para ganhar dinheiro; ganhar dinheiro para comprar coisas; comprar coisas para se exibir. E por aí se vai. Depois vem a desavença, a rivalidade, a velhice, a doença, a morte. E Depois?...

O programa de vida de Jesus é “anunciar a boa nova aos pobres”. Deus ama o ser humano por si mesmo. Não faz parte de sua “agenda” admirar stutus quo, reconhecimento social, aparência, sucesso e aplausos. Deus ama o ser humano de graça. E quer que ele se faça simples , pequeno, pobre.

Além disso, quando Jesus proclama “Bem-aventurados vós, os pobres” não quer dizer que o pobre seja mais virtuoso do que o rico. É que Deus quis fazer sua “opção preferencial” pelos pobres. Com isso entende-se que a graça vem de Deus e não de algum favor humano. Os pobres não são felizes por causa de sua pobreza. Eles são felizes por saber que Deus está com eles. Seu sofrimento não durará para sempre. O Senhor lhes fará justiça. Jesus deixa claro: os que não interessam a ninguém são os que mais interessam a Deus. Deus quer estar com eles. E, para nós que vivemos na abundância, quando voltamos nosso olhar e nossa presença junto aos pobres, podemos ter aí uma grande oportunidade de fazer um caminho de conversão.

É bom ressaltar que Jesus não é contra os ricos. Por isso os exorta a mudar de mentalidade, a se esvaziarem de si mesmos, a se desapegarem de seus bens fazendo com que todos possam também usufruí-los. Os bens da criação devem ser distribuídos a todas as pessoas. Deus criou a terra e a deu ao ser humano para que cuidasse dela: “O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2,15). Basta ler o episódio de Jesus e Zaqueu (Lc 19, 1-10). O coração de Zaqueu encheu-se da salvação de Deus quando ele decidiu devolver o que roubara, e distribuir com os pobres parte dos bens: “Zaqueu, de pé, disse ao Senhor: ‘Senhor, eis que dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo’. Jesus lhe disse: ‘Hoje a salvação entrou nesta casa’” (Lc 19,8-9).

Senhor Jesus, desperta nosso coração para maior sensibilidade e solidariedade com os mais pobres. Ajuda-nos a ter um coração de pobre, um coração que saiba consolar, que saiba cuidar, que saiba chorar com os choram aquela dor doída. Inspira-nos palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos. E não deixes que a preocupação e a busca desenfreada dos bens materiais, do sucesso a todo custo, do lucro a qualquer preço tomem conta de nosso coração. Dá-nos enfim aquela coragem suficiente para anunciar teu Reino de amor e denunciar as perversidades contra os pequenos e sofredores da terra.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Quando Jesus está no barco...

aureliano, 08.02.19

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5º Domingo do Tempo Comum [10 de fevereiro de 2019]

[Lc 5,1-11]

Nos últimos dois domingos rezamos e refletimos a pessoa de Jesus, o Ungido do Pai, enviado para evangelizar os pobres. Enfrenta rejeição em sua própria terra e entre seus parentes e familiares. “O profeta só não é bem aceito em sua própria terra”.  O ungido de Deus para evangelizar os pobres é desprezado e perseguido na sua missão entre os seus.

No relato deste domingo, Lucas coloca Jesus em outra terra: às margens do lago de Genezaré. Aqui é ouvido por uma multidão que se aperta ao seu redor. Um detalhe interessante que não pode passar despercebido: as pessoas estavam ali “para ouvir a palavra de Deus”. Ao passo que, na sinagoga de Nazaré, o pessoal estava à cata de milagres: “Faze em tua terra o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum”. – Uma pergunta desconcertante: “Você frequenta a igreja para ouvir a Palavra de Deus ou para receber milagres?”

No relato de hoje aparecem duas cenas: o anúncio da palavra de Deus às multidões e a pesca milagrosa. Dois acontecimentos que iluminam a caminhada e a missão da Igreja. A Palavra de Deus ilumina, aquece, inspira, fortalece, abre caminhos. Por isso Simão Pedro dirá: “Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes”.

O trabalho sem a presença de Deus, sem a iluminação de sua Palavra, é inútil. Já rezava o salmista: “A salvação dos justos vem do Senhor, sua fortaleza no tempo da angústia. O Senhor os ajuda e liberta, ele vai libertá-los dos ímpios e salvá-los, porque neles se abrigaram” ”(Sl 37,39-40). E ainda: “Nosso refúgio e rocha firme é o Senhor” (Sl 62,8). E em outro lugar: “Se o Senhor não construir nossa cidade, em vão trabalharão os construtores” (Sl 127,1). Por isso Pedro e os demais pescadores, ainda que peritos no mar e na pesca, não conseguiram nada. – Outra pergunta: “Que lugar ocupa a Palavra de Deus na sua vida? Tem prioridade sobre trabalho, lazer e Redes Sociais?”

Esse relato quer mostrar à Igreja iniciante, representada na Barca de Simão, que a autossuficiência era a causa de prováveis desânimos na comunidade. Certamente a Palavra de Jesus, a confiança nele, a convicção de que os êxitos devem ser atribuídos a ele estavam meio distantes do horizonte da comunidade. O que os levava a voltar desanimados da “pesca”. A autossuficiência é uma praga que acaba com a comunidade, com a família, com a pessoa. Todo aquele que julga bastar-se a si mesmo, acha que não precisa de mais nada nem de ninguém, que tem todo conhecimento e dinheiro para sobreviver, que não aceita opinião nem sugestão de ninguém, está cavando seu próprio inferno e sendo um inferno para sua família e comunidade.

A abertura de Pedro, velho e experimentado pescador, em acolher a palavra de um “carpinteiro”, questiona nossos fechamentos e cabeça dura diante do novo que nos interpela. Uma mudança de época exige novos métodos de evangelização. Se as pessoas estão se afastando do evangelho, ou mesmo usando o evangelho para justificar suas falcatruas, é sinal de que precisamos rever nossa maneira de evangelizar. A “pesca” precisa ser diferente. A presença de Jesus deve ser mais concreta, real. Ele precisa “estar na barca”. A confiança nele precisa ser redobrada. O trabalho precisa ser feito em nome dele e para ele: “Em atenção à tua palavra vou lançar as redes”. Parece ser urgente retomar o lema de Carlos de Foucauld: “Gritar o evangelho com a vida”.

São Paulo VI, em 1975, ensinava: “E antes de mais nada, sem querermos estar a repetir tudo aquilo já recordado anteriormente, é conveniente realçar isto; para a Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização. ‘O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas’. São Pedro exprimia isto mesmo muito bem, quando evocava o espetáculo de uma vida pura e respeitável, ‘para que, se alguns não obedecem à Palavra, venham a ser conquistados sem palavras, pelo procedimento’. Será pois, pelo seu comportamento, pela sua vida, que a Igreja há de, antes de mais nada, evangelizar este mundo; ou seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao Senhor Jesus, testemunho de pobreza, de desapego e de liberdade frente aos poderes deste mundo; numa palavra, testemunho de santidade” (Evangelii Nuntiandi, 41).

Diante do milagre operado pela palavra do “filho do carpinteiro”, Pedro se lança aos pés de Jesus e se reconhece frágil, pecador: “Senhor, afasta-te de mim porque sou um pecador”. Notem a atitude de Jesus: diante do pedido de Pedro para que Jesus se afaste, este se aproxima ainda mais: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens”. Essa atitude de Jesus revela a bondade e a misericórdia do Pai. O Deus de Jesus não é o Deus terrível que espanta, que amedronta, que se mantém distante. Ele está perto e diz: “Não tenhas medo!”. E ainda lhe dá uma missão. Jesus quer que aqueles discípulos sejam continuadores de sua missão no mundo. É a missão da Igreja. Perdoar o pecado. Expulsar o fantasma do medo. Ajudar a pessoas a viverem com alegria, encanto e dignidade.

As “águas profundas” por vezes espantam. É preciso ser forte e confiante para entrar em ambientes e situações desconhecidas, ameaçadoras. Mas os “peixes” estão lá. A gente muitas vezes prefere ficar com aquelas mesmas pessoas de sempre, que frequentam nossa capela/comunidade. Residem no bairro ou córrego duas mil pessoas. Mas nos contentamos com as oitenta que frequentam nossa comunidade. Ao passo que Jesus diz: “Avancem para águas mais profundas”. Além disso, o Papa Francisco nos convida a irmos às “periferias existenciais”. Ou seja, há realidades difíceis, terríveis, destruidoras de vida, dolorosas que precisam da presença missionária: “águas profundas...”.

A atitude dos primeiros discípulos de Jesus nos convida a rever nossos apegos. “Levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus”. Quais são os apegos que não nos deixam avançar? A Sagrada Escritura diz: “Não seja o vosso proceder inspirado pelo amor ao dinheiro” (Hb 13,5). E em outro lugar: “Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perde sua vida por causa de mim, vai salvá-la” (Lc 9,24). Como está o nosso seguimento a Jesus? Que coisas precisamos abandonar?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Eucaristia para formar um só Corpo

aureliano, 04.02.19

"Fazei de nós um só Corpo e um só Espírito"

 

“O cálice de bênção que abençoamos não é comunhão com o sangue de Cristo?

 O pão que partimos não é comunhão com o Corpo de Cristo?

 Já que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo,

 visto que todos participamos desse único pão” (1Cor 10, 16-17).

 

A eucaristia é o sacramento que faz a Igreja. Participar do cálice de bênção e do pão partido é tornar viva e dinâmica a presença de Jesus em nosso meio. Enquanto a comunidade participa e celebra a vida de Jesus ela está continuando a sua missão. E a grande obra de Jesus foi a de revelar o rosto misericordioso do Pai que não quer que ninguém se perca (Cf. 1Tm 2,4). Conhecedor das intrigas, ciúmes e divisões presentes no coração humano, que retardam a concretização do Reino, Jesus rezou: “Que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que estejam em nós, para que o mundo creia” (Jo 17, 21).

Criar, gerar, promover comunhão na comunidade cristã não se faz como num passe de mágica; não é obra de um dia. É algo que deve ser constantemente construído. É preciso de ternura para perceber e acolher o outro na sua fraqueza e fragilidade; é preciso de sensibilidade e intuição para captar as necessidades, as luzes e sombras que surgem na comunidade; é preciso de muita humildade para acolher e aceitar as diferenças bem como perceber a riqueza que elas podem trazer; é preciso de muita abertura para ouvir queixas, reclamações, opiniões discordantes; é preciso de muito espírito de oração, de comunhão e intimidade com Deus para percebermos cada vez mais que a missão é d’Ele, que a comunidade é d’Ele, que a Igreja é d’Ele, que o trabalho que realizamos é missão que Ele nos confiou: “Evangelizar não é um título de glória para mim, mas uma necessidade que se me impõe”.

Estando à mesa com os seus discípulos, Jesus “tomou o pão, partiu e o deu aos seus discípulos”. Portanto, Eucaristia é pão, corpo tomado, partido, doado... é sangue derramado (Cf Lc 22, 19-20). Também o cristão que participa da mesa do Senhor deve sentir-se, no seu dia a dia, tomado, isto é, consagrado por Deus no batismo para a missão; partido e repartido para os irmãos (nas dificuldades da missão, nas crises, nas lágrimas, no suor, na falta de reconhecimento, nas ingratidões, quando tem que abrir mão do que gosta...). E, finalmente, doado: dado por Deus ao povo. O cristão não existe para si mesmo, existe para os irmãos.

Nesta construção da comunidade e da pessoa é que a eucaristia vai transformando a sociedade. O cristão eucaristizado vai percebendo que a sociedade que mata, que rouba, que corrompe, que sonega impostos, que acumula, que explora, que destrói precisa ser modificada. Então ele entende aquela recomendação que São João Crisóstomo, nos idos do século IV, fazia à comunidade: “Queres honrar o Corpo de Cristo? Então não o desprezes quando o vês em andrajos. Depois de tê-lo honrado na igreja em vestes de seda  não deixes que morra de frio fora, porque não tem com que vestir-se. É, de fato, o mesmo Jesus que diz: ‘Isto é o meu Corpo’ e aquele que diz: ‘tu me viste com fome e não me deste de comer – aquilo que recusaste ao menor de meus irmãos foi a mim que o recusaste’. O corpo de Cristo na Eucaristia exige almas puras, não ornamentos preciosos. Mas no pobre, Ele pede todos os teus cuidados. Comportemo-nos como santos: honremos o Cristo como ele mesmo quer ser honrado: a homenagem mais agradável é sempre aquela que o homenageado deseja receber, não aquela que nós queremos fazer-lhe. Pedro pensava estar honrando seu Mestre não permitindo que o Senhor lhe lavasse os pés. Entretanto, fazia exatamente o contrário. Dai-lhe, pois, a honra que Ele mesmo pediu, doando ao pobre o vosso dinheiro. Ainda uma vez, aquilo que Deus quer não são cálices de ouro, mas almas de ouro”.

Precisamos dar passos para uma nova compreensão da Eucaristia: não mais como hóstia para ser vista (2º milênio), mas como evento salvífico, memorial da Páscoa (1º milênio) que compromete nossa vida na entrega de Cristo. O Vaticano II e as posteriores reflexões em torno da Eucaristia buscam entendê-la como refeição festiva do Pão e do Vinho em memória do mistério pascal de Cristo.

Podemos afirmar que a meta suprema da Eucaristia não é a transformação dos dons (pão e vinho); os dons são sinais do que deve acontecer conosco. A meta suprema é a transformação das pessoas, da comunidade no Corpo de Cristo; isto é expresso na oração, pedindo ao Espírito Santo que transforme a comunidade no Corpo de Cristo (2ª epiclese). Na Eucaristia somos, pois incorporados a Cristo, e não nas coisas.

A intuição que teve nosso Fundador, o Servo de Deus Pe. Júlio Maira, da dimensão missionária da Eucaristia e sua estreita relação com Maria que nos introduz na intimidade do mistério eucarístico (Cf. Maria e a Eucaristia, p. 55), nos convoca a reviver o gesto de Jesus sendo uma presença eucarístico-mariana no meio do povo, contagiando-o com o ardor missionário.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Vocação e missão de profeta

aureliano, 01.02.19

4º Domingo do TC C.jpg

4º Domingo do Tempo Comum [03 de fevereiro de 2019]

[Lc 4,21-30]

O relato evangélico deste domingo é continuação do relato do domingo passado. Você está lembrado: refletimos o “programa” de vida de Jesus: “O Espírito do Senhor está sobre mim e me ungiu para evangelizar os pobres”.

Jesus está na sinagoga de Nazaré, sua terra, e inicia seu ministério profético a partir da Palavra que diz: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. A base de orientação de vida e missão de Jesus é a Palavra de Deus. E ele toma por fundamento de sua missão principalmente os textos proféticos. Pois ele é o Profeta, o Santo de Deus. Aquele que veio para ser “sinal de contradição” (Lc 2,34). Suas palavras e suas ações se tornam sinais de queda e de soerguimento. Uma vez conhecido o ensinamento de Jesus, acontece um juízo para quem entra nessa dinâmica: salvação ou condenação. Ou o acolhemos ou o rejeitamos. É o que decide o sentido e o acerto na vida, ou o desacerto de nossa passagem pelo mundo.

Muitos tinham por Jesus uma “admiração”. “Espantavam-se da mensagem da graça que saía de sua boca”. É interessante notar que o primeiro passo da fé é a admiração, o encantamento, o espanto. A pessoa começa a se sentir atraída pelo “tremendum et fascinans” do Mistério de Deus que nos envolve. Ou seja, o divino revelado por Jesus mexia com o coração da pessoa.

O problema, porém, vem logo a seguir: a rejeição. “Não é ele o filho de José?”. Não se abrem num espírito de humildade para verem e contemplarem naquele “Homem de Nazaré” a manifestação do amor de Deus que convida à conversão. Por isso se enchem de ira contra ele e o expulsam da cidade.

O relato de hoje quer nos mostrar que muitas vezes escutamos a Palavra, a admiramos, mas julgamos que ela se dirige a outros. É como se Deus estivesse falando para o meu vizinho, para alguém da minha família, para o colega de trabalho. É difícil nos colocarmos desarmados e desnudados diante da Palavra que nos interpela. Ainda mais: como é difícil acolher a palavra profética de alguém que está bem perto de nós, cujos defeitos, família, origens conhecemos bem! Mesmo que aquela pessoa esteja dizendo a verdade, preferimos nos desculpar, atirar-lhe ao rosto suas mazelas e de sua família.

Outra dificuldade muito presente em nossas comunidades são o preconceito e o privilégio. Excluímos com facilidade a pessoas, julgamos, condenamos. Uma tentação de reduzir a comunidade eclesial a um “clube” de pessoas perfeitas, conhecidas, amigas, cúmplices. E uma tendência a buscar privilégios: “fulano tem um irmão padre, é parente da secretária, é amigo do coordenador” etc. E se fazem atalhos para conseguir isso ou aquilo da igreja. Esquece-se que a Igreja é o Povo de Deus que se reúne como comunidade de fé e de vida, na busca do bem comum de todas as pessoas, a partir da fé em Jesus Cristo vivo e ressuscitado.

O ditado dos judeus: “Nenhum profeta é profeta em sua terra” não deveria encontrar ressonância entre nós. Esse ditado, assim como este outro semelhante: “Santo de casa não faz milagre”, deveriam ser banidos do nosso meio. É uma armadilha de Satanás para nos prender nos nossos vícios e defeitos. Não nos deixam mudar de vida. A Palavra de Deus mexe com nossas estruturas, mas o nosso egoísmo e autossuficiência, quais demônios terríveis, nos prendem e nos escravizam. É preciso deixar que a Luz trazida por Jesus penetre em nossa vida e, expulsando nossas trevas, ilumine nossos caminhos. Se a porta estiver fechada fica difícil a penetração da luz. “Eis que estou à porta e bato” (Ap 3,20).

O profeta é a consciência crítica do povo. Ele não fala em nome da razão simplesmente, mas em nome de Deus. Nossa Igreja, hoje, vive uma crise de profetas. Eles estão meio sumidos, apagados talvez. Todos os batizados são ungidos profetas. Mas o profetismo não aparece. Talvez pelo risco que se corre, pois o profeta é o defensor dos oprimidos, dos fracos, dos marginalizados. É a voz de quem não tem voz nem vez. É o homem da esperança e da confiança. O fracasso não o desanima. A ameaça dos maus não o intimida. O profeta, homem de Deus, vê o que Deus vê. À luz do alto, é capaz de perceber o “escondido”, de apontar saídas, de prever os riscos quando se está num caminho de morte com aparência de vida. O profeta faz uma leitura divina dos acontecimentos. Sua presença introduz uma esperança nova. Ajuda a pensar o futuro de acordo com a liberdade e o amor de Deus. Papa Francisco parece trilhar este caminho.

Fazemos memória, com saudade, de Dom Hélder Câmara, de Dom Luciano, de Irmã Dorothy, de Dom Antônio Filipe, de Pe. Jesus Moreira de Resende dentre tantos outros profetas e profetisas do Reino de Deus. Ainda há alguns profetas em nosso meio, mas parece que os ventos levam suas vozes para o deserto. Há muito dificuldade em ouvi-los. O espírito mundano pervade nossas famílias e comunidades, embaça nossa mente e nosso coração, impedindo que se ouça e se siga a voz do profeta. A busca insaciável pelo dinheiro, pelo poder a qualquer custo, pelo consumismo, pelo prazer desmedido emudece, ensurdece e cega as pessoas.

Uma palavra do Pe. José Antônio Pagola que dá o que pensar, reza assim: “Uma Igreja que ignora a dimensão profética de Jesus e de seus seguidores, corre o risco de ficar sem profetas. Preocupa-nos muito a escassez de sacerdotes e pedimos vocações para o serviço sacerdotal. Por que não pedimos que Deus suscite profetas? Não precisamos deles? Não sentimos necessidade de suscitar o espírito profético em nossas comunidades?” (O caminho aberto por Jesus, p. 88).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN