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Abençoados para abençoar

aureliano, 31.05.19

Ascenção do Senhor - 02 de junho - C.jpg

Ascensão do Senhor [02 de junho de 2019]

[Lc 24,46-53]

“Homens da Galiléia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu” (At 1,11). Estas palavras ditas pelos anjos por ocasião da subida de Jesus ao Pai são interpretadas pela Igreja como uma palavra que nos exorta a não ficarmos parados olhando para o céu, mas que continuemos nossa caminhada nos preparando para a volta do Senhor. Essa é a missão da Igreja: ensinar e ajudar a viver com o coração no céu e os olhos na terra.

No relato de hoje, Jesus se despede dos seus abençoando-os e confiando-lhes uma missão, a sua própria missão. Jesus não ficará na cova da morte, mas triunfará da morte e do pecado. Ele ressuscitará. E a comunidade dos crentes deverá anunciar o bem que ele fez à humanidade: a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações. O discípulo deve dar testemunho de tudo isso.

Dar testemunho significa mostrar com a palavra e com a vida a realidade do que se crê. Dar testemunho da morte e ressurreição de Jesus é expressar com a própria vida a bondade que Jesus manifestou em sua vida. É acolher, perdoar, curar os enfermos, doar-se aos pequenos, enfrentar os riscos e perigos para defender os pequeninos do Reino, é assumir o Deus de Jesus como o absoluto da vida. E tudo isso só será possível mediante a “força do alto”. É o Espírito Santo que dará a força, a luz e a sabedoria para que o discípulo de Jesus possa reproduzir em sua vida as ações do Mestre.

A bênção foi o grande dom que Jesus confiou aos discípulos antes de voltar ao Pai: “Ergueu as mãos e os abençoou”. É muito importante retomarmos a reflexão sobre a bênção. Vem de benedicere=bendizer. É cantar um bendito a Deus pelos dons da criação. É ação de graças ao Pai por tudo que Ele faz por nós. É também dizer palavras de bem para alguém. Foi o que fez Jesus. É o que fazem nossos pais conosco. É o que fazemos com nossos filhos, netos, afilhados etc. Deus nos livre de ser pessoas que amaldiçoam, que carregam a maldade no coração, o desejo de vingança! É preciso que sejamos como Abraão: uma benção (cf. Gn 12,2). Na medida em que nos aproximamos dele, nos tornamos discípulos de Jesus, nos enchemos de Deus, nos deixamos tomar por ele, fazemo-nos uma fonte de bênção para os outros.

O evangelho termina com estas palavras: “E estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus”. O evangelho de Lucas começa no Templo – anúncio do anjo a Zacarias – e termina no Templo. Zacarias estava no Templo oferecendo incenso ao Senhor. Aqui os discípulos estão bendizendo. Abençoados por Jesus, elevam uma oração de bênção. A bênção que transmitimos aos outros não é nossa, mas procede de Deus. Ele é o “Sol” e nós somos a “lua” que não tem luz própria, mas reflete a luz do Sol.

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Estamos celebrando o Dia Mundial das Comunicações Sociais com o tema: “Somos membros uns dos outros” (Ef 4, 25): das comunidades de redes sociais à comunidade humana. “A rede é uma oportunidade para promover o encontro com os outros, mas pode também agravar o nosso autoisolamento, como uma teia de aranha capaz de capturar. Os adolescentes é que estão mais expostos à ilusão de que a social web possa satisfazê-los completamente em nível relacional, até se chegar ao perigoso fenômeno dos jovens «eremitas sociais», que correm o risco de se alhear totalmente da sociedade. Esta dinâmica dramática manifesta uma grave ruptura no tecido relacional da sociedade, uma laceração que não podemos ignorar.

(...) É precisamente a comunhão à imagem da Trindade que distingue a pessoa do indivíduo. Da fé num Deus que é Trindade, segue-se que, para ser eu mesmo, preciso do outro. Só sou verdadeiramente humano, verdadeiramente pessoal, se me relacionar com os outros. Com efeito, o termo pessoa conota o ser humano como «rosto», voltado para o outro, comprometido com os outros. A nossa vida cresce em humanidade passando do caráter individual ao caráter pessoal; o caminho autêntico de humanização vai do indivíduo que sente o outro como rival para a pessoa que nele reconhece um companheiro de viagem.

(...) Se uma família utiliza a rede para estar mais conectada, para depois se encontrar à mesa e olhar-se olhos nos olhos, então é um recurso. Se uma comunidade eclesial coordena a sua atividade através da rede, para depois celebrar juntos a Eucaristia, então é um recurso. Se a rede é uma oportunidade para me aproximar de casos e experiências de bondade ou de sofrimento distantes fisicamente de mim, para rezar juntos e, juntos, buscar o bem na descoberta daquilo que nos une, então é um recurso” (Mensagem do Papa Francisco para o 53º Dia Mundial das Comunicações Sociais).

Nesse dia seria bom examinarmos como está nossa comunicação. A começar dentro de nossa casa. Estamos nos entendendo? Paramos para escutar? Como resolvo os conflitos: brigando ou dialogando? Ainda mais: por onde ‘navego’ nas redes sociais? A que programas de TV assisto? Que sites frequento? Que tipo de comunicação e relacionamento estabeleço no Facebook, no Twitter, no Instagram, no WatsApp etc? As redes sociais são um importante instrumento de comunicação, de informação, de formação e de evangelização. Mas é preciso utilizá-las com moderação e sabedoria.

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Gostaria de lembrar um acontecimento fundante na Igreja e para a Igreja: a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos a realizar-se nos dias 02 a 09 de junho, que traz como lema: Procurarás a justiça, nada além da justiça (Dt 16,11-20). Vale a pena ler o texto bíblico. – “A Semana de Oração pela Unidade Cristã em 2019 foi preparada por cristãos da Indonésia. Com uma população de 265 milhões, 86% dos quais se identificam como muçulmanos, a Indonésia é bem conhecida como o país que tem a maior população muçulmana. No entanto, 10% dos indonésios são cristãos de tradições diversas. Tanto em termos de população como de grande extensão de terra, a Indonésia é a maior nação do sudeste da Ásia. Tem mais de 17.000 ilhas, 1.340 diferentes grupos étnicos e mais de 740 línguas locais, mas ainda assim está unida na sua pluralidade pela língua nacional Bahasa Indonésia. A nação se baseia em cinco princípios chamados Pancasila, com o lema Bhineka Tunggal Ika (unidade na diversidade). No meio da diversidade de etnias, linguagem e religião, os indonésios têm vivido pelo princípio de gotong royong, que é viver em solidariedade e com colaboração. Isso significa ter partilha nos diversos campos da vida, no trabalho, nas tristezas e festividades, vendo todos os indonésios como irmãos e irmãs” (conic.org.br).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O que Jesus quer, mesmo, de nós?

aureliano, 23.05.19

6º Domingo da Páscoa - B - 26 de maio.jpg

6º Domingo da Páscoa [26 de maio de 2019]

[Jo 14,23-29]

Estamos no discurso de despedida de Jesus. Em breve ele será glorificado pelo Pai na sua entrega na cruz. Ao partir deste mundo, encerra sua missão terrena. De volta ao Pai deixa os continuadores de sua missão. Continua junto deles na ação Espírito Santo. Essa ação divina e trinitária se faz presente na história através da Igreja.

Existe, no entanto, um “porém”: o discípulo precisa manifestar seu amor a Jesus guardando a sua palavra. Guardar a Palavra significa ter uma vida condizente com a fé professada. Não existe fé sem amor. O amor se concretiza nas obras.

Jesus não abandona os seus. Está com eles. Envia-lhes o Consolador, aquele que os defenderá do maligno e não os deixará cair no desânimo. Aquele que não deixará o ensinamento de Jesus cair no ostracismo: “Ele vos recordará tudo o que vos tenho dito”. O que importa a Jesus é que sua mensagem não seja esquecida. Essa mensagem, Boa Nova para a humanidade, não pode ser esquecida porque é o projeto do Pai de humanização da humanidade que Jesus veio revelar.

Talvez caibam aqui algumas perguntas: O que estamos guardando de Jesus? Ou manipulamos com nossas doutrinas e conveniências o ensinamento do Mestre de Nazaré?

O Espírito Santo é a garantia de que Jesus não abandona seus discípulos à orfandade. O Consolador os defenderá do risco de se desviarem do caminho de Jesus. Ele os enviará para o meio dos pobres: “O Espírito do Senhor está sobre mim e me enviou para anunciar a boa nova aos pobres” (Lc 4,18). Essa vida segundo o Espírito educa o discípulo para viver o estilo de vida de Jesus.

Jesus deixa a paz aos discípulos. Não é a paz mundana. Mas aquela paz que garante a plenitude da vida para todos. Fruto de uma vida vivida na comunhão e intimidade com o Pai. Essa paz, haurida do coração do Pai, deve ser levada aos ambientes por onde passarmos. As pessoas de nossa convivência devem ser contagiadas por essa paz.

Um cuidado que precisamos ter é o de jamais perdermos essa paz ou nos acovardarmos diante da missão: “Não se perturbe nem se intimide o vosso coração”. Por que então há tanto medo do futuro e da sociedade moderna? Não tenhamos medo, pois o mundo tem sede e fome de Deus. Nossa missão é ajudar as pessoas a saciar sua fome e sede numa vida nova vivida de acordo com o projeto do Pai. Há grandes sinais da presença amorosa de Deus junto de nós. O Papa Francisco, por exemplo, foi um presente de Deus: ele nos convida a tornarmos nossa Igreja mais próxima do evangelho, mais fiel a Jesus. É o Senhor presente na sua Igreja.

Quero, nesse finalzinho de reflexão, deixar essas palavras tão significativas da primeira leitura de hoje (At 15,1-2.22-29), num contexto de controvérsia por causa da cultura religiosa: “Decidimos, o Espírito Santo e nós, não vos impor nenhum fardo, além destas coisas indispensáveis: abster-se de carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, das carnes de animais sufocados e das uniões ilegítimas. Vós fareis bem se evitardes essas coisas”. Qual é a questão fundamental aqui? A ameaça à comunhão da Igreja. Não há Igreja se não existe comunhão. E não há comunhão se não se eliminam as barreiras. As barreiras do preconceito, da raça, das ideologias, da intolerância, da falta de perdão. Esse relato quer nos dizer que devemos nos ater ao que é essencial: a adesão e seguimento a Jesus como Igreja, em comunhão. Não nos prendermos a crendices, a discussões ocas, a devoções vazias de sentido, a costumes que não respondem mais às necessidades de nosso tempo, a imposições religiosas, a moralismos e rigidezes doutrinárias. Precisamos, de novo, olhar para Jesus. E aprendermos dele as atitudes que nos transformam e transformam o mundo. É por isso que Carlos de Foucauld tinha como lema: “Gritar o evangelho com a vida”. É o que basta!

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Não haverá mais templo (cf. Ap 21,22)

O templo onde a comunidade se reúne é significativo, mas não indispensável. O templo de Jerusalém era sinal tangível da presença de Deus, ponto de referência, sinal de unidade. Mas corria o risco de ser espaço de falso culto, de formalidade litúrgica, de meio de exploração da fé do povo.

Hoje os templos se multiplicaram. Pra todo canto vemos um templo aberto. Mas não sei dizer até que ponto eles estão ali para ser sinal de Deus no meio de seu povo. Ser espaço de construção de unidade e fraternidade. Ser ambiente de encontro dos irmãos entre si e com Deus e de acolhida aos que chegam e saem. E até que ponto eles têm ajudado a colocar os fiéis em saída para o encontro com Deus presente nos pobres, no ser humano, templo vivo de Deus.

Um bispo mineiro, muito sábio e místico, anda dizendo que “estamos em tempos de tendas e jardins e não de templos... A Escuta exige abrir mão da inteligência para ouvir verdadeiramente a Palavra (com P maiúsculo) que o outro está dizendo... O momento é das virtudes femininas: beleza, delicadeza, gentileza... Estamos perdidos; necessitamos de espiritualidade e coragem para abrir picadas... Cristianismo não é religião; é um estado de espírito... Levem as crianças para a Serra Santa Helena e deixem que contemplem, ou para um bairro pobre e deixem elas conviverem... É preciso ouvir o batimento das coisas...”

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A identidade do cristão

aureliano, 16.05.19

5º Domingo da Páscoa - C - 19 de maio.jpg

5º Domingo da Páscoa [19 de maio de 2019]

[Jo 13,31-33a.34-35]

O contexto do evangelho de hoje é de despedida. Em breve os discípulos já não estarão mais com o Mestre. Acaba de lhes lavar os pés. Judas já tinha colocado no coração o propósito de entregá-lo. Mas Jesus não perde a serenidade e a ternura: “Meus filhinhos!”. Ele quer que fiquem gravados no coração dos discípulos seus últimos gestos e palavras.

Quando uma pessoa lúcida e serena sente chegar seu fim, costuma chamar os seus e fazer-lhes a recomendação final. Dá-lhes o testamento. Foi o que Jesus fez: deu aos discípulos “um mandamento novo: como eu vos amei, amai-vos uns aos outros”. Se os discípulos se amarem uns aos outros com aquele amor de Jesus, eles o sentirão sempre presente no meio deles.

Onde está a novidade do mandamento de amar o próximo, uma vez que já se encontrava na Escritura (Lv 19,18)? Também já se difundia a prática da filantropia entre os povos. O que há de novo no mandamento de Jesus? Certamente é aquele “como eu vos amei”. No início deste mesmo capítulo lemos: “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que a sua hora tinha chegado, a hora de passar deste mundo para o Pai, ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). O amor de Jesus se estende até às últimas conseqüências. É um amor de oferenda, de ágape.

Comentando esta passagem do Evangelho, Santo Agostinho escreve: “Mas este mandamento já não estava escrito na antiga lei de Deus, onde se lê: Amarás o teu próximo como a ti mesmo? (Lv 19,18). Por que então o Senhor chama novo o que é evidentemente tão antigo? Será um novo mandamento pelo fato de revestir-nos do homem novo, depois de nos ter despojado do velho? Na verdade ele renova o homem que o ouve, ou melhor, que lhe obedece; não se trata, porém, de um amor puramente humano, mas daquele que o Senhor quis distinguir, acrescentando: Como eu vos amei (Jo 13,34)” (Ofício das Leituras, Quinta-feira da 4ª semana da Páscoa).

Esse jeito de amar começou a se difundir entre os discípulos de Jesus. E contagiava os circunvizinhos. Por isso lemos nos Atos dos Apóstolos: “Foi em Antioquia que os discípulos foram designados pela primeira vez com o nome de cristãos” (At 11,26). Porque a comunidade reconheceu neles a mesma ação de Jesus: seguidores de Cristo. E lemos em outro lugar a admiração dos pagãos: “Vejam como eles se amam!”  (Testemunho de Tertuliano).

Este amor vivido e proposto por Jesus gera uma nova forma de vida. Não fecha a comunidade em si mesma. Ela se abre a novos horizontes de relação. Ninguém se coloca acima de ninguém. Há respeito mútuo, colaboração, fraternidade. Cria-se um clima de simplicidade, de pequenez, de igualdade. Na comunidade inspirada em Jesus não são os pequenos que atrapalham, mas os grandes.

Por isso Jesus vai indicar a carteira de identidade do cristão: “Nisto todos reconhecerão que sois meus discípulos: no amor que tiverdes uns para com os outros”. O que irá permitir reconhecer se uma comunidade é verdadeiramente cristã não será a confissão de uma doutrina, nem seus ritos e disciplinas, mas se ela vive o amor com o espírito de Jesus. É a carteira de identidade cristã.

É certo que vivemos numa sociedade avessa à prática do amor gratuito, generoso. Há trocas de sentimentos, de carícias, de presentes, de corpos, de amizade. Mas quando se exige doação, entrega, oferenda, dificilmente encontramos alguém que se disponha a fazê-lo. Uma coisa é certa: não é possível viver esse mandamento de Jesus sem rompimento com a sociedade egoísta e interesseira que nos cerca. O estilo de vida tem que mudar.

Quando olhamos para nossa Igreja em crise de identidade, com dificuldade de penetrar nas estruturas e culturas contemporâneas, podemos concluir que não se trata simplesmente de uma sociedade perversa, mas porque, por vezes nos falta a nós cristãos aquela atitude assumida e vivida por Jesus. Falta-nos o distintivo cristão.

“Não há símbolo, ícone, discurso, teoria ou espaço que poderá nos identificar como seguidores do Mestre, a não ser o amor vivido cotidianamente. Há até quem diga que formamos a Igreja-Povo de Deus para nos obrigar a conversão ao Amor” (União Marista do Brasil, Mensagem de vida, Nº 20).

Falamos muito de amor. Quando olhamos para Jesus e contemplamos suas atitudes, notamos que ele viveu o amor como algo incorporado em seu existir. Gestos de amor, brotados de um coração que ama, capaz de recriar as pessoas, de perdoar, de acolher, de lutar contra tudo o que desumanizava e fazia sofrer o ser humano. E nós...?

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Aprofundando (Trecho de uma carta escrita por volta do ano 120)

“Os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela terra, nem pela língua, nem pelos costumes. Nem, em parte alguma, habitam cidades peculiares, nem usam alguma língua distinta, nem vivem uma vida de natureza singular. Nem uma doutrina desta natureza deve a sua descoberta à invenção ou conjectura de homens de espírito irrequieto, nem defendem, como alguns, uma doutrina humana. Habitando cidades Gregas e Bárbaras, conforme coube em sorte a cada um, e seguindo os usos e costumes das regiões, no vestuário, no regime alimentar e no resto da vida, revelam unanimemente uma maravilhosa e paradoxal constituição no seu regime de vida político-social.

Habitam pátrias próprias, mas como peregrinos: participam de tudo, como cidadãos, e tudo sofrem como estrangeiros. Toda a terra estrangeira é para eles uma pátria e toda a pátria uma terra estrangeira. Casam como todos e geram filhos, mas não abandonam à violência os neonatos. Servem-se da mesma mesa, mas não do mesmo leito. Encontram-se na carne, mas não vivem segundo a carne. Moram na terra e são regidos pelo céu. Obedecem às leis estabelecidas e superam as leis com as próprias vidas.

Amam todos e por todos são perseguidos.

Não são reconhecidos, mas são condenados à morte; são condenados à morte e ganham a vida.

São pobres, mas enriquecem muita gente; de tudo carecem, mas em tudo abundam.

São desonrados, e nas desonras são glorificados; injuriados, são também justificados.

Insultados, bendizem; ultrajados, prestam as devidas honras.

Fazendo o bem, são punidos como maus; fustigados, alegram-se, como se recebessem a vida.

São hostilizados pelos Judeus como estrangeiros; são perseguidos pelos Gregos,
e os que os odeiam não sabem dizer a causa do ódio. 

Numa palavra, o que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo (Carta a Diogneto, século II).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Entre pastores e mercenários: vigiai!

aureliano, 10.05.19

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4º Domingo da Páscoa [12 de maio de 2019]

[Jo 10,27-30]

O contexto do evangelho de hoje é o de Jesus passeando dentro do Templo, por ocasião da festa da Dedicação, quando um grupo de judeus se aproxima, ameaçando-o. Jesus lhes recrimina a falta de fé: “Vós não credes porque não sois das minhas ovelhas” (Jo 10,26). Ouvindo estas palavras os judeus queriam apedrejá-lo (Jo 10,31).

E Jesus lhes diz que, para ser ovelhas do seu rebanho, precisam escutar a sua voz: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem”. Aqui está o que é essencial na fé cristã: ouvir a voz de Jesus e segui-lo. Não é cristão quem se recusa a escutar a Jesus e não se dispõe a segui-lo.

A primeira coisa que precisamos trabalhar em nós é a capacidade de escutar. Em meio a tantas vozes que ressoam aos nossos ouvidos, precisamos desenvolver a capacidade de distinguir a voz do Bom Pastor. Sua voz não se mistura com os gritos do consumismo, da teologia da prosperidade, do desespero, das ameaças, dos moralismos, do preconceito, daqueles que defendem e propagam a violência e uso das armas de fogo. A voz de Jesus se confunde com sua própria vida. Ele dá a vida por suas ovelhas. Quem não tem coragem de dar a vida, de se colocar a serviço, não pode ser ouvido nem seguido. É a voz do lobo que quer devorar: pensa somente em si mesmo. O pastor se sacrifica pelo bem das ovelhas; o mercenário sacrifica as ovelhas em seu próprio benefício.

A palavra viva, concreta e inconfundível de Jesus deve ocupar o centro de nossa vida, de nossas famílias e de nossas comunidades. Por isso precisaríamos adotar o piedoso costume de, todas as manhãs, rezar um trechinho da Sagrada Escritura. Assim vamos nos aproximando daquele ideal de discípulo que sabe ouvir e sabe dizer uma palavra de conforto ao que sofre: “O Senhor Deus me deu língua de discípulo para que soubesse trazer ao cansado uma palavra de conforto. De manhã em manhã, sim, desperta o meu ouvido, para que eu ouça como os discípulos. O Senhor Deus abriu-me o ouvido, e eu não fui rebelde, não recuei” (Is 50,4-5).

Juntamente com a escuta da voz do Pastor vem a segunda parte determinante no discipulado: o seguimento. Prega-se por aí uma religião aburguesada, descomprometida com as dores do povo. Como se o culto fosse um lugar de ‘sedar’ as consciências, de busca de ‘conforto’ espiritual, de uma espécie de ‘negócio’ com Deus. Ao ouvir a Palavra, precisamos nos posicionar. A fé cristã incide diretamente no modo de viver do cristão. A oração (diálogo com Deus) nos coloca na dinâmica da realização da vontade do Pai. É o seguimento de Jesus: crer no que ele creu, dar importância ao que ele deu, defender a causa que ele defendeu, aproximar-se dos pequenos e indefesos como ele se aproximou, confiar no Pai como ele confiou, enfrentar a cruz com a esperança que ele enfrentou.

Escutar a voz do Bom Pastor pode ser até fácil. Mas segui-lo demanda tomada de decisão, atitude cotidiana de conversão. Pe. Antônio Pagola diz que “É fácil instalar-nos na prática religiosa, sem deixar-nos questionar pelo chamado que Jesus nos faz no evangelho deste domingo. Jesus está dentro da religião, mas não nos arrasta para seguirmos seus passos. Sem dar-nos conta nos acostumamos a viver de maneira rotineira e repetitiva. Falta-nos a criatividade, a renovação e a alegria de quem vive esforçando-se por seguir a Jesus” (www.musicaliturgica.com).

Considerações necessárias:

  1. Hoje é o dia das Pastorais da Igreja. Estas são um modo de Jesus pastorear seu rebanho. Um modo de servir às várias necessidades das comunidades. Pastoral do batismo, da liturgia, da catequese, da criança, da mulher marginalizada, do menor, dos encarcerados etc. Não se trata de uma mera organização. Trata-se de um modo de serviço, a partir de Jesus, dentro da Igreja, às várias necessidades das pessoas. É importante assumir esse serviço como um ‘lavar os pés’. Jamais como meio de autopromoção, de desfile dentro do templo nos corredores e presbitérios a cata de aplausos e reconhecimento. Há pessoas na liderança da comunidade (padres e leigos) que vivem buscando vantagens, lucros, em constante competição, atrás de benesses sociais e financeiras, transformando o espaço litúrgico num palco. É preciso lançar um olhar para o Bom Pastor. Papa Francisco não se cansa de repetir que “Missa não é espetáculo, mas encontro com o Senhor”.
  2. É urgente lembrar que hoje é dia, também, de oração pelas vocações sacerdotais, religiosas e ministeriais na Igreja. Você reza pelas vocações? O que você faz para que mais pessoas tenham a coragem de dar seu sim generoso ao chamado do Pai para um serviço específico na Igreja, como padre, religioso, religiosa? Precisamos pedir ao Pai que “envie trabalhadores para a messe”. E, junto à oração, incentivar e apoiar aqueles que se dispõem a entrar nesse caminho.
  3. Há muitas formas de ser pastor: pastores devem ser os pais, os professores, os chefes de órgãos públicos. Como os líderes religiosos e políticos estão exercendo seu serviço? São pastores ou mercenários? Qual é o nível de seu interesse pela pessoa humana? – Infelizmente, o que temos presenciado, ultimamente, nos homens públicos de nosso país, enche-nos de vergonha: uma busca desenfreada pelo poder, pelo dinheiro, por benefícios pessoais, sem o mínimo de ética e de respeito pelo pobres de nossa nação! Na campanha eleitoral enchem a boca para dizer que vão defender os direitos dos pobres. Depois, enchem o bolso de dinheiro surrupiado dos pobres.
  4. Convido o leitor para ler com atenção esse trechinho da Mensagem dos Bispos, nossos Pastores, por ocasião da 57ª Assembleia Geral: “A violência também atinge níveis insuportáveis. Aos nossos ouvidos de pastores chega o choro das mães que enterram seus filhos jovens assassinados, das famílias que perdem seus entes queridos e de todas as vítimas de um sistema que instrumentaliza e desumaniza as pessoas, dominadas pela indiferença. O feminicídio, o submundo das prisões e a criminalização daqueles que defendem os direitos humanos reclamam vigorosas ações em favor da vida e da dignidade humana. O verdadeiro discípulo de Jesus terá sempre no amor, no diálogo e na reconciliação a via eficaz para responder à violência e à falta de segurança, inspirado no mandamento “Não matarás”, e não em projetos que flexibilizem a posse e o porte de armas”.
  5. Celebramos também o Dia das Mães. Seria bom nos lembrarmos neste dia das mães sofredoras. Há mães que não experimentam alegrias neste dia. Talvez experimentem ainda uma dor maior. Que tal fazermos uma visita solidária a alguma mãe sofrida? Que tal darmos uma presença a crianças que não têm a mãe por perto? Mais do que festanças, comilanças e bebedeiras, precisamos caminhar na direção de maior solidariedade!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Tu me amas?”  - O amor é a alma da missão

aureliano, 03.05.19

3º Domingo da Pascoa - C - 05 de maio.jpg

3º Domingo da Páscoa [05 de maio de 2019]

 [Jo 21,1-19]

A descrição do encontro de Jesus com os discípulos à beira do Mar da Galiléia tem clara intenção catequética. O evangelho quer mostrar que, somente com a presença de Jesus é que o trabalho evangelizador tem eficácia. Não adianta querer confiar somente em si mesmo, nas próprias forças. O trabalho resulta em vão. Outro elemento fundante no relato é o amor. A liderança que não ama a Jesus na pessoa dos irmãos mais pobres, mais fragilizados não dá conta de agir em nome do Mestre. Vai desanimar, pois está anêmica.

O trabalho se deu à noite. Ou seja, a vida para os discípulos estava obscura. Passavam, provavelmente, por perseguições e dificuldades de todo tipo. Não se pode esquecer de que os discípulos seguem a iniciativa de Pedro, o líder, mas sem a presença de Jesus. Não adianta enfrentar a “escuridão” confiando nas próprias forças. É um trabalho sem frutos. Sem a presença de Jesus ressuscitado, sem a luz de sua palavra, não há evangelização fecunda, frutuosa.

“Ao amanhecer”, ou seja, sob a luz da presença de Jesus e alimentados por sua palavra, conseguem surpreendente resultado. É a luz que brilha nas trevas da noite. Eles só reconhecem a Jesus quando seguem, com docilidade, as indicações de sua palavra. Ninguém se faz missionário, evangelizador por si mesmo. É a Palavra de Deus que nos constitui. É ela que nos recria e nos orienta. Por isso dizia Santo Agostinho: “Creio para compreender”. Ou seja, precisamos seguir a Palavra de Jesus para acreditarmos na sua presença fecunda entre nós.

Uma das dificuldades que encontramos em nossas comunidades é o excesso de trabalho. Sempre as mesmas pessoas tentando dar conta de inúmeras atividades dentro da comunidade. Há excessiva preocupação com o rendimento, com resultados, quantificação; e um descuido em manter a presença viva do Ressuscitado no trabalho pastoral. Em que isso vai dar? Cansaço inútil, desânimo, abandono. O relato do evangelho de hoje nos indica que, o mais importante não é fazer muitas coisas, mas cuidar melhor da qualidade humana e evangélica do que fazemos.

Pe. Pagola diz uma palavra que nos ajuda a pensar em nossas práticas pastorais: “Não podemos cair na ‘epiderme da fé’. É tempo de cuidar, antes de tudo, do essencial. Enchemos nossas comunidades de palavras, textos e escritos, porém, o decisivo é que, entre nós, se escute a Jesus. Fazemos muitas reuniões, porém a mais importante é a que nos congrega a cada domingo para celebrar a Ceia do Senhor. Somente nele se alimenta nossa força evangelizadora”.

Pe. Herval, nosso irmão sacramentino, costuma dizer com muita sabedoria: “Nosso povo precisa é de alimento, não de documento”. E metaforiza: “A mãe não coloca na boca da criança de peito um bife, mas o peito cheio de leite. Isto é, aquilo que a mãe comeu, transformou-se em leite para alimentar seu filhinho. O líder evangelizador deve oferecer o que foi assimilado primeiro por ele mesmo”.

Junto a essa reflexão, é preciso atentarmos também para a importância de uma “fé agindo pela caridade” (Gl 5,6). É nessa direção que o evangelho de hoje nos aponta quando mostra Jesus pedindo a Pedro: “Tu me amas?”. A liderança da comunidade precisa alimentar um amor profundo por Jesus para aguentar os embates e desafios da missão. E este amor se concretiza no amor aos irmãos, particularmente aos mais necessitados. Não se trata de um amor de amizade ou de bem-querer. Trata-se de um amor-ágape. É aquele amor que enfrenta a morte, que empenha a vida, que assume as últimas consequências como Jesus, como Maria, como os santos. Amor doação, ou amor-sacrifício, na expressão do Pe. Júlio Maria.

Vamos dar uma olhadinha para nossas comunidades e nossa vida de fé. Que lugar ocupa Jesus ressuscitado em nossas atividades? O essencial tem sido o fazer ou a vida de intimidade com o Senhor? Partimos dEle ou partimos de nós? Os trabalhos que fazemos na comunidade são em função de nossa projeção e reconhecimento social ou para que o Reino de Deus se realize na história? Onde estamos?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN