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aurelius

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Personagens e gestos iluminadores

aureliano, 31.01.20

Apresentação do Senhor - 2020.jpg

Apresentação do Senhor [02 de fevereiro de 2020]

[Lc 2,22-40]

A festa da Apresentação do Senhor remonta ao século V. Tem origem nos relatos do próprio evangelho de hoje. Quarenta dias depois de nascido o primogênito masculino, o judeu piedoso ia ao Templo apresentá-lo como sinal de gratidão, de consagração e também para oferecer o sacrifício prescrito para a purificação da mãe e do filho (cf. Êx 13,11-16).

Uma tradição que remonta às Igrejas Orientais assinalava a celebração de hoje por uma procissão com velas acesas. Trazia o nome de Nossa Senhora das Candeias. Por quê? Exatamente por causa daquele Menino trazido nos braços de Maria e aclamado por Simeão: “Luz para iluminar as nações”. Por isso o grande destaque da celebração de hoje é a Luz.

Jesus é a grande luz que veio iluminar a humanidade. “Sobre nós fará brilhar o Sol nascente para iluminar os que estão nas trevas, e nas sombras da morte estão sentados” (Lc 1,78-79). E a Igreja é a refletora dessa luz. O Concílio Vaticano II conclama a Igreja a refletir o clarão que ela recebe de Cristo, Luz das Nações. “Sendo Cristo a Luz dos Povos, este Sacrossanto Sínodo, congregado no Espírito Santo, deseja ardentemente anunciar o Evangelho a toda criatura (cf. Mc 16,15) e iluminar todos os homens com a claridade de Cristo que resplandece na face da Igreja” (LG, 01).

A missão da Igreja é ser luz. É fazer que a luz do evangelho perpasse os meandros mais tenebrosos da política, da economia, do mercado, da educação, das relações familiares e comunitárias. Nesse tempo confuso que vivemos é urgente tomarmos postura, nos posicionarmos como cristãos e católicos. Os falsos profetas estão a anunciar um evangelho que não é Boa Nova. Quando nos distanciamos dos pequenos, dos empobrecidos, dos que não contam, dos que são invisíveis na sociedade é sinal de que nos distanciamos de Cristo e de seu Evangelho. Pois ele “anunciou a boa nova aos pobres” (Lc 4,18) e “derrubou dos tronos os poderosos e elevou os humildes” (Lc 1,52). Uma grande luz que se projeta sobre nossa vida, e que nos visitará no julgamento final é o cuidado com os pequenos e indefesos: “Tudo o que fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). Eis a missão da Igreja!

Maria e José vão ao Templo apresentar o filho ao Senhor. Esse gesto é muito significativo, sobretudo, para nossos tempos em que predominam as preocupações mundanas em relação aos filhos. Qual a primeira preocupação dos pais em relação aos seus filhos? Não parece ser a de dar uma boa condição de vida? Isso tem sua importância. Mas será que deve ocupar o primeiro lugar? E os valores do evangelho? E a relação com Deus? E a experiência de trabalho? E a participação na vida da comunidade: uma boa catequese, o senso da partilha, do respeito ao meio ambiente, a honestidade, a justiça, a verdade, a promoção da paz? As crianças aprendem mais vendo do que ouvindo. As atitudes e gestos de respeito, de generosidade, de perdão, de honestidade dos pais marcam profundamente o coração dos filhos. Não adianta mandar fazer: é preciso fazer primeiro. Não adianta comprar o amor dos filhos. É preciso amá-los gratuitamente, ensinando-lhes o caminho da vida com firmeza e ternura.

Oferecer uma boa escola, boa faculdade, plano de saúde, academia, roupa de marca, celular top, carro etc parece ocupar o centro de preocupação dos pais. Mas o evangelho de hoje diz outra coisa. Os pais de Jesus tiveram como preocupação primeira a consagração do filho ao Senhor. As coisas de Deus ocupam o primeiro lugar na formação do Menino de Nazaré. Precisamos pensar nisso.

Figura interessante é a do velho Simeão. Homem “justo e piedoso”. Por ter levado uma vida segundo o ‘Ensinamento do Senhor’, estava aberto ao Espírito Santo por quem se deixava mover. Foi consolado por ver a libertação de Israel. E bendiz a Deus com confiança: “Agora podes deixar teu servo partir em paz”. Nossos idosos podem fazer essa oração? Vivem de tal modo que sentem o conforto do Pai? É de suma importância que a gente viva de tal forma que, no final da vida se possa colocar-se com confiança e alegria nas mãos do Pai. É triste ver idosos desgostosos da vida, ranzinzas, insatisfeitos, azedos. Terrivelmente triste também é ver idosos abandonados e/ou explorados! Há alguma coisa aí que precisa ser revista e melhorada!

Simeão era um homem simples. Não era do grupo dos sumos sacerdotes do Templo. Não tinha nada, a não ser uma fé confiante em Deus. Esperava... É um homem que se sente feliz. E num gesto maternal toma o menino nos braços e bendiz a Deus. Que liberdade e serenidade nesse homem de Deus! Lucas quer nos mostrar que devemos acolher Jesus como Simeão: com carinho, confiança, alegria e fé. Abraçá-lo, isto é, assumir em nossa vida seus ensinamentos.

Ana, viúva de idade avançada, passou sua viuvez no serviço do Senhor. Não ficou ociosa, de casa em casa, nem de ‘caso em caso’. Mulher resolvida na vida, tinha consciência do modo como deveria viver. A idade não era impedimento para o exercício da missão: “Falava do menino a todos os que esperavam a libertação de Israel”.

Nesse dia dedicado à Vida Consagrada, renovemos nossa consagração. O Pai nos consagrou no batismo para a missão. Então olhemos para José, Maria, Simeão, Ana, Pe. Júlio Maria, e caminhemos com confiança à luz do Senhor.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Evangelho, a boa notícia de Deus

aureliano, 24.01.20

3º Domingo do TC - A - 26 de janeiro.jpg

3º Domingo do Tempo Comum [26 de janeiro de 2020]

[Mt 4,12-23]

O primeiro escritor que recolheu a atuação e a mensagem de Jesus nas palavras “boa notícia de Deus” foi Mateus. É o Evangelho (euanggelion), a boa notícia que deve ser lida em meio a essa sociedade indiferente e desacreditada, mostrando que Jesus veio trazer algo bom, novo. Significa que não estamos perdidos, mas que temos Alguém a quem podemos agradecer e que é o “Garante” do sentido de nossa vida.

No Evangelho de Jesus nos encontramos com um Deus que, apesar de nossas fraquezas e pecados, nos dá força para defender nossa liberdade sem nos tornarmos escravos dos ídolos. Esse Deus desperta nossa responsabilidade para com os outros, mesmo que não façamos grandes coisas podemos colaborar com uma vida mais digna e alegre para os necessitados e indefesos.

Certamente, cada um de nós tem que decidir como quer viver e como quer morrer. Cada um há de escutar sua própria verdade e assumir pessoalmente sua vida. Crer em Deus não é a mesma coisa que não crer. Numa expressão brilhante do Papa Francisco: “Não se pode perseverar numa evangelização cheia de ardor, se não se está convencido, por experiência própria, que não é a mesma coisa ter conhecido Jesus ou não O conhecer, não é a mesma coisa caminhar com Ele ou caminhar tateando, não é a mesma coisa poder escutá-Lo ou ignorar a sua Palavra, não é a mesma coisa poder contemplá-Lo, adorá-Lo, descansar n’Ele ou não o poder fazer” (EG, n. 266).

Ou ainda, para encher o coração de entusiasmo, nessa expressão bonita dos Bispos Latinoamericanos: “Conhecer Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber: tê-lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria” (Documento de Aparecida, n. 29).  

A pessoa de fé sente-se bem pelo fato de andar por esse caminho que a faz sentir-se acolhida, perdoada e amada pelo Deus revelado em Jesus. Encontra sentido para sua vida e para sua morte.

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ILUMINADOS PARA ILUMINAR

O tema da luz é marcante na liturgia da Palavra de hoje. A luz é uma necessidade básica do ser humano. Aliás, a expressão que se utiliza para se referir ao nascimento de uma pessoa é “dar à luz”. E quando alguém morre costuma-se dizer: “apagou”.

O salmista canta na liturgia: “O Senhor é minha luz e salvação” (Sl 26). Há poucos dias, celebrando o Natal do Senhor, proclamamos: “Veio ao mundo a luz verdadeira que ilumina todo homem” (Jo 1,9). Deste modo, o ser humano é chamado a viver sempre na luz. As trevas, símbolo do pecado, se opõem à luz e tentam, embora em vão, lhe fazer sombra. Quando o dia amanhece, vê-se que o sol vai dissipando as trevas da noite. Assim, Jesus Ressuscitado, brilha em meio às trevas, enchendo de luz o coração do ser humano: “A noite escura se afasta, as trevas fogem da luz. A estrela d’alva fulgura, sinal de Cristo Jesus.” “Ao clarão desta luz que renasce, fuja a treva e se apague a ilusão. A discórdia não trema nos lábios, a maldade não turve a razão” (Hinos de Laudes).

A entrada de Deus em nossa história humana na pessoa de Jesus de Nazaré trouxe uma grande luz de sentido, de novo horizonte para a vida de todo aquele que nele crê. “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz (...) Fizeste crescer a alegria, e aumentaste a felicidade” (Is 9,1-2). A felicidade do ser humano está intimamente associada à vida na luz: “Quem faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que suas obras não sejam demonstradas como culpáveis. Mas quem pratica a verdade vem para a luz, para que se manifeste que suas obras são feitas em Deus” (Jo 3,20-21). Quem vive na luz não experimenta o medo doentio. Confia, espera, entrega-se. Experimenta a liberdade dos filhos de Deus (cf. Gl 5,1).

É muito importante notarmos que Jesus inicie seu ministério anunciando o Reino de Deus e convidando à conversão: “Convertei-vos porque o Reino de Deus está próximo” (Mt 4,17). Sua palavra e suas ações demonstram sua presença de luz. Veio para transmitir a luz que faz ver o pecado presente no coração humano e na sociedade a fim de que, pela conversão, se supere o mal que destrói a vida na face da terra.

Passar das trevas à luz é fazer um caminho de conversão para se entrar no Reino de Deus. Converter-se é mudar de vida, é inverter a escala de valores que o mundo propõe para assumir os valores do Reino instaurado por Jesus.

Há grande número de cristãos que, à semelhança de alguns mestres do tempo de Jesus, julgam que não precisam de conversão. Pensam que basta fazer uma “rezazinha”, acender uma vela, dar uma esmola para desencargo de consciência ou carregar a bíblia debaixo do braço e dizer que “aceitou Jesus” etc. Não! A conversão é um caminho cotidiano. O ser humano é um misto de luz e trevas. Há muitas realidades de nossa vida pessoal e da vida social que precisam ser evangelizadas.

No passado pensava-se – e ainda esta mentalidade persiste – que evangelização consistia em frequentar a catequese para os sacramentos de iniciação cristã, e pronto. Mas hoje, graças a Deus, a Igreja percebe que é preciso trabalhar a evangelização permanentemente. É preciso voltar ao evangelho. O Papa Francisco tem insistido que não adianta ir à Igreja, comungar, rezar e não mudar de vida. “Você pode ir à missa aos domingos, mas se não tem coração solidário, se não sabe o que acontece na sua cidade, (a fé) ou está doente ou está morta. (...) A fé nos faz próximos, aproxima-nos da vida dos outros. A fé desperta o nosso compromisso com os outros, desperta nossa solidariedade” (15/07/16). O importante na vida do cristão é insistir no caminho de conformar a própria vida à vida de Jesus. Tentarmos, cotidianamente, reproduzir em nossa vida os gestos de Jesus.

Todas as vezes que perdoamos, que nos solidarizamos, que evitamos dizer uma palavra que destrói e machuca, que saímos de nossa casa para socorrer alguém, que nos esforçamos para ser fiéis e respeitosos para com nossa família, que trabalhamos com honestidade, que manifestamos nossa opinião reta e verdadeira diante de atitudes desonestas e mentirosas; todas as vezes que nos organizamos para trabalhar em favor da vida, contra a corrupção e a maldade, que aliviamos o sofrimento de alguém, que colaboramos para que as pessoas sofridas e angustiadas vivam mais alegres, estamos espargindo um pouco da Luz que brota do coração do Pai, pois estamos reproduzindo os gestos de Jesus. Isto é caminho de conversão.

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O REINADO DE DEUS

O anúncio do Reino de Deus (ou dos Céus, conforme Mateus) foi o centro da vida de Jesus. Todas as suas palavras e ações foram em vista de estabelecer o Reinado de Deus no mundo.

João Batista também pregava a conversão em vista da proximidade do Reino. Porém o Reino anunciado por Jesus tem um sentido novo. É um Reino que se realiza no amor, na misericórdia, no acolhimento, na busca da justiça e da verdade. Se o reino das trevas favorece os poderosos, aumentando-lhes os privilégios, o Reino de Deus proclamado por Jesus se dá na partilha dos bens da criação, na libertação dos oprimidos, resgatando e levantando a pessoa para a dignidade de filho de Deus.

Esse Reino se concretiza pelo caminho da conversão. Sem mudar a ”maneira de pensar” (cf. Rm 12, 2), não se constrói o Reinado de Deus. A transformação social e comunitária passa necessariamente pela conversão pessoal. O Documento de Aparecida fala da necessidade da conversão pessoal para a transformação da paróquia e da comunidade. E a conversão se faz quando se olha para Jesus, se convive com ele, se deixa modelar por ele, por seu amor misericordioso.

Para a construção do Reino, o Pai conta com colaboradores. Por isso Jesus os chama para “estar com ele e enviá-los em missão” (cf Mc 3, 14). O processo de conversão no discipulado nos leva a colocar Jesus como o centro de nossa vida. Nossas decisões são movidas e iluminadas por ele, pela postura dele, pelas palavras dele. Aquilo que nos impede de ser melhores precisa ser abandonado. É assim que se vai consolidando o Reinado de Deus na história. Os discípulos que ele chama serão formados em sua escola, a comunidade. É na comunidade que vamos aprendendo a ser mais de Jesus: pelo amor fraterno, pela escuta atenta à Palavra de Deus, pela Eucaristia celebrada, pelo engajamento nas pastorais. Enfim, cada um deve encontrar seu lugar na comunidade servindo a Deus nos irmãos mais necessitados.

“Eis que estou à porta e bato”. Como reajo ao convite do Senhor? Estou disposto a trabalhar pela extensão o Reino de Deus? Há muita gente esperando pela minha resposta generosa ao chamado de Deus. Preciso dizer: “Eis-me aqui, envia-me”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Testemunhas do Cordeiro

aureliano, 18.01.20

2º Domingo do TC - A - 19 de janeiro.jpg

2º Domingo do Tempo Comum [19 de janeiro de 2020]

[Jo 1,29-34]

Vi o Espírito descer...; aquele sobre quem vires...; e eu vi e dou testemunho...” Essas expressões no relato do evangelho deste domingo nos remetem ao nosso ver e dar testemunho. João Batista não tem dúvida acerca de Jesus: “Ele é o Filho de Deus”.

Antes de tudo é preciso que o discípulo reconheça em Jesus o Cordeiro de Deus, o Servo do Senhor (em aramaico, cordeiro e servo correspondem à mesma palavra: talya), o Filho de Deus que “tira o pecado do mundo”. Sem esse reconhecimento de que Jesus, realização definitiva da Páscoa judaica, é aquele que se oferece ao Pai para salvar e libertar o mundo, não é possível fazer o caminho cristão. Não é possível fazer chegar a salvação “até os confins da terra”.

É preciso guardar também o ver de João Batista. Ele viu e deu testemunho. Vemos Jesus na comunidade, naqueles que vivem de acordo com o querer de Deus. A comunidade deve ser expressão do Cordeiro: deve estar disposta a enfrentar a morte para libertar aqueles que estão na escravidão dos “ídolos do poder, do ter e do prazer”. A comunidade cristã precisa viver de maneira tal que possa dizer àqueles que a buscam: “Vinde ver”.

Ser servo para levar, como Jesus, a salvação até os confins da terra. Ser apóstolo na busca de um caminho de santidade: “chamados a ser santos”, isto é, “ser todo de Deus” para ser todo dos irmãos.

Fomos batizados no Espírito Santo para que, assim como Jesus, o Cordeiro de Deus, libertemos o mundo do mal. Chamados a participar da mesma missão do Servo e Cordeiro: dar a nossa vida para que o pecado seja derrotado. Ser mártir é o mesmo que dar testemunho. O caminho da santidade passa pela coragem de dar a vida (cordeiro) para que muitas vidas sejam salvas. Isso é ser cristão, seguidor de Jesus, continuador de sua obra.

A Eucaristia que celebramos encontra seu sentido quando repercute em nossa vida cotidiana: o corpo do “Cordeiro que tira o pecado do mundo” que comungamos deve nos tornar pessoas eucaristizadas, capazes de empenhar nossa vida para, com ele, participarmos na libertação do pecado que se manifesta na opressão, na escravidão, na humilhação, na exclusão, na ganância, na inveja, na exploração, na busca do poder a qualquer custo, na preguiça e comodismo, na falta de responsabilidade, no abandono e desrespeito aos idosos e crianças etc. Esta é nossa vocação à santidade.

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A REALIDADE DO PECADO

O pecado é um ataque ao Criador, ao ser humano e ao cosmo. É uma tentativa de descriação, de destruir o mundo criado por Deus. É a busca de alterar o outro e desrespeitá-lo na sua dignidade. E é uma vontade de voltar ao estado, dito pela psicanálise, de indiferenciação: estado fusional com a mãe que traz conforto, despreocupação, irresponsabilidade. Por isso o pecado leva à morte. Ele é destruidor da vida. E Jesus veio “para que todos tenham vida”. Veio “tirar o pecado do mundo”.

No evangelho de hoje escutamos João Batista dizer: “Aquele que tira o pecado do mundo”. Então Jesus não só perdoa, mas tira o pecado. Parece significar que o pecado deve ser arrancado do mundo, não somente perdoado. Crer em Jesus significa também empenhar nossas forças para que o mal, o pecado, a injustiça, a iniquidade sejam arrancados do mundo.

Mas o que é mesmo o pecado? Uma realidade que afeta o mais profundo do ser humano e o desumaniza. Quase sempre definimos pecado como uma “ofensa” a Deus. Na verdade o pecado é a recusa em aceitar a Deus como Pai e, consequentemente, em ferir a fraternidade que o Pai tanto deseja de todos nós. É o nosso fechamento ao amor de Deus. O pecado é o egoísmo que nos faz pensar somente em nós mesmos, nos nossos interesses, em nosso bem-estar em detrimento dos outros. É autocentramento.

Pe. Antônio Pagola dá uma definição que ajuda a compreender bem o que é o pecado: “Na medida em que nos servimos de nosso pequeno poder físico, intelectual, econômico, sexual, político... não para servir ao irmão, mas para utilizá-lo, dominá-lo e conseguir nossa felicidade a suas expensas. Este pecado está presente no coração de cada ser humano e no interior das instituições, estruturas e mecanismos que funcionam em nossa economia, nossa política e nossa convivência social” (O Caminho aberto por Jesus: Evangelho de João, p. 38-39).

De modo geral há entre nós grande confusão entre pecado e fraqueza. O pecado ocorre quando delibera-se livremente em transgredir a Lei de Deus. É a opção livre e consciente pelo mal. É o desejo de onipotência, de “ser como deus”, de ser o centro da vida. A fraqueza é uma transgressão involuntária da Lei. Uma realidade que faz parte da finitude humana, que está para além de das próprias forças. A fraqueza se dá naquelas situações “mais fortes do que eu”. Pode ocorrer também que a pessoa escolha o pecado, mas para fugir da responsabilidade diz que aquela situação foi mais forte do que ela. Então já não se trata de fraqueza, mas de pecado.

O que importa de tudo o que foi dito é que Jesus veio “tirar o pecado do mundo” e quer que nos empenhemos para que o mal, a injustiça, a mentira, a desonestidade e todo tipo de perversidade não prevaleça no mundo. Para que o amor de Deus seja o vínculo que reúna as pessoas, que leve ao perdão mútuo e à compaixão para com os mais necessitados. Afinal de contas, “no entardecer da vida seremos julgados pelo amor” (São João da Cruz). O exame final se dará a partir do que fizemos ou deixamos de fazer aos mais pequeninos com quem o Senhor se identifica (cf. Mt 25,31-46). “Feliz quem pensa no fraco e no indigente, no dia da infelicidade o Senhor o salva; o Senhor o guarda, dá-lhe vida e felicidade na terra, e não o entrega à vontade de seus inimigos! O Senhor o sustenta no seu leito de dor, tu afofas a cama em que ele definha” (Sl 41,2-4).

*Para maior aprofundamento desse assunto, recomendo: Pecado: O que é? Como se faz?. XAVIER THEVENOT.  Loyola).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Batismo: conversão e compromisso

aureliano, 10.01.20

Batismo de Jesus - 12 de janeiro 2020 - A.jpg

Batismo do Senhor [12 de janeiro de 2020]

[Mt 3, 13-17]

Com a festa do Batismo de Jesus, a Igreja encerra o tempo do Natal. O Batismo de Jesus é mais uma Epifania: manifestação de Jesus como o “Filho amado” do Pai. Ele é quem levará a termo o projeto de Deus, por isso exige a João “cumprir toda a justiça”.

Se Jesus é o Filho de Deus, por que quer ser batizado? Que significa o batismo de Jesus?

O batismo de João é um batismo de conversão, um rito de purificação que prepara “os caminhos do Senhor”. Desde a concepção de Jesus, João Batista esteve a ele relacionado. Agora aparece nos inícios de sua vida pública, anunciando a conversão à prática da justiça como caminho para remover o pecado.

Quando Jesus, diante da recusa de João em batizá-lo, insiste em que se deve cumprir “toda a justiça”, ele está mostrando que veio para realizar o plano da salvação que o Pai preparou para a humanidade; veio cumprir a vontade do Pai num amor incondicional à humanidade, que culmina com a cruz. Também se expressa aqui o que o batismo simboliza para Jesus: mergulho na condição humana, menos o pecado. No entendimento dos Santos Padres da Igreja, esse gesto de Jesus santifica as águas do batismo. Assim Jesus santifica todas as atividades humanas, toda a criação com sua “descida” no batismo à nossa condição humana.

A festa do Batismo de Jesus deve nos levar a refletir sobre o nosso batismo. Este não significa meramente o perdão dos pecados, como o de João, nem uma bênção ou coisa semelhante. Batismo cristão é a participação no batismo de Cristo e na sua missão como Servo de Deus, no Espírito. Ser batizado é tornar-se servidor dos irmãos e irmãs dentro de uma comunidade cristã. É seguimento a Jesus que, “ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder, andou por toda parte fazendo o bem e curando a todos que estavam dominados pelo diabo” (At 10, 37-38).

Vamos rezar um pouco nosso batismo, rever nossos compromissos batismais, nossa vida em comunidade, nossa prática da justiça e da bondade. Seria bom que todo batizado soubesse o dia de seu batismo e o celebrasse. O Pe. Júlio Maria, fundador de nossa Congregação, Missionários Sacramentinos, dava mais ênfase ao dia do seu batismo do que ao do seu natalício. Penso que pode ser uma experiência a nos ajudar a revitalizar em nós o espírito missionário e comprometido próprios do batismo cristão.

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BATISMO: VIVER SEGUNDO O ESPÍRITO

A festa do Batismo do Senhor quer nos ajudar a pensar e a rezar o nosso batismo, nossa consagração radical que o Senhor fez de cada um de nós. Ao consagrar-nos exclama como fizera ao seu próprio Filho: “Este é meu filho amado”.

O evangelho deixa entrever dois aspectos muito interessantes da vida de Jesus: sua relação com Deus e sua solidariedade com o povo. Havia uma expectativa geral em torno do Messias. A Palestina passava por uma opressão muito grande por parte do poder romano. Pipocavam movimentos messiânicos. Esta é a razão da confusão que o povo fazia a respeito de João e de Jesus.

João, um homem cheio de Deus, não se deixou levar pela vaidade e declarou: “Virá aquele que é mais forte do que eu... Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”. Reconhece em Jesus o enviado do Pai que realiza um batismo que comunica a vida nova na força do Espírito Santo. Pregava um “batismo de conversão”.

O primeiro aspecto a ser ressaltado no relato de hoje é a solidariedade de Jesus com o povo. Por que Jesus quis ser batizado? Ele já não é o Filho de Deus? – Jesus se faz solidário com a humanidade. Entra, humildemente, na fila dos pecadores e pede a João o batismo de conversão. Não que ele precisasse desse rito, mas quer cumprir em tudo a vontade do Pai e sua missão. É o “Servo do Senhor”. “Não quebra a cana rachada nem apaga um pavio que ainda fumega; mas promoverá o julgamento para obter a verdade” (Is 42,3).

O batismo cristão não é um rito para nos afastar do mundo, mas nos reenvia renovados para fazermos o novo acontecer. Nós cristãos precisamos lançar um olhar mais profundo e contemplativo sobre essa atitude de Jesus e criarmos coragem para nos lançarmos, de modo novo, a partir do batismo que nos consagra radicalmente ao Pai, para sermos uma presença de Igreja solidária no meio do povo. Ajudar o povo a fazer um caminho de conversão, de reencantamento por Jesus Cristo, de paixão pelo Reino, de coragem para enfrentar os promotores da violência e da morte, na construção de uma sociedade de paz e de mais vida.

Rezemos um pouco mais nosso batismo. Que diferença faz ser batizado ou não? Que diferença faz crer ou não crer? O batismo que você recebeu quando criança interfere em suas atitudes, em seu modo de viver, de se relacionar, de lidar com o poder e com dinheiro? Como você tem vivido sua vida de oração? Reserva algum tempo para a intimidade com o Pai? Procura ser solidário com os pequenos e pobres, com os doentes e pecadores? – João Batista ainda não descobrira a relação misericordiosa e afável com os debilitados e marginalizados. Ele encerra a Primeira Aliança. Jesus, numa atitude reveladora da bondade do Pai, acolhia os pecadores e os perdoava, aproximava-se dos doentes e os curava, abençoava as crianças, acolhia e valorizava as mulheres. Enfim, mostrou um Deus que se aproxima para salvar.

E você, que foi batizado/consagrado, iluminado pela Palavra, orientado e instruído acerca da bondade de Deus que deve ser expressa em sua vida, como tem se colocado diante daqueles que Deus colocou no seu caminho? Você se considera filho/a de Deus? Vive como filho/a amado? O que lhe falta para ser mais fiel ao seu batismo?

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A POMBA E O ESPÍRITO SANTO

“... e ele viu o Espírito de Deus descendo como uma pomba” (Mt 3,16). O que esse relato quer dizer? Por que a iconografia cristã representa o Espírito Santo em forma de pomba? Vamos tentar compreender esse relato.

A gente precisa ir aprendendo a ler e rezar as Sagradas Escrituras relacionando os textos. Essa perícope de Mateus está relacionada com alguns textos do Antigo Testamento. Vejamos.

Bem no início da Sagrada Escritura lemos no relato da Criação que “o vento de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1,2). O talmude babilônico – uma espécie de interpretação dos rabinos ao texto bíblico - diz mais: “O Espírito de Deus pairava sobre a face das águas, como uma pomba que paira sobre os seus filhotes sem tocá-los”. Esse relato de Gênesis faz antever, de algum modo, o que Cristo Salvador realizará com sua vida salvadora. Os acontecimentos que se deram ao redor de sua vida no Jordão prenunciam a nova Criação da humanidade. O batismo trazido por Jesus nos recria, nos faz nascer de novo (cf. Jo 3,5-7).

Outro relato que não pode ser omitido é o do dilúvio. Noé enviou uma pomba para certificar-se se as águas haviam baixado. A pomba trouxe no bico um ramo de oliveira (cf. Gn 8,11). Esse relato está diretamente relacionado ao batismo de Jesus, uma vez que o dilúvio, no entendimento dos Santos Padres, prefigurava a destruição do pecado e a salvação pelas águas do batismo. Aqui aparecem claramente essas duas realidades retratadas por Mateus no batismo de Jesus: as águas e a pomba.

Portanto, é preciso ficar claro que o Espírito Santo não é uma pomba. O fato de a arte cristã retratar o Espírito Santo em forma de pomba tem estreita relação com esses relatos bíblicos. Mateus diz “descendo como uma pomba”. Ou seja, como a pomba bate as asas e faz correr um vento suave ao pousar, aquele vento produzido pelas asas da pomba pousando assemelha-se ao Espírito que “paira” sobre a criação, sobre Jesus, sobre nós, sobre a Igreja, sobre as oferendas em santificação. É o Hálito santo de Deus. A Divina Ruah.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Deus não é propriedade de ninguém

aureliano, 04.01.20

Epifania 2020.jpg

Epifania do Senhor [05 de janeiro de 2020]

[Mt 2,1-12]

A solenidade que celebramos hoje é uma festa popularmente chamada de “Santos Reis”. Caiu bem no imaginário popular a cena pintada por Mateus sobre a visita que os Magos fizeram a Jesus por ocasião do seu nascimento. O quadro é deveras bonito. Mas é bom lançarmos um olhar com mais profundidade, pois aí se esconde um grande Mistério.

Primeiro não podemos ler a cena do evangelho de hoje como um relato jornalístico. Os fatos certamente não se deram historicamente tais como estão narrados. A leitura deve ser teológica. Mateus pretende dar uma catequese para a comunidade. Vamos então tomar os pontos essenciais e tentar descobrir o que Deus nos está revelando de novo nesta Palavra da festa de hoje.

O fato de relatar Belém como local do nascimento de Jesus parece mostrar que Mateus quer convencer alguns que não podiam acreditar que o Messias pudesse nascer em Nazaré pelo fato de as Escrituras prometerem que sairia de Belém, a cidade de Davi. Belém é “casa do pão”. O Pão da vida que veio alimentar a humanidade dá-se em alimento num coxo onde os animais comiam. O alimento, o pão que ali se encontra, veio para saciar a fome da humanidade.

Os magos não eram necessariamente adivinhos, mas estudiosos dos astros. Dizem os entendidos da cultura e história daquela época que, por ocasião do nascimento de pessoas importantes, uma estrela avisava. Mateus vale-se da crença para mostrar que Alguém nasceu e foi visto através de uma estrela.

A visita e adoração dos magos contrapõem-se ao orgulho de Herodes e de todo o Israel que se recusou a dobrar a cerviz ao Deus que se fez Homem no seio de Maria. Considerava inadmissível que Deus pudesse nascer tão pobre e simples. Ademais se sentia ameaçado pelo “rei dos judeus” que acabara de nascer. Uma vez que aqueles para quem ele veio não o reconheceram (cf. Jo 1,11), manifesta-se aos pagãos, representados pelos magos. Veio para todos. É o universalismo da salvação de Deus manifestado em Jesus de Nazaré.

A estrela de que fala o texto simboliza os sinais pelos quais Deus nos fala. Ele se manifesta de muitas formas. É preciso estar com o “coração no alto”. Esse olhar para cima, para o céu quer indicar a vida de oração, de intimidade com o Pai que nos ajuda a perceber os caminhos pelos quais devemos caminhar. Herodes e os habitantes de Jerusalém, levando uma vida perversa e ambiciosa, criaram em torno de si uma nuvem tão espessa que impediu o brilho da estrela sobre a cidade. Somente depois que saíram da cidade é que a estrela foi novamente vista pelos magos. O que lhes causou grande alegria. A alegria da luz de Deus que ilumina e fortalece o coração do justo.

Quando o relato diz que os magos tomaram outro caminho de volta para sua pátria o texto nos quer dizer que é preciso ter coragem de assumir um caminho novo. Trata-se da conversão. Converter-se é mudar de trajetória, de rota. É ter coragem de assumir um novo modo de viver. E isso se dá a partir do encontro com o Senhor. Foi o que aconteceu aos magos. Aquele encontro com o Senhor da vida, reclinado na manjedoura foi tão decisivo e envolvente que assumiram um caminho novo em defesa da vida ameaçada por Herodes. O caminho de conversão nos faz contrapor-nos aos ameaçadores da vida. É preciso ter coragem de enfrentar aqueles que buscam “matar o menino”. Aqueles que querem tirar a vida a todo custo. Aqueles para quem o dinheiro vale mais do que a vida.

Que a Luz resplandecente que brota do presépio nos envolva e nos faça missionários transformados por esse Mistério que nos arrebata e nos faz pessoas renovadas para a missão.

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NÃO TER MEDO DA LUZ

Esta festa, outrora celebrada no dia 06 de janeiro, dia dos Santos Reis (Natal das Igrejas Orientais), quer nos ajudar a entender que Aquele cujo nascimento celebramos no Natal veio para todos os povos. É a Luz que ilumina as nações. Deus não veio salvar um só povo, mas todas as pessoas de todos os tempos e lugares.

O evangelho de Mateus termina com o envio dos discípulos para evangelizar “todas as nações” (Mt 28, 19). E no início ele traz o relato da visita dos Reis Magos, prefigurando exatamente isso. Os doutores de Jerusalém sabiam onde devia nascer o Messias, mas a estrela da fé não os conduzia até lá. Daqui se depreende que não basta conhecer com a cabeça. O coração precisa crer e se inclinar para os sinais dos tempos. Herodes e os doutores não viram a estrela porque estavam ofuscados pelo próprio brilho. Uma vaidade tal que escondia os sinais reveladores de Deus que oculta estas coisas aos sábios e entendidos e as revela aos pequeninos (cf. Mt 11, 25). Junte-se a isso a sede de poder de Herodes que vê na indicação da profecia, uma ameaça à sua condição de rei e senhor.

É bom ainda observarmos o medo que toma conta de Herodes: manda matar as crianças da redondeza de Belém. O medo de perder o poder faz-nos matar aqueles pelos quais nos sentimos ameaçados: uma palavra difamatória e arrogante, um gesto ofensivo, uma atitude de indiferença, fuga de responsabilidades, decisões políticas visando a vantagens pessoais etc.

Além disso, quantas crianças vítimas da fome, dos maus-tratos, da exploração. Investe-se pesado em armamento, em reformas de apartamentos públicos luxuosos que atendem aos interesses mercadológicos e vaidosos de seus moradores, enquanto que a educação, a saúde e o cuidado com os pequenos ficam relegados a segundo plano. Mesmo dentro de nossas comunidades: investimos muito recurso econômico em obras, reformas, objetos litúrgicos caríssimos ou em atividades que são vistosas, e investimos pouco em atividades sociais e missionárias que atendem às reais necessidades das crianças, dos idosos ou dos pobres e sofredores.

Peçamos ao Senhor que nos ajude a nos comprometermos na construção de um mundo mais humanizado, mais solidário, mais comprometido com os pequeninos do Reino. Todos aqueles que se empenham pela vida cabem dentro do projeto salvador de Deus. Precisamos nos unir mais em parcerias, a partir de nossas próprias comunidades e pastorais, e também com outras entidades que lutam pela vida do ser humano e do planeta, para que a luz brilhe para todos trazendo a esperança que supera o medo, o amor que supera o ódio, o serviço que vence a sede de poder e a ganância de ter sempre mais.

As pessoas de boa vontade encontram Jesus, mas os que vivem em função de seu próprio interesse têm medo de encontrá-lo: “Quem faz o mal odeia luz e não vem para a luz, para que suas obras não sejam demonstradas como culpáveis. Mas quem pratica a verdade vem para a luz, para que se manifeste que suas obras são feitas em Deus” (Jo 3, 20-21).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN