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Pedro, a rocha; Paulo, a missão: complementaridade

aureliano, 27.06.20

São Pedro e São Paulo 2020.jpg

Solenidade de São Pedro e São Paulo [28 de junho de 2020]

[Mt 16,13-19]

Hoje se celebram na Igreja duas vocações distintas e complementares: Pedro governa as responsabilidades da evangelização. Alguns o identificam com o fundamento institucional da Igreja. Jesus lhe dá o nome de Pedro que significa “pedra”, “rocha”. Sobre sua profissão de fé a comunidade é edificada. Cefas, Kepha significa gruta escavada na rocha. Nessa gruta os pobres ou os animais se escondem e/ou moram. Aí é o lugar do cuidado, da proteção, da geração da vida. A Igreja torna-se, pois, o lugar privilegiado do cuidado da vida. É a caverna rochosa onde os pequeninos do Reino encontram abrigo e cuidado.

Pedro recebe o “poder das chaves”, isto é, o serviço de administrador da comunidade. Recebe também o poder de “ligar e desligar”, isto é, o poder da decisão, da responsabilidade pastoral para orientar os fiéis no caminho de Cristo. Esse ministério é confirmado por outros textos: “Confirma os teus irmãos” (Lc 22, 31). “Apascenta os meus cordeiros” (Jo 21, 15). É a intenção clara de Jesus em prover o futuro da Igreja.

Paulo é o fundador carismático da Igreja. Aquele que se preocupa com a ação missionária da Igreja. Tem a preocupação de anunciar além-mar. Por isso é cognominado “Apóstolo das Gentes”. Representa a criatividade missionária. Vai para além do institucionalizado. Rompe com normas e leis que prendem o evangelho: Verbum Dei non est alligatum – “A palavra de Deus não está algemada” (2 Tm 2,9).

A complementaridade desses dois carismas fundadores da Igreja continua atual: a responsabilidade institucional e a criatividade missionária. Alguém deve responder pela instituição, pois esta dá suporte ao missionário. Por outro lado, alguém tem que “pisar no acelerador” da missão, sem se prender muito, para que a missão não fique refém de normas rígidas e anacrônicas. O novo desafia o institucionalizado e o atualiza. A tensão entre ambos é que mantém acesa a chama da missão.

Nesse “dia do Papa” seria bom reaquecermos nossa veneração à pessoa do Papa, sucessor de Pedro. Ele é o sinal da unidade e da caridade da Igreja. Com os limites que são próprios ao ser humano, ele continua sendo o sucessor de Pedro, o Bispo de Roma, reconhecido pela Igreja, desde a antiguidade, como aquele que “preside a assembléia universal da caridade” (Santo Inácio de Antioquia , século II).

O que importa nessas considerações é sermos pessoas que, como Pedro e Paulo, tenham a coragem de doar a vida pela causa do Reino de Deus. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas. Eles se doaram até ao sangue.  E nós? Onde estamos na doação, na entrega, na missão? Como zelamos pela nossa Igreja? Como anda nossa identidade cristã e católica frente às afrontas e desrespeito ao evangelho, à vida e à Igreja? Até que ponto sou comprometido com minha comunidade eclesial?

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Pedro e Paulo: coragem e fidelidade batismal

São Pedro e São Paulo coroam o mês de junho e as festas juninas. É interessante notar que não se trata somente de festas populares, mas há uma espiritualidade subjacente a esses momentos dentro de nossas comunidades. A alegria, o encontro, a dança, as manifestações da piedade popular, as celebrações... Claro que, em grande medida, as festas são mais pagãs do que cristãs. Muitos se valem destas festividades para lucrar muito dinheiro e garantir “curral eleitoral”. Outros se entregam à bebida e às drogas, desvirtuando o clima de alegria, confraternização e celebração da comunidade. Mas não podemos deixar morrer o sentido original e cultural destas festividades. Ainda mais: deve ficar a mensagem de que os santos mais populares deste mês: Santo Antônio, São João e São Pedro, são homens que viveram para Deus e testemunharam com sua vida a fé que professaram em Jesus Cristo.

Hoje, ao celebrarmos São Pedro e São Paulo, solenizamos as duas colunas da Igreja. "Pedro, o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel. Paulo, mestre e doutor das nações, anunciou-lhes o Evangelho da Salvação. Por diferentes meios, os dois congregaram à única família de Cristo e, unidos pela coroa do martírio, recebem, por toda a terra, igual veneração" (Prefácio da missa). Pedro representa a Igreja institucional, é a "Pedra" que recebe a incumbência de "confirmar os irmãos", enquanto Paulo representa o carisma missionário, atravessa mares e desertos para anunciar a Boa Nova do Reino, formando novas comunidades cristãs.

A profissão de fé de Pedro é a base da comunidade cristã: "Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo". É nessa fé que a Igreja se firma e caminha. É o Espírito que sustenta a caminhada da Igreja. Ela não se instituiu sobre "carne e sangue", mas no Amor gratuito do Pai revelado na entrega livre do Filho pela salvação da humanidade (cf. Jo 10,18).

As "chaves do Reino" que são confiadas a Pedro devem sempre abrir as cadeias e algemas daqueles que estão dominados pelo mal. Quanta gente presa nas amarras da mentira, da ambição, da corrupção, do ódio, do preconceito, do medo, da enganação! Nosso mundo precisa, cada vez mais,  das "chaves do Reino" para abrir-se a mais partilha, mais sentido de vida, mais perdão, mais fraternidade, mais respeito, mais equidade e compreensão.

Quando lançamos um olhar de fé sobre esses dois homens cuja solenidade celebramos hoje, percebemos quão distantes ainda estamos da vivência de uma fé autêntica, corajosa, testemunhal!

Pedro foi encarcerado por causa da fé! Levou às últimas consequências sua profissão de fé: "Tu és o Cristo". Paulo também foi preso, ameaçado e perseguido pelos de dentro e pelos de fora. Mas levou até ao fim sua missão: "Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. (...) O Senhor me assistiu e me revestiu de forças, a fim de que por mim a mensagem fosse plenamente proclamada e ouvida por todas as nações" (2Tm 4, 6-7.17).

Até que ponto damos conta de sustentar nossa fidelidade ao Evangelho, levando às últimas consequências nosso batismo? Quais são as ilusões ou dificuldades que nos fazem desanimar, abandonar a missão, a comunidade? O que constitui o "conteúdo" de nossa vida: Jesus Cristo ou as vaidades e posses da sociedade capitalista e consumista? O que preciso deixar e o que preciso abraçar com mais vigor para ser verdadeiro discípulo como Pedro e Paulo?

Nesse dia a Igreja nos pede orações pelo Papa. Ele é o sucessor de Pedro. É ele que “preside a assembleia universal da caridade” (Santo Inácio de Antioquia) e é o sinal visível da unidade da Igreja. Peçamos ao Senhor que lhe dê muita luz para conduzir a Igreja pelos caminhos de Jesus. E lhe dê muita força e coragem para enfrentar os obstáculos e as resistências que essa sociedade e as situações difíceis que os "de dentro" lhe oferecem. E que tenha a sabedoria necessária para ajudar a Igreja a se abrir ao diálogo com o novo que surge a cada dia na fidelidade a Jesus e à sua missão.

O Papa Francisco tem surpreendido o mundo com seus gestos de simplicidade, de humildade, de acolhida, de uma palavra profética. Precisamos prestar mais atenção a seus ensinamentos. Ele nos aponta o verdadeiro caminho pelo qual a Igreja deve passar. Ele pede uma Igreja em saída para as periferias geográficas e existenciais. Uma presença e defesa dos mais pobres. “Prefiro uma Igreja acidentada, a uma Igreja doente por fechar-se”.

“A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque nesse caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e exige-o o amor por toda a pessoa, independentemente do seu desenvolvimento. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandona, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura, e em todas as formas de descarte. Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo, onde alguns festejam, gastam folgadamente e reduzem a sua vida às novidades do consumo, ao mesmo tempo que outros se limitam a olhar de fora enquanto a sua vida passa e termina miseravelmente” (Gaudete et Exsultate, 101).

 Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Não tenhais medo!”

aureliano, 19.06.20

!2º Domingo do TC (Pe. Valdecir -  Caminho Infini

12º Domingo do Tempo Comum [21 de junho de 2020]

[Mt 10,26-33]

Estamos no capítulo 10º de Mateus. Ele chama os discípulos e os envia em missão. Depois de transmitir aos seus discípulos sua própria autoridade (Mt 9,35 – 10,16), Jesus não lhes esconde que deverão enfrentar perseguição e sofrimento por causa dEle. Ao enviar os discípulos, Jesus lhes transmite algumas orientações. São sentenças orientadoras de Jesus para a ação missionária das comunidades. As orientações no relato de hoje querem fortalecer e prevenir o discípulo contra o medo. Não ter medo de ser perseguido por causa do evangelho.

Um dado interessante na vida é que sofrimento e perseguição são realidades diferentes. Enquanto o sofrimento é uma realidade angustiante que atinge a todas as pessoas, inocentes e culpados, a perseguição, na perspectiva da Sagrada Escritura, atinge os justos exatamente por serem justos. O amor e a fidelidade à Palavra de Deus trazem como consequência a perseguição. Nem sempre o sofrimento é fruto de perseguição. Mas a perseguição gera sofrimento. A confiança em Deus dá serenidade para lidar com a dor. É o que podemos notar em Jeremias, como nos atesta a primeira leitura deste domingo: Jr 20,10-13. Elemento fundamental neste relato é a confiança em Deus: “O Senhor está ao meu lado”.  “A ti confiei a minha causa”. “Ele livrou a vida do pobre das mãos dos malvados”.

Por três vezes o Senhor adverte: “Não tenhais medo.” Por que será que Jesus insiste tanto nesse ponto? Na verdade, o medo é um dos maiores impedimentos ao anúncio do evangelho. E este não pode permanecer escondido: “O que escutais ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os telhados”. Além disso, o medo expõe o discípulo ao risco de ser renegado: “Aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus”.

Outra dimensão do medo está na linha existencial: medo de ser rejeitado pelo grupo, medo de perder oportunidades, medo de perder o emprego, medo de passar necessidades, medo de tomar decisão, medo de perder privilégios, medo de ser criticado, medo de perder a amizade, medo de ser contaminado por alguma doença, medo de ... Na verdade é sempre medo de perder. A gente só quer ganhar. Na hora de perder, de entregar algo de nós ou nosso, “o bicho pega”. E a vida é um “perde-ganha”. Não há ninguém que sempre ganhe na vida. Todo mundo perde alguma coisa: perde os cabelos, perde a beleza, perde parentes e amigos, perde oportunidade, perde a eleição, perde tempo, perde a alegria, perde demanda judicial, perde encantamento, perde...

Acho que a gente precisa aprender a perder, a lidar com os fracassos e frustrações da vida. Um dos grandes dramas da moçada nova (e velha também!) é lidar com os fracassos, com as perdas. Tem gente que acha que vai ser “brotinho” a vida toda! E começa a pintar aqui, espichar ali, cortar acolá, malhar pra ganhar “sarado”, “bombado”. E aonde vai parar? Não há jeito: o tempo é irreversível; a finitude humana é implacável. Todo mundo caminha para o fim. Então a gente precisa dar um novo sentido à vida. E Cristo veio dar esse sentido: “Se o grão de trigo caído na terra não morrer, permanece só; mas se morrer, produzirá muito fruto” (Jo 12,24).

Proclamar o Evangelho do Reino, na comunhão com Cristo, significa empenho pela paz, pela fraternidade, pela justiça. Há duas forças que pressionam o discípulo de Jesus para desistir da empreitada. Podemos nomeá-las em forças externas (perseguições, ameaças de morte, matança de líderes comunitários e agentes de pastorais) e forças internas (desânimo, acomodação, busca de vantagens pessoais, ganância, sede de ter e de poder etc).

Estas forças, de dentro e de fora do ser humano, podem criar uma estrutura fechada, impenetrável, egoísta, que o leva a colocar-se indiferente ao Evangelho. Poderá, talvez, escutá-lo todos os dias na igreja, mas não se deixa penetrar pela Palavra porque criou uma carapaça de busca de si mesmo, de fechamento, de egoísmo, de medo de se doar a quem mais precisa.

A grande questão que precisa ser colocada é que, se o evangelho não é vivido e anunciado, os ídolos, realidades que assumem o lugar de Deus Criador, vão consumindo a humanidade. Idolatria é uma realidade que suga todas as forças e energias que a pessoa tem. Ela mata tudo e todos. A busca do prazer, do ter e do poder a qualquer preço é vislumbre da idolatria. É colocar-se no lugar de Deus, invertendo o processo criacional. Em vez de reconhecer o Senhor como seu Deus, quer submeter o Criador ao seu domínio. Fomos criados por Deus; ele criou tudo para nós; e nós existimos por Ele e para Ele. Este é o sentido da Criação.

Podemos dizer que a mensagem principal do relato de hoje é que o discípulo de Jesus não pode se deixar levar pelo medo, pois Jesus prometeu estar com os seus. Ele não nos abandona, jamais. O medo é paralisante e contrário ao evangelho. Para anunciar o evangelho é preciso vencer o medo e ter a coragem de desapegar-se da própria vida. A confiança e a esperança devem superar o medo. Também é preciso enfrentar os inimigos internos: o comodismo, a preguiça, o envergonhar-se de assumir uma postura cristã, a busca do lucro a qualquer preço, querer sempre levar vantagem em cima dos outros etc. Vive como cristão aquele que coloca Jesus Cristo como centro de sua vida e de suas opções e decisões. O caminho que Jesus nos mostra é o caminho da vida. Sigamos por ele!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Você é um(a) operário(a) na Lavoura do Senhor?

aureliano, 12.06.20

11º Domingo do TC - A - 14 de junho.jpg

11º Domingo do Tempo Comum [14 de junho de 2020]

[Mt 9,36 – 10,8]

O relato do evangelho deste domingo está colocado no seguinte contexto: Jesus ensinando os discípulos (Sermão da Montanha: Mt 5, 6 e 7) e confirmando sua palavra com vários milagres/sinais (Mt 8 – 9,34). Depois destas ações magistrais ele escolhe um grupo para enviá-los em missão, dando-lhes autoridade e orientando-os no exercício da missão. É um Novo Povo constituído pelo próprio Jesus, novo Moisés. A lista dos Doze realiza o que prefigurava as Doze Tribos de Israel. Este Novo Povo não é apenas sinal da Aliança entre Deus e a humanidade, mas são constituídos missionários, anunciadores do Reino de Deus instaurado por Jesus.

Ao chamar e constituir o grupo dos Doze e enviá-los em missão, Jesus se distancia dos mestres de seu tempo que reuniam discípulos para ficarem em torno de si. Eram alunos. Jesus quer missionários. Itinerante, quer discípulos também itinerantes. O discípulo de Jesus é formado de tal maneira que não espera que o ouvinte venha, mas vai-lhe ao encontro, coloca-se em marcha. É preciso ir “às ovelhas perdidas”. Os discípulos compreenderam perfeitamente o que o Mestre queria. Inicialmente cuidaram da “casa de Israel”. Depois estenderam sua missão “até os confins da terra”. Por isso chegou até nós! Graças a Deus!

Um aspecto interessante que não pode passar despercebido é a presença de Judas Iscariotes na lista dos Doze. Isto mostra que Jesus quer contar com todos. Não discrimina ninguém. Dá oportunidade a todos. Mesmo aqueles que traem, que dissimulam, que não se dispõem a entrar no projeto de Jesus, são chamados e enviados. Isto pode nos ajudar a ter paciência para trabalhar com os dissimulados. É aquela paciência em deixar crescer juntos o joio e o trigo: a nós compete semear; é o Pai quem faz a colheita. Mas também nos adverte quanto ao risco que corremos de fazermos parte do grupo de eleitos, e sermos infiéis à oportunidade que Deus nos dá. Deus chama, consagra e envia, mas a resposta e a acolhida são de cada um na sua liberdade.

 “Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor”. Jesus quer contar conosco na sua “lavoura”. Quer que tenhamos aquela sensibilidade que ardia no seu coração. Só será possível despertar em nós essa sensibilidade se nos dispusermos a conviver com Jesus. Sem intimidade com o Mestre é impossível percebermos a dor e o sofrimento dos pobres. Sem convivência com Jesus não teremos coragem de sair de nossa vida cômoda e curarmos as feridas dos que sofrem.

Não é fácil lidar com problemas dos outros! “Curar os enfermos” significa trabalhar em favor de quem tem menos vida; lutar pelos que sofrem em suas residências ou nas filas dos postos de saúde e hospitais. Ter um olhar de carinho para com aqueles que vivem sofridos e angustiados pelas lutas de cada dia. Já pensou naquela mãe ou pai cujo filho com deficiência exige cuidados dia e noite? Ou naquela mãe que não sabe o que fazer de seu filho/filha envolvido na droga e na criminalidade? Ou mesmo, que pensar daquele filho/a cuja mãe acamada ou desfalecida não encontra apoio nos irmãos ou familiares para colaborar nos cuidados com o doente?

Ressuscitar os mortos”: empenhar-se na defesa da vida das pessoas e da Casa Comum, o Jardim que Deus criou para nós. Alimentar a esperança naqueles que se encontram angustiados, sem perspectiva de vida, enlutados, sobretudo nesses tempos sombrios e dolorosos da covid-19. Ajudar a fortalecer no coração a confiança em Deus e o desejo de lutar pela vida.

“Limpar os leprosos” pode significar purificar a sociedade de tanta corrupção que assola a economia do País e a vida dos pobres. Corrupção significa também estado de putrefação. A podridão moral e social em que vivemos é como uma lepra, doença contagiosa, que contamina os sãos. Não se contaminar e trabalhar para que este mal não destrua ainda mais os pequenos e pobres. A violência no campo e na cidade, a disseminação de roubos e furtos, o desrespeito generalizado é como uma lepra que tem origem em líderes religiosos, políticos e judiciários que são colocados como ‘modelos’ sociais, porém tomados pela “lepra”.

“Expulsar os demônios” significa libertar as pessoas de tudo o que escraviza, domina, oprime. Assim, podemos nomear alguns demônios: a mentira, a traição, o roubo, a desonestidade, a ganância, a exploração, o preconceito, a fofoca, o desrespeito, a preguiça, a disseminação do ódo etc. Esses demônios impedem a pessoa de se realizar como ser humano e gera muito mal na vida no mundo.

Jesus nos constituiu como Igreja, novo Povo de Deus, não para ficarmos em torno de nós mesmos, de nosso egoísmo, de nossos caprichos e vaidades. Somos Povo de Deus para uma ação mais eficaz na história: “a messe é grande e precisa de operários”. Há muitos batizados, mas poucos são os operários.

A propósito da escassez de operários e da vastidão da lavoura, transcrevo aqui uma sugestiva palavra de São Gregório Magno: “Ouçamos o que diz o Senhor aos pregadores enviados: A messe é grande, mas poucos os operários. Rogai, portanto, ao Senhor da messe que envie operários a seu campo. São poucos os operários para a grande messe (Mt 9,37-38). Não podemos deixar de dizer isto com imensa tristeza, porque, embora haja quem escute as boas palavras, falta quem as diga. Eis que o mundo está cheio de sacerdotes. Todavia na messe de Deus é muito raro encontrar-se um operário. Recebemos, é certo, o ofício sacerdotal, mas não o pomos em prática” (Das homilias sobre os Evangelhos, de São Gregório Magno, Papa, Séc. VI).

A participação na Eucaristia não pode ser um modo de nos tornarmos aceitos por Deus e tranquilizarmos nossa consciência. Participar da Eucaristia é nos colocarmos decididamente ao lado de Jesus e do Evangelho e assumirmos efetivamente a defesa da vida dos filhos de Deus. É revermos nossa missão, ocupar nosso lugar no Reino de Deus, assumir nosso trabalho sem preguiça e sem mediocridade como operários, trabalhadores da messe do Senhor.

Você participa da Eucaristia para se sentir em paz ou para trabalhar na vinha do Senhor? Você se sente operário na lavoura de Deus, ou se sente apenas batizado? Como você vive sua vida cristã? Ela algum traço de Jesus? Tente listá-los. 

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Memória celebrada: vidas cuidadas

aureliano, 10.06.20

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Corpo e Sangue de Cristo [11 de junho de 2020]

[Jo 6,51-58]

Celebramos, hoje, na Igreja Católica, a Solenidade de Corpus Christi. Gostaria de abordar um aspecto desta celebração que julgo ser constitutivo da essência da Eucaristia. Trata-se do verbo fazer: “Fazei isto em memória de mim” (cf. 1Cor 11,24-25).

Quero, em primeiro lugar, chamar a atenção para o gesto de Jesus: “fazei isto”. Não se trata de u’a mera repetição do rito de tomar o pão e o cálice e pronunciar as palavras sagradas. Este “fazei” está se referindo ao gesto de Jesus se entregar por nós. Pão partido e entregue e sangue derramado. Deu-se totalmente: “amou-os até o fim” (Jo 13,1).

Em segundo lugar, este “fazei” se liga a outros gestos e palavras de Jesus. Assim, na Última Ceia, depois de lavar os pés dos discípulos, diz: “O que fiz por vós, fazei-o vós também” (Jo 13,15). Ou seja, o gesto de lavar os pés dos discípulos foi um gesto eucarístico: Jesus saiu da mesa, depôs o manto, tomou o avental, desceu e se abaixou para lavar os pés dos discípulos. Sair de si e ir ao encontro de alguém: gesto eucarístico de Jesus, gesto eucarístico do discípulo. Jesus, na Ceia, se refere a este “fazer”.

outro “fazer” muito significativo nos relatos evangélicos. Trata-se da parábola do Bom Samaritano. Na conclusão da parábola o Senhor diz ao doutor da lei que lhe perguntara sobre o que “fazer” para alcançar a vida eterna: “Vai tu também e faze o mesmo” (Lc 10,37).

Para não estender muito, concluo com as palavras da Virgem Maria ao anjo que lhe anunciara o Mistério da Encarnação: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Um Mistério que traz a salvação para toda a humanidade quis passar pelo “fiat” de uma mulher: Maria de Nazaré.

Estas considerações sobre o “fazei isto em memória de mim” do relato da instituição da Eucaristia podem nos ajudar a entrar um pouco mais no sentido da solenidade que celebramos neste dia: Corpus Christi. Não se trata apenas de “ver” a Hóstia consagrada nem mesmo de simplesmente “comê-la”. Mas há uma consequência ética: o “fazer” de Jesus precisa coincidir com nosso fazer para que não somente levemos o nome de cristãos, mas o sejamos verdadeiramente.

Eucaristia celebrada deve coincidir com Eucaristia vivida. Pão partilhado, mesa farta para todos, nada de desperdício, direitos de todos ao pão e ao chão para sustento cotidiano; cuidados com a Casa Comum: lutando contra a agressão ao meio ambiente, contra as grilagens e queimadas, agrotóxicos, destruição do Jardim de Deus; empenho em políticas públicas que levem em consideração aqueles que realmente precisam; luta contra preconceitos, violência, feminicídio, exclusão social; celebrações que ajudem os participantes a serem mais eucaristizados e eucaristizantes. “Tendo levantado os olhos, Jesus viu uma grande multidão que acorria a ele. E disse a Filipe: ‘Onde compraremos pães para que tenham o que comer?’ ... Então Jesus tomou os pães, deu graças e os distribuiu aos convivas” (Jo 6,5.11).

Tomai e comei, tomai e bebei

Meu corpo e sangue que vos dou

O Pão da vida sou Eu mesmo em refeição.

Pai de bondade, Deus de Amor

E do universo sustentai

Os que se doam por um mundo irmão.

Pe Aureliano de Moura Lima, SDN

Amados e envolvidos pelo Amor Trinitário

aureliano, 05.06.20

Santíssima Trindade - 07 de junho 2020.jpg

Solenidade da Santíssima Trindade [07 de junho de 2020]

[Jo 3,16-18]

Celebramos neste domingo a solenidade da Santíssima Trindade, o mistério de um só Deus em três Pessoas. Não se trata de uma realidade matemática, pois então pediria uma solução, mas trata-se de um Mistério que nos é superior e nos envolve, uma realidade que não cabe dentro de nossa cabeça, mas que nos convida a colocar nossa cabeça dentro desse Mistério.

 O Pai ama o Filho e o gera desde toda a eternidade; e desse amor entre o Pai e o Filho procede o Espírito Santo. O Pai enviou seu Filho ao mundo pela ação do Espírito Santo. Cumprida sua missão nessa terra, o Filho volta ao Pai e nos envia, da parte do Pai, o Espírito Consolador para animar e santificar a Igreja, Sacramento de Cristo no mundo.

O evangelho deste domingo está no contexto do encontro de Jesus com Nicodemos. Jesus lhe mostra a necessidade de um novo nascimento para se entrar no Reino de Deus. Um caminho que se faz a partir da fé no Filho de Deus, aquele que desceu do céu para dar vida ao mundo (cf. Jo 3, 7.13.15).

Jo 3, 16-18 é o núcleo do evangelho de João, o anúncio fundamental que mostra o imenso amor do Pai que envia seu Filho para salvar o mundo.

"Mundo" no evangelho de João significa aquela realidade que se opõe ao projeto de Jesus, ao Reino de Deus. São todas as forças de morte, toda a maldade que destrói a vida, que afirma a ganância, a mentira, a violência, a sede desordenada do lucro e da dominação, a sedução do dinheiro, do poder e do prazer (cf. 1Jo 2,16).

Mas Deus vem, em seu amor manifestado em Jesus Cristo, salvar este mundo. O Pai não quer a morte das pessoas, mas quer que todos sejam salvos pela fé em Jesus, aquele que ele enviou "não para julgar, mas para salvar".

O gesto do Pai de "entregar" o Filho nos remete ao gesto de oferta de sua própria vida. É o gesto eucarístico de Jesus que celebramos todos os domingos: "Isto é o meu corpo entregue por vós". No encalço deste gesto eucarístico, queremos também nós colaborar na salvação do mundo. Quando participamos da Eucaristia nós estamos dizendo com Jesus também: "Ofereço minha vida, minhas energias, minhas possibilidades e dons para participar na salvação do mundo". O 'dom' do Pai na pessoa de Jesus deve conter também nosso 'dom', isto é, nossa pessoa, nossas atitudes 'conformadas' ao gesto de Jesus: "Tenham em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus" (Fl 2, 5).

Deus não precisa de nós, nem de nossas coisas. “Ainda que nossos louvores não vos sejam necessários, vós nos concedeis o dom de vos louvar. Eles nada acrescentam ao que sois, mas nos aproximam de vós por Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso” (Prefácio Comum IV). Deus quer que sejamos no mundo a sua imagem, que manifestemos a sua presença. Cada atitude de acolhida, de perdão, de denúncia da maldade, de renúncia a vantagens espúrias, de apoio a iniciativas que promovem a justiça  e a paz; cada esforço de fidelidade à família, de cuidado com os filhos, com os idosos, com os pais, com os doentes, com a Criação; cada palavra que fortalece, que acalenta, que conforta; tudo isso é “oferenda” unida à “entrega” de Jesus, é gesto eucarístico para a salvação e libertação do mundo.

Não crer em Jesus Cristo é recusar-se a se colocar em favor da vida. Por isso "Quem não crê já está julgado", pois se coloca numa atitude de morte, de trevas, de recusa a reconhecer a Luz que veio a este mundo: "Quem faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que suas obras não sejam demonstradas como culpáveis" (Jo 3, 20).

Crer na Trindade Santa é orientar a vida pelo amor. Não bastam palavras bonitas, definições dogmáticas, afirmações fantásticas a respeito de Deus. O Mistério que celebramos hoje nos transcende, está para além de nossa capacidade de compreensão racional. A razão não dá conta do mistério senão quando se deixa banhar por ele. Por isso Santo Agostinho afirmava: Credo ut intelligam. Ou seja, para entender o mistério - que é razoável e não racional – eu, primeiro, creio. Uma vez conformadas nossa inteligência e vontade a essa realidade que nos transcende e nos envolve, começamos a compreender a beleza, a grandeza e profundidade dessa realidade de nossa fé cristã.

Pai, dai-nos a graça de realizarmos em nossa vida de família e de comunidade aquela comunhão que procede do Seio de vossa vida Trinitária. Comunidade Santíssima, na qual fomos mergulhados pelo batismo, inspirai e fortalecei nossa comunidade terrestre. Amém.

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UM POUCO DE DOUTRINA

 “O credo elaborado nos concílios ecumênicos de Nicéia (325) e Constantinopla (381) encontrou fórmulas que se tornaram depois dogmas. O dogma básico acerca da Santíssima Trindade reza assim: Em Deus há uma única natureza divina que subsiste em três Pessoas realmente distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Essa formulação abstrata não quer exprimir outra coisa senão aquilo que Jesus experimentou: que estava sempre em comunhão com o Pai, sentia-se Filho amado e que agia e falava com uma Força que o tomava, o Espírito Santo.

O importante não é afirmar os divinos Três. Isso até pode nos levar a uma heresia, vale dizer, a um erro na compreensão da fé, a heresia do triteísmo, como se houvesse três deuses. A centralidade se encontra na relação entre eles. As próprias palavras já supõem relação. Assim não existe pai simplesmente. Alguém é pai porque tem filho. Ninguém é filho simplesmente. É filho porque tem pai. Espírito, no sentido originário, significa sopro. Não há sopro sem alguém que assopre. O Espírito é o sopro do Pai para o Filho e do Filho para o Pai. Como se depreende, os Três sempre vêm juntos e se encontram eternamente entrelaçados. Em outras palavras, dizer Trindade é dizer relação, como disse o Papa João Paulo II quando esteve pela primeira vez na América Latina em 1979, em Puebla, no México: ‘A natureza íntima de Deus não é solidão, mas comunhão, porque Deus é família, é Pai, Filho e Espírito Santo’. Esse entrelaçamento foi expresso pela tradição teológica pela palavra grega pericorese que significa ‘a interrelação entre as Pessoas divinas’. Elas são distintas para poderem se relacionar. E essa relação mútua é tão profunda e radical que elas se uni-ficam. Elas ficam um só Deus-comunhão, um só Deus-amor, um só Deus-relação.

Precisamos superar a terminologia tradicional com a qual se pretendia expressar a natureza íntima de Deus. Ela é, para nossos ouvidos contemporâneos, demasiadamente formal e abstrata. No nível da experiência de fé diríamos de forma mais simples e compreensível: Deus que está acima de nós e que é nossa origem chamamos de Pai-e-Mãe eternos; Deus que está  conosco e que se faz companheiro de caminhada se chama Filho; e Deus que habita nosso interior como entusiasmo e criatividade se chama Espírito Santo. Como se depreende, não são três deuses, mas o mesmo e único Deus-comunhão que atua em nós e nos insere em sua rede de relações. Dentro de nós se realiza a eterna relação de amor e de comunhão entre Pai, Filho e Espírito Santo. Deus-comunhão está sempre nascendo dentro de nós. Por isso somos seres de comunhão e um nó permanente de relações. No início de tudo está a comunhão dos divinos Três” (L. Boff, Experimentar Deus, p. 108-110).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN