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aurelius

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A distância entre o dizer e o fazer

aureliano, 25.09.20

26º Domingo do TC - A - 27 de setembro.jpg

26º Domingo do Tempo Comum [27 de setembro de 2020]

[Mt 21,28-32]

Neste e nos dois domingos subsequentes temos três parábolas de Mateus mostrando o que acontece àqueles que, embora conhecendo, rejeitam a graça de Deus. É próprio da liturgia, na aproximação do final do ano litúrgico, acentuar os temas da conversão e da graça, mostrando, com clareza, o final escatológico pelo qual deve passar todo ser humano. Quando o justo se desvia do caminho de Deus, ele se perde. Porém, quando o malvado se converte, ele se salva.

Na parábola de hoje não está em jogo a mudança de postura - ambos mudaram -, mas o objeto da adesão: a vontade do pai. Estamos acostumados a dizer “sim, senhor” a tudo. Há uma tendência dentro de nós em buscar sempre agradar para resolvermos nossa situação ou para não experimentarmos os dissabores por vezes provocados pela atitude coerente e verdadeira. Se atende a meus interesses, se me for vantajoso, faço o que o Evangelho propõe ou a Igreja pede, mas se exigir de mim esforço, conversão, mudança de mentalidade, então procuro dar o ‘jeitinho brasileiro’. Em outras palavras: costumamos dizer “sim”, mas fazemos o que queremos ou o que mais nos convém.

Jesus conta esta parábola aos chefes da religião: liderança religiosa. Estes eram peritos em explicá-la aos outros, em dizer o que Deus queria. Cuidavam do templo, das sinagogas, dos livros sagrados. Mas não viviam o que ensinavam. Uma religião de fachada. Ter a bíblia nas mãos, falar sobre a fé para os outros, frequentar o templo são atitudes muito comuns em nosso meio. Mas viver uma vida coerente é muito raro. Parece que o problema do mundo não está na descrença - pois ‘crentes’ os há aos milhões -, mas na falta de coerência de vida. Que sentido tem pronunciar com os lábios minha fé em Jesus se minha vida não expressa esforço em segui-lo? Corremos o risco de transformar a fé em ‘religião semanal’. Ou seja, nos cercamos de atos religiosos em casa ou no templo, mas não permitimos que Deus penetre e perpasse nossa vida, nossa família, nossas decisões, nossos negócios, nosso trabalho etc. Uma religião de conveniência.

As contundentes palavras de Jesus: “as prostitutas e os publicanos vos precederão no Reino de Deus” nos fazem pensar mais seriamente sobre nossa vida quando nos julgamos “bons” e “justos”. Os que estão à margem, aqueles que não contam, acolhem a Jesus, ao passo que as elites o rejeitam. Há mulheres que se prostituem para ganhar o pão de cada dia e dar de comer a seus filhos. E os “bons” compram seus ‘serviços’. Há ‘publicanos’ que subornam e sonegam porque há “bons” que usam seus serviços ou lhes favorecem a pilantragem. Há corruptos porque existem aqueles que se deixam corromper. Algum dia as meretrizes e os publicanos poderão descobrir que há outro caminho para viverem com dignidade e honestidade sua vida, se forem ajudados pelos que buscam fazer a vontade do Pai.

Percebemos pela parábola que os “bons” precisam de conversão para entrar no Reino. Aos pecadores talvez seja mais fácil fazer um caminho de conversão: não tem mesmo nada a perder nem de que se envergonhar. Aos “bons”, acostumados aos primeiros lugares, certamente custa muito deixar seu posto de “justos” para assumir um caminho de humildade, de simplicidade, de discipulado.

Não adianta ter o rótulo de justo dizendo que vai à missa, que recebe os sacramentos, que está em dia com os mandamentos de Deus e as leis da Igreja. Estar de bem com Deus não é direito adquirido. É preciso fazer a vontade de Deus, viver como Deus quer. A vida que agrada a Deus não se contabiliza por uma somatória de práticas e ritos realizados, mas a integração fé e vida. Ou seja: o sim da fé deve ser o sim da vida. A confissão dos lábios deve tornar-se ação e gestos das mãos. O “sim” e o “não” não passam pela observância externa das leis, mas através da vida. A verdade do ser humano se descobre por suas obras. É aí que ele se dá a conhecer. É pelos frutos que se conhece a árvore.

O futuro do ser humano, da família, da criação depende de como cada um responde e executa o apelo: “Filho, vai trabalhar hoje na vinha”. O cristão de verdade é reconhecido pelos seus atos e não pelas suas intenções.

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*Hoje a Igreja celebra um santo muito significativo na vida dos pobres: São Vicente de Paulo. “Nasceu na França no ano de 1581 em uma família de camponeses, sendo o 3º filho de cinco irmãos e foi ordenado sacerdote aos 19 anos. A conjuntura na qual o nosso Vicente encontrava-se inserido era marcada pelo avesso social e econômico, considerando que naquele período tínhamos a França como uma das mais importantes potências europeias, porém, grande parte de sua população era composta por miseráveis, homens, mulheres e crianças entregues ao completo abandono, tornando-se assim indigentes sociais, negligenciados pelos ricos e poderosos daquela época, que viviam em meio ao conforto e a todo tipo de luxo que o dinheiro e o prestigio social poderia obter. Ao contrário do que muitos pensam, São Vicente de Paulo não nasceu santo, a sua tão conhecida santidade só foi alcançada após uma longa jornada de purificação e desprendimento trilhado pelos caminhos da caridade, que o levaram a atuar em diferentes vias” (revistamissoes.org.br/2019/10).

É oportuno que se leiam os ensinamentos de São Vicente, muitíssimo atuais. Sobretudo nesses tempos em que se matam os pobres e se perseguem seus defensores. Vejam o que dizia ele orientava aos seus congregados nos idos do século XVII:

“Não temos de avaliar os pobres por suas roupas e aspecto, nem pelos dotes de espírito que pareçam ter. Com frequência são ignorantes e curtos de inteligência. Mas muito pelo contrário, se considerardes os pobres à luz da fé, então percebereis que estão no lugar do Filho de Deus que escolheu ser pobre. De fato, em seu sofrimento, embora quase perdesse a aparência humana – loucura para os gentios, escândalo para os judeus – apresentou-se, no entanto, como o evangelizador dos pobres: Enviou-me para evangelizar os pobres (Lc 4,18). Devemos ter os mesmos sentimentos de Cristo e imitar aquilo que ele fez: ter cuidado pelos indigentes, consolá-los, auxiliá-los, dar-lhes valor.

(...) Deve-se preferir o serviço dos pobres a tudo o mais e prestá-lo sem demora. Se na hora da oração for necessário dar remédios ou auxílio a algum pobre, ide tranquilos, oferecendo a Deus esta ação como se estivésseis em oração. Não vos perturbeis com angústia ou medo de estar pecando por causa de abandono da oração em favor do serviço dos pobres. Deus não é desprezado, se por causa de Deus dele nos afastarmos, quer dizer, interrompermos a obra de Deus, para realizá-la de outro modo.

Portanto, ao abandonardes a oração, a fim de socorrer a algum pobre, isto mesmo vos lembrará que o serviço é prestado a Deus. Pois a caridade é maior do que quaisquer regras, que, além do mais, devem todas tender a ela. E como a caridade é uma grande dama, faz-se necessário cumprir o que ordena. Por conseguinte, prestemos com renovado ardor nosso serviço aos pobres; de modo particular aos abandonados, indo mesmo à sua procura, pois nos foram dados como senhores e protetores” (Ofício das Leituras, na Memória de São Vicente de Paulo).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Ter o pensamento de Deus

aureliano, 19.09.20

25º Domingo do TC - A - 20 de setembro.jpg

25º Domingo do Tempo Comum [20 de setembro de 2020]

[Mt 20,1-16]

“Meus pensamentos não são os vossos pensamentos; vossos caminhos não são os meus caminhos” (Is 55,8). O Profeta da ‘volta do exílio’ quer ajudar o povo a refletir que não se deve pensar em vingança contra os inimigos de outrora que os arrastaram para o exílio. É preciso passar da imagem de um Deus vingador a um Deus misericordioso que traz o povo de volta e quer salvar os malvados.

Para pensar como Deus é preciso conversão da mente e do coração. A lógica do Reino de Deus é diferente da nossa. Deus age sempre a partir da misericórdia.

Logo após trabalhar nos discípulos o desapego para se entrar no Reino: “Todo aquele que tiver deixado tudo... herdará a vida eterna” (Mt 19,29), Mateus relata a parábola dos trabalhadores da vinha. A justa distribuição do salário provoca mal-estar nos corações ambiciosos que ainda não tinham o pensamento de Deus.

O contexto da parábola são as comunidades judaicas das sinagogas que rejeitavam e expulsavam os judeus que se convertiam à fé cristã. Por se julgarem os primogênitos de Deus consideravam-se mais merecedores do que os outros, desprezando seus irmãos judeu-cristãos. Ainda outra realidade era a da comunidade judaico-cristã que tinha muita dificuldade em acolher os cristãos provenientes do paganismo. É sempre aquela história do “filho mais velho” da parábola do Pai misericordioso: quem está na casa há mais tempo julga-se sempre no direito de ser o primeiro, o mais importante, desprezando os outros.

“O teu olho é mau porque eu sou bom?” (Mt 20,15). Essa pergunta da parábola deve sempre nos acompanhar. Ela contrapõe a ambição humana à generosidade divina. Olhar as pessoas com um olhar de Deus pede de nós profunda conversão. Conversão é sair de nosso egoísmo, mudarmos a direção de nossos pensamentos e afetos para ordená-los segundo os critérios do Reino. O “contrato” de Deus não se baseia na relação de produção: “dou para que me dês”, mas na pura gratuidade. Deus ama tanto a uns como a outros, sem distinção ou discriminação. Deus nos ama, não por sermos ‘bonzinhos’, mas porque Ele é Bom. Ele faz aliança conosco de graça: é dom.

O olhar de ambição, de ganância é o grande mal da sociedade. O olhar de ambição e cobiça gera rixa, mal-estar, desentendimento na família, divisão e discórdia. Um olhar ganancioso gera dor, angústia e morte. Colocar a lente de Jesus para ver as coisas e as pessoas deve ser nosso ideal, nossa meta de todos os dias.

Outro elemento interessante da parábola é o fato de que a verdadeira recompensa não está na contrapartida do “salário” pelo trabalho na vinha, mas em ser chamado e admitido no Reino de Deus. O chamamento de Deus e nossa resposta generosa são mais importantes do que a espera de recompensa. O verdadeiro salário está em sermos chamados a participar da vida divina: “A fim de que assim vos tornásseis participantes da natureza divina” (2Pd 1,4).

Essa parábola revela também a preferência de Deus pelos pobres, pelos últimos. Eles são destinados a ser os primeiros, os eleitos. Todos que são chamados devem conservar clara a consciência de que tudo quanto receberam é puro dom: não se deve buscar retribuição ou privilégios.

Nesse clima de aprofundamento da desigualdade social em que vivemos: os ricos se enriquecendo ainda mais, com crescente aumento do número de empobrecidos e miseráveis, essa parábola nos ensina também que Deus não quer ninguém à toa, desempregado, à margem. Quer todos na vinha, no trabalho, na conquista do pão cotidiano.

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A ESSÊNCIA DE DEUS

A imagem de Deus é determinante em nossas relações. Se alimento a imagem de um deus que fica anotando no caderno meus atos bons e maus para me julgar depois da morte, certamente minha vida vai perfazer um caminho de muita angústia e rigidez ou descaso total da religião. Importa muito trabalharmos em nós e nos outros a imagem de Deus: o Deus de Jesus é essencialmente bondade, gratuidade. Ele nos vê no conjunto de nossa vida, no empenho de termos um coração bom e generoso, sensível à dor e ao sofrimento das pessoas, que seja capaz de partilhar, de amar. É o Deus da parábola desse evangelho. Por vezes resistimos em ver Deus aí, nessa atitude de bondade para com todos: com quem chega mais cedo e com quem chega mais tarde. Queremos que Deus julgue com nossos critérios. Ou seja, criamos um deus à nossa imagem e semelhança.

O administrador nesta parábola retrata o ser de Deus: Bondade - não se baseia no mérito de cada um, mas na Sua própria bondade.

A generosidade de Jesus é uma aposta no ser humano que, uma vez recebido o amor, se faça generoso e ‘chegue mais cedo’.

A Palavra de Deus nos ajuda a entender, também, que as pessoas não devem ser tratadas como merecem: devem ser amadas.

Senhor, ajuda-nos a pensar nossa vida, nossas atividades, nossa missão segundo os teus pensamentos. Ajuda-nos a vencer toda ambição e desejo de poder para que sejamos sinais luminosos de tua bondade na vida daqueles que convivem conosco. E ensina-nos a amar as pessoas para além do que elas merecem: gratuitamente, generosamente, por amor de Ti. Amém.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O perdão das ofensas

aureliano, 11.09.20

24º Domingo do TC - A - 13 de setembro.jpg

24º Domingo do Tempo Comum [13 de setembro de 2020]

[Mt 18,21-35]

Como já dissemos em outro momento, o capítulo 18 de Mateus é um discurso com orientações de Jesus sobre a Igreja. No domingo passado a liturgia da palavra nos ajudava a rever nossa vida comunitária marcada pelo pecado. Como lidarmos, na comunidade, com o irmão que peca (Mt 18,15-20)? O caminho é a tentativa permanente de salvar a pessoa porque “não é da vontade de vosso Pai que está nos céus, que um desses pequeninos se perca” (Mt 18,14).

O evangelho deste domingo quer nos ajudar a trabalhar a realidade do perdão de ofensas interpessoais. Pedro pergunta a Jesus se deve perdoar até sete vezes. Está sendo muito generoso, pois a compreensão que se tinha do perdão recíproco era bem mesquinha. Os mestres daquele tempo explicavam que Deus perdoa até três vezes. À mulher, aos filhos e aos irmãos se recomendava que fossem perdoados certo número de vezes. Mas não se sabia ao certo quantas vezes. Prevalecia, geralmente, lei do Talião: “olho por olho e dente por dente” (cf. Ex 21,22-25).

Jesus vem trazer um ensinamento novo. Pede que se perdoe sempre: “setenta vezes sete”. Número que simboliza a plenitude. É preciso perdoar sempre, ilimitadamente. Como, aliás, já ensinara: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5,44). Também no ensinamento sobre a oração, diz: “Perdoai-nos as nossas dívidas como nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6,12).

Na parábola de hoje Jesus ilumina o caminho do cristão em dificuldade com o irmão: o perdão dado ao ofensor é precedido pelo perdão recebido do Pai. O sentido da parábola está em que Deus perdoa gratuitamente, desinteressadamente a quem lhe pede perdão. A consequência disso é que o ser humano perdoado deve aprender a perdoar seus irmãos gratuitamente, isto é, ainda que não haja nenhum merecimento ou mostras de conversão ou arrependimento da parte de quem ofendeu.

A dimensão do perdão das ofensas tem profundas consequências para a história. Nenhuma comunidade humana se constrói sem perdão. Às vezes somos induzidos por algumas ideias de que o mundo seria melhor se se aplicasse uma estrita justiça, simplesmente castigando-se os maus, sem benevolência. Alguns estão a repetir por aí: “Bandido bom é bandido morto”. Mas qual seria o futuro de uma sociedade ou de uma comunidade em que se suprimisse o perdão? Aonde queremos chegar quando defendemos e promovemos o “olho por olho e dente por dente”? Como é possível conciliar a crença no evangelho e a defesa da tortura e matança? Devemos nos convencer de que só o perdão consegue impor um limite ao mal.

“Queres ser feliz por um momento? Vinga-te. Queres ser feliz para sempre? Perdoa”. Essa expressão de Lacordaire, pensador francês, diz muito. Num primeiro momento somos tomados pela ira e desejamos vingar-nos, pagar o mal com o mal. Mas a satisfação gerada por essa atitude é muito fugaz. Depois vem o remorso, peso na consciência etc.  Por isso a Igreja reza: “Sim, ó Pai, porque é obra vossa que a busca da paz vença os conflitos, que o perdão supere o ódio, e a vingança dê lugar à reconciliação” (Oração Eucarística VIII).

Quem não perdoa irá sempre culpar alguém e vingar-se. Isso produz sofrimento físico e espiritual. Não perdoar gera amargura, azedume, tristeza. Quem perdoa não deixa a amargura enraizar-se no seu coração.

Perdoar é também não julgar, não condenar, compreender, tolerar. Quando perdoamos damos um novo significado ao fato que nos magoou. O perdão realiza o encontro com a verdade de si e do outro. Perdoar é gesto de gratuidade, de generosidade que fazemos de nós mesmos a Deus e aos irmãos.

Perdoar não quer dizer fazer de conta que o mal não existiu nem ignorar a injustiça sofrida nem tampouco esquecer tudo como se nada tivesse acontecido. Não. A injustiça precisa ser reparada de alguma forma. Os instrumentais para ajudar o processo de conversão, de mudança de atitude precisam ser aplicados. E pode ocorrer de nunca nos esquecermos do mal que alguém nos fez. Mas essa lembrança não pode se transformar em ódio e desejo de vingança. O perdão é que cura a ferida.

Sem o perdão somos pesados, doentes, depressivos, agressivos, desumanos. O ressentimento e o desejo de vingança nos envenenam, tornando-nos agressivos, doentes. Podemos ser tomados pela insônia. Morremos aos poucos. Ficamos insuportáveis. Muitas doenças e males físicos e psíquicos têm sua raiz na falta de perdão.

“As conseqüências negativas da falta de perdão são tão perigosas e destruidoras que a Bíblia aconselha a perdoar antes do pôr do sol. Não deixar para amanhã. Não ir dormir com raiva: ‘Não se ponha o sol sobre vossa ira’ (Ef 4,26). Igualmente Jesus manda perdoar setenta vezes sete, isto é, sempre, imediatamente e de todo coração. O perdão é tão benéfico que deve ser dado incondicionalmente, totalmente, incansavelmente. Na oração do Pai Nosso, o perdão está ao lado do pão de cada dia. O perdão também é pão da vida, porque é o amor sem medidas, amor de mãe, amor misericordioso. É o perdão que possibilita a fraternidade e a boa qualidade do relacionamento humano” (Dom Orlando Brandes, Arcebispo de Aparecida).

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CAMINHOS DE PERDÃO

O perdão é algo divino, mas difícil de se compreender e de se viver. O perdão nos torna parecidos com Deus. Sem perdão não se constrói comunidade, família, amizade. Sem perdão é impossível viver-se bem, ser feliz.

Quando Pedro faz essa pergunta a Jesus sobre quantas vezes deve perdoar, ele está querendo uma resposta que lhe atenda o desejo: o máximo até sete vezes! O espírito de vingança dos povos antigos e também no judaísmo era muito forte. A tolerância era quase zero.

Quando Jesus lhe responde "setenta vezes sete vezes" quer dizer que se deve perdoar sempre, sem medida, sem contabilizar. Não se deve vingar nunca, de ninguém. Como Deus é misericordioso e perdoa sempre, assim deve proceder o ser humano.

Essa medida do perdão proposta por Jesus faz lembrar Lamec que diz de si mesmo ser vingado setenta vezes por ter matado um inocente (cf. Gn 4,24). Jesus quer superar esse sentimento de vingança que leva à morte e mostra que o perdão é fonte de vida para quem perdoa e para quem é perdoado. É preciso quebrar a corrente da vingança, do ódio e da violência, como fez Jesus.

Devemos perdoar porque Deus nos perdoou primeiro. Nosso perdão dado aos outros é expressão de gratidão ao Pai pelo perdão que ele nos dá. Quem perdoa é perdoado: "Perdoai-nos como nós perdoamos". A medida do perdão de Deus é sem medida. Perdoamos com a certeza de que Deus nos perdoou primeiro.

Negar o perdão é renegar a misericórdia do Pai. É rejeitar o perdão que Ele nos dá todos os dias.

Perdoar está no nível da razão/vontade/liberdade, não do sentimento/emoção. Por isso a gente não esquece, pois a dor nos faz lembrar. Perdoar está no nível da razão iluminada pela fé, pelo evangelho. Ainda que eu me lembre e me entristeça pelo mal sofrido, digo para mim mesmo e para Deus: “Por amor de Jesus Cristo eu quero perdoar”. Jesus na cruz pediu perdão pelos seus malfeitores: “Pai, perdoa-lhes, não sabem o que fazem” (Lc 23,34). E Estêvão, secundando Jesus, rezou: “Senhor, não lhes leves em conta este pecado” (At 7,60).

Como você lida com o perdão? É capaz de rezar por aqueles que ofendem você? É capaz de desejar-lhes o bem? Fortalece no coração a capacidade de ampará-los se vierem a precisar de você? - Isso é caminho de perdão.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A correção fraterna

aureliano, 04.09.20

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23º Domingo do Tempo Comum [06 de setembro de 2020]

[Mt 18,15-20]

Estamos no capítulo 18 de Mateus em que ele relata o discurso de Jesus sobre a comunidade. E o relato de hoje está imediatamente após a parábola da ‘ovelha perdida’. Essa observação é muito importante porque nos ajuda a compreender e a realizar a correção fraterna: deve-se buscar sempre trazer a pessoa de volta para a comunidade, pois a Igreja é a comunidade dos reconciliados: “Não é da vontade de vosso Pai, que está nos céus, que nenhum destes pequeninos se perca” (Mt 18,14). Cristo não nos salva somente pela sua morte na cruz, não. Ele quer nos salvar também pela comunidade na qual deseja que estejamos plenamente inseridos, em comunhão.

É muito comum entre nós falar mal dos outros, fofocar, condenar etc. Somos mestres em criticar  e condenar as pessoas. Dificilmente encontramos alguém que chame a pessoa que se julgue errada e lhe mostre o erro e o caminho de saída. Tem gente que se afasta da comunidade por causa desse ou daquele; tem gente que expulsa pessoas da comunidade por posturas julgadas inadequadas.

Pois bem, o Evangelho de hoje nos exorta a sairmos de um moralismo inconsequente  e ajudarmos o irmão que erra a fazer o caminho de volta. Chamá-lo em particular, para não humilhá-lo ou ridicularizá-lo. Numa segunda tentativa devem-se buscar testemunhas, ou seja, mostrar o interesse de outras pessoas, para que outros possam também manifestar-se em relação ao irmão que se desencaminhou. Finalmente, tendo mostrado que foram envidados todos os esforços, se não quis ouvir nem a pessoa em particular nem as testemunhas, deve-se comunicar à Igreja: a comunidade cristã é que tem o poder das “chaves”: ligar e desligar.

O que se ressalta deste texto é o desejo de Jesus que se empenhe com toda força na recuperação de quem está no caminho do mal. Lembre-se aqui do imperativo de Jesus: “Vai”. É preciso ir corrigir, e não ficar falando pelas costas, covardemente. A salvação que Jesus veio trazer passa pela comunidade. E esta precisa sempre mais se aproximar de Jesus para ser sinal de seu amor. A compaixão de Jesus, seus gestos de acolhida e de respeito, a quebra de todo preconceito, sua solicitude para com os pequenos e sofredores mostram como a comunidade cristã deve proceder.

Vale lembrar aqui, do ponto de vista político-social, a pouca-vergonha e canalhice de muitos quando sabem das roubalheiras, das propinas, dos desvios de verba, dos subornos, das sonegações de impostos, das “rachadinhas” e permanecem calados como se nada soubessem, ou mesmo buscando se beneficiar da situação. Seria hora de nos acordarmos para o Evangelho da vida nessa cultura de morte que muitas vezes recorre à própria Palavra de Deus para justificar a podridão!

“Se ele te ouvir terás ganho teu irmão”. Esta palavra de Jesus deve ecoar forte dentro de nós. Assumirmos uma postura tal que o irmão seja capaz de nos ouvir. Toda atitude condenatória, rígida, arrogante, impetuosa afasta, espanta, irrita, distancia. O Papa Francisco adverte: “Nós, os católicos, como ensinamos a moral? Não podemos ensinar apenas preceitos como: ‘Você não pode fazer isso, tem que fazer aquilo, você pode, você não pode’. A moral é uma consequência do encontro com Jesus Cristo. Para nós, católicos, é uma consequência da fé. E para os demais, a moral é uma consequência do encontro com um ideal, ou com Deus, ou consigo mesmo, mas com a melhor parte de si mesmo. A moral é sempre uma consequência. […] Algumas pessoas preferem falar de moral em homilias ou em cursos de teologia. Há um grande perigo para os pregadores, que é cair na mediocridade… condenar somente a moralidade – desculpe-me – ‘da cintura para baixo’. Mas os outros pecados, que são mais graves, o ódio, a inveja, o orgulho, a vaidade, matar o outro, tirar a vida… não se fala tanto deles” (pt.aleteia.org – 04/09/2017).

Talvez fosse oportuno fazermos um exame de consciência: como lidamos com aqueles que se afastam ou erram em nossa comunidade? Nossa atitude se assemelha à de Jesus? Costumamos falar mal dos outros, fofocarmos, condenarmos? Deixamo-nos tocar pelo sofrimento e dor do outro, pela sua situação de angústia e medo? Impomos medo nas pessoas? Ameaçamos? Ou buscamos estabelecer uma relação de confiança e liberdade?

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DIMENSÃO COMUNITÁRIA DO SACRAMENTO DA CONFISSÃO

O evangelho deste domingo nos remete a um elemento fundamental dos sacramentos da Igreja, mas que no decurso da história parece ter sido esquecido no sacramento da Reconciliação ou Confissão: sua dimensão eclesial ou comunitária. Em outras palavras, o sacramento da Penitência ou Confissão precisa retomar sua dimensão comunitária.

Já no AT os ritos de penitência eram comunitários. E, segundo consta, nos primórdios da Igreja, a confissão dos pecados era pública, ou seja, feita na comunidade. Percorrendo, porém, a história desse sacramento, constata-se ter havido uma passagem progressiva da celebração penitencial de toda a comunidade à confissão individual. Isso levou à alienação do rito do perdão nos relacionamentos da comunidade, tornando-o um ato quase mágico. Tal procedimento também desvinculou o pecado de sua dimensão comunitária, como se o pecado fosse de responsabilidade e proporções apenas individuais sem consequência na vida da comunidade.

O pecado atinge de cheio a comunidade: os corruptos e ladrões de nosso País roubam o pão dos pobres, os medicamentos e atendimento médico-hospitalar dos doentes, o direito a uma educação de qualidade crianças e jovens etc. Faz a miséria se instalar ainda mais na vida dos “descartáveis”, daqueles que não contam na sociedade. Com ele crescem a violência e o ódio. O pecado destrói a família, desfaz a alegria de viver, quebra a amizade e a comunhão entre os irmãos. O pecado explora o meio-ambiente e descarta as vidas, as culturas, as pessoas. O pecado afoga a pessoa no seu próprio ego (narcisismo) e mata a quem está por perto, pois seus tentáculos atingem tanto mais pessoas quanto maior for sua gravidade.

Ora, a celebração dos sacramentos é a rememoração e atualização do evento salvífico de Deus na história, por Cristo, no Espírito Santo. Salvação essa que se dá como evento eclesial (embora Deus possa salvar também por outros meios). Tratando-se, pois, do sacramento da Reconciliação (sinal salvífico eclesial), não parece ter sentido realizá-lo como um ato isolado. Se o Batismo, a primeira penitência ou perdão, é essencialmente comunitário, por que razão a Reconciliação, segunda penitência, foi privada de tal dimensão?

Torna-se, pois, urgente recuperar a dimensão comunitária, eclesial do sacramento da Reconciliação. Deus não salva o indivíduo no seu isolamento. Ele salva a comunidade e na comunidade. É, pois, em comunidade que deve ser operada a conversão e a busca do perdão. Na Igreja Católica, o padre ou o bispo, são os representantes da comunidade eclesial quando ministram esse sacramento. Portanto, na confissão sacramental, a pessoa é reconciliada com Deus e com a comunidade.

Se se forma o fiel cristão para o verdadeiro sentido da comunidade querida por Jesus, e para o sentido e necessidade da conversão na vida humana, se compreenderá por que Jesus centrou sua pregação na proclamação da penitência, da conversão (metanóia) como único caminho de entrada e participação no Reino de Deus: “Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede do Evangelho” (Mc 1,15).

Concluindo: o sacramento da Penitência ou Confissão se torna eficaz quando nos reconcilia com Deus e com os irmãos. Quando nos leva a uma verdadeira conversão do coração e mudança de vida. Quando nos reintroduz na vida e participação da comunidade. Quando nos leva a devolver o que roubamos, ou a alegria e paz de que privamos as pessoas.

* Setembro Amarelo: São registrados cerca de 12 mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de 01 milhão no mundo. Trata-se de uma triste realidade, que registra cada vez mais casos, principalmente entre os jovens. Cerca de 96,8% dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais.

Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias. Com o objetivo de prevenir e reduzir estes números a campanha Setembro Amarelo tem como objetivo mobilizar a sociedade para se empenhar na prevenção do suicídio. Um elemento fundamental é ouvir a pessoa que está em estado de sofrimento depressivo ou transtorno mental, sem juízo de valor. Acolher, estender a mão, estar junto. Com uma ação de generosa escuta e acolhida a gente pode salvar muitas vidas.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN