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aurelius

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A busca da santidade humaniza o mundo

aureliano, 31.10.20

Solenidade de Todos os Santos - 1º de novembro 20

Solenidade de Todos os Santos [1º de novembro de 2020]

[Mt 5,1-12]

Na profissão de fé que fazemos todos os domingos, confessamos: “(Creio) na comunhão dos santos”. Muitas vezes rezamos assim sem saber bem o que isso significa. A solenidade de hoje nos ajuda a entender o conteúdo dessa afirmação: cremos que todos aqueles que confessaram o Cristo e o testemunharam em suas vidas, que todos aqueles que já nos precederam na fé e que procuraram viver neste mundo a comunhão de vida com o Pai, estão juntos de Deus e juntos de nós. Em outras palavras: há um intercâmbio de dons e de orações entre aqueles que crêem no Cristo. “O termo ‘comunhão dos santos’ tem dois significados, intimamente interligados: ‘comunhão nas coisas santas (sancta)’ e ‘comunhão entre as pessoas santas (sancti)’” (Catecismo da Igreja Católica, 948).

Há pessoas que passaram por esta vida e que foram proclamadas pela Igreja como santas, dadas à comunidade como exemplo/inspiração de vida cristã e intercessoras junto a Deus. A Igreja quer afirmar também que elas estão, com certeza, na luz de Deus. Há, porém, uma infinidade de pessoas que viveram neste mundo uma vida santa, fazendo o bem, doando-se aos outros e que são anônimas: não tiveram nem têm nenhum reconhecimento, seus nomes não são lembrados. Muitas delas, às vezes, nossas vizinhas, parentes, colegas de trabalho etc. Pois bem, hoje é dia delas também: celebradas no Santo de Deus, Jesus Cristo, que se oferece em cada Eucaristia para nos santificar.

Quando Jesus proclama as Bem-aventuranças, ele está apresentando um programa de vida para aqueles que se dispõem a segui-lo. Em outro lugar ele diz que quem quiser segui-lo deve ‘tomar a cruz’, cotidianamente. Aqui ele não diz coisas muito diferentes. Viver uma vida pobre (desprendida) em favor dos pobres, promover a paz, suportar tribulação e aflição, ser sedento da justiça do reino, ser puro numa sociedade que só vê no outro uma possibilidade de “comê-lo=consumi-lo”, ser perseguido por causa da justiça, são realidades que necessitam de um permanente convívio com o Mestre para aprendermos dele, sermos fortalecidos por ele nesse caminho. São os caminhos da santidade.

A posse de bens e sucesso não é sinônimo de felicidade. Quem tem tudo e não precisa de nada nem de ninguém é a pessoa mais pobre que existe porque ela não tem sequer a si mesma, não se pertence, mas pertence àquelas coisas que julga possuir. Não é ela que tem dinheiro e bens, mas são os bens e o dinheiro que a têm. É uma situação triste, objetal, de escravidão! É idolatria.

Feliz não é o elogiado por todos, o aprovado por todos os poderosos do mundo, o aplaudido, que vive a fama nos palcos e nos palácios. Feliz não é aquele que por ninguém é perseguido, pois é uma pessoa que não tem nada para dizer, em nada colabora, nada acrescenta, só sabe negar-se a si mesmo e à própria consciência para agradar aos que têm poder e dinheiro. Parece agradar a todos, só não agrada a si mesmo. Vive em torno de si, num narcisismo desgraçado que o faz afogar-se na sua própria imagem, morrendo desesperado e desiludido.

Felizes são o pobre (humilde) e o perseguido por causa da justiça do Reino. Como eles, muitos outros também serão felizes. Isso é ser santo.

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EM QUE CONSISTE A FELICIDADE?

O evangelho de hoje nos ajuda a encontrar o caminho da verdadeira felicidade. Por vezes julgamos que felicidade é viver bem, é sentir-se bem, é ter muitas posses e riquezas, é posar ao lado de gente famosa, é curtir festas, praias, churrascos e bebidas, noitadas e boemias.

A busca da felicidade revela um desejo divino dentro do coração humano. O problema é que nos enganamos com facilidade, identificando felicidade com realização de desejos pessoais puramente mundanos e egoístas. Todas as vezes que nos entregamos aos instintos egoístas, nos afastamos dos caminhos da felicidade. Por outro lado, todas as vezes que saímos de nós mesmos em busca da defesa da vida, de devolvermos a alegria aos tristes, de incluirmos os oprimidos e marginalizados, de nos colocarmos ao lado dos pequenos e sofredores estamos trilhando os caminhos da felicidade verdadeira. Foi o caminho de Jesus.

Quando lançamos um olhar para a comunidade judaica do tempo de Jesus, podemos identificar o que significava felicidade para aquelas pessoas: terra, filhos, prática religiosa, saúde, vida longa, abundante colheita, paz com os vizinhos.

Mas quando olhamos para a vida de Jesus notamos que seu ideal de felicidade ia além de posses e realizações puramente materiais e individuais. Nesse aspecto ele se distanciava do ideal de felicidade presente na cultura de seus correligionários. O modo de vida de Jesus era diferente. Suas buscas não estavam dentro de si mesmo, mas no cumprimento da vontade do Pai, no cuidado com os pequenos e pobres, no perdão dado aos pecadores, na cura dos doentes e sofredores. Sua vida não girava em torno de si mesmo. Sua felicidade consistia em fazer felizes os outros. Pois essa era a vontade do Pai. Não sabia ser feliz sozinho. Neste sentido era contracultural, remava contra a maré.

Jesus veio nos ensinar que a felicidade está no empenho em atender aos interesses e necessidades dos pequeninos do Reino. Pede que não busquemos felicidade nos próprios interesses nem mesmo nos interesses da própria religião, mas fazendo da religião um modo de viver que promova o bem e a alegria de todas as pessoas.

Felizes os que têm coração de pobre, que sabem viver com pouco. Felizes os que trabalham pela paz. Felizes os que choram diante do sofrimento de alguém e lhe prestam auxílio. Felizes os que se empenham por ter um coração puro e um olhar divino: sem preconceito, sem ganância, sem julgamento. Felizes os que são perseguidos por promoverem a justiça e a fraternidade. Felizes aqueles que não guardam ódio e rancor no coração e que perdoam com generosidade. Felizes os que sabem partilhar o que têm com quem passa necessidade. Felizes os que dispõem do seu tempo para ajudar alguém. Felizes são todos aqueles que procuram conformar sua vida com a vida de Jesus: serão consolados, saciados, alcançarão misericórdia, reinarão com Cristo na vida em que toda lágrima será enxugada.

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“Para ser santo, não é necessário ser bispo, sacerdote, religiosa ou religioso. Muitas vezes somos tentados a pensar que a santidade esteja reservada apenas àqueles que têm possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para dedicar muito tempo à oração. Não é assim. Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem a Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais” (Gaudete et Exsultate, 14).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O amor põe a vida em risco

aureliano, 23.10.20

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30º Domingo do Tempo Comum [25 de outubro de 2020]

[Mt 22,34-40]

Antes de qualquer consideração, gostaria de chamar a atenção para as palavras do evangelho: “A fim de pô-lo à prova”. No texto do domingo passado temos uma expressão parecida: “Fizeram um conselho para tramar como apanhá-lo por alguma palavra”. Vejam como os inimigos de Jesus buscam sempre situações embaraçosas, como são ardilosos para tentar desviar Jesus de seu caminho que é fazer a vontade do Pai!

O que aconteceu com Jesus acontece também conosco. Quando colocados à prova, de que lado ficamos? Como respondemos às situações embaraçosas? Quais são mesmo nossas convicções a respeito de Deus, de nossa fé, de nossa Igreja, de nossos princípios morais de justiça, de verdade, de honestidade, de lisura, de hombridade, de respeito pelos outros? Seria bom darmos uma olhadinha para a postura de Jesus! “Com os olhos fixos naquele que é o autor e realizador da fé, Jesus, que, em vez da alegria que lhe foi proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e se assentou à direita do trono de Deus. Considerai, pois, aquele que suportou tal contradição por parte dos pecadores, para não vos deixardes fatigar pelo desânimo. Vós ainda não resististes até o sangue em vosso combate contra o pecado!” (Hb 12,2-4).

O texto deste domingo relata uma situação de embaraço armada pelos fariseus a Jesus. Querem ver como Jesus resume a Lei, na qual eles contavam 613 prescrições: 248 mandamentos e 365 proibições, todos atribuídos a Moisés. Todos tinham o mesmo peso. Jesus, Sabedoria do Pai, aproxima estes dois mandamentos, amor a Deus (Dt 6) e ao próximo (Lv 19), formando assim como que dois gonzos de uma única porta.

A resposta de Jesus dá unidade a esses dois mandamentos. Não tem como amar a Deus sem amar o próximo, e vice-versa (1Jo 3,11-18). Não se conhece e nem se vive a vontade de Deus sem referência ao próximo. Quem ama a Deus procura conhecer sua vontade a respeito do próximo. Quem não admite Deus na sua vida coloca-se a si mesmo como senhor e deus. Por outro lado, se não se considera uma instância absoluta, Deus, não se consegue amar o próximo com amor de gratuidade. Assim, podemos cair na situação de amar-nos a nós mesmos no próximo: políticos ambiciosos, os que fazem o bem fazendo questão de anunciar aos quatro ventos o que fizeram; pessoas que fazem shows em cultos religiosos, que não buscam o louvor e a glória de Deus e o bem da comunidade, mas a autoafirmação, a fama, o sucesso, o dinheiro etc. São deuses de si mesmos!

O amor de que fala o texto de hoje não é um amor de sentimento, mas uma opção ética. Ou seja, a pessoa cheia de Deus, escolhe e decide orientar suas forças e energias para Deus e colocar-se sempre ao lado do mais necessitado, do mais fraco.

Nesse caminho de amor a Deus e ao próximo, o cristão sente-se interpelado a solidarizar-se com os mais pobres, pois é impossível amar a Deus a quem não se vê e não amar o próximo que se vê (cf. 1Jo 4, 20). E a verdadeira religião é dedicar-se aos necessitados (cf. Tg 1, 27). Porém não basta uma esmola, um prato de comida, um pão. Esse mandamento coloca o cristão na luta pela mudança das estruturas sociais, por políticas públicas que contemplem as reais necessidades de todos, sobretudo dos mais pobres. Para que todos tenham acesso aos mesmos bens da Criação, sem privilegiados e excluídos.

A propósito da destinação universal dos bens, ou seja, partindo da compreensão que Deus criou esse mundo para todos e não somente para alguns privilegiados, trago uma palavra inquietante do Papa Francisco na Carta Fratelli Tutti: “Nos primeiros séculos da fé cristã, vários sábios desenvolveram um sentido universal na sua reflexão sobre o destino comum dos bens criados. Isto levou a pensar que, se alguém não tem o necessário para viver com dignidade, é porque outrem se está a apropriar do que lhe é devido. São João Crisóstomo resume isso, dizendo que, ‘não fazer os pobres participar dos próprios bens, é roubar e tirar lhes a vida; não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos’. E São Gregório Magno di-lo assim: ‘Quando damos aos indigentes o que lhes é necessário, não oferecemos o que é nosso; limitamo-nos a restituir o que lhes pertence’” (FT, 119).

Uma pergunta inquietante: Para que amar a Deus? Para que serve a religião? Não basta amar o próximo, cuidar dele sem referência a Deus?  Em resposta podemos dizer que, para amar bem o irmão, devemos também amar a Deus, aderir a Ele, porque entendemos que Deus é o Absoluto, o que tem a última palavra, a última instância de nossa vida. E se não buscarmos ouvi-lo, corremos o risco de nos ocuparmos com o próximo em busca de nós mesmos com um amor pegajoso, interesseiro, sufocante, narcisista. Um humanitarismo frágil porque vazio de sentido absoluto. Deus é amor, a fonte do amor. Não há como amar de verdade, na gratuidade, na generosidade sem beber dessa fonte cristalina, originante, sem medida. Nossa medida sem referência à medida amorosa de Deus, será sempre pequena, mesquinha, egoísta.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Enxergar Deus no rosto dos pobres

aureliano, 16.10.20

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29º Domingo do Tempo Comum [18 de outubro de 2020]

[Mt 22,15-21]

Depois de percorrer a Galiléia e regiões pagãs circunvizinhas, Jesus vai a Jerusalém por ocasião da festa da Páscoa onde se dá o confronto com o sistema administrativo do Templo composto pelos sumos sacerdotes e anciãos, detentores do poder político, econômico e religioso do Estado. O desfecho foi a condenação de Jesus à morte.

Jesus é visto pelos chefes do judaísmo como um líder que ameaça seu poder e prestígio aos olhos do povo. Por isso precisam tramar uma armadilha para fazê-lo cair em contradição e encontrarem motivo para condená-lo à morte.

No relato de hoje Jesus é colocado numa ‘sinuca de bico’: se aprova o tributo estrangeiro, estaria negando a grandeza do povo messiânico. Se se declara contra, incitaria a rebeldia contra os chefes estrangeiros, dominadores do país.  A resposta de Jesus é célebre e cheia de significado: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Essa resposta de Jesus é política. Pode ser interpretada de modo a um ajeitamento político-partidário: “Não se pode misturar política e religião”. “Reza é reza, negócio é negócio”. Mas pode ser interpretada de modo a criar consciência cidadã: “Dai a César o que lhe pertence em justiça. Mas trabalhai para que César cumpra seu dever de cuidar dos cidadãos”. “Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça”. Ou seja, as exigências do Reino de Deus devem se sobrepor a quaisquer exigências político-administrativas. Essa é a grande mensagem do relato de hoje.

Jesus quis dizer que as “questões de Deus” devem ocupar o primeiro lugar nas preocupações do ser humano enquanto cidadão. Não há nenhum poder político, econômico ou mesmo religioso que deva se sobrepor às exigências da justiça do Reino. O cristão não deve ser indiferente a César, ao Estado, mas, pelo contrário, deve se empenhar para que o Estado cumpra sua função de administrar bem os recursos advindos dos impostos e o patrimônio público em favor do povo, sobretudo dos mais pobres.

A Igreja tem a missão de ser uma palavra profética, incomodar os acomodados, despertar para o cuidado da vida ameaçada: “Ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocuparmos com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos. (...) Uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela. (...) A terra é a nossa casa comum, e todos somos irmãos. Embora ‘a justa ordem da sociedade e do Estado seja dever central da política’, a Igreja ‘não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça’. Todos os cristãos, incluindo os Pastores, são chamados a preocupar-se com a construção de um mundo melhor” (EG, 183).

Essa gestão perversa que o Governo brasileiro está fazendo dos impostos e patrimônio público é uma tremenda maldade contra os pobres, os doentes, as crianças, os idosos. Um sistema econômico perverso que aumenta a riqueza dos grandes porque tira o pão da mesa dos pequenos. Um governo que tem a cara de pau de lançar mão do tesouro dos pobres (impostos) para o distribuir aos latifundiários, empresários e banqueiros já milionários, travestidos de juízes, deputados e senadores, para salvar seus compromissos de campanha e sua imagem social. Uma maldade que não tem tamanho nem qualificação! Se a justiça humana também está pervertida e manipulada pelo poder e pelo dinheiro, a Justiça divina não falhará. Disso estou convencido e esperançoso. Ninguém ficará sem sua paga.

Em sua última Carta às Igrejas e à sociedade, o Papa Francisco acena para a desumanidade dos avanços da ciência e da técnica, quase sempre inacessíveis aos mais pobres: “O Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb e eu não ignoramos os avanços positivos que se verificaram na ciência, na tecnologia, na medicina, na indústria e no bem estar, sobretudo nos países desenvolvidos. Todavia ‘ressaltamos que, juntamente com tais progressos históricos, grandes e apreciados, se verifica uma deterioração da ética, que condiciona a atividade internacional, e um enfraquecimento dos valores espirituais e do sentido de responsabilidade. Tudo isto contribui para disseminar uma sensação geral de frustração, solidão e desespero, (…) nascem focos de tensão e se acumulam armas e munições, numa situação mundial dominada pela incerteza, pela decepção e pelo medo do futuro e controlada por míopes interesses econômicos’. Assinalamos também ‘as graves crises políticas, a injustiça e a falta duma distribuição equitativa dos recursos naturais (…). A respeito de tais crises que fazem morrer de fome milhões de crianças, já reduzidas a esqueletos humanos por causa da pobreza e da fome, reina um inaceitável silêncio internacional’. Perante tal panorama, embora nos fascinem os inúmeros avanços, não descortinamos um rumo verdadeiramente humano” (FT, 29).

“De quem é esta imagem e inscrição?” Aqui Jesus mostra que, se a moeda, símbolo do poder político-econômico, traz a imagem do imperador, esta lhe pertence; com muito mais razão o ser humano, que traz gravada indelevelmente em seu ser a imagem do Criador, deve ser respeitado, cuidado, amado. Pertence a Deus. Todas as forças políticas e sociais devem estar a serviço daquele que traz em si a imagem de Deus. E o empenho da Igreja em favor do ser humano deve ir ás últimas conseqüências, mesmo quando for preciso entrar em luta com o Estado (César) para que este realize as políticas públicas necessárias com os recursos de que dispõe para isto. O amor de Deus e do próximo é norma última que Deus nos deu e que deve ser respeitada acima de tudo.

Trazendo em si a imagem do Criador, o ser humano deve desenvolver sempre mais esta consciência para que sua vida seja oferecida ao Pai como um sacrifício vivo para Seu louvor e glória. Neste sentido a vida humana não pode ser posta em concorrência com as coisas deste mundo como o poder, o dinheiro, o prazer a qualquer custo. O ser humano pertence a Deus. “Dai a Deus o que é de Deus”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O banquete da alegria e as consequências da recusa

aureliano, 09.10.20

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28º Domingo do Tempo Comum [11 de outubro de 2020]

[Mt 22,1-14]

Estamos na terceira parábola em que Jesus manifesta a rejeição de sua pessoa como Graça libertadora e salvadora para a humanidade. Não se pode perder de vista que Jesus contou essas parábolas (dos dois filhos, dos vinhateiros homicidas e esta, do banquete recusado) para os sumos sacerdotes e anciãos. Eles eram os chefes do povo, ocupavam postos de comando no sinédrio, órgão de direção do Judaísmo, sediado em Jerusalém.

Temos, no relato de hoje, dois elementos significativos: 1º. Os primeiros convidados rejeitaram o convite. Foram substituídos por outros, chamados de toda parte. 2º. É preciso observar as condições para participar do banquete. Aquele que não traz o traje de festa é eliminado.

Em primeiro lugar, é bom considerar que os primeiros convidados para a festa que o Pai preparou era o povo de Israel. Mas eles não se importaram. Julgaram-se satisfeitos com o que tinham. Além disso, maltrataram os mensageiros do rei, isto é, os profetas e os apóstolos. Por isso foram convidados todos os que quisessem vir. O banquete estava aberto para todas as pessoas. Mesmo assim, porém, era preciso trajar a veste nupcial.

Os primeiros convidados são todos aqueles que foram batizados e que deveriam viver plenamente seu batismo. Todos são convocados a se fazerem ponte a partir da fonte do banquete da eucaristia. A Igreja é a Assembleia dos convocados. A questão é saber quem está acolhendo o pedido. Pode ocorrer de cada um se preocupar com “suas coisas”: o negócio, o jogo, o shopping, o bar, o sítio, o filme, o dinheiro, o gozo, a reza descomprometida etc. E o convite de Deus? Podemos perceber que recusam o convite não apenas os chefes de Israel, mas todos os que são incapazes de sair de si e de ir ao encontro dos outros. Uma fé vivida sem comprometimento com a causa do Evangelho é uma recusa disfarçada ao convite ao banquete.

A parábola deixa claro que o Pai oferece o banquete para todos. Esse banquete é a vida nova que seu Filho veio trazer. Todos são convidados. Alguns inventam milhões de desculpas. Mas o convite está feito. Esse fato toca nossa vida no que ela tem de mais profundo: nossa liberdade diante do bem e do mal, da abertura e do fechamento, do sim e do não, do sair de si e do autocentramento. Em última instância, somos responsáveis pelas escolhas que fazemos.

Ainda mais: mesmo sabendo que seu convite poderia ser recusado, o Pai insiste. Se não vêm estes, ele convida aqueles. Deus quer que todos participem de sua glória, de sua alegria, de sua felicidade. Ele não criou o mundo, as coisas, o homem como um fim em si mesmo, mas para que tudo possa ser compartilhado, repartido, numa perfeita convivialidade e comensalidade. Por isso não podemos aceitar inertes que os bens da criação sejam dominados, vendidos, usurpados, espoliados, restritos a alguns poucos. Não! Deus não quer isso. A recusa ao convite ao banquete é o grande pecado que leva a pessoa viver em torno de si mesma e de suas coisas. O egoísmo que assassina, que rouba, que corrompe, que gera fome, que produz guerra, que dissemina o ódio, que destrói, que faz derramar lágrimas e sangue.

Em segundo lugar é preciso considerar as condições para participar do banquete. É o traje exigido para entrar na festa. Quem não se decide a assumir a fé em Jesus Cristo com as consequências que dela advêm não pode entrar para o banquete. A veste de que fala o texto é a justiça do Reino, o amor fraterno, o compromisso com os pequeninos do Reino. Não basta aceitar o convite, ou seja, dizer que acredita em Jesus Cristo, participar de umas tantas pastorais ou movimentos, fazer essa e aquela oração, se não se “veste a camisa”, se não se assume como próprio o compromisso de continuar a missão de Jesus: sendo justo, verdadeiro, comprometido, terno, afetuoso, compassivo, tolerante, manso, generoso, desapegado etc. Em outras palavras: não basta fazer o bem; é preciso ser bom.

Quanto ao juízo condenatório do texto: “Amarrai os pés e as mãos desse homem e jogai-o fora, na escuridão! Aí haverá choro e ranger de dentes”, é um gênero literário dito escatológico. É um recurso de linguagem, comum em alguns escritos do Primeiro e do Segundo Testamentos, que pretende mostrar que se deve assumir com seriedade e responsabilidade a fé em Deus. Viver a vida cristã coerentemente. À primeira vista pode causar medo, e mesmo, mostrar um Deus um tanto violento, ou mesmo vingativo. Sabemos que esse não é o Deus que Jesus revelou. A parábola não tem como foco essa mensagem. O que importa no texto é não se prender a esse tipo de literatura, mas lançar o olhar sobre a alegria de participar do banquete que o Senhor preparou para todas as pessoas e se comprometer missionariamente com o convite que Ele faz para que os que estão de fora entrem para a festa. Quer salvar a todos, mas tem um zelo preferencial pelos pequenos e marginalizados.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Cuidar da vinha de Deus

aureliano, 03.10.20

27º Domingo do TC - A - 04 de outubro.jpg

27º Domingo do Tempo Comum [04 de outubro de 2020]

[Mt 21,33-43]

Esta é a segunda parábola a respeito da rejeição da Graça por parte daqueles que são eleitos de Deus em primeiro lugar. Movidos por desejos egoístas, talvez prefiram dizer não. No evangelho do domingo passado (Mt 21,30), o filho respondeu: “Sim, senhor, eu vou”. Mas não foi. Hoje a vinha é dada aos primeiros, que não reconhecem o direito do patrão sobre os frutos, matando inclusive o filho, o herdeiro enviado.

A reflexão recai de novo sobre aqueles que recebem mais, aqueles que são os primeiros responsáveis, agraciados com a eleição e o convite para trabalhar na vinha e fazê-la produzir. É a liderança que se apropria daquilo que é dom. Ao invés de trabalhar para o Dono, se faz dono daquilo que lhe foi “arrendado”, ou seja, lhe foi dado para cultivar e produzir frutos. Já viram aquele marido que trata a mulher e os filhos como ‘coisa’, propriedade? Ou aquela situação em que o coordenador da pastoral, da comunidade ou mesmo o padre se faz senhor do que lhe foi confiado como serviço? Ou ainda o executivo de patrimônio público que exerce o cargo como dono dos bens que lhe foram confiados para administrar em favor dos mais pobres? Faz-se dono das pessoas, quando deveria fazer-se servo... Isto acontece quando o poder sobe à cabeça e o dinheiro assume o lugar de Deus!

O povo de Israel é a “vinha de Deus”. Porém recusa-se a entregar a parte ao patrão que é Deus. Quando este envia o Filho, matam-no, com o desejo de se apoderar de sua herança: “É o herdeiro; matemo-lo para tomarmos posse de sua herança”. Mas o Deus providente lhes tira a vinha para entregá-la a outro povo.

Os primeiros a serem rejeitados são os profetas. O herdeiro é o Filho que o Pai envia, a pedra rejeitada que se torna a “pedra angular”. Porém Deus fundou um “novo povo” sobre essa “pedra”. Deus não rejeitou os judeus, como não rejeita ninguém. Ele rejeita a liderança que se apropria da religião, das leis e escraviza o povo. O novo povo que Jesus funda é a Igreja, comunidade de seus seguidores, que recebe a missão de continuar sua obra salvadora e libertadora.

Sabemos, porém que a Igreja, novo Povo de Deus, corre o risco de querer guardar os frutos da vinha para si. É a tentação do poder: querer dominar, tirar proveito da boa fé do povo, querer dominar as pessoas com uma religião mágica, com normas e leis que são mais rédeas de controle do que orientações de vida. É preciso que ela sempre se volte para Jesus, a Pedra Angular, e se coloque como servidora, trabalhadora na vinha de Deus. Os frutos são de Deus, as pessoas são de Deus, o resultado é de Deus. À Igreja compete colocar-se como humilde servidora do Reino que é muito maior do que ela. É um instrumento de Deus para ajudar as pessoas a fazer a experiência de Deus, a se encontrar com Deus e assumir uma vida nova em Deus.  É preciso ter a coragem de morrer como e com Cristo para gerar vida nova.

Esta parábola não tem o fito de revelar um Deus vingativo, rigoroso, cobrador. Não! Este relato quer levar o discípulo, sobretudo a liderança religiosa a reconhecer que Jesus é o dom do Pai, revelador do rosto misericordioso de Deus. E esse reconhecimento leva a produzir muitos e bons frutos.

*Lembramos que estamos no mês missionário. É bom refletirmos sobre nossa responsabilidade missionária. Agirmos como instrumentos de Deus na história. O missionário não fica de braços cruzados “olhando a banda passar”, não. Ele vê e age. Missionário incomoda-se com a realidade de dor e sofrimento do povo; com a exploração e humilhação das pessoas; com os maus tratos feitos à Mãe Terra; com um poder político que usa a máquina do Estado para explorar, roubar, tirar os direitos dos pobres e trabalhadores honestos. Missionário coloca-se como voz, coração e mãos de Deus no mundo. É um continuador das ações de Jesus. Quiçá programar uma visita, participar de uma pastoral, prestar um serviço voluntário em alguma instituição de caridade, apoiar movimentos populares que defendem os direitos dos pequeninos do Reino... É preciso cuidar da Vinha de Deus, pois a qualquer hora o Senhor virá acertar as contas. Afinal de contas “a vida é missão”! Vamos nessa!

**Hoje celebramos São Francisco de Assis. Uma historinha para ilustrar a vida do Santo: “Certa vez, S. Francisco pediu a um Irmão, chamado Leão: ‘Frei Leão, vamos fazer uma pregação?’ ‘Sim’, respondeu o Irmão.

Os dois saíram caminhando pelas ruas de Assis. Andaram, andaram... Mas nunca chegavam ao local da tal pregação.

Por fim, começaram a voltar para casa. Quando estavam chagando, Frei Leão perguntou: ‘Frei Francisco, e a pregação?’ ‘Já a fizemos’, respondeu ele.

A palavra convence, o exemplo arrasta. A simples caminhada deles, um ao lado do outro, conversando com alegria e amizade, foi a pregação”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN