Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

aurelius

aurelius

A oração que transforma

aureliano, 26.06.21

13º Domingo do TC - B - 27 de junho.jpg

13º Domingo do Tempo Comum [27 de junho de 2021]

   [Mc 5,21-43]

Continuando a leitura do evangelho de Marcos, Jesus mostra as consequências de uma fé verdadeira. O relato traz dois acontecimentos que mostram a bondade de Jesus e a atitude confiante de duas pessoas que dele se aproximam.

Aquela mulher não tem nome, como Jairo. Aproxima-se timidamente, receosa de ser enxotada ou recriminada, mas enfrenta-se a si mesma e a multidão. Não toca no Mestre, pois a Lei proibia o contato físico para quem sofria daquele tipo de enfermidade. Mas toca na roupa, por detrás. Não ousa colocar-se diante do Mestre. Não sente necessidade disso, tamanha sua confiança

Jesus não se faz de desentendido. Sente que alguém o tocou. É sensível aos pequenos e sofredores. Veio, preferivelmente, para estes. Os discípulos, porém não entenderam nada: “Estás vendo que a multidão te comprime e ainda perguntas: ‘Quem me tocou?’”. Jesus percebe a força que dele saiu em favor daquela mulher. Sua vinda ao mundo foi para dispensar sua ‘força’, suas energias em favor dos doentes, pobres e pecadores.

Este relato nos faz pensar naquelas pessoas de nossas comunidades que são discriminadas por causa de sua condição de raça, por ser pobre ou outra situação de vida. Talvez mais do que pensar nas pessoas, nos leva a pensar nas nossas atitudes de discriminação e desprezo para com aqueles que vem buscar uma palavra de conforto, um apoio necessário, um gesto de acolhida. Ainda mais: há muitas pessoas que sofrem terrivelmente na alma por causa de escrúpulos e condenações recebidas por parte de líderes religiosos que as jogam num inferno de dúvidas, angústias e desilusões.

O gesto acolhedor de Jesus aliado à prece humilde e confiante daquela anônima mulher sofredora, arrancou do coração de Deus o conforto para aquela alma sofredora. Uma comunidade que busca assumir a atitude de Jesus, acolhendo os pequenos e sofredores, certamente fará sair aquela ‘força’ divina que restaura e reanima os sofredores, restaurando-lhes a dignidade e a alegria de viver. Sem esses gestos, a comunidade perde totalmente seu sentido.

------------xxxxx-------------

A ORAÇÃO DE JAIRO

Outro relato significativo no texto de hoje é a cura da filha de Jairo. Este já tem nome, fala diretamente com Jesus, diferentemente da mulher anônima e que não fala com Jesus: somente o ‘toca’.

É interessante tecer algumas considerações em torno da oração. A primeira pergunta pode ser: a quem a gente reza? E outra pergunta: para que a gente reza? Os ‘Mestres da suspeita’ do século passado diziam que quando o homem se ajoelha em oração, ele se ajoelha diante de si mesmo. A oração seria uma espécie de busca de si mesmo diante da impotência frente ao mal ou à angústia da vida. Uma fuga, um ‘ópio’.

Se considerarmos atentamente o que esses homens considerados ateus diziam a respeito do cristão, encontramos aí alguma verdade. Muitas vezes a oração pode ser ateia ou idolátrica. Parece uma afirmação contraditória. Mas, se nossa oração visar ao nosso interesse próprio, à busca de nós mesmos, certamente é oração ateia, isto é, sem o Deus de Jesus; ou uma idolatria, quando criamos um deus à nossa imagem e semelhança. É como se a gente vivesse uma ilusão.

Segundo o evangelho de hoje, alguns da sinagoga queriam levar Jairo a desistir: “Tua filha morreu. Por que ainda incomodas o mestre?” Mas a palavra de Jesus foi reconfortante: “Não tenhas medo. Basta ter fé!”. Jairo não buscava a si mesmo. Ele se preocupava com a vida de sua filhinha, ainda menina. Firma-se confiante na palavra de Jesus. Este ‘levanta’ (ressuscita) aquela que estava morta.

Em ambos os episódios do evangelho deste domingo notamos o despertar da fé confiante na palavra e na pessoa de Jesus. A mulher hemorroíssa e a menina ‘adormecida’ recebem de Jesus a vida nova, o ‘toque’ proibido pela Lei e censurado pelos circunstantes, que lhes introduz numa relação, não mais de exclusão, de preconceito, de censura, mas de plena integração na comunidade que ele inicia com seus discípulos. Uma nova forma de relacionar-se com Deus na oração, traz uma nova forma de viver e de se relacionar com os irmãos.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Fé confiante x fé interesseira

aureliano, 18.06.21

12º Domingo do TC - B - 23 de junho 2021.jpg

12º Domingo do Tempo Comum [20 de junho de 2021]

   [Mc 4,35-41]

A semente da fé lançada no coração humano pelo batismo precisa ser cultivada, regada, adubada para germinar, crescer e produzir frutos. O evangelista coloca Jesus fazendo um caminho com os discípulos. Depois de lhes falar a respeito da semente, leva-os a atravessar o mar. A fé vai ser provada.

Não podemos perder de vista que Marcos é o evangelista do ‘segredo messiânico’. Ou seja, Jesus não se dá a conhecer plenamente enquanto caminha com eles. Diante dos sinais e palavras de poder de Jesus eles se inquietam: “Quem é este?”. A resposta virá somente no final, na entrega de Jesus na cruz. O centurião romano fará a profissão de fé: “Verdadeiramente, este homem era filho de Deus” (Mc 15,39). Em outras palavras, Jesus deve ser reconhecido na fé. Os sinais que ele realiza devem levar o discípulo a depositar nele total confiança. Com Jesus, o discípulo deve entregar-se confiante nas mãos do Pai. Nesta confiança realiza sua missão, sabendo que o Pai não abandona na morte aqueles que viveram como seu Filho Amado viveu.

Quando lemos o relato de Jesus convidando os discípulos para irem à outra margem, precisamos abstrair um pouquinho para entendermos o que significa ‘barco’, ‘margem’ e ‘mar’, no texto. Os relatos do evangelho não são jornalísticos nem quimicamente puros do ponto de vista da história. São relatos teológicos. É Deus que nos fala nas ações e palavras de Jesus. São fatos interpretados, à luz do Espírito Santo, que indicam o caminho de construção do Reino de Deus.

Então vamos lá. Na outra margem estava a Decápole, cidade pagã, com outros costumes, cujos moradores detestavam os religiosos judeus. Ir para outra margem significa entrar em ‘território estranho’. É correr risco de rejeição, de conflito, de morte. Quando os discípulos entram no barco e começam a travessia, faz-se dentro deles uma grande ‘tempestade’. Então a tempestade não vinha do mar... E Jesus os chama de medrosos, covardes. A gente, sem entender mais profundamente o texto, pode ser levada a interpretar as palavras de Jesus como grosseria, insensibilidade, falta de compreensão. Mas não é isso. O problema aqui está em que, já estando com Jesus um bom tempo, os discípulos não tinham ainda depositado a confiança n’Ele. Não tinham ainda coragem de entregar a vida. Sua fé era interesseira.

Quando o Papa Francisco fala da necessidade da saída: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”, ele traz a possibilidade do risco de ser perseguido, de ser rejeitado, de ser ridicularizado. É mais cômodo deixar as coisas como estão, fechar-se no comodismo. Mas o risco pode ser maior: a tempestade virá. E quem vai se salvar? Aliás, quando as coisas estão bem, tendemos a confiar em nossas próprias forças. Quando ‘o bicho pega’, buscamos refúgio em algo ou alguém. Com freqüência entra-se em desespero. Por isso Jesus ‘dormia’. Ou seja, ele confiava plenamente no Pai. Não se trata de uma confiança infantil, irresponsável. É uma entrega filial: aconteça o que acontecer, ele sabe que o Pai não o abandona. Ele não se exime de atravessar o mar e ir à outra margem.

O mar, nos relatos do Primeiro Testamento, embora sujeito ao domínio de Deus, era sempre expressão de uma força insuperável, ameaçadora ao ser humano. Não tinham o entendimento de que o planeta é circular, levando-os, portanto a pensar que no ‘final’ do mar caía-se no abismo. Entendiam também que as tempestades do mar eram fruto da fúria de poderes sobrenaturais (deuses). Então, somente o Senhor Todo-poderoso era capaz de dominá-lo. Quando Jesus acalma as ondas do mar provoca neles a admiração intrigante: “Quem é este?” Ou seja, começam a perceber em Jesus um poder semelhante ao do Senhor que domina os mares (cf. Jó 38,1.8-11).

Vivemos hoje uma situação muito parecida com a dos discípulos. As ‘ondas do mar’ batem forte, tentam solapar nossas valores e princípios. O que aprendemos na família, na catequese, na comunidade está ameaçado. Há muita gente confusa, sem saber o que fazer, a quem recorrer, em quem dar crédito. O consumismo e o materialismo, a corrupção e a violência, o individualismo e o hedonismo estão tomando conta dos corações. O Servo de Deus Pe. Júlio Maria já nos ensinava a rezar: “A fé vai se apagando nas almas, os corações se afastam do único amor verdadeiro, e as trevas do erro envolvem o espírito da maior parte dos homens” (Suspiros). É o que constatamos!

Jesus repreende os discípulos pela falta de fé. De que fé se trata? Fé interesseira: para ter proteção, cura, bem-estar? É certo que esperamos tudo isso de Deus. Mas a fé não é algo abstrato: passa por uma pessoa: Jesus de Nazaré. Fé é acreditar em Jesus, não por causa do poder que ele manifesta, mas por causa do seu gesto maior: entrega de sua própria vida em fidelidade ao Pai. A tempestade acalmada está no início da caminhada de Jesus. Mas no fim está a cruz, a morte e a ressurreição. É na sua entrega até à cruz que se revela o amor de Deus por nós. Confiantes nele enfrentamos as tempestades de nossa história. Uma fé confiante.

Portanto, a ‘outra margem’, o ‘mar tempestuoso’ e o ‘barco’ são conceitos teológicos. Relatos que querem revelar a ação de Deus na história através de Jesus de Nazaré. Perguntamos:

  1. Você tem coragem de enfrentar o ‘mar’ e ir para a ‘outra margem’? Qual é a ‘outra margem’ de sua vida?
  2. Você é capaz de identificar seu ‘mar tempestuoso’? Quais são seus medos? Sua fé é interesseira como a dos discípulos ou é parecida com a fé de Jesus?
  3. Para atravessar o mar é preciso entrar no barco. Em que ‘barco’ você está? Jesus está no seu ‘barco’? De que forma você o reconhece?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A força que faz crescer vem de Deus

aureliano, 11.06.21

11º Domingo do TC - B - 13 de junho de 2021.jpg

11º Domingo do Tempo Comum [13 de junho de 2021]

   [Mc 4,26-34]

O Reino trazido por Jesus é obra de Deus e não dos homens. Essa é a mensagem central da liturgia de hoje. Jesus se remete à realidade rural de seu tempo, certamente experimentada por ele, e compara a dinâmica do Reino com a semente. Conta duas parábolas: a semente que cresce sozinha e a semente pequenina que cresce e se torna grande. Então o povo poderia facilmente compreender o que Jesus queria dizer. Falava a linguagem deles.

A semente que cresce sozinha: Ela não depende da pessoa que a semeou. Possui uma força interna que a faz crescer e produzir frutos. Aquele que a semeou nem sabe como isso se dá. Essa historinha de Jesus quer mostrar que assim acontece com o Reino de Deus. As coisas de Deus não dependem do ser humano. Deus age no coração e na vida das pessoas independente de nós. Ou melhor: ninguém deve pensar que as pessoas se tornam mais cristãs por causa do anúncio que fizemos a elas. Atribuindo ao evangelizador o bom êxito da mensagem. Não! É Deus que age no coração de cada um. É preciso entender também que Deus tem seu tempo. O tempo de Deus não é o nosso tempo. A nós compete semear. A colheita é de Deus.

A semente pequenina que se torna uma grande árvore: Nesta parábola Jesus mostra que seu Reino não é de grandeza, de holofotes, de aparência, de sucesso, de palco, de televisão. Deus age de modo simples e discreto na vida das pessoas. A própria vida de Jesus foi assim. Ele foi perseguido, caluniado, condenado, morto. Mas está vivo, presente no meio de nós. Nossa fé assim acredita, pois verifica sua presença e ação na história. Crer em Jesus revoluciona as relações: um novo modo de ser que se torna “escândalo para os judeus e loucura para os pagãos” (Cf. 1Cor 1,22-25). Do ponto de vista da sociedade do consumo, da aparência, da fama, da competição, é uma “loucura”.

A mensagem que Jesus nos transmite, hoje, nos ajuda a entender a dinâmica de nossa missão. Não podemos pensar que vamos mudar o mundo com nossas próprias forças. É o poder de Deus que atua através de nós. Não podemos trabalhar com vistas a resultados imediatos. Nossa missão é semear a boa semente. A colheita não é nossa. A seara é de Deus. Por que então essa ânsia em ver resultado, em colher os frutos? E o anúncio deve ser feito na simplicidade de nosso cotidiano. Não podemos andar a cata de aplausos, de holofotes, de reconhecimento, de sucesso. Jesus não foi assim. O “acontecimento Jesus” deve nos iluminar e inspirar sempre. Precisamos ser mais parecidos com ele. Ainda que nossa comunidade seja pequena, insignificante; ainda que nosso trabalho não tenha reconhecimento; ainda que nossa vida e ação sejam anônimas, invisíveis: a Graça de Deus está aí, agindo. Embora não compreendamos ou percebamos, Deus age. É o processo da fecundidade e não do fazimento. O mundo é dele. Nossa comunidade é dele. Nossa família lhe pertence. Nossa vida foi consagrada por Ele e a Ele no batismo. Entreguemo-nos a Ele com confiança. E empenhemo-nos na missão com entusiasmo.

O extraordinário de Deus se esconde nas coisas ordinárias e comuns da vida de cada dia. Pe. Júlio Maria, fundador de nossa Congregação, costumava dizer que “a santidade consiste em fazer as coisas ordinárias de modo extraordinário”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Pecado contra o Espírito Santo

aureliano, 04.06.21

10º Domingo do TC - B - 06 de junho 2021.jpg

10º Domingo do Tempo Comum [06 de junho de 2021]

[Mc 3,20-35]

Estamos no capítulo 3º do evangelho de Marcos. Depois da eleição dos Doze, o evangelista retoma a controvérsia que contesta e questiona o poder de Jesus. O centro da questão é saber “quem é este? De onde vem o poder que manifesta?” Os parentes o acusam de louco; os escribas, de possuído pelo demônio.

Jesus é o vencedor dos poderes do mal. Ele tira o pecado do mundo. Traz nova perspectiva de vida para todos. Introduz novo horizonte de sentido na vida daqueles que o assumem como Salvador e Mestre. Quem se recusa a reconhecer isso peca contra o Espírito Santo e exclui-se da salvação. Aqueles, porém, que reconhecem tal realidade manifestada nas palavras e nos gestos de Jesus, estão no caminho do cumprimento da vontade do Pai, entrando, consequentemente, para a família de Deus: “E repassando com o olhar os que estavam sentados ao seu redor, disse: ‘Eis a minha mãe e os meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe’” (Mc 3,34-35).

O relato do evangelho deste domingo nos mostra Jesus em pleno exercício da missão. Não desiste nem desanima mesmo diante da perseguição familiar e religiosa. Ninguém fá-lo desistir. Ele compreende a missão que o Pai lhe dera e a assume até às últimas consequências.  Familiares e pessoas poderosas (políticos, por exemplo) costumam nos ‘enredar’ (colocar numa rede) para nos afastar da vivência da fé cristã. Fazem promessas de facilidades ou armam ciladas para nos fazer cair. É preciso ser forte e cheio de Deus para que esses inimigos do evangelho (“inimigos da cruz de Cristo” na expressão do Apóstolo das Gentes – Fl 3, 18)), não nos façam fraquejar e desanimar ou mesmo mudar o foco. Há muitas pessoas que tiveram uma formação cristã, foram educadas em bons princípios e valores na família, na comunidade, na escola, mas que se descambaram para a uma vida perversa, mentirosa, corrupta, desonesta e violenta ao associar-se a gente pervertida.

A atitude de Jesus em relação à família nos faz repensar nossas relações familiares. Ele rompe com uma cultura machista e patriarcalista que colocava o apego e defesa da raça, do sangue, da cultura acima dos valores do Reino. Jesus amplia o conceito de família. Na dinâmica do Reino trazido por Jesus, a família de Deus não se constitui de alguns privilegiados que passaram por um ritual ou por serem de uma mesma raça ou religião. Deus é maior do que a religião e laços familiares. Jesus não está preso a nenhuma religião nem a nenhum grupinho seleto. Para Jesus, o mais importante é “fazer a vontade do Pai”.

A ‘família de Deus’ é aquela que coloca os valores do Reino como prioridade em sua vida: a justiça, a verdade, a generosidade, o perdão, a solidariedade, a fraternidade, o serviço desinteressado, o cuidado com a pessoa e com o meio ambiente; a quebra dos preconceitos de raça, sexo, condição social, religião; a tolerância e convivência respeitosa com mentalidades, culturas e crenças diferentes, o diálogo respeitoso, a sensibilidade aos sofrimentos dos pobres etc.

Há muita gente que pensa somente nos “seus” familiares e amigos, nas “suas” coisas. Jesus nos ensina que precisamos sair dessa atitude bairrista, provinciana, de pensar somente em nós e na “nossa” família, para lançarmos um olhar mais além. O batismo nos faz irmãos uns dos outros, rompendo assim com a estratificação social. Portanto, não pode haver mais exclusão nem discriminação entre nós. Nosso cuidado não pode se restringir, então, apenas aos “da nossa casa”. Nosso olhar deve-se voltar para aqueles que estão perto de nós e precisam de nossa ação. Como aquela mãe de família, separada do marido, que trabalha com afinco para tratar de suas duas filhas. Percebendo que uma criança de seu local de trabalho (creche) não tem onde ficar com sua mãe (que trabalha durante o dia), abandonada pelo companheiro, levou ambas para dentro de sua casa a fim de ampará-las, mãe e filho, até que arranjem uma forma de viver com o mínimo de dignidade. São gestos pequenos, mas significativos que ilustram o que Jesus disse no evangelho de hoje. Ultrapassam os laços de sangue.

-----------xxxxx-----------

PECADOS CONTRA O ESPÍRITO SANTO

“Em verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno” (Mc 3,28-29).

Muitas pessoas ficam curiosas em saber que pecado é esse que não tem perdão. O que é mesmo o pecado contra o Espírito Santo? O contexto do evangelho de hoje o revela: um clima de fechamento, de resistência às palavras e às ações de Jesus. Falta de acolhida à novidade do Reino de Deus. Ora, Deus não salva ninguém à força. Santo Agostinho já o entendera bem: “Quem te criou sem ti, não te salvará sem ti”.

A falta de cultivo da vida interior, a busca frenética pelo bem-estar, o acúmulo de coisas, a busca de si e de seus próprios interesses em detrimento do bem da coletividade são realidades que fecham o coração e impedem a ação do Espírito de Deus em nós.

Seria bom, portanto, que cada um verificasse que importância está dando àquelas realidades que são o essencial de sua vida: a vida eclesial, a vida familiar, o cuidado com os mais sofridos, o zelo pela verdade e pela coerência de vida, a sinceridade e honestidade nas relações de trabalho e vizinhança, o carinho e cuidado para com os pais ou idosos, a abertura de coração. Confrontar a própria vida com a vida de Jesus que se deixou conduzir pelo Espírito.

----------xxxxx-----------

EXPULSAR DEMÔNIOS

Há muitos religiosos por aí “especialistas” em “expulsar demônios”. Se a pessoa não os tem, eles arranjam para ela. É uma forma de enganar e arrancar o dinheiro dos incautos e sofredores, além de mantê-los reféns de seu poder. Com o avanço das Ciências e da Medicina sabemos de muitas doenças que, no tempo de Jesus, eram consideradas possessões diabólicas, não passam de distúrbios ou deficiências mentais. É só procurar o psiquiatra ou o psicólogo que a pessoa vai ser tratada. Além, é claro, de se preparar um ambiente adequado que a ajude a viver. Não se trata de ‘possessões diabólicas’, mas de doenças mentais. Cuidado com os falsos pastores!

Os demônios que precisam ser expulsos têm nomes e estão dentro de nós: a mentira, a traição, a falsidade, a preguiça, a safadeza, a inveja, a ganância, a cobiça, a vingança, a ingratidão, o fechamento, o orgulho, o parasitismo, a corrupção, a grosseria, a incoerência, a dureza de coração etc. Esses demônios fazem um mal enorme. Em alguns eles agem com mais força; em outros, são enfraquecidos pelo esforço de se viver em Deus. Vamos exorcizar esses demônios! E eles são teimosos: não gostam nem querem sair de dentro de nós!

Senhor Jesus, ajuda-nos a compreender que nosso pecado, nossa omissão, nossas escolhas erradas, nosso egoísmo podem fazer muito mal e causar muito sofrimento. Dá-nos a graça de romper com o mal em nós e fora de nós para que nossa vida seja mais parecida com a tua. Que nossas palavras e ações sejam de mais abertura, acolhida, discernimento, tolerância e perdão. Faze de nós instrumentos de paz e de justiça para construirmos um mundo mais irmão e solidário, em que todos tenham acesso aos bens da criação, à vida digna e feliz.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Corpo doado, Sangue derramado por nós

aureliano, 02.06.21

Corpus Christi - 03 de junho 2021.jpg

Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo

[03 de junho de 2021]

[Mc 14, 12-16.25-26]

Essa perícope do evangelho encontra-se nos relatos de Marcos sobre a Paixão de Jesus. A expressão bíblica que ouvimos em toda celebração eucarística - “Sangue da Aliança” - remete-nos à entrega de Jesus por nós. A Aliança no Antigo Testamento foi selada com o sangue de touros e carneiros. A “Nova e Eterna Aliança” foi selada na vida de Jesus entregue ao Pai por nós. Aliança como compromisso recíproco: Deus nos ama e nos orienta no caminho. Nós nos comprometemos em corresponder ao seu amor por nós, trilhando os caminhos de seus ensinamentos. Sobretudo colocando nossos passos nos passos de Jesus.

Jesus, na celebração da Ceia Pascal, antecipa os acontecimentos pelos quais em breve passaria. O “corpo dado” significa sua presença atuante no mundo; seu “sangue derramado” significa sua morte violenta como sacrifício da Aliança (cf. Ex 24,3-8). A consequência disso para nossa vida é que, cada um de nós deve dizer: “Eis meu corpo e meu sangue”, isto é, minha vida doada para o bem da humanidade, para que todos tenham mais vida”. É a vivência da Aliança de Deus conosco. É a Eucaristia vivida.

----------xxxxx-----------

A Eucaristia é o memorial da morte e ressurreição de Jesus. Fazer memória significa não somente lembrar, mas celebrar e mergulhar no mistério de Cristo. É nos colocarmos dentro de toda a vida de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus que, vindo a esse mundo, entregou sua vida por nós. Por isso, na celebração da Eucaristia nós devemos nos empenhar para fazer com que “a mente, o coração concorde com a voz, com as palavras”, no dizer de São Gregório.

Se celebramos a entrega de Cristo, não estamos fazendo um show. Então a missa não é show, promoção pessoal do padre e seja lá de quem for. Nossa atitude deve ser de compenetração, de humildade, de escuta atenta, de acolhimento, de exame de consciência. Isso nos tem recomendado insistentemente o Papa Francisco.

No decorrer da História a missa teve várias conotações. Serviu para coroar papas e reis, para agradecer vitórias de guerra, para enfeitar festas e agradar monarcas e senhores poderosos. Os músicos transformaram partes da missa em concertos belíssimos. Outros faziam da missa sua devoção particular. Ainda hoje, em vários lugares, é quase uma “exigência” para falecidos: “missa de corpo presente”, “missa de sétimo dia” etc. É claro que tem sua importância, mas ocorre que muitos pedem esse tipo de celebração para “salvar o falecido”, sem se envolver pessoalmente com a comunidade de fé. Uma espécie de superstição.

O Concílio Vaticano II recuperou o sentido originário da Eucaristia: Memorial da Morte e Ressurreição do Senhor. Quando a comunidade se reúne para celebrar a Eucaristia, ela traz sua vida, suas dores e alegrias e coloca no Coração de Cristo, para que ele, verdadeiro Celebrante, ofereça ao Pai.

Ao participarmos da Eucaristia estamos nos comprometendo a ser “um só Corpo”. A comunhão no Corpo e Sangue de Cristo nos compromete com Ele. A entrega de Cristo que celebramos pede, exige de nós o gesto de entrega, de doação, de comprometimento com Cristo pela reconstrução da História segundo os critérios do Reino de Deus. Não pode ser verdadeira “comunhão” a busca de um intimismo egoísta que não abre nossos olhos para “ver as necessidades e os sofrimentos de nossos irmãos e irmãos”, inspirando “palavras ações para confortar os desanimados e oprimidos, os doentes e marginalizados”.

Nesse dia que celebramos a solenidade do Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue do Senhor, somos instados a olhar para o Cristo que se doa, que se entrega, que salva, que enfrenta a morte para que tenhamos vida. Essa contemplação deve nos levar a dar mais um passo em direção a uma vida mais comprometida. Não adianta adorar o Cristo no altar e desprezá-lo no pobre. De pouco vale celebrar a Eucaristia, participar de uma adoração, e depois falar mal dos outros, negar o salário justo, sonegar impostos e dívidas, enganar os outros, ser desonesto nos negócios e no trabalho, levantar bandeiras que defendem a discriminação, a violência, o preconceito, o desrespeito, o armamento, o desmatamento.

A Eucaristia, “fonte e ápice de toda a vida cristã”, deve ocupar o centro de nossa espiritualidade, de nossa oração, de nossas escolhas e decisões. Se Cristo decidiu firmemente enfrentar a morte pela nossa salvação, também nós, seus discípulos, precisamos nos dispor a esse caminho. Pois “o discípulo não é maior do que o mestre”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN