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Oração, Jejum e Esmola para a conversão

aureliano, 28.02.22

Campanha da Fraternidade 2022.jpg

Quarta-feira de Cinzas [02 de março de 2022]

[Mt 6,1-6.16-18]

Não nos é dado saber com certeza data e local precisos do surgimento da Quaresma na vida litúrgica da Igreja. O que sabemos é que ela foi se formando progressivamente. Estava entranhada na consciência dos cristãos a necessidade de dedicar um tempo em preparação à celebração da Páscoa do Senhor. As primeiras alusões a um período pré-pascal estão registradas lá pelo século IV. Consta também que, na Quinta-Feira Santa, acontecia a reconciliação dos pecadores; e que na Vigília Pascal se realizavam os batizados dos catecúmenos (aqueles que estavam preparados para o batismo). Esses dois costumes, vividos desde a antiguidade da fé cristã, vem mostrar que esse tempo nos remete à renovação das promessas batismais ou preparação para o batismo e a práticas penitenciais que nos levem a uma conversão profunda do coração.

A propósito desse elemento da história, o Concílio Vaticano II recomenda: “Tanto na liturgia quanto na catequese litúrgica, esclareça-se melhor a dupla índole quaresmal, que, principalmente pela lembrança ou preparação do batismo e pela penitência, fazendo os fiéis ouvirem com mais frequência a Palavra de Deus e entregarem-se à oração, os dispõe à celebração do Mistério Pascal. Por isso, utilizem-se com mais abundância os elementos batismais próprios da liturgia quaresmal; segundo as circunstâncias, restaurem-se certos elementos da tradição anterior. Diga-se o mesmo dos elementos penitenciais” (SC 109).

É bom entender que a Quaresma não é um tempo de práticas penitenciais ultrapassadas, mas é um tempo de experiência de um Deus que está vivo no nosso meio e quer que todos vivam: “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). Um tempo em que somos chamados a participar dos sofrimentos de Cristo para participarmos também de sua glória (cf. Rm 8,17). O acento não está, portanto, nas práticas de penitência, mas na graça santificadora do Senhor que nos convida todos os dias à conversão.

Por possuir um caráter fundamentalmente batismal, a Quaresma nos convida a entrar numa dinâmica de permanente conversão para nos mantermos no caminho encetado pelo batismo. Mortos com Cristo, ressuscitamos com ele para uma vida nova. Quem ressuscitou com Cristo busca as “coisas do alto”. Compromete-se com a vida de todas as pessoas, particularmente com aqueles que não contam, que não são visíveis aos olhos da sociedade, os “sobrantes”.

As três práticas propostas pela Igreja, com raiz na tradição judaica são a oração, o jejum e a esmola. Elas nos ajudam no processo de conversão.

O JEJUM quer nos ajudar a deixar de lado o consumismo proposto por uma sociedade governada por ricos e poderosos que querem ganhar sempre mais à custa dos pobres. Querem arrancar o pouco que o pobre tem. Neste tempo é bom a gente aprender a viver com pouco, a reaproveitar as coisas, a levar uma vida mais simples, mais sóbria. Não se trata de passar necessidade ou fome, pois não é isso que Deus quer. Mas a gente pode viver de modo mais simples sem entrar no modismo da sociedade consumista que mata e exclui. Mais do que jejuar, talvez fosse muito proveitoso evitar o desperdício, jogar o lixo na lixeira, manter limpo os espaços públicos; cuidar das fontes e rios; usar a água tratada com mais consciência, como dom do Pai; reutilizar lixo e água; preocupar-se e solidarizar-se com quem passa necessidade; superar toda forma de violência; ser mais terno e comedido nas palavras; evitar ofender, maldizer; ser mais paciente no trânsito; tomar as dores e defender aqueles que sofrem violência; promover a paz através do diálogo, da tolerância e do respeito às diferenças; maior empenho por uma educação que leve em conta a totalidade da pessoa humana; lutar por um sistema de saúde que trabalhe preventivamente e que cuide com zelo e responsabilidade dos doentes etc. Trata-se de um ‘esvaziar-se’ para encher-se dos sentimentos de Jesus; encher-se da bondade de Deus.

A ESMOLA quer despertar-nos para a solidariedade com os mais pobres. Uma conversão que nos torne capazes de partilhar com os outros os bens e os dons que temos. Que nos mobilize pelas causas justas, em favor dos menores, dos ‘invisíveis’, sem voz nem vez. É a luta contra a ganância que faz tantas vítimas em nosso meio. A esmola nos tira de nós mesmos e nos remete em direção dos irmãos pelo gesto da partilha solidária. Não se trata apenas de darmos algo de nós, mas darmo-nos a nós mesmos. A visita a um doente, idoso, pobre é um bom gesto que ajuda no processo de conversão. É a oferta do tempo que temos para nós e que doamos a alguém.

A ORAÇÃO nos coloca numa profunda comunhão com o Pai. Sem uma vida orientada pela oração não podemos construir um mundo de acordo com o sonho de Deus. E a oração verdadeira é aquela que nos coloca em sintonia com o querer de Deus, que nos move em direção aos pobres e sofredores. Ele veio “para que todos tenham vida”. Aproveitar esse tempo para reforçar a leitura orante da bíblia. Rezar todos os dias algum texto bíblico! Oramos não porque Deus desconhece nossas necessidades, mas porque queremos nos entregar a Ele e descobrir a melhor forma de servi-lo nos irmãos. A Leitura Orante ilumina nosso caminho, nossa vida. Oramos para nos colocarmos na presença de Deus gratuitamente, generosamente. Talvez fosse bom redistribuir o tempo despendido às redes sociais: não deixar que os bate-papos e diversões da internet roubem o tempo da oração.

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A Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema: “Fraternidade e  Educação”, com o lema: “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31,26). Vejamos alguns números que nos  ajudam a perceber a importância da temática:

“A realidade da educação nos interpela e exige profunda conversão de todos. Verdadeira mudança de mentalidade, reorientação da vida, revisão das atitudes e busca de um caminho que promova o desenvolvimento pessoal integral, a formação para a vida fraterna e para a cidadania. Refletir e atuar a favor da educação é uma forma de viver a penitência quaresmal. É reconhecer que algo pode e deve mudar neste cenário e, principalmente, em nossas relações” (Texto Base, 05).

“Somos convidados a ver a realidade da educação em diversos âmbitos, iluminá-la com a Palavra de Deus, encontrando e redescobrindo meios eficazes que favoreçam processos mais adequados e criativos a fim de que ninguém seja excluído de um caminho educativo integral que humanize, promova a vida e estabeleça relações de proximidade, justiça e paz. A educação é um indispensável serviço à vida. Ela nos ajuda a crescer na vivência do amor, do cuidado e da fraternidade” (Texto-Base, 06).

“Da pandemia da Covid-19 nos cabe tirar as lições e os compromissos para o presente e o futuro. Aprender lições com a vida é imperativo para todos os educadores: pais, professores, lideranças comunitárias e religiosas. Educar, antes de dar lições, é aprender com as lições cotidianas e com as crises. Precisamos aprender para passar pelas crises e para enfrentar suas futuras versões de forma mais qualificada. Se as crises são, de certa forma, uma constante na sociedade, o aprendizado também precisa ser. Aprender não é só uma capacidade humana, mas é condição da nossa própria humanidade. ‘A tribulação, a incerteza, o medo e a consciência dos próprios limites, que a pandemia despertou, fazem ressoar o apelo a repensar os nossos estilos de vida, as nossas relações, a organização das nossas sociedades e, sobretudo, o sentido da nossa existência’” (Texto-Base, 34).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Um bom coração produz bons frutos

aureliano, 25.02.22

8º Domingo do Tempo Comum [27 de fevereiro de 2022]

[Lc 6,39-45]

É a ultima parte do “Sermão da Planície”. Uma coletânea de sentenças em vista da construção da comunidade cristã. Tanto para os mestres, a liderança da comunidade, como para os discípulos, os fiéis participantes. O guia precisa enxergar bem para conduzir seus guiados (cf. Lc 6,39-40). Um guia desnorteado, iludido, insensato pode levar todos os seus guiados a se perderem. O mestre precisa estar bem iluminado, centrado no Mestre maior, Jesus, para que conduza com justiça e sabedoria os discípulos.

Sem hipocrisia

Jesus nos ensina que as pessoas devem ser avaliadas pelos seus frutos, e não por aquilo que aparece à primeira vista, pela aparência. A gente pode se enganar e se perder. Não são os belos discursos, as frases de efeito, as promessas de realização e sucesso que garantem a verdade e sinceridade do líder. Mas suas ações, sua atitude, os frutos produzidos. Isso é que garante a confiança que se pode colocar na pessoa que está à frente do grupo.

Jesus condena um discurso marcado pela hipocrisia. “Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão” (Lc 6,42). Cada um deve olhar para dentro de si mesmo e avaliar como tem caminhado. O julgamento pertence a Deus. “Não julgueis, para não serdes julgados; não condeneis para não serdes condenados; perdoai, e vos será perdoado” (Lc 6,36-37).

Que frutos produzimos?

A nós compete tentar produzir frutos bons. E quais são os frutos que o Senhor espera de nós? A justiça amorosa, o serviço aos irmãos, o comprometimento com os desafios da família e da comunidade. O envolvimento nas políticas públicas. Sair daquele pensamento e atitude de conformismo e de que religião deve ser vivida dentro do templo. “Sujar” os pés na lama em busca de melhoria de vida dos mais pobres a partir do Evangelho. “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (Papa Francisco).

Solidários e comprometidos

Uma Igreja que se empenha em ser fiel a Jesus Cristo, que assume o Evangelho como norma de vida, produz frutos. A verdadeira religião é aquela que atua pela libertação e salvação dos órfãos, das viúvas, dos pobres. “A religião pura e sem mácula diante de Deus, nosso Pai, consiste nisto: visitar os órfãos e as viúvas em suas tribulações e guardar-se livre da corrupção do mundo” (Tg 1,27).

E João já advertia a comunidade: “Se alguém, possuindo os bens deste mundo, vê o seu irmão na necessidade e lhe fecha o coração, como permaneceria nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade” (1Jo 3,17-18).

Nossa confiança deve ser investida naqueles que, por suas ações, mostram-se participantes do projeto do Reino de Deus. Aqueles que trabalham pela fraternidade, pela justiça e pela paz. Não adianta proclamar a Palavra ou carregar a Bíblia debaixo do braço ou fazer longas e fervorosas orações, mas continuar com atitudes que manifestam frutos podres de uma vida hipócrita, distante do evangelho. Estes tais não merecem nossa confiança. Só é digno de nossa confiança quem se coloca, a exemplo de Jesus, a serviço dos fracos, dos injustiçados, dos pequenos e sofredores, dos perseguidos e marginalizados.

Como anda nossa acolhida?

Um modo muito interessante e necessário de produzirmos frutos é a acolhida, o respeito, a ajuda aos sofredores. Quando não tornamos a vida dos irmãos mais difícil do que já está. Quando sabemos acolher, ouvir, respeitar a partilha que nos fazem aqueles que passam por momentos de dor e angústia. Quando não envenenamos com nossas fofocas e calúnias a vida dos outros. Quando desenvolvemos em nós o espírito de compaixão e solidariedade com os pecadores, acolhendo-os e perdoando-lhes as fraquezas. Quando respeitamos os idosos e lhes proporcionamos um pouco de alegria e bom sabor na vida já marcada pela insegurança, pelo medo, pela enfermidade.

Fé e vida

Podemos pensar também nos cultos e liturgias que celebramos. Jesus invocou certa vez o profeta Isaías ao recriminar a hipocrisia na oração: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. Em vão me prestam culto, pois o que ensinam são pensamentos humanos” (Mt 15,8-9). Deus não se interessa por práticas religiosas vazias, descomprometidas. Às vezes há mais comércio, panos, fumaça, ritos e louvações do que corações sinceros e retos com desejo de louvar a Deus e de buscar a conversão sincera e a mudança de vida. Não são os “sacrifícios e holocaustos” que agradam ao Senhor, mas um coração puro e reto. Quando o interior não for puro e reto, o futuro não será humano. “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração” (Lc 6,5).

Ser amante da verdade

As sentenças do evangelho de hoje nos permitem fazer uma reflexão sobre a verdade. Vivemos num mundo marcada e descaradamente mentiroso e falso. As aparências e as máscaras é que dão as cartas. Merece credibilidade o que aparece, que agrada, que dá lucro.

Há especialistas em mentir, em montar e espalhar fake news, em armar estratégias malignas para enganar a população. As guerras, por exemplo, são geralmente realizadas dentro de esquemas mentirosos. Como diz o ditado: “A primeira vítima da guerra é a verdade”. Vejam a mentira em torno da guerra do Iraque e do Afeganistão. Que amparo os Estados Unidos e seus aliados ofereceram a essas populações espoliadas e destruídas? Estes dias nos deparamos com a guerra na Ucrânia. As potências econômicas mundiais é que decidem sobre as vidas alheias. Os jogos de interesses, de poder e de ter prevalecem sobre as realidades das vidas humanas que se tornam meras marionetes para atender interesses escusos. Nós, cristãos, não podemos nos aliar nem avalizar nenhuma ação ou proposta que destrói a vida humana. Jesus veio para que todos tenham vida (cf. Jo 10,10). O Papa Francisco está nos conclamando para nos unirmos em oração pela paz mundial no dia 02 de março, Quarta-feira de Cinzas:

“Tenho uma grande tristeza em meu coração com o agravamento da situação na Ucrânia. Apesar dos esforços diplomáticos das últimas semanas, cenários cada vez mais alarmantes estão se abrindo. Como eu, muitas pessoas ao redor do mundo estão experimentando angústia e preocupação. Mais uma vez, a paz de todos está ameaçada por interesses de parte. Gostaria de apelar aos responsáveis políticos para que façam um sério exame de consciência diante de Deus, que é o Deus da paz e não da guerra, o Pai de todos, não apenas de alguns, que quer que sejamos irmãos e não inimigos. Peço a todas as partes envolvidas que se abstenham de qualquer ação que possa causar ainda mais sofrimento às populações, desestabilizando a convivência entre as nações e desacreditando o direito internacional”.

A mentira não nos deixa ver os abusos, os desvios, os acordos perversos. A mentira nos cega. Líderes mentirosos trazem verdadeira miséria e desumanidade à população. Isso tanto em nível de política nacional e internacional, quanto em nível de Igreja, de comunidade, de família, de ambiente de trabalho.

Em nível de religião, é sabido que muitos se valem de discurso religioso mentiroso para enganar as pessoas e tirar proveito da situação. Incutem o medo, o desespero, o fanatismo na pessoa. Dominam. Então o “fiel” começa a fazer o que o falso mestre mandar. Há inúmeros charlatões enganando os pobres, sugando-lhes todas as forças e roubando-lhes o pouco que têm para sobreviver.

Pelos frutos é que se conhece a árvore. “Não existe árvore boa que dê frutos ruins, nem árvore ruim que dê frutos bons” (Lc 6,43). Estejamos, pois, atentos.

*Carnaval

Neste final de semana é tempo de carnaval. Inicialmente era uma festa pagã. A Igreja Católica quis dar-lhe um sentido. Então estabeleceu que, nos três dias imediatamente anteriores à Quarta-feira de Cinzas, dia em que tem início a Quaresma, se fariam as festas de despedida da “carne” (carne vale = adeus à carne) para se entrar com sobriedade no tempo de conversão e de penitência proposto pela Igreja aos seus fiéis.

Cada um vive esse tempo como lhe apraz: uns passeiam; outros rezam; outros brincam; outros fazem retiros. Não se pode perder de vista, porém, o respeito pela pessoa humana. O cristão precisa ser comedido e responsável no uso do álcool e outras drogas. Nesse tempo muitos acham que podem tudo. Há muita falta de respeito pelas pessoas. Muita droga e muito sexo desmedido. Realidades que não condizem com a vida cristã. Não há nada de mal em se festejar, brincar e se alegrar. O mal está na falta de respeito, no desperdício, nos excessos: “Conduzi-vos pelo Espírito e não satisfareis as obras da carne. (...) Os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com suas paixões e seus desejos. Se vivemos pelo Espírito, pelo Espírito também pautemos a nossa conduta” (Gl 5,16.24-25). Vamos nos divertir como cristãos e não como pagãos: “Outrora éreis treva, mas agora sois luz no Senhor: andai como filhos da luz” (Ef 5,8).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Quebrar a corrente da violência

aureliano, 19.02.22

7º Domingo do TC - C - 20 de fevereiro.jpg

7º Domingo do Tempo Comum [20 de fevereiro de 2022]

[Lc 6,27-38]

Um sentimento que insiste em habitar no coração humano é o da vingança: pagar o mal com o mal. Uma forma de compensar a dor sofrida é fazer o outro sofrer também. Ou, no mínimo, desejar o mal a quem nos fez mal.

Em A República, capítulo I, no diálogo em busca da definição de justiça no sentido de “dar a cada um o que lhe compete”, Sócrates faz Polemarco afirmar que “a Justiça é favorecer aos amigos e prejudicar os inimigos”. Ora, se o inimigo faz o mal, portanto deve-se-lhe devolver o que ele oferece: o mal. É muito bom prestarmos atenção nisso, pois é isso que escutamos e vemos todos os dias nas redes sociais e televisão. Pagar o mal com o mal. Quem faz o mal deve receber o mal. Recorrer às armas de fogo ou a qualquer outro armamento para combater o mal ou retribuir o mal que recebi. Já prestaram atenção naquelas frases emblemáticas de para-brisa de carro ou para-choque de caminhões? “Que você receba em dobro tudo o que me deseja”. E por aí se vai...

A compreensão de justiça na Sagrada Escritura se distancia da compreensão filosófica. Jesus vem nos ensinar como se deve entender e fazer justiça.  A justiça do Reino de Deus contesta e corrige a justiça humana. Colocar na mente e no coração a novidade trazida por Jesus que estabelece relações a partir do princípio da misericórdia não é tarefa fácil.

Nasce daqui a importância revolucionária que Jesus introduz nas relações humanas acometidas pelos conflitos e violência: “Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam” (Lc 6,27). Não se pode entender e praticar isso senão mediante o dom da fé. Uma relação amorosa e confiante com o Pai.

Quando Jesus fala do amor aos inimigos, não está falando de mero sentimento em relação a eles. Certamente o sentimento não será livre de dor, de mágoa, sobretudo quando ficam marcas, feridas profundas, cicatrizes que atravessam gerações. Quando deparamos com nossas dores diante do mal causado pelo inimigo, é natural dar-nos tempo para recuperar a paz. Aliás, não é possível ao ser humano simplesmente dizer que está perdoado, e pronto. O perdão não acontece de um dia para o outro. É um processo longo e trabalhoso.

Isso nos ajuda a entender que Deus também tem paciência conosco e nos espera no nosso tempo para nos perdoar.  Portanto, é bom compreendermos que Jesus está falando de atitude que brota da vontade, do querer, de se interessar pelo bem do inimigo. E não de mero sentimento. Uma realidade que parte da experiência de fé. Por causa da minha fé em Jesus, da minha adesão a ele e ao seu evangelho, quero que o meu inimigo, aquele que me fez o mal, se converta e viva, mude de vida, peça perdão, assuma uma vida nova.

Há pessoas que dizem: “Fulano pra mim não existe mais. Não faz mais diferença em minha vida!”. Isso significa que o ofensor foi assassinado no coração. Está morto. Então não houve perdão, mas assassinato. Neste caso o ódio deu lugar à indiferença. Tanto pior.

A novidade introduzida por Jesus quebra a corrente da violência. Ao morrer na cruz, vítima do ódio e violência de seus inimigos, Jesus quis que a corrente da violência terminasse nele, em sua entrega de amor. Nós, seus discípulos, queremos também quebrar a corrente da violência. Ao pagar o mal com o bem, ao abençoar quem nos amaldiçoa, ao pedir a Deus pelos inimigos e ofensores, enfraquecemos a força do mal que insiste em prevalecer no mundo.

O que está em jogo aqui é o amor de Deus que está para além e envolve toda miséria humana. Um amor gratuito, generoso, que não exige nada em troca. Não tem nada a ver com aquela liberalidade humana do chefe que, para agradar os subordinados e ser querido por eles, dá um lauto banquete e distribui presente a todos. Não! Não é isso. Trata-se de uma atitude amorosa, gratuita que se fundamenta em Deus, por causa de Deus, por amor a Deus.

A primeira leitura de hoje (1Sm 25,2.7-9.12-13.22-23) traz uma demonstração disso. Saul quis matar Davi. E este conseguiu se salvar da lança do Monarca. Quando surge uma oportunidade de Davi acabar com a vida de seu perseguidor, não o faz. Por quê?  Pelo fato de ser um ungido do Senhor: “Não o mates! Pois quem poderia estender a mão contra o ungido do Senhor, e ficar impune?” (1Sm 26,11). Davi entrega a Deus a causa: “O Senhor retribuirá a cada um conforme a sua justiça e fidelidade. Pois ele te havia entregue hoje em meu poder, mas eu não quis estender a mão contra o ungido do Senhor” (1Sm 26,23). Quando vejo no outro, por pior que ele me possa parecer, a imagem de Deus, me predisponho a fazer um caminho de perdão e de amor.

Essa passagem da Escritura poderia iluminar também as guerras e conflitos mundiais. Governantes que se dizem cristãos ficam de espreita para avançar e destroçar as comunidades, povos e nações. Sem piedade nem constrangimento nenhum pelo mal causado aos pequenos e fracos. Uma sede satânica de destruição, de usurpação, de avançar e tomar territórios e patrimônios dos outros! Que tristeza! Que falta de humanidade! Que falta de Deus e do evangelho em nosso mundo!

“Sede misericordiosos como vosso pai é misericordioso” (Lc 6,36). Jesus não está pedindo que sejamos perfeitos como o Pai (como está dito em Mt 5,48), mas que imitemos sua bondade, seu gesto de perdão. A medida de nosso perdão oferecido aos ofensores e inimigos faz com que o Pai não nos julgue, não nos condene, mas nos perdoe sempre (cf. Lc 6,37). Pois “com a mesma medida que medirdes, sereis medidos” (Lc 6,38).

Podemos também dizer que o gesto de perdão proposto por Jesus não é uma questão opcional. Não depende de nossa escolha, como se cada um pudesse decidir se perdoa ou não, sem implicação para a humanidade. Não! A generosidade, o perdão, a busca do bem para as pessoas são constitutivos da busca do querer de Deus. É obra de “justiça” no sentido bíblico: nossa relação filial com Deus justo e santo. No perdão acontece nossa realização como cristãos. Em síntese, poderíamos dizer que, sem esse espírito, o nome de cristãos não corresponderia ao que dizemos ser e acreditar.

O cristão é aquele que, no seguimento de Cristo, faz um caminho diferente da proposta social. Caminha na contramão da história. Coloca-se em contestação da sociedade de consumo, de vingança, de violência, de dominação, de mentira, de aparência, de busca de sucesso e poder. Suas atitudes são “estranhas”, incompreensíveis: amar os inimigos, abençoar os amaldiçoam, rezar pelos perseguidores (cf. Lc 23,24. At 7,60).

Portanto, perdoar não é esquecer. Perdoar é dar tempo ao tempo. É saber trabalhar dentro de si o desejo de vingança, o sentimento de ódio. É compartilhar com alguém a dor da ferida sofrida. É buscar a paz interior. É amar de novo. É dar nova oportunidade. É entregar o ofensor nas mãos do Pai misericordioso. Todas as vezes que se lembrar da ofensa, que sentir a dor doída no coração, oferta ao Pai do céu ambos: o ofendido e o ofensor. E poderá dizer com toda confiança: “Pai nosso... perdoai-nos como nós perdoamos”.

Contemplemos o Cristo na Cruz que disse: “Pai, perdoa-lhes porque eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Estêvão, nas pegadas de Jesus, também perdoou: “Senhor, não lhes leve em conta este pecado” (At 7,60).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Felizes os pobres! Ai dos ricos!

aureliano, 12.02.22

6º Domingo do TC - C - 2022.jpg

6º Domingo do Tempo Comum [13 de fevereiro de 2022]

[Lc 6,17.20-26]

No relato do evangelho do domingo passado (5º Domingo), vimos Jesus chamando os quatro primeiros discípulos. Quer que sejam “pescadores de homens”. E eles entendem que precisam se desapegar dos bens materiais para seguir a Jesus com liberdade e inteireza de coração (Lc 5,10-11). O relato transparece claramente que Jesus quer um novo modo de vida e de mentalidade para seus seguidores.

O relato do evangelho de hoje traz o “Sermão da Planície” em contraposição ao “Sermão da Montanha” de Mateus 5,1-12. Lucas tem perspectiva diferente de Mateus. Os destinatários são outros: comunidades provenientes da cultura grega, pagã. O conteúdo dos dois relatos é o mesmo. Mas aqui Jesus profere também uma maldição contra os ricos. Além disso, ao “descer a montanha”, Jesus quer mostrar a condescendência de Deus que vem até nós. Elemento fundante da nossa fé cristã é a revelação de um Deus que se faz um de nós (cf. Jo 1,14), que desceu e se tornou servo (cf. Fl 2,7). De rico que era, se fez pobre por nós (cf. 2Cor 8,9). Um Deus que “desce”.

A fé cristã provoca uma revolução no coração daquele que acredita. O encontro com Jesus Cristo transforma a pessoa, abre um horizonte novo, faz enxergar o mundo de modo diferente. Produz no coração do crente o desejo de Deus, o desapego, o espírito de partilha, de solidariedade, de cuidado com o outro e com a Casa Comum. Foi isso que aconteceu aos santos e santas: São Francisco de Assis, Beato Charles de Foucauld, Pe. Júlio Maria, Santa Teresa de Calcutá, Santa Dulce dos Pobres e tantos outros.

Mas convenhamos. Ouvir uma proclamação de felicidade para os pobres é muito bom! E todos gostam de ouvir e até de dizer. Mas ouvir que os ricos estão perdidos, não é coisa fácil: “Ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação”. O Profeta, na primeira leitura, visa a nos preparar para isso: “Maldito o homem que confia no homem e faz consistir sua força na carne humana” (Jr 17,5). Por outro lado, brota do coração de Deus uma palavra de consolo: “Bendito o homem que confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor” (Jr 17,7).

Alguém poderia argumentar: “Deus criou os bens deste mundo para serem usufruídos”. É verdade! Porém há que se distinguir: uma coisa é possuir os bens e usufruí-los; outra coisa é ser possuído por eles, ser escravo dos bens materiais. E como se não bastasse, escravizar os outros para possuir sempre mais. Atentemos à advertência de São Paulo: “Eis o que digo, irmãos: o tempo se faz curto. Resta, pois, que aqueles que têm esposa, sejam como se não tivessem; aqueles que choram, como se não chorassem; aqueles que se regozijam, como se não regozijassem; aqueles que compram, como se não possuíssem; aqueles que usam deste mundo, como se não usassem plenamente. Pois passa a figura deste mundo” (1Cor 7,29-31). Os bens materiais não podem ocupar o primeiro lugar em nossa vida. Porque eles não trazem dentro de si a felicidade permanente, verdadeira, intransferível.

A Sagrada Escritura quer nos mostrar que nenhum bem material é definitivo. Na parábola do homem que construiu um grande armazém para guardar sua colheita e se locupletar sozinho, Jesus mostra que a vida e os bens só têm sentido na medida em que são vividos e empregados segundo os critérios do Reino de Deus: “Insensato, nessa mesma noite ser-te-á reclamada a alma. E as coisas que acumulaste, de quem serão?” (cf. Lc 12,16-21). A vida do ser humano não consiste em possuir muitos bens, em ter muito dinheiro, em ser reconhecido pelo que tem (cf. Lc 12,15). Há muita vaidade por aí. Há pessoas que pensam somente em trabalhar para ganhar dinheiro; ganhar dinheiro para comprar coisas; comprar coisas para se exibir. E por aí se vai. Depois vem a desavença, a rivalidade, a velhice, a doença, a morte. E Depois?...

O programa de vida de Jesus é “anunciar a boa nova aos pobres”. Deus ama o ser humano por si mesmo. Não faz parte de sua “agenda” admirar stutus quo, reconhecimento social, aparência, sucesso e aplausos. Deus ama o ser humano de graça. E quer que ele se faça simples , pequeno, pobre.

Além disso, quando Jesus proclama “Bem-aventurados vós, os pobres” não quer dizer que o pobre seja mais virtuoso do que o rico. É que Deus quis fazer sua “opção preferencial” pelos pobres. Com isso entende-se que a graça vem de Deus e não de algum favor humano. Os pobres não são felizes por causa de sua pobreza. Eles são felizes por saber que Deus está com eles. Seu sofrimento não durará para sempre. O Senhor lhes fará justiça. Jesus deixa claro: os que não interessam a ninguém são os que mais interessam a Deus. Deus quer estar com eles. E, para nós que vivemos na abundância, quando voltamos nosso olhar e nossa presença junto aos pobres, podemos ter aí uma grande oportunidade de fazer um caminho de conversão.

É bom ressaltar que Jesus não é contra os ricos. Por isso os exorta a mudar de mentalidade, a se esvaziarem de si mesmos, a se desapegarem de seus bens fazendo com que todos possam também usufruí-los. Os bens da criação devem ser distribuídos a todas as pessoas. Deus criou a terra e a deu ao ser humano para que cuidasse dela: “O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2,15). Basta ler o episódio de Jesus e Zaqueu (Lc 19, 1-10). O coração de Zaqueu encheu-se da salvação de Deus quando ele decidiu devolver o que roubara, e distribuir com os pobres parte dos bens: “Zaqueu, de pé, disse ao Senhor: ‘Senhor, eis que dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo’. Jesus lhe disse: ‘Hoje a salvação entrou nesta casa’” (Lc 19,8-9).

Senhor Jesus, desperta nosso coração para maior sensibilidade e solidariedade com os mais pobres. Ajuda-nos a ter um coração de pobre, um coração que saiba consolar, que saiba cuidar, que saiba chorar com os choram aquela dor doída. Inspira-nos palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos. E não deixes que a preocupação e a busca desenfreada dos bens materiais, do sucesso a todo custo, do lucro a qualquer preço tomem conta de nosso coração. Dá-nos enfim aquela coragem suficiente para anunciar teu Reino de amor e denunciar as perversidades contra os pequenos e sofredores da terra.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Missão a partir de Jesus

aureliano, 05.02.22

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5º Domingo do Tempo Comum [06 de fevereiro de 2022]

[Lc 5,1-11]

Nos últimos dois domingos rezamos e refletimos a pessoa de Jesus, o Ungido do Pai, enviado para evangelizar os pobres. Enfrenta rejeição em sua própria terra e entre seus parentes e familiares. “O profeta só não é bem aceito em sua própria terra”.  O ungido de Deus para evangelizar os pobres é desprezado e perseguido na sua missão entre os seus.

No relato deste domingo, Lucas coloca Jesus em outra terra: às margens do lago de Genezaré. Aqui é ouvido por uma multidão que se aperta ao seu redor. Um detalhe interessante que não pode passar despercebido: as pessoas estavam ali “para ouvir a palavra de Deus”. Ao passo que, na sinagoga de Nazaré, o pessoal estava à cata de milagres: “Faze em tua terra o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum”. – Uma pergunta desconcertante: “Você frequenta a igreja para ouvir a Palavra de Deus ou para receber milagres?”

No relato de hoje aparecem duas cenas: o anúncio da palavra de Deus às multidões e a pesca milagrosa. Dois acontecimentos que iluminam a caminhada e a missão da Igreja. A Palavra de Deus ilumina, aquece, inspira, fortalece, abre caminhos. Por isso Simão Pedro dirá: “Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes”.

O trabalho sem a presença de Deus, sem a iluminação de sua Palavra, é inútil. Já rezava o salmista: “A salvação dos justos vem do Senhor, sua fortaleza no tempo da angústia. O Senhor os ajuda e liberta, ele vai libertá-los dos ímpios e salvá-los, porque neles se abrigaram” ”(Sl 37,39-40). E ainda: “Nosso refúgio e rocha firme é o Senhor” (Sl 62,8). E em outro lugar: “Se o Senhor não construir nossa cidade, em vão trabalharão os construtores” (Sl 127,1). Por isso Pedro e os demais pescadores, ainda que peritos no mar e na pesca, não conseguiram nada. – Outra pergunta: “Que lugar ocupa a Palavra de Deus na sua vida? Tem prioridade sobre trabalho, lazer e Redes Sociais?”

Esse relato quer mostrar à Igreja iniciante, representada na Barca de Simão, que a autossuficiência era a causa de prováveis desânimos na comunidade. Certamente a Palavra de Jesus, a confiança nele, a convicção de que os êxitos devem ser atribuídos a ele estavam meio distantes do horizonte da comunidade. O que os levava a voltar desanimados da “pesca”. A autossuficiência é uma praga que acaba com a comunidade, com a família, com a pessoa. Todo aquele que julga bastar-se a si mesmo, acha que não precisa de mais nada nem de ninguém, que tem todo conhecimento e dinheiro para sobreviver, que não aceita opinião nem sugestão de ninguém, está cavando seu próprio inferno e sendo um inferno para sua família e comunidade.

A abertura de Pedro, velho e experimentado pescador, em acolher a palavra de um “carpinteiro”, questiona nossos fechamentos e cabeça dura diante do novo que nos interpela. Uma mudança de época exige novos métodos de evangelização. Se as pessoas estão se afastando do evangelho, ou mesmo usando o evangelho para justificar suas falcatruas, é sinal de que precisamos rever nossa maneira de evangelizar. A “pesca” precisa ser diferente. A presença de Jesus deve ser mais concreta, real. Ele precisa “estar na barca”. A confiança nele precisa ser redobrada. O trabalho precisa ser feito em nome dele e para ele: “Em atenção à tua palavra vou lançar as redes”. Parece ser urgente retomar o lema de Carlos de Foucauld: “Gritar o evangelho com a vida”.

São Paulo VI, em 1975, ensinava: “E antes de mais nada, sem querermos estar a repetir tudo aquilo já recordado anteriormente, é conveniente realçar isto; para a Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização. ‘O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas’. São Pedro exprimia isto mesmo muito bem, quando evocava o espetáculo de uma vida pura e respeitável, ‘para que, se alguns não obedecem à Palavra, venham a ser conquistados sem palavras, pelo procedimento’. Será pois, pelo seu comportamento, pela sua vida, que a Igreja há de, antes de mais nada, evangelizar este mundo; ou seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao Senhor Jesus, testemunho de pobreza, de desapego e de liberdade frente aos poderes deste mundo; numa palavra, testemunho de santidade” (Evangelii Nuntiandi, 41).

Diante do milagre operado pela palavra do “filho do carpinteiro”, Pedro se lança aos pés de Jesus e se reconhece frágil, pecador: “Senhor, afasta-te de mim porque sou um pecador”. Notem a atitude de Jesus: diante do pedido de Pedro para que Jesus se afaste, este se aproxima ainda mais: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens”. Essa atitude de Jesus revela a bondade e a misericórdia do Pai. O Deus de Jesus não é o Deus terrível que espanta, que amedronta, que se mantém distante. Ele está perto e diz: “Não tenhas medo!”. E ainda lhe dá uma missão. Jesus quer que aqueles discípulos sejam continuadores de sua missão no mundo. É a missão da Igreja. Perdoar o pecado. Expulsar o fantasma do medo. Ajudar a pessoas a viverem com alegria, encanto e dignidade.

As “águas profundas” por vezes espantam. É preciso ser forte e confiante para entrar em ambientes e situações desconhecidas, ameaçadoras. Mas os “peixes” estão lá. A gente muitas vezes prefere ficar com aquelas mesmas pessoas de sempre, que frequentam nossa capela/comunidade. Residem no bairro ou córrego duas mil pessoas. Mas nos contentamos com as oitenta que frequentam nossa comunidade. Ao passo que Jesus diz: “Avancem para águas mais profundas”. Além disso, o Papa Francisco nos convida a irmos às “periferias existenciais”. Ou seja, há realidades difíceis, terríveis, destruidoras de vida, dolorosas que precisam da presença missionária: “águas profundas...”.

A atitude dos primeiros discípulos de Jesus nos convida a rever nossos apegos. “Levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus”. Quais são os apegos que não nos deixam avançar? A Sagrada Escritura diz: “Não seja o vosso proceder inspirado pelo amor ao dinheiro” (Hb 13,5). E em outro lugar: “Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perde sua vida por causa de mim, vai salvá-la” (Lc 9,24). Como está o nosso seguimento a Jesus? Que coisas precisamos abandonar?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN