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aurelius

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Riqueza gera indiferença

aureliano, 24.09.22

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26º Domingo do Tempo Comum [25 de setembro de 2022]

[Lc 16, 19-31]

Lucas continua insistindo na justiça e honestidade em relação ao uso dos bens. O Evangelho de hoje dá continuidade ao texto do último domingo: administrar os bens com bom senso e justiça, sabendo que não são nossos, mas de Deus. Devem ser bem administrados por nós. Não somos donos do dinheiro e daquilo que dispomos. Eles são dons de Deus e devem ser disponibilizados em benefício nosso e dos outros, particularmente, dos pobres.

A divisão da sociedade entre ricos e pobres não é de hoje. Alguns são donos de grandes fortunas e levam uma vida na abundância e desperdício. Enquanto uma multidão leva uma vida miserável, fruto, muitas vezes, da concentração de renda e lucro nas mãos de uns poucos. Quando a saúde, a moradia, a educação, o saneamento básico, o transporte público etc não são cuidados a gente já sabe quem sofre as conseqüências: milhões de pobres e deserdados da terra.

Notamos na parábola de hoje, muito conhecida e que, por vezes, causa certa comoção: “Que rico nojento, ambicioso! Merece a morte!” Mas, e nós? Como lidamos com os pobres? Há muita gente passando necessidade em nosso meio! Há muita corrupção favorecida por nós quando nos omitimos: quantas pessoas vendem o voto sem nenhum escrúpulo! Quantas pessoas vivem atrás de benefícios pessoais, indiferentes ao pobre que mora bem perto de sua casa! Quanta maldade presenciamos, e fazemos de conta que não vemos!

O rico do evangelho não foi condenado por ser rico, mas por ser indiferente. É este o câncer que está matando a humanidade! O sofrimento do outro não me diz respeito, não me comove, não mexe com meu coração. Neste sentido podemos dizer também que há pessoas pobres de bens materiais que são maldosas, indiferentes, perversas. Porém é sabido que a riqueza cega o coração e mata o sentimento de solidariedade.

Diante dessa realidade toda, penso que o grande e principal apelo de Deus para nós é a conversão. Nossa mentalidade precisa se conformar com o jeito e sentimentos de Jesus. Ele é o nosso modelo. Precisamos olhar para ele. Essa atitude nova que brota do encontro com Jesus se manifesta através do novo jeito de lidarmos com as coisas e as pessoas.

O risco é entendermos esse Evangelho como um apelo a darmos esmola a pobres que encontramos pela rua ou que batem à nossa porta para descarrego de consciência ou mesmo por medo da condenação eterna. A palavra esmola significa justiça. O caminho é sermos justos com nossa família, com nossos vizinhos, com a comunidade, nas relações de trabalho. Ser justo é viver de acordo com o ensinamento de Deus. É empenhar-se para que o mundo seja mais próximo daquilo que Deus sonhou.

A justa preocupação de cada um em ter uma casa, um emprego, saúde, educação, uma vida de qualidade para si e para os seus deve se ampliar no desejo de que todos tenham acesso a essas mesmas condições. O que desejamos para nós devemos querer para os outros, e nos empenharmos para que todos o tenham.

O Evangelho é uma força de conversão para todos, pobres e ricos, a ser feita imediatamente. É uma força profética que denuncia toda ordem injusta e revelação das causas profundas da injustiça humana. Não adianta esperar que venha alguém dos mortos para nos dizer o que devemos fazer. Jesus já o disse. Resta-nos assumir essa causa, a causa do Reino de Deus.

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VESTUÁRIO E FESTAS

O evangelho deste domingo nos convida a repensar posturas em relação a vestes e festas. Já notaram como as festas ocupam os tempos vagos de muita gente? E não sobra tempo para mais nada. Uma folguinha... e já vem um passeio, um churrasco, uma cerveja, uma ida à casa de campo, à praia etc. Tudo isso é muito bom e necessário, mas na medida do evangelho.

Já perceberam que há pessoas que vivem uma situação tal de enfermidade própria ou de outro que nunca tiveram condições de fazer um passeio? A dona Maria que tem um filho com deficiência e que vive por conta dele: nunca teve condições de fazer um passeio despreocupada. E assim, há inúmeras situações que conhecemos bem. A gente precisa refletir sobre isso...

Outra coisa que domina o coração da gente é a preocupação excessiva com o vestuário. Os lançamentos de grifes caras levam a um consumismo cada vez maior. Há uma preocupação excessiva em se vestir de tal ou tal maneira, vestir tal ou tal grife porque senão vão dizer isso e aquilo. Uma preocupação excessiva com a imagem de si. Sinal de vazio interior.

Bem. O evangelho de hoje relata que o rico tinha uma única preocupação: vestir-se de púrpura e linho fino e banquetear-se com os amigos. Isso, diariamente! É exatamente essa preocupação com festas e vestuários que o deixou cego diante do pobre que lhe pedia um pão e alargou o fosso que o separava do ‘Seio de Abraão’.

Na primeira leitura (Am 6,1a.4-7) o profeta adverte: "Ai... dos que dormem em camas de marfim, deitam-se em almofadas, comendo cordeiros do rebanho e novilhos do seu gado; os que cantam aos som das harpas... os que bebem vinho em taças...  e não se preocupam com a ruína de José". Fazer festas e banquetes, gastanças sem medida e não se incomodar com o sofrimento dos pobres! Uma realidade que está bem perto de nós! Compete-nos visitar o histórico de quem elegemos no último pleito, e refletir sobre aqueles que estão a pedir o sufrágio nas urnas no próximo mês.  Muitos deles fazem viagens, festas, jantares com nosso dinheiro sem o menor escrúpulo. E os pobres abandonados à sua própria sorte! Não há insulto maior aos pobres do que o luxo desenfreado e vergonhoso dos ricos.

Será que não precisaríamos de rever nosso modo de lidar com o vestuário e com as festas para que enxerguemos os pobres e enfermos que precisam de nós?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O uso do dinheiro injusto

aureliano, 16.09.22

25º Domingo do TC - C - 18 de setembro.jpg

25º Domingo do Tempo Comum [18 de setembro de 2022]

[Lc 16,1-13]

No evangelho do último domingo (Lc 15, 1-32), vimos como aqueles dois filhos tinham perspectivas diferentes na administração dos bens. O filho mais novo pegou sua herança, antes de o pai morrer, e ‘queimou’ tudo. O filho mais velho não teve coragem de pedir um ‘cabrito’ para comer com seus amigos. Só trabalhava. O pai da parábola mostra que o ser humano está acima de qualquer valor monetário. O que importa mesmo é construir relações de perdão, de partilha, de fraternidade para que a vida possa brotar com mais exuberância.

No evangelho deste domingo, Jesus conta a parábola conhecida como do ‘administrador infiel’. Esse título, porém, pode prejudicar uma sadia interpretação da parábola. Jesus não quer acentuar a desonestidade da administração, mas a habilidade que o discípulo do Reino deve ter na administração do que lhe for confiado: tudo deve ser gerido e conduzido com vistas ao Reino de Deus.

É preciso notar que o administrador estava ‘dissipando os bens’ do patrão. Por isso ele foi demitido. Aquele fato de baixar a conta dos devedores está ligado ao costume daquele tempo de se permitir aos administradores emprestarem os bens do patrão e ganhar uma comissão com isso. Esse administrador do evangelho estava abrindo mão desse benefício com vistas a ser recebido nas casas daqueles beneficiados. Por isso foi elogiado pelo patrão.

Tudo o que temos e somos são dons de Deus que devem ser administrados de acordo com o projeto do Pai. E a primeira tarefa é nos considerarmos administradores e não donos. Os bens não são nossos. Os filhos não são nossos. Os dons não são nossos. Tudo é do Pai! A consagração batismal nos remete a essa realidade: tudo que somos e temos foi consagrado ao Pai.

Tendemos a viver em função do ter e do poder. Pensamos valer pelo que temos. Há pessoas que buscam acumular cada vez mais dinheiro, vivendo, por vezes, uma vida miserável. Outras gastam demais. Gastam o que não têm. Vivem endividadas porque sentem necessidade de comprar e de exibir uma realidade que não são. E ainda outras que passam a vida em função de acúmulo de poder e riqueza.

Em relação aos bens públicos então, é uma lástima! Há pessoas que não sentem nenhum escrúpulo em esbanjar as coisas públicas: combustível, veículos, energia, água, telefone etc. Desperdiçam, usam e abusam do erário público sem nenhum constrangimento. São um absurdo os gastos desnecessários nos órgãos públicos! Como se desperdiça, como se gasta, como se desvia o dinheiro público! E as propinas então? Nem se fale! Cada um querendo tirar mais proveito do que o outro.

E quando se trata de funcionalismo público?! Resguardadas as honrosas exceções, há funcionários que não trabalham! Passam o tempo todo batendo papo, falando mal dos outros, articulando meios de tirar proveito de situação etc. Sem mencionar funcionários fantasmas. Uma tristeza! O relato do evangelho de hoje quer lembrar a todos que o salário deve ser justo, mas também ganho com honestidade. E que o patrimômio público deve ser gerido com honestidade em favor dos mais pobres.

Jesus nos ensina a pensar e a viver de modo mais solidário a administração dos bens públicos e privados. Eles devem ser colocados a serviço de todos. Eles são para todos. Inclusive para aqueles que virão depois de nós! A Amazônia não pertence aos ricos nem ao Estado. Ela é um bem para a humanidade. Precisa ser preservada, zelada, cuidada.

Ao invés de abraçarmos a lógica da desonestidade, da mentira, da hipocrisia, deveríamos hoje nos perguntar: como estamos administrando os recursos que Deus nos deu? Como lidamos com os bens públicos que não são ‘nossos’, mas de todos? Quem ocupa mesmo o centro de minha vida, que orienta minha história e decisões: o Deus de Jesus ou Dinheiro iníquo?

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CUIDADO COM O DINHEIRO!

Alguém me abordou, nestes dias, pedindo uma explicação para a seguinte passagem do evangelho: “Usai o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando acabar, eles vos receberão nas moradas eternas” (Lc 16,9). O que significa “dinheiro injusto”? É, de fato, um texto que impõe uma reflexão maior.

No tempo de Jesus, os pobres que moravam nas cidades usavam moedas para compra e venda, mas de estanho e de cobre. Com Herodes, começaram a circular moedas de ouro e prata. Portanto tinham um valor maior. Davam mais segurança. Para entender, pois, o que o texto quer dizer, é preciso ir à raiz da palavra que foi traduzida como “dinheiro”. O termo usado no tempo de Jesus era mammona. Vem da raiz aman que significa, em aramaico, confiar, apoiar-se. Era algo em que o indivíduo colocava sua confiança.

Enfim, o que Jesus quis dizer com “dinheiro injusto”? Parece que Jesus não conheceu “dinheiro limpo”. Podemos concluir que Jesus considerava sempre o dinheiro como algo injusto. As relações comerciais de seu tempo eram profundamente injustas, sobretudo a partir do Império Romano. Então o “dinheiro” se tornara um ídolo, ocupando o lugar de Deus. Quanto mais moedas de ouro e prata tanto mais rico e autossuficiente. Jesus então oferece uma saída: “Fazer amigos com o dinheiro injusto”. Ou seja, empenhar-se sempre na partilha, no não-acúmulo para não cair na idolatria. Se o dinheiro era “sujo”, recomenda “lavá-lo” na distribuição e cuidado com os pobres. O dinheiro é fonte de intriga e divisão. É preciso, pois, trabalhar para que favoreça a amizade e a comunhão, a igualdade e a fraternidade.

Vale deixar aqui a palavra de São Basílio, a respeito do uso do acúmulo e riqueza: “Não és acaso um ladrão, tu que te apossas das riquezas cuja gestão recebeste?... Ao faminto pertence o pão que conservas; ao homem nu, o manto que manténs guardado; ao descalço, os sapatos que estão se estragando em tua casa; ao necessitado, o dinheiro que escondeste. Cometes assim tantas injustiças quantos são aqueles a quem poderias dar”.

E o que dizer da “teologia da prosperidade” que assola nosso povo religioso? – Aquele “assalto” para vender ou comprar bênçãos e milagres! Uma verdadeira afronta ao evangelho! Um pecado que “brada aos céus e pede a Deus vingança”! Pergunto de novo: qual é a origem e qual é a destinação do dinheiro que entra no meu bolso?

Para continuar a reflexão nesses tempos sombrios e dolorosos de gestões governamentais que optaram pelos ricos e poderosos em detrimento dos pobres e pequenos: “Ouvi isto, vós que maltratais os humildes e causais a prostração dos pobres da terra; vós que andais dizendo: ‘Quando passará a lua nova, para vendermos bem a mercadoria? E o sábado, para darmos pronta saída ao trigo, para diminuir medidas, aumentar pesos, e adulterar balanças, dominar os pobres com dinheiro e os humildes com um par de sandálias, e para pôr à venda o refugo do trigo?’” (Amós 8,4-6).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Hesed: bondade misericordiosa de Deus

aureliano, 09.09.22

24º Domingo do TC - C - 11 de setembro.jpg

24º Domingo do Tempo Comum [11 de setembro de 2022]

 [Lc 15, 1-32]

Lucas é o evangelista que destaca o rosto misericordioso do Pai, revelado em Jesus. Um Deus amoroso e misericordioso. A Sagrada Escritura conservou um termo hebraico que quer revelar isso: Hesed, a bondade misericordiosa de Deus. Um amor que excede toda medida. Ainda que sejamos infiéis, Ele continua nos amando. Seu amor não depende de nossos méritos: amor totalmente gratuito e generoso. Uma Hesed, um amor que precisa ecoar dentro de nós e expandir ao mundo. Sobretudo nesses tempos de propagação de relações odiosas, de projeto que defende armar a população, de defesa institucional da dominação do grande sobre o pequeno, do rico sobre o pobre, de progresso e crescimento econômico às custas da eliminação dos pobres e da destruição do meio ambiente. É tempo de Hesed: bondade misericordiosa.

O capítulo 15 de Lucas mostra, através de três parábolas, aquele Pai que não quer perder ninguém. É a concretização de Is 49, 15: “Por acaso uma mulher se esquecerá de sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem, eu não me esqueceria de ti”. Quem deseja ser cristão de verdade tem nesse evangelho o ensinamento para sua vida. Este capítulo é considerado o coração do Evangelho de Lucas.

A ovelha perdida, a moeda perdida e o filho perdido lembram o grande amor do Pai que sempre está em busca, procura até encontrar. E encontrando, faz festa!

A OVELHA PERDIDA

O pensamento capitalista da sociedade contemporânea jamais concordará com a atitude do pastor: deixar as noventa e nove para buscar uma única que estava perdida. Diria o capitalista: “Ocupa-te com os ‘bons’, com os que ‘rendem’, pois com os outros perdes teu tempo. Enfraquece-os e deixa-os morrer”. Essa mentalidade se faz presente naquela ideia de que o padre ou o agente de pastoral não tem que ficar visitando as vilas e favelas, os empobrecidos que não frequentam a igreja. Devem-se ocupar do grande grupo. Não seria melhor que uma ovelha se perdesse do que o rebanho todo? É a lógica do mercado. Bem lembrada a comparação: o motorista não se preocupa com o que funciona bem no carro, mas com o que está com defeito.

Ainda existem em nós atitudes farisaicas. Gostamos de resolver os ‘casos difíceis’ pela expulsão ou repressão ou mesmo pela eliminação. Já Deus opta pela reconciliação.

A propósito deste tema, em 17 de junho de 2013 o Papa Francisco ensinava: "Quero dizer-lhes algo: No Evangelho é belo o texto que fala do pastor que, quando volta para o redil, se dá conta de que lhe falta uma ovelha; deixa as noventa e nove e vai procurá-la. Vai procurar uma. Mas nós temos uma e nos faltam as noventa e nove! Temos que sair, temos que buscá-las. Nesta cultura, digamos a verdade, temos somente uma, somos minoria. E não sentimos o fervor, o zelo apostólico de sair e procurar as outras noventa e nove?"

A MOEDA PERDIDA

“Uma mulher tinha dez moedas”. Seria bom que a gente conseguisse enumerar as moedas que temos: dons, qualidades, pessoas, virtudes...

“Perde uma moeda”. Identificadas as ‘moedas’, talvez fosse bom ver qual moeda que a gente não poderia ter perdido de jeito nenhum. Não estamos buscando mais as coisas do que as pessoas?

“Acende uma lâmpada...”. Que lâmpada precisamos acender para iluminar os espaços escuros de nossa vida onde perdemos a ‘moeda’? Nas dificuldades e contradições da vida acendemos a luz ou continuamos caminhando na escuridão? Esta lamparina pode ser uma pessoa amiga, a Palavra de Deus, a Oração, a Confissão, a Eucaristia, o exercício das Obras de Misericórdia etc.

“Varre a casa”. Que espaços de nossa vida precisamos varrer? Relações de ódio e vingança, preguiça, comodismo, apegos a coisas e pessoas, fofoca e intriga, vida afetiva desordenada, mentira e desonestidade, corrupção etc.

“Procura cuidadosamente”. Como temos procurado a ‘moeda’ perdida? Há perseverança, concentração, desejo de encontrar o que se perdeu? É uma busca amorosa? Ou sou movido por medo e escrúpulo? O que me move, mesmo, mais profundamente?

“Até encontrar a moeda”. O que é que nos faz desanimar em nossas buscas pelo essencial? Seria bom identificar aquelas coisas ou pessoas que não nos deixam crescer, que nos desestimulam, que desviam nossa atenção do foco principal e fundamental de nossa vida. Pode ser uma relação afetiva desordenada, busca gananciosa pelo dinheiro, fanatismo político-partidário, desvio do evangelho, moralismo doutrinal, o gosto perverso de mentir e de divulgar mentiras (fake news) etc.

“Quando a encontra”. Já encontramos alguma ‘moeda’ significativa em nossa vida? Qual? Quais?

“Reúne as amigas e vizinhas e diz...”. Nossos convidados, as pessoas que frenquentamos, os amigos com os quais nos reunimos, festejamos, que rosto têm? Quem são? O que eles sonham, conversam? Quais são seus principais assuntos? “A boca fala daquilo que está cheio o coração” (Lc 6,45).

“Alegrai-vos comigo!”. O Papa Francisco tem insistindo muito na necessidade de vivermos uma vida cristã marcada pela alegria. “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus” (EG, 1). Não existe alegria experimentada somente pelo indivíduo. A alegria tende necessariamente a ser partilhada. Experimentamos alegria verdadeira? Com quem partilhamos nossa alegria mais profunda?

“Encontrei a moeda que tinha perdido!”. Que é que estamos procurando e encontrando para deixar como legado, como herança? A alegria da mulher foi a de ter encontrado a moeda que havia perdido. Nosso encontro com o Senhor na oração/celebração tem nos dado verdadeira alegria? Tem nos ajudado na conversão do coração?

O FILHO PERDIDO

O filho mais velho representa aqui o fariseu que contabiliza suas práticas religiosas, mas mantém um coração longe de Deus. Sabe cumprir os mandamentos, mas não sabe amar. Não consegue entender o amor de seu pai para com o filho perdido e encontrado. Não acolhe nem perdoa. Não quer saber de seu irmão. Aliás, nem o reconhece como irmão: “Este teu filho”, diz ao pai. Como se dissesse: “Não é meu irmão”. E o pai se dirige a ele com toda ternura: “Meu filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu”.

O filho mais velho nos interpela, a nós que acreditamos viver juntos do Pai. O que estamos fazendo que não abandonamos a Igreja? Será que não estamos apenas cumprindo ritos e tarefas, talvez com medo de ir para inferno, ou para conseguirmos uma graça, ou apenas por formalidade social e para manter a tradição? “Meu pai era católico... e me batizou na Igreja católica!” E a vida continua como se a fé cristã não fizesse nenhuma diferença no cotidiano.

Precisamos reconhecer a alegria de estarmos sempre na presença de Deus, de podermos experimentar o seu amor. Sejamos como o pai que se alegra com a volta do filho que se afastou. Ajudemos as pessoas a encontrar o caminho de volta para a casa paterna.

Aliás, um elemento significativo das três parábolas deste domingo é a alegria do reencontro. E uma alegria compartilhada com amigos e vizinhos. O único que se aborreceu foi o filho mais velho. Aquele que se julgava dentro de casa, que estava com o Pai. Mas não estava, visto que visava recompensa, e não vivia na gratuidade. Vivia pela lei e não pelo amor.

A alegria da volta à casa do Pai deve ser um distintivo de nossa vida cristã celebrada em comunidade. As ofensas que por vezes ocorrem precisam ser perdoadas para que nossa vida de comunidade possa ser celebrada com mais alegria. Dá o que pensar a observação de Leonardo Boff: “As pessoas de hoje não aceitam mais uma Igreja autoritária e triste, como se fosse ao próprio enterro. Mas estão abertas à saga de Jesus, ao seu sonho e aos valores evangélicos”.

Como lidamos com os afastados da comunidade? Qual tem sido nossa ação missionária junto dos mais pobres e abandonados? Com quem temos sido mais parecidos: com o Pai? Com o filho mais velho? Com o filho mais novo?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A cruz no caminho com Jesus

aureliano, 02.09.22

23º domingo do TC - C - 04 de setembro.jpg

23º Domingo do Tempo Comum [04 de setembro de 2022]

[Lc 14, 25-33]

No caminho para Jerusalém não há meio termo. Para seguir a Jesus é preciso tomada de decisão radical. Não é suficiente acompanhar as multidões. Fé cristã não é imbuir-se de uma ideia, não é adesão a uma ideologia, mas trata-se de adesão e seguimento a uma pessoa concreta: Jesus de Nazaré. Não podemos perder de vista aquelas palavras iluminadas do Papa Emérito Bento XVI: “No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”.

No caminho de adesão a Cristo, todos os dias devemos reafirmar nossa opção por Ele que nos amou e por nós se entregou. Não se pode servir a dois senhores (cf. Mt 6,24). A renúncia aos apegos familiares e a tomada da cruz de cada dia são elementos constitutivos da vida cristã e não somente para as pessoas que assumem a Vida Consagrada. Porém vamos tentar compreender melhor o que isso significa.

Ser cristão é uma Graça de Deus. Mas também é uma opção por Cristo, opção radical, renovada todos os dias. O Reino anunciado por Jesus precisa ser prioridade na vida do cristão. As relações familiares devem também estar a serviço deste Reino. Sempre que houver intervenção da família contrariando os interesses do Reino, é necessário refazer o caminho e re-optar, voltar ao primeiro amor (cf. Ap 2,4). Na vida cristã, o “investimento” tem que ser total. A fé cristã não comporta meias-medidas. A prioridade do cristão que assumiu uma vida familiar não são os filhos, a mulher, o marido ou os pais, mas o Reino de Deus. Em outras palavras, aqueles valores e princípios vividos e propostos por Jesus devem ser a bússola da vida familiar.

A renúncia traz como consequência a cruz. E o que significa carregar a cruz? Aqui precisamos nos deter um pouquinho, pois há equívocos no entendimento dessa palavra de Jesus. Alguns entendem “carregar a cruz” como fazer duras penitências, jejuns, buscar sofrimentos e padecimentos. Outra compreensão muito comum é interpretar a cruz como aceitação das dores e intempéries da vida. Na medida que a pessoa acolhe pacientemente as dificuldades inerentes à vida humana, tais como desencontros, fracassos, doenças, incompreensões, enfretamentos de situações injustas, a acolhida e socorro aos que sofrem etc, está levando a cruz com Jesus.

Bem. O que dissemos até agora é uma possibilidade de interpretação, talvez a mais comum. Porém, para dizer de modo estritamente cristão e evangélico, “carregar a cruz” ainda não é isso. É mais. Muito embora se possa captar no sofrimento cotidiano um conteúdo cristão quando abraçado em Cristo.

Para se entender o que significa “carregar a cruz” precisamos fazer uma viagem histórico-teológica. O que foi “carregar a cruz” para Jesus? Segundo o costume romano, “aquele que carregava a cruz era um condenado por algum crime considerado grave cujo título era levado ao pescoço e atravessava a cidade levando o instrumento de sua execução. Desse modo era mostrado como culpado para toda a sociedade, era excluído, considerado indigno de continuar vivendo entre os seus” (Pe. J. A. Pagola). Foi o que aconteceu a Jesus.

Então “carregar a cruz” significa perfazer o caminho que fez Jesus: “sofrer, com coragem, as rejeições, perseguições, condenações, humilhações infligidas pela sociedade e pelos próprios amigos e familiares, provocadas por causa da fidelidade a Deus e ao Evangelho” (Pe. J. Antônio Pagola). Esse é o caminho de Jesus. Por isso pressupõe opção clara e decisão firme.

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FÉ VERDADEIRA COMPROMETE A PESSOA

O Evangelho de Lucas descreve Jesus caminhando para Jerusalém. Lá seria o lugar da sua morte, mas também, o marco da comunidade cristã de onde partiria para o mundo, anunciando que aquele que morreu crucificado, ressuscitou, está vivo no meio da comunidade.

O discípulo de Jesus deve também percorrer esse caminho porque “o discípulo não é maior do que o mestre” (cf. Mt 10,24-25). E assim como Jesus enfrentou a cruz por causa de sua fidelidade ao Pai, o discípulo também deve fazer os devidos cortes na vida para chegar à ressurreição, colocando Deus como o absoluto de sua vida.

Quando lançamos um olhar para a proposta de Jesus e nos deparamos com uma sociedade  em que se faz do cristianismo um ‘supermercado da fé’ e um jogo eleitoreiro, é preciso identificar aí uma contradição. Não é possível crer em Jesus e não se comprometer com o caminho que ele fez. Se por um lado Jesus propõe sair de si em total desprendimento, fazendo-se dom para os outros, por outro, faz muito sucesso a proposta enganadora e sedutora de uma fé que busca responder às necessidades imediatas, resolver problemas, construindo um deus à própria imagem e semelhança. Ou mesmo fazer-se passar por religioso para conquistar votos nas urnas.

É preciso voltar nosso olhar para a proposta de Jesus: “odiar (desapegar-se) pai e mãe, mulher, filhos, irmãos e irmãs e até a própria vida”, “carregar a própria cruz” e “ir atrás de Jesus”. É uma opção que supõe renúncias, riscos e caminho a ser percorrido.

“Odiar pai e mãe” não pode ser entendido como ‘querer mal’; é um hebraísmo que significa desapego total. Em outras palavras: os afetos familiares não podem ser preferidos à proposta de Jesus (cf. Lc 9,57.62). O Reino que Jesus veio anunciar deve ocupar o primeiro lugar na vida do discípulo. Inclusive o casamento, a vida familiar só tem sentido na dinâmica do Reino de Deus. Casar-se, constituir família em busca apenas de bem-estar, para enriquecimento material, para gozar a vida, não faz sentido para o discípulo de Jesus. A vida afetiva na família deve ser também um instrumento e sinal do Reino de Deus. Este deve ocupar o primeiro lugar. Não deixar-se escravizar por nada: nem pelos bens nem pelos parentes nem por qualquer outra coisa. “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

Partindo dessa compreensão do texto bíblico podemos afirmar que crer em Jesus é encarar o desafio de amar sem medida, até o fim, porque ele nos "amou até o fim” (cf. Jo 13,1). Não dá para começar a construção e abandonar a empreitada. É preciso continuar.

Seguir Jesus, ser seu discípulo requer comprometimento pessoal. Não podemos nos deixar manipular por gente má e perversa que se serve da religião para oprimir e dominar. É preciso que, como Jesus, o discípulo se comprometa pessoalmente com sua fé e abrace as consequências desse seu comprometimento. “Qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo”.

*Estamos no mês da Bíblia. Quem sabe você poderia fortalecer ainda mais seu amor à Palavra de Deus, fazendo a leitura orante, participando com mais entusiasmo dos grupos de reflexão e círculos bíblicos, alimentando nos seus filhos, na sua família o amor e o encantamento pela Palavra de Deus?! Hoje há muita facilidade de se acompanhar a liturgia diária pela internet. Antes de ir para o trabalho, poderia dar uma lida no evangelho do dia, no salmo... Ou mesmo fazer o compromisso de ler Josué, livro proposto pela Igreja para nossa meditação esse ano. São 24 capítulos que narram a conquista da terra de Canaã após longa travessia no deserto. Descreve a ação de Deus na vida do seu povo escolhido, sempre pronto a combater em favor de quem demonstra fidelidade: “O Senhor, teu Deus, estará contigo por onde quer que vás” (Js 1,9). Vamos nesta?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN