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Jesus interpreta o Ensinamento de Deus (Torá)

aureliano, 10.02.23

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6º Domingo do Tempo Comum [12 de fevereiro de 2023]

[Mt 5,17-37]

Estamos no capítulo 5º de Mateus. No domingo retrasado rezamos o Evangelho das Bem-aventuranças: a verdadeira felicidade está em viver segundo o Espírito de Jesus. No domingo passado vimos que o discípulo é chamado a iluminar e a dar novo sabor à própria vida e à vida dos outros a partir de Jesus. Hoje, continuando a leitura do mesmo capítulo, ouvimos o ensinamento novo de Jesus em relação à Lei.

A fidelidade à Lei ou Torá, Ensinamento do Senhor, - os cinco primeiros livros da Bíblia, normalmente lidos nas sinagogas aos sábados - era o que colocava o judeu piedoso no caminho da santidade e da justiça. A dificuldade apontada por Jesus na reforma que ele faz da Lei era o entendimento corrente no seu tempo, de que bastava a fidelidade externa, uma observância à letra da Lei para ser justo. Jesus mostra que cumprir a Lei não é executar o que está prescrito ou deixar de fazer o que é proibido. Cumprir a Lei e realizar toda justiça, é agir de acordo com a vontade amorosa do Pai que está por trás da letra da Lei. É viver o espírito da Lei. É a intencionalidade de cada um que dá sentido ao que se vive. Poderíamos dizer que é a reta intenção no agir. O desejo de fazer o melhor, de acertar, de perceber como Deus gostaria que agíssemos, como Jesus agiria em nosso lugar.

Assim, quando a Lei diz “não matarás”, ela quer dizer, não sufocarás teu irmão por desprezo ou por rixa, por meio do preconceito ou da lei da ‘vantagem’. É claro que o mandamento “não matarás” refere-se também a atitudes e legislações que tiram da pessoa a possibilidade de viver com dignidade, de ter acesso à saúde e à educação, ao pão de cada dia. Significa que a vida humana deve ser preservada, cuidada, respeitada desde a concepção até ao último suspiro.

Pelo que se constata, não há dúvida de que muitas atitudes e leis governamentais (Executivo, Congresso e Judiciário) levam à morte milhares de pessoas. Uma considerável parte de políticos e empresários desonestos roubou e continua roubando o patrimônio brasileiro. Há uma manobra satânica para livrá-los da condenação à devolução do que roubaram. Outros nem são levados a julgamento. Há ainda aqueles que, por omissão e maldade, sucateiam o patrimônio público, se valem dos cargos e funções para prejudicar os pobres e suprimir direitos adquiridos. Isto mata muita gente e coloca em dificuldade muitas vidas. E, o que é pior, muitos deles com a Bíblia ou o Rosário na mão!

É terrível cair nas mãos de um grupo que age movido somente por interesses politiqueiros, sem o mínimo de consciência ética, desdenhando totalmente o bem comum, o clamor dos pobres. É um daqueles pecados que, na linguagem da catequese tradicional, “bradam aos céus e pedem a Deus por vingança”. Não significa que Deus seja vingativo, mas são pecados que afrontam a ordem natural da Criação, que destroem a humanidade. “Lembrai-vos de que o salário, do qual privastes os trabalhadores que ceifaram os vossos campos, clama, e os gritos dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos” (Tg 5,4).

Da mesma forma, o “não adulterarás” dever ir além. Deve levar o discípulo de Jesus a lutar contra a cobiça que habita o coração de toda pessoa. No entendimento dos rabinos do tempo de Jesus, se a mulher olhasse para outro homem ou se demonstrasse qualquer insinuação de desejo por possuí-lo, já era motivo para divorciar-se dela. Porém o homem (varão) era imune a essas penalizações. Jesus, porém, coloca homem e mulher no mesmo nível de compromisso, de respeito e fidelidade.

O mal é gestado nas más intenções que brotam do coração (cf. Mc 7, 21) tanto do homem quanto da mulher. Nesse mesmo sentido é preciso entender que o divórcio não faz parte do plano de Deus. Ainda que, em determinadas circunstâncias, seja um mal menor, é sempre um mal. Todos sabemos bem das consequências danosas, ainda que por vezes inevitáveis, provocadas pela separação do casal! Quando um casamento é vivido “até que a morte separe”, num consenso de compreensão e perdão mútuos, certamente muitas dores e sofrimentos são evitados.

O evangelho de hoje nos ajuda a entender que diante de nós estão dois caminhos: “Diante dos homens está a vida e a morte, o bem e o mal; ser-te-á dado o que preferires” (Eclo, 15, 17; cf Dt 30,15-20). A Lei de Moisés nos ajuda a escolher qual o melhor caminho. Jesus, interpretando a Lei, nos mostra a necessidade de ir além da literalidade da Lei. Em outras palavras: se alguém pensa que para servir a Deus basta ir ao templo, “assistir” à missa ou ao culto, sem cultivar o amor e o cuidado para com os pais; ou que, em relação ao casamento, basta honrar o “contrato matrimonial”, sem necessidade de se preocupar em renovar o amor, o respeito e a fidelidade ao esposo, à esposa, aos filhos todos os dias, está fora do projeto de Deus; não está cumprindo a justiça do Reino. É o caso também de quem pensa que roubar ou matar é quando se tira algo do outro ou se tira a vida de alguém, podendo-se andar de mãos dadas com a corrupção e a mentira. Ou mesmo quando se pensa que não há necessidade de importar-se com a preservação e cuidados do meio ambiente que “geme dores de parto” (cf. Rm 8,22).

Viver o espírito da Lei, o Ensinamento de Deus, para se cumprir a justiça do Reino anunciado por Jesus, leva o discípulo a olhar para seu interior onde está inscrita a vontade do Pai. Escutando a consciência, voz de Deus, conferindo-a com a Palavra que ouvimos, vamos percebendo por onde andamos e que contornos de conversão precisamos fazer.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Uma vida que brilhe e clareie

aureliano, 04.02.23

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5º Domingo do Tempo Comum [05 de fevereiro de 2023]

[Mt 5,13-16]

Hoje continuamos a rezar, na liturgia, o Sermão da Montanha. Jesus, o novo Moisés, quer mostrar a novidade do seu ensinamento em relação ao antigo. Com o projeto do Reino dos Céus (ou de Deus) anunciado por Jesus, Mateus procura mostrar às comunidades cristãs oriundas do judaísmo que precisavam assumir uma prática de vida nova, um novo modo de viver (cf. Mt 5,1-12: Bem-aventuranças) uma vez que a postura das autoridades judaicas de então não correspondia mais ao sonho de Deus para a humanidade.

Na confusão de propostas religiosas, de pregadores de todo canto, o discípulo de Jesus deveria assumir uma postura nova e decisiva: ser sal e ser luz. Em outras palavras: devia dar novo sabor e nova cor à vida das pessoas, ao mundo, a partir de uma vida de intimidade com Jesus. Participando da vida de Jesus, “Sol nascente que nos veio visitar”, o discípulo uma vez iluminado - tal qual a lua que recebe do sol a luz para iluminar a noite - ilumina a vida em torno de si, ilumina a vida do irmão, percebe e solidariza-se com sua necessidade: repartirá o pão com o faminto, hospedará o pobre sem destino (migrante), vestirá o nu, jamais se esconderá de seu irmão pobre, enfrentará o “dedo que acusa e a conversa maligna” (cf. Is 58, 7-10).

Um aspecto interessante de notarmos no evangelho de hoje é que Jesus não conclama seus discípulos a serem sal e luz porque eles são da Igreja nem porque crêem num conjunto de normas e doutrinas nem mesmo por serem homens de oração e fiéis ao culto mas, em primeiro lugar, porque são pobres, são mansos, pacíficos, são misericordiosos, são puros de coração. As bem-aventuranças foram proclamadas primeiramente para os que crêem, seus discípulos, que são pobres e mansos, que têm forme e sede justiça, que são misericordiosos e promotores da paz. Quem vive as bem-aventuranças é sal, é luz, é fermento.

Os cristãos são chamados a transformar um mundo sem sal, sem sabor (sabedoria), sem a luz da verdade, da justiça e da fidelidade, em Reino de Deus. Isso só será possível se o discípulo de Jesus procurar configurar sua vida à de Cristo. Se procurar viver os valores do Evangelho, se buscar reproduzir as atitudes de Jesus, sobretudo para com os pequeninos, os indefesos, os pecadores, os doentes, os sofredores.

“Se fizeres isto (repartindo o pão com o faminto, recolhendo em casa os pobres desabrigados, vestindo os que estão nus), a tua luz romperá como aurora. Então tua luz brilhará nas trevas e tua escuridão será iluminada” (cf. Is 58,7-10). É a participação na glória de Deus. Glória que se manifesta e se exercita na caridade para com os pobres. Santo Irineu dizia: “A Gloria de Deus é o homem vivo; e a vida do homem é a visão de Deus”.

Há um princípio latino que diz: Ubi charitas, ibi Deus (Onde há amor, aí está Deus). Por conseguinte, o contrário é também verdadeiro: onde não há caridade não está Deus. E onde Deus não se encontra, há trevas. Pois “Deus é luz e nele não treva alguma” (1Jo 1,5). E sem luz não se caminha seguro, corre-se sempre o risco de se cair no precipício ou de atropelar os outros.

O espírito mundano nos leva à competição, a abocanhar tudo, a fechar os olhos para a necessidade do miserável, a gastar tudo ou a acumular sem repartir, a pagar o mal com o mal, a valer-nos das oportunidades para tirar vantagens em prejuízo dos outros, a extorquir os desamparados e indefesos, a destruir o meio ambiente etc.

O espírito de Jesus nos convida a assumir uma postura de luz que brota do seu coração e chega aos pobrezinhos através de nós; uma postura de sal que dá um novo sabor à vida de tanta gente. Pois a sabedoria da vida, o prazer de viver não está no acúmulo de bens, nem em curtir todo o prazer do mundo, nem no luxo, nem na ostentação, mas em ocupar-se com aqueles que são mais fracos, impotentes, desprezados, invisíveis, que não são levados em conta na sociedade. A propriedade de conservar que o sal possui quer dizer que a prática da caridade em favor do irmão, sobretudo do indefeso, ajuda a conservar em nós a Aliança que o Senhor fez conosco em seu Filho Jesus.

Diante de milhões de pessoas que passam fome no mundo, que são vítimas da violência mordaz, da desigualdade social que se aprofunda ainda mais, de uma indiferença que cresce assustadoramente nos corações em relação aos pobres e sofredores, nossa consciência se abala, estremece? Os países tradicionalmente cristãos são detentores de muitas riquezas e vida próspera. Será que nós, cristãos, estamos apoiando um sistema injusto e opressor do pobre e do fraco? Será que, na condição de cristãos, estamos contribuindo para o aumento da dor e do sofrimento dos pequenos e sofredores, caminhando na contramão de Jesus? A situação é séria e merece ser pensada, refletida, rezada.

De nossa vida ficará aquilo que se tiver tornado amor: “No entardecer da vida seremos julgados sobre o amor” (S. João da Cruz). Se tiver ficado amor na vida que tivermos vivido; se tivermos deixado rastros de vida, de alegria, de generosidade, de justiça e de fidelidade não entraremos nas trevas (noite) da morte, pois a Luz amorosa mantida no coração e na vida não se apagará jamais. O resto irá para o túmulo. É preciso, pois, que nos convertamos a cada dia em amor. Então seremos sal, seremos luz!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN