Jesus interpreta o Ensinamento de Deus (Torá)
6º Domingo do Tempo Comum [12 de fevereiro de 2023]
[Mt 5,17-37]
Estamos no capítulo 5º de Mateus. No domingo retrasado rezamos o Evangelho das Bem-aventuranças: a verdadeira felicidade está em viver segundo o Espírito de Jesus. No domingo passado vimos que o discípulo é chamado a iluminar e a dar novo sabor à própria vida e à vida dos outros a partir de Jesus. Hoje, continuando a leitura do mesmo capítulo, ouvimos o ensinamento novo de Jesus em relação à Lei.
A fidelidade à Lei ou Torá, Ensinamento do Senhor, - os cinco primeiros livros da Bíblia, normalmente lidos nas sinagogas aos sábados - era o que colocava o judeu piedoso no caminho da santidade e da justiça. A dificuldade apontada por Jesus na reforma que ele faz da Lei era o entendimento corrente no seu tempo, de que bastava a fidelidade externa, uma observância à letra da Lei para ser justo. Jesus mostra que cumprir a Lei não é executar o que está prescrito ou deixar de fazer o que é proibido. Cumprir a Lei e realizar toda justiça, é agir de acordo com a vontade amorosa do Pai que está por trás da letra da Lei. É viver o espírito da Lei. É a intencionalidade de cada um que dá sentido ao que se vive. Poderíamos dizer que é a reta intenção no agir. O desejo de fazer o melhor, de acertar, de perceber como Deus gostaria que agíssemos, como Jesus agiria em nosso lugar.
Assim, quando a Lei diz “não matarás”, ela quer dizer, não sufocarás teu irmão por desprezo ou por rixa, por meio do preconceito ou da lei da ‘vantagem’. É claro que o mandamento “não matarás” refere-se também a atitudes e legislações que tiram da pessoa a possibilidade de viver com dignidade, de ter acesso à saúde e à educação, ao pão de cada dia. Significa que a vida humana deve ser preservada, cuidada, respeitada desde a concepção até ao último suspiro.
Pelo que se constata, não há dúvida de que muitas atitudes e leis governamentais (Executivo, Congresso e Judiciário) levam à morte milhares de pessoas. Uma considerável parte de políticos e empresários desonestos roubou e continua roubando o patrimônio brasileiro. Há uma manobra satânica para livrá-los da condenação à devolução do que roubaram. Outros nem são levados a julgamento. Há ainda aqueles que, por omissão e maldade, sucateiam o patrimônio público, se valem dos cargos e funções para prejudicar os pobres e suprimir direitos adquiridos. Isto mata muita gente e coloca em dificuldade muitas vidas. E, o que é pior, muitos deles com a Bíblia ou o Rosário na mão!
É terrível cair nas mãos de um grupo que age movido somente por interesses politiqueiros, sem o mínimo de consciência ética, desdenhando totalmente o bem comum, o clamor dos pobres. É um daqueles pecados que, na linguagem da catequese tradicional, “bradam aos céus e pedem a Deus por vingança”. Não significa que Deus seja vingativo, mas são pecados que afrontam a ordem natural da Criação, que destroem a humanidade. “Lembrai-vos de que o salário, do qual privastes os trabalhadores que ceifaram os vossos campos, clama, e os gritos dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos” (Tg 5,4).
Da mesma forma, o “não adulterarás” dever ir além. Deve levar o discípulo de Jesus a lutar contra a cobiça que habita o coração de toda pessoa. No entendimento dos rabinos do tempo de Jesus, se a mulher olhasse para outro homem ou se demonstrasse qualquer insinuação de desejo por possuí-lo, já era motivo para divorciar-se dela. Porém o homem (varão) era imune a essas penalizações. Jesus, porém, coloca homem e mulher no mesmo nível de compromisso, de respeito e fidelidade.
O mal é gestado nas más intenções que brotam do coração (cf. Mc 7, 21) tanto do homem quanto da mulher. Nesse mesmo sentido é preciso entender que o divórcio não faz parte do plano de Deus. Ainda que, em determinadas circunstâncias, seja um mal menor, é sempre um mal. Todos sabemos bem das consequências danosas, ainda que por vezes inevitáveis, provocadas pela separação do casal! Quando um casamento é vivido “até que a morte separe”, num consenso de compreensão e perdão mútuos, certamente muitas dores e sofrimentos são evitados.
O evangelho de hoje nos ajuda a entender que diante de nós estão dois caminhos: “Diante dos homens está a vida e a morte, o bem e o mal; ser-te-á dado o que preferires” (Eclo, 15, 17; cf Dt 30,15-20). A Lei de Moisés nos ajuda a escolher qual o melhor caminho. Jesus, interpretando a Lei, nos mostra a necessidade de ir além da literalidade da Lei. Em outras palavras: se alguém pensa que para servir a Deus basta ir ao templo, “assistir” à missa ou ao culto, sem cultivar o amor e o cuidado para com os pais; ou que, em relação ao casamento, basta honrar o “contrato matrimonial”, sem necessidade de se preocupar em renovar o amor, o respeito e a fidelidade ao esposo, à esposa, aos filhos todos os dias, está fora do projeto de Deus; não está cumprindo a justiça do Reino. É o caso também de quem pensa que roubar ou matar é quando se tira algo do outro ou se tira a vida de alguém, podendo-se andar de mãos dadas com a corrupção e a mentira. Ou mesmo quando se pensa que não há necessidade de importar-se com a preservação e cuidados do meio ambiente que “geme dores de parto” (cf. Rm 8,22).
Viver o espírito da Lei, o Ensinamento de Deus, para se cumprir a justiça do Reino anunciado por Jesus, leva o discípulo a olhar para seu interior onde está inscrita a vontade do Pai. Escutando a consciência, voz de Deus, conferindo-a com a Palavra que ouvimos, vamos percebendo por onde andamos e que contornos de conversão precisamos fazer.
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN