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aurelius

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O perdão e a paz vencem o medo

aureliano, 27.05.23

Pentecostes 2020 - 31 de maio.jpg

Solenidade de Pentecostes [28 de maio de 2023]

[Jo 20,19-23] 

UM POUCO DE HISTÓRIA

Inicialmente celebrada pelos israelitas, Pentecostes era a comemoração da colheita dos primeiros frutos do trigo. Porque marcava o 50º dia depois do início da colheita, era, por esse motivo, chamada de Pentecostes. (Confira Ex 23, 14-17; 34, 22; Lv 23,15-21; Dt 16, 9-12). É a festa da colheita. Portanto, tempo de muita alegria e fartura.       

A narrativa de At 2, 1-11 mostra a importância que ganhou na Igreja esta festa. Fazendo uso de um recurso literário, Lucas faz o Pentecostes cristão coincidir com o Pentecostes judaico. O Espírito se manifesta confirmando a missão que os discípulos haviam recebido do Mestre. Pentecostes marca o nascimento da Igreja. É a celebração dos frutos do Ressuscitado: o perdão e a paz que brotam de seu Coração bondoso, superando o egoísmo e a maldade do coração humano.

A MENSAGEM DO EVANGELHO

No próprio dia da Páscoa Jesus vem entregar o Dom do Espírito Santo aos seus discípulos. Este Dom garante a continuação da missão de Jesus no mundo. A missão de dar a paz e de tirar o pecado do mundo: “A paz esteja convosco” (Jo 20, 19); “Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados” (Jo 20, 23). É o próprio Jesus agindo por meio de sua Igreja.

“As portas estavam fechadas por medo dos judeus”: Esse relato nos faz pensar no medo que tomava conta dos discípulos antes de serem revestidos do Dom do Pai. Como o medo nos paralisa, nos fecha em nós mesmos, nos impede de servir! O medo é um sentimento que precisa ser assumido e trabalhado em nós. Quando agimos movidos pelo medo fazemos muito mal a nós e aos outros. Medo de assumir um trabalho na comunidade; medo de arriscar; medo de assumir a própria vida; medo de romper com relações que escravizam e destroem a própria vida e a vida dos outros; medo de falar e de viver a verdade; medo movido pela preocupação excessiva com a própria imagem: o que vão pensar ou dizer? Medo de chamar para conversar sobre dificuldades interrrelacionais. Medo da doença, medo da morte, medo de ser abandonado, desprezado, ridicularizado. É preciso vencer o medo! O medo fecha a porta para Deus e para os irmãos! “No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo!” (Jo 16,33).

Mas há o outro lado da moeda: aqueles que querem amedrontar, causar pânico, intimidar os outros, gritar, esbravejar, calar a boca. Quantas pessoas se satisfazem provocando medo para dominar! Querem se impor pela força física, pela pressão psicológica, pelo cargo que exercem, pelas ameaças que fazem, pelo poder financeiro. Há muitas pessoas que sofrem terrivelmente debaixo de gente perversa, dominadora, satânica. Há gente que domina os outros até mesmo servindo-se da religião ou da boa-fé da pessoa. Crianças, mulheres, idosos, pobres, pessoas vulneráveis e indefesas são as principais vítimas dos dominadores. Um pecado que brada aos céus e pede a Deus vingança! Jesus nunca se impôs aos outros, nunca amedrontou ninguém. Pelo contrário, sempre mostrou-se afável, acolhedor, doador do perdão e da paz.

“Como o Pai me enviou também eu vos envio”. Palavra de Jesus aos discípulos antes de comunicar-lhes do Dom do Espírito Santo. É um elemento essencial na missão. O Pai enviou o Filho para comunicar seu amor ao mundo. Agora o Filho envia aqueles que ele escolheu e consagrou com essa mesma missão: o Pai nos ama e quer salvar a todos. Quer comunicar-nos o perdão e a paz. A Igreja é a mensageira e portadora dessa Boa Nova.

ABRIR O CORAÇÃO PARA A MISSÃO

Ao longo de seu ministério Jesus havia prometido o Espírito Santo aos seus discípulos para auxiliá-los na tarefa que lhes confiaria. Ele teria a missão de inspirá-los, fortalecê-los, lembrar-lhes o que lhes havia ensinado. Desde então lhes restava plantar, pois o Pai garantiria a colheita.

Compete a nós abrir o coração para a ação do Espírito Santo em nossa vida a fim de que nossa vida e nossas comunidades se renovem. Aquele vigor concedido aos primeiros discípulos continua sendo dado a quem se abre à sua ação libertadora. Deixemos o Espírito agir em nós, pois sem a sua força a Igreja fica estéril e confusa, sem ternura e sem missão.

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A FORÇA DO ALTO PERDOA E ANIMA

A festa de Pentecostes tem sua história na comunidade israelita. Inicialmente era o agradecimento a Deus pelos frutos da terra. Uma festa agrícola. Posteriormente foi associada à entrega da Lei no Sinai, tornado-se assim a festa da Aliança de Deus com seu povo.

No cristianismo, Pentecostes celebra a manifestação pública da Igreja. Embora, segundo João, o Espírito Santo seja dado no dia da Páscoa, na Ressurreição, a comunidade lucana a coloca cinquenta dias depois da Páscoa, para evocar e celebrar a manifestação pública da Igreja. Em forma de “línguas de fogo” para dizer do testemunho e da palavra dos discípulos de Jesus manifestando a ação de Deus na pessoa de Jesus de Nazaré. No Sinai foi entregue a Lei a Moisés, escrita em tábuas de pedra. Aqui celebramos a Lei derramada nos nossos corações.

 O evangelho deste domingo mostra a comunidade dos discípulos acuada, medrosa. Os discípulos não tinham iniciativa nem coragem de anunciar a experiência que haviam feito de Jesus. Aquele em quem haviam depositado a esperança frustrou-lhes as expectativas: morrera na cruz como um malfeitor. Porém, a divina “Ruah” do alto, aquele Sopro vital os encheu de novo ânimo, de coragem. Começam então a anunciar, com todo ardor e entusiasmo, aquela realidade que haviam experimentado: a vida de Jesus e a vida em Jesus é o caminho para se viver de maneira justa, alegre e mais feliz.

Soprou sobre eles e disse...”. Esta passagem nos faz lembrar aquele sopro vital que o Criador fez penetrar no homem formado da argila: “Ele insuflou nas suas narinas o hálito da vida, e o homem se tornou um ser vivo” (Gn 2,7). Ou mesmo aquele Sopro de vida de que fala o profeta Ezequiel: “Porei meu sopro em vós para que vivais” (Ez 37,14). Somos cristãos leigos de barro, padres de barro, bispos de barro. É o Sopro Santo de Deus que nos comunica vida. Jesus comunica a nova vida que ele veio trazer do Pai: o Espírito Santificador que nos inspira, nos ilumina, nos fortalece para darmos testemunho da ressurreição do Senhor.

É interessante notar que o Espírito Santo não desceu somente sobre os “Onze”. Ele veio sobre todos que estavam no Cenáculo. Ali havia muitas outras pessoas além dos Apóstolos. O Espírito de Jesus penetra no coração daquelas pessoas e lhes dá novo vigor, novo sentido de vida. Sem o Espírito Santo a vida fica sem sentido, vazia, deslocada daquele centro vital para o qual o Pai nos criou. Desfocada, a vida começa a perder o sentido e o pecado encontra guarida dentro de nós. É a destruição de nossa vida. A alegria dá lugar à tristeza, a paz cede a brigas e intrigas, a partilha perde terreno para o egoísmo, o perdão é substituído pelo desejo de vingança, a fraternidade é suplantada pela dominação e coisificação das pessoas, a fé perde para a dúvida e o ceticismo.  Quando Jesus sopra sobre os discípulos e lhes dá o Espírito Santo com o poder de perdoar os pecados, ele quer mostrar que a missão da Igreja, pela força do Espírito Santo, deve ser a de tirar o pecado do mundo.

O pecado, segundo Pe. Antônio Pagola, é a “força de gravidade que nos impede de ir a Deus”. Muito mais do que culpa, é peso, escravidão. Mais do que falar de perdão, é preciso, pois, falar de libertação. Por isso chamamos a Jesus de Salvador. Nota-se, pois, uma vez mais, que o Evangelho não é um ligeiro verniz que se passa no ser humano, mas é tomá-lo a partir do seu ser mais profundo, assim como é, e tornar possível sua volta para Deus. Este é o primeiro fruto do Espírito de Jesus: a libertação. Este é o Espírito, o Espírito do Filho, o Espírito dos filhos, aquele que nos resgata da escravidão da terra e nos abre o horizonte luminoso de filhos.

Esse Espírito traz e atualiza a novidade de Cristo: “Sem o Espírito Santo, Deus está distante; o Cristo permanece no passado; o evangelho, uma letra morta; a Igreja, uma simples organização; a autoridade, um poder; a missão, uma propaganda; o culto, um arcaísmo; e a ação moral, uma ação de escravos. Mas no Espírito Santo o cosmos é enobrecido pela geração do Reino, o Cristo ressuscitado está presente, o evangelho se faz força do Reino, a Igreja realiza a comunhão trinitária, a autoridade se transforma em serviço, a liturgia é memorial e antecipação, a ação humana se deifica” (Atenágoras I, Patriarca de Constantinopla).

Todos nós sentimos dificuldades. Todos sentimos a fraqueza na fé, a fragilidade da existência, a força do pecado em nós. Por vezes o mal parece prevalecer. O bem fica apagado. Fazemos o bem, nos empenhamos na construção de um mundo melhor, mas parece que nossa luta é em vão. Então peçamos ao Espírito Santo que, como aos discípulos e discípulas no Cenáculo, nos encha de seu amor, de sua luz, de sua força:

Vem Espírito Santo e liberta-nos do pecado, fortalece nossa pequenez, dá-nos tua força contra o mal. Não nos deixes desanimar, desistir de caminhar na direção do bem. Mais do que fazer o bem, ajuda-nos a ser bons, justos, solidários, fraternos. Enche-nos de tua bondade, de tua sabedoria para reproduzirmos em nossa vida as ações de Jesus que passou pelo mundo “fazendo o bem”. Faze que nossa vida manifeste a todos o amor do Pai, manifestado em Jesus de Nazaré. Amém.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A missão de Jesus é nossa missão

aureliano, 19.05.23

Ascensção do Senhor - A - 24 de maio.jpg

Ascensão do Senhor [21 de maio de 2023]

[Mt 28,16-20]

Este relato do evangelho de Mateus aparece após a cena do túmulo vazio, as aparições às mulheres e a corrupção dos soldados que vigiavam o sepulcro de Jesus. A cena se situa na Galiléia dos gentios, fato de per si suficiente para apontar o caráter do mandato missionário de Jesus com dimensões universais.

Quarenta dias depois da Páscoa a Igreja celebra a Ascensão do Senhor. O relato de Mateus e o relato de Lucas (At 1, 1-11), referindo o mesmo acontecimento em locais diferentes – Galiléia dos gentios e Jerusalém – querem mostrar uma realidade que está muito além de uma aparição de Jesus e sua subida aos céus à vista dos discípulos. O sentido mesmo destes textos é expressar o que proclamamos ao longo dos séculos em nossa fé: “Está sentado à direita do Pai”. Em outras palavras, Jesus ressuscitado não veio retomar as suas atividades de antes, nem para implantar um reino político como alguns discípulos esperavam. Ele assume a vida na glória e entrega a missão aos seus discípulos, a nós: “Sede minhas testemunhas... até aos confins da terra” (At 1,8). Portanto, não se trata de uma despedida, mas de um novo modo de presença. Ele continua sendo o Emanuel, o Deus conosco, de modo novo.

Retorno à Galileia. Lugar onde Jesus iniciou seu ministério (Mt 4, 17). Regressar aí é retomar o começo para uma nova caminhada vocacional e missionária. Os discípulos missionários entenderam que o Ressuscitado é o mesmo que os chamou na beira do mar da Galiléia.

A montanha. Lugar de encontro com Deus. Crescer e aprofundar com Deus e em Deus a missão confiada por Jesus que o discípulo agora deve assumir. A partir do encontro com Deus o discípulo missionário se restabelece e continua animado pela força do alto: o Espírito Santo.

A primeira tarefa não é fazer alguma coisa, mas encontrar-se com o Ressuscitado. Missão não é convocação para realizar determinadas atividades, mas é, acima de tudo, fruto de uma experiência com o Ressuscitado. O conteúdo da missão brota da experiência com Ele. Daí a importância de não nos preocuparmos tanto com o resultado, com o “fazer” coisas, mas de nos deixarmos encharcar por Deus neste encontro com Jesus, para que outros experimentem essa ação divina em nós.

Ao prostrarem-se diante de Jesus os discípulos expressaram com esse gesto sua fé na pessoa de Jesus ressuscitado. Pois foram acometidos pela dúvida que revela a fraqueza deles diante das dificuldades da missão na comunidade. Sabemos, porém, que eles não se deixaram abater pela dúvida, isto é, pelas dificuldades, pois a história os mostra como verdadeiras testemunhas do Ressuscitado.

A autoridade conferida por Jesus aos discípulos é de serviço ao Reino e nunca em beneficio próprio. São servidores do Reino e participantes da mesma missão de Jesus. É bom trazer à memória o relato do Lava-pés. Aí Jesus se desveste do manto da autoridade e se reveste da toalha do serviço, lavando os pés dos discípulos: “Dei-vos o exemplo para que, assim como eu vos fiz, também vós o façais” (Jo 13,15). Autoridade, na dinâmica de Jesus, se dá no serviço fraterno aos pequeninos do Reino.

A missão de Jesus não conhece fronteiras. É serviço a todas as nações. E o principal objetivo da missão é promover a adesão à pessoa de Jesus. Não se trata de marketing da fé. É ser testemunha do Ressuscitado. Nem se trata tampouco de uma adesão etérea, desencarnada, mas de comprometimento com a causa de Jesus: “para que todos tenham vida plenamente” (Jo, 10,10).

Jesus está com os discípulos. É Deus morando no meio de nós. Jesus ressuscitado é uma presença viva e não mero personagem do passado.

Batizar é “mergulhar” a pessoa na dinâmica do evangelho e introduzi-la na comunidade dos seguidores de Jesus, a Igreja. Ao enviar seus discípulos para “fazer discípulos” mediante o batismo, Jesus manifesta seu desejo de ampliar a comunidade daqueles que acolhem sua mensagem e assumem o projeto do Reino.

As leituras da Festa de hoje convidam a deixarmos de olhar para cima. Ou seja, não ficarmos desligados da realidade. O olhar deve se voltar para a realidade na qual pisamos e o coração deve estar “no alto”, em Deus. Um ‘espiritualismo mundano’ de que fala o Papa Francisco pode nos alienar, bem como um olhar materialista e consumista para a vida nos afasta dos caminhos de Deus. O Senhor, na celebração de hoje, nos convida a ter o coração no alto e os pés no chão.

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Celebramos, neste domingo, o Dia Mundial das Comunicações Sociais. É oportuno refletir sobre o uso que fazemos desses meios para evangelizar e para nos formarmos e nos informarmos também. Como os utilizamos? Que canais buscamos? A que assistimos? Que sites acessamos? Temos o costume de compartilhar falsas notícias (fake news)? Como formamos nossos filhos para o uso da internet? As mídias estão aí! Podem ser um instrumento de evangelização, mas podem ser também um instrumento de disseminação de ódio, de mentira, de maldades. É preciso valorizá-las nos aspectos que ajudam, e ter discernimento no uso para não prejudicar os valores evangélicos já tão escassos em nosso meio.

O Papa Francisco, na Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, nos exorta a falar com o coração. Significa tirar do bom tesouro do nosso coração uma palavra boa capaz de edificar, de consolar, de fortalecer. Sobretudo pede que trabalhemos nossa comunicação a fim de que nossas palavras sejam geradoras de paz e de fraternidade: “Num período da história marcado por polarizações e oposições – de que, infelizmente, nem a comunidade eclesial está imune – o empenho em prol duma comunicação ‘de coração e braços abertos’ não diz respeito exclusivamente aos agentes da informação, mas é responsabilidade de cada um. Todos somos chamados a procurar a verdade e a dizê-la, fazendo-o com amor. De modo particular nós, cristãos, somos exortados a guardar continuamente a língua do mal (cf. Sl 34, 14), pois com ela – como ensina a Escritura – podemos bendizer o Senhor e amaldiçoar os homens feitos à semelhança de Deus (cf. Tg 3, 9). Da nossa boca, não deveriam sair palavras más, ‘mas apenas a que for boa, que edifique, sempre que necessário, para que seja uma graça para aqueles que a escutam’” (Ef 4, 29) (Mensagem para o 57º Dia Mundial das Comunicações Sociais).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

O Espírito Santo nos ajuda a amar

aureliano, 13.05.23

6º Domingo da Páscoa - A - 17 de maio.jpg

6º Domingo da Páscoa [14 de maio de 2023]

[Jo 14,15-21]

Estamos no chamado ‘discurso de despedida’ de Jesus segundo o quarto Evangelho: capítulos 13 a 17.  Aí estão os relatos da “Hora” de Jesus: “Sabendo Jesus que a sua hora tinha chegado, a hora de passar deste mundo para o Pai, ele que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até o extremo ” (Jo 13,1). Jesus então dá o seu testamento, aquilo que não poderão esquecer jamais, seu último desejo. E garante que não os abandonará. No evangelho deste domingo a Igreja nos apresenta o tema dos mandamentos de Jesus e o dom do Espírito.

Mandamentos de Jesus:

Nós ouvimos sempre falar sobre os “Mandamentos da Lei de Deus” (cf. Ex 20, 1-17). Mas hoje estamos tratando sobre os mandamentos de Jesus que são: crer no Pai, crer em Jesus, guardar a sua palavra, permanecer nele, amar uns aos outros como ele amou, realizar as obras dele, praticar a verdade, trabalhar pelo alimento que permanece para a vida eterna. Esses mandamentos, no entanto, se resumem naquelas palavras que dirige aos seus, antes da paixão: “Como eu vos amei, assim também deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 15, 35). A prova de que amamos a Jesus é vivência de seus mandamentos: “Se me amais, observeis meus mandamentos” (Jo 14,14).

Esse amor a Jesus não se dá de modo sensível. Ele não está mais no meio de nós como viveu em Nazaré. Ele continua conosco, mas ressuscitado. Não é amor de sentimento. É amor de atitude, que brota da vontade, da decisão. A pessoa decide acolher o amor de Deus em meu coração e reparti-lo com seu irmão. Independente de ele merecer ou não, de agradecer e reconhecer ou não. É a palavra de Jesus que nos abre para acolher esse amor e nos move a levá-lo aos outros. Esse amor se manifesta quando ‘guardamos sua palavra’. Ou seja, quando o vemos e o servimos na pessoa dos mais pobres e abandonados: “Tudo o que fizerdes a um desses mais pequeninos foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 40).

O dom do Espírito Santo:

A ausência física de Jesus é substituída pelo Espírito Santo, o Paráclito. É pela força deste Consolador, Advogado (advoga nossa causa contra o mundo) que nós continuamos a missão de Jesus. Essa força nós a recebemos no Batismo e se completa, se ‘confirma’ na Crisma, com o dom do Espírito Santo que nos amadurece e encoraja para a missão (cf. At 8, 5-8.15-17, primeira leitura de hoje).

Para muitos a passagem de Jesus pela história não fez diferença. A vida de Jesus não deixou nenhum rastro em sua vida. Não “viram” nem “conheceram” a Jesus (cf. Jo 14,17). Nossa missão é mostrar, com nossa vida, que a vida em Deus como Jesus a viveu faz a diferença no mundo. Mas somos incapazes de realizar essa missão por nós mesmos. É a força do Espírito Santo, consolador, advogado, defensor que nos sustentará na defesa da verdade manifestada, não em doutrinas, mas na vida e atuação de Jesus de Nazaré.

Dessa forma nossa vida, pela ação do Espírito, será um contínuo louvor a Deus, conforme ensinava  Santo Agostinho: “Na verdade, louvamos a Deus agora que nos encontramos reunidos na igreja. Mas logo ao voltarmos para casa, parece que deixamos de louvar a Deus. Não dixes de viver santamente e louvarás sempre a Deus. Deixas de louvá-lo quando te afastas da justiça e do que lhe agrada. Mas, se nunca te desviares do bom caminho, ainda que tua língua se cale, tua vida clamará; e o ouvido de Deus estará perto do teu coração. Porque assim como nossos ouvidos escutam nossas palavras, assim os ouvidos de Deus escutam nossos pensamentos” (Ofício das Leituras, sábado da 5ª semana da páscoa).

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O ESPÍRITO DA VERDADE NÃO NOS DEIXARÁ ÓRFÃOS

Elemento fundante de nossa fé cristã é a consciência de não sermos abandonados por Deus, jamais: “Ele (o Pai) vos dará outro Defensor que ficará para sempre convosco” (Jo 14,16). É importante notar que essa verdade tem consequências para nossa vida cotidiana: essa presença de Jesus em nós e em nosso meio precisa ser percebida, captada, vista por aqueles que nos rodeiam: “Vós sois uma carta de Cristo confiada a nosso ministério, escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo; não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, nos vossos corações” (2Cor 3,3). Em outras palavras, nossa vida deve manifestar nossa fé e a presença de Jesus pelo seu Espírito em nós.

Este Espírito que nos é dado é cognominado “Espírito da verdade”. Essa verdade de que fala Jesus não é uma verdade filosófica, científica, racional, mas teológica. Uma verdade que pode ser traduzida por ‘fidelidade’. Na relação com Deus, podemos afirmar que uma pessoa verdadeira é uma pessoa fiel. E essa fidelidade não tem consistência apenas na opção de vida ética da pessoa, mas no Dom do Pai. É o “Espírito da Verdade que o mundo não pode acolher” que garante a fidelidade do discípulo de Jesus.

A gente tem medo da verdade. Dizer a verdade, ouvir a verdade não é tarefa fácil. Por vezes preferimos levar uma vida falsa, de aparência, enganando-nos a nós mesmos a vida inteira por medo de enfrentar a realidade da verdade. A verdade tira a capa, desmascara. Dizer a verdade não é desrespeitar, ofender, gritar com os outros, machucar. Dizer e viver a verdade é sair do casulo, é buscar uma vida coerente, é reconhecer a própria pequenez, é dizer e expressar com sinceridade o que se sente e o que se pensa na busca de comunhão, de paz, de harmonia verdadeira. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,32).

Viver no ‘Espírito da Verdade’ não é tornar-se dono da verdade nem atacar e derrubar adversários, mas viver como testemunha de Jesus. É manifestar o amor a Jesus ‘observando’ seus mandamentos.

O ‘Espírito da Verdade’ nos convida a viver a verdade no meio de uma sociedade mentirosa, enganadora, marcada por uma vida de aparência. Não nos deixemos levar pela mediocridade, pelo ‘todo mundo faz’, pela preguiça e comodismo que não nos deixam trabalhar nem ajudar a ninguém; por uma gatunagem descarada que leva alguns a valerem-se até mesmo da boa fé dos ‘pequenos’ para sugar-lhes as forças e o pouco que têm para sobreviver.

Abramos nosso coração ao Defensor, Auxiliador enviado pelo Pai por meio de seu Filho, para que nele possamos nos fortalecer sempre mais contra as forças da mentira, da desilusão, da ganância, do mal.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Jesus: caminho que conduz ao Pai; verdade que liberta; vida que enche de alegria

aureliano, 05.05.23

5º Domingo da Páscoa [07 de maio de 2023]

[Jo 14,1-12]

O relato de hoje está no contexto da narrativa do ‘lava-pés’, traição de Judas e a negação de Pedro. Após narrar esses últimos fatos (traição e negação), João mostra Jesus consolando seus discípulos e despertando-lhes a confiança para que não desanimassem nas adversidades e decepções da missão. É uma narrativa dentro do discurso de despedida de Jesus que traz aos discípulos uma palavra de conforto e uma exortação à intimidade com o Mestre, tal como este está na intimidade do Pai: “Eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14,11). Esta vida de união profunda com Jesus é que vai dar condições aos discípulos de realizarem as “obras de Deus”.

  1. “Não se perturbe o vosso coração! ... pois vou preparar-vos um lugar”. Os discípulos não precisavam ficar preocupados com o que iria acontecer. Jesus estava com eles. Podiam confiar nele: “Eu vos levarei comigo (...) para que onde eu estiver estejais também vós”. Essa é a grande promessa aos discípulos: Jesus não os abandona. Preocupa-se com eles. Está com eles. – Nos momentos difíceis da vida, nas desilusões e desencantos, sobretudo quando lutamos por um bem que parece não se concretizar, lembremo-nos destas consoladoras palavras de Jesus. Não desistamos jamais de continuar no caminho do bem, mesmo que as forças do mal pareçam prevalecer.
  2. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. No evangelho do domingo passado (Jo 10) ouvimos Jesus dizer: “Eu sou a porta”. Hoje ele diz: “Eu sou o caminho”. Foi uma resposta à pergunta de Tomé que manifestava seu desconhecimento do caminho para o Pai. Não existe outro caminho para o Pai a não ser Jesus. A vida de Jesus nos mostra por onde devemos trilhar para chegarmos ao Reino do Pai. Mesmo que não se professe explicitamente a fé cristã, mas implicitamente se deve viver a partir dos valores evangélicos. – Jesus é o Caminho que conduz ao Pai. Aquele que vive como Jesus ensinou está no caminho que conduz à vida. Para o ser humano há somente dois caminhos: um que conduz à morte e outro que conduz à vida (cf. Dt 30,15-20). A escolha é de cada um. O caminho que conduz à vida é estreito. E são poucos os que entram por ele (cf. Mt 7,14). Peçamos ao Pai a coragem suficiente para entrarmos por ele. – Jesus é a Verdade. Em meio a tantas teorias que se pretendem verdades absolutas, presentes nas propostas do capitalismo, do materialismo, do lucro a qualquer preço, do prazer absoluto, e confundidos por tantas notícias falsas (fake news), Jesus Cristo resplandece como a única verdade que ilumina o ser humano. – Jesus é a Vida. O sistema político, econômico, eleitoral, judiciário de nosso País, a sede de poder e de ter a qualquer preço, tiram muitas vidas e assassinam muitos sonhos e esperanças. Jesus é vida que nos salva e nos enche de alegria.
  3. “Quem me vê, vê o Pai”. Respondendo a uma pergunta de Felipe, Jesus faz uma revelação fantástica de si: ele é o rosto do Pai. Em Jesus nós contemplamos Deus. Ele é a resposta às nossas perguntas; é a luz da verdade para nosso espírito ameaçado pela mentira e falsidade que campeiam por toda parte; é fonte de vida para nossas angústias. As palavras “quem me vê, vê o Pai”, pronunciadas na véspera da cruz, nos lembram que, encarar os rostos dos pobres e reconhecer neles o rosto desfigurado de Cristo, nos torna capazes de ver a glória do Pai no rosto coroado de espinhos daquele homem de Nazaré.
  4. “Quem crê em mim fará as obras que faço, e fará até maiores do que elas”. O discípulo de Jesus, confirmado pelo Espírito Consolador, que depositou sua confiança em Jesus e vê o mundo com o olhar de Jesus realiza obras ainda maiores do que as que Jesus realizou. Jesus era único, num território delimitado, numa época determinada, estava com possibilidades reduzidas. Já seus discípulos, aqueles que crêem nele e o seguem, estão com maiores possibilidades; é um grupo maior; se estendem a outros territórios, se renovam no decurso da história, atingem maior número de pessoas. Por isso têm possibilidade de realizar obras ainda maiores.

A confiança em Jesus, Caminho único que leva ao Pai, Rosto revelador do Pai amoroso e expresso nos rostos sofridos, deve nos renovar para que nossas obras revelem o rosto do Pai que quer a vida para todos, e reproduzam as mesmas atitudes de Jesus que acolhia, amparava, perdoava, curava, dava vida nova, novo vigor àqueles que dele se aproximavam. Para isso renovemos nossa confiança em Jesus que continua conosco, que age em nós e através de nós e que nos garante levar para junto dele na glória do Pai.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN