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“Não tenhais medo!”

aureliano, 23.06.23

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12º Domingo do Tempo Comum [25 de junho de 2023]

[Mt 10,26-33]

Estamos no capítulo 10º de Mateus. Ele chama os discípulos e os envia em missão. Depois de transmitir aos seus discípulos sua própria autoridade (Mt 9,35 – 10,16), Jesus não lhes esconde que deverão enfrentar perseguição e sofrimento por causa dEle. Ao enviar os discípulos, Jesus lhes transmite algumas orientações. São sentenças orientadoras de Jesus para a ação missionária das comunidades. As orientações no relato de hoje querem fortalecer e prevenir o discípulo contra o medo. Não ter medo de ser perseguido por causa do evangelho.

Um dado interessante na vida é que sofrimento e perseguição são realidades diferentes. Enquanto o sofrimento é uma realidade angustiante que atinge a todas as pessoas, inocentes e culpados, a perseguição, na perspectiva da Sagrada Escritura, atinge os justos exatamente por serem justos. O amor e a fidelidade à Palavra de Deus trazem como consequência a perseguição. Nem sempre o sofrimento é fruto de perseguição. Mas a perseguição gera sofrimento. A confiança em Deus dá serenidade para lidar com a dor. É o que podemos notar em Jeremias, como nos atesta a primeira leitura deste domingo: Jr 20,10-13. Elemento fundamental neste relato é a confiança em Deus: “O Senhor está ao meu lado”.  “A ti confiei a minha causa”. “Ele livrou a vida do pobre das mãos dos malvados”.

Por três vezes o Senhor adverte: “Não tenhais medo.” Por que será que Jesus insiste tanto nesse ponto? Na verdade, o medo é um dos maiores impedimentos ao anúncio do evangelho. E este não pode permanecer escondido: “O que escutais ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os telhados”. Além disso, o medo expõe o discípulo ao risco de ser renegado: “Aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus”.

Outra dimensão do medo está na linha existencial: medo de ser rejeitado pelo grupo, medo de perder oportunidades, medo de perder o emprego, medo de passar necessidades, medo de perder privilégios, medo de ser criticado, medo de perder o amigo, medo de ser contaminado por alguma doença, medo de ... Na verdade é sempre medo de perder. A gente só quer ganhar. Na hora de perder, de entregar algo de nós ou nosso, “o bicho pega”. E a vida é um “perde-ganha”. Não há ninguém que sempre ganhe na vida. Todo mundo perde alguma coisa: perde os cabelos, perde a beleza juvenil, perde parentes e amigos, perde oportunidade, perde a eleição, perde tempo, perde a alegria, perde demanda judicial, perde encantamento, perde...

Acho que a gente precisa aprender a perder, a lidar com os fracassos e frustrações da vida. Um dos grandes dramas da moçada nova (e velha também!) é lidar com os fracassos, com as perdas. Tem gente que acha que vai ser “brotinho” a vida toda! E começa a pintar aqui, espichar ali, cortar acolá, malhar pra ganhar corpo “sarado”, “bombado”. E onde vai parar? Não há jeito: o tempo é irreversível; a finitude humana é implacável. Todo mundo caminha para o fim. Então a gente precisa dar um novo sentido à vida. E Cristo veio dar esse sentido: “Se o grão de trigo caído na terra não morrer, permanece só; mas se morrer, produzirá muito fruto” (Jo 12,24).

Proclamar o Evangelho do Reino, na comunhão com Cristo, significa empenho pela paz, pela fraternidade, pela justiça. Há duas forças que pressionam o discípulo de Jesus para desistir da empreitada. Podemos nomeá-las em forças externas (perseguições, ameaças de morte, matança de líderes comunitários e agentes de pastorais) e forças internas (desânimo, acomodação, busca de vantagens pessoais, ganância, sede de ter e de poder etc).

Estas forças, de dentro e de fora do ser humano, podem criar uma estrutura fechada, impenetrável, egoísta, que o leva a colocar-se indiferente ao Evangelho. Poderá, talvez, escutá-lo todos os dias na igreja, mas não se deixa penetrar pela Palavra porque criou uma carapaça de busca de si mesmo, de fechamento, de egoísmo, de medo de se doar a quem mais precisa.

A grande questão que precisa ser colocada é que, se o evangelho não é vivido e anunciado, os ídolos, realidades que assumem o lugar de Deus Criador, vão consumindo a humanidade. Idolatria é uma realidade que suga todas as forças e energias que a pessoa tem. Ela mata tudo e todos. A busca do prazer, do ter e do poder a qualquer preço é vislumbre da idolatria. É colocar-se no lugar de Deus, invertendo o processo criacional. Em vez de reconhecer o Senhor como seu Deus, quer submeter o Criador ao seu domínio. Fomos criados por Deus; ele criou tudo para nós; e nós existimos por Ele e para Ele. Este é o sentido da Criação.

Podemos dizer que a mensagem principal do relato de hoje é que o discípulo de Jesus não pode se deixar levar pelo medo, pois Jesus prometeu estar com os seus. Ele não nos abandona, jamais. O medo é paralisante e contrário ao evangelho. Para anunciar o evangelho é preciso vencer o medo e ter a coragem de desapegar-se da própria vida. A confiança e a esperança devem superar o medo. Também é preciso enfrentar os inimigos internos: o comodismo, a preguiça, o envergonhar-se de assumir uma postura cristã, a busca do lucro a qualquer preço, querer sempre levar vantagem em cima dos outros etc. Vive como cristão aquele que coloca Jesus Cristo como centro de sua vida e de suas opções e decisões. O caminho que Jesus nos mostra é o caminho da vida. Sigamos por ele!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Você trabalha na Lavoura do Senhor?

aureliano, 17.06.23

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11º Domingo do Tempo Comum [18 de junho de 2023]

[Mt 9,36 – 10,8]

O relato do evangelho deste domingo está colocado no seguinte contexto: Jesus ensinando os discípulos (Sermão da Montanha: Mt 5, 6 e 7) e confirmando sua palavra com vários milagres/sinais (Mt 8 – 9,34). Depois destas ações magistrais ele escolhe um grupo para enviá-los em missão, dando-lhes autoridade e orientando-os no exercício da missão. É um Novo Povo constituído pelo próprio Jesus, novo Moisés. A lista dos Doze realiza o que prefigurava as Doze Tribos de Israel. Este Novo Povo não é apenas sinal da Aliança entre Deus e a humanidade, mas são constituídos missionários, anunciadores do Reino de Deus inaugurado por Jesus.

Ao chamar e constituir o grupo dos Doze e enviá-los em missão, Jesus se distancia dos mestres de seu tempo que reuniam discípulos para ficarem em torno de si. Eram alunos. Jesus quer missionários. Itinerante, quer discípulos também itinerantes. O discípulo de Jesus é formado de tal maneira que não espera que o ouvinte venha, mas vai-lhe ao encontro, coloca-se em marcha. É preciso ir “às ovelhas perdidas”. Os discípulos compreenderam perfeitamente o que o Mestre queria. Inicialmente cuidaram da “casa de Israel”. Depois estenderam sua missão “até os confins da terra”. Por isso a Boa Nova do Reino chegou até nós! Graças a Deus!

Um aspecto interessante que não pode passar despercebido é a presença de Judas Iscariotes na lista dos Doze. Isso mostra que Jesus quer contar com todos. Não discrimina ninguém. Dá oportunidade a todos. Mesmo aqueles que traem, que dissimulam, que não se dispõem a entrar no projeto de Jesus, são chamados e enviados. Esse fato pode nos ajudar a ter paciência para trabalhar com os dissimulados. É aquela paciência em deixar crescer juntos o joio e o trigo: a nós compete semear; é o Pai quem faz a colheita. Mas também nos adverte quanto ao risco que corremos de fazermos parte do grupo de eleitos, e sermos infiéis à oportunidade que Deus nos dá. Deus chama, consagra e envia, mas a resposta generosa e sincera compete a cada um na sua liberdade.

 “Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor”. Jesus quer contar conosco na sua “lavoura”. Quer que tenhamos aquela sensibilidade que ardia no seu coração. Só será possível despertar em nós essa sensibilidade se nos dispusermos a conviver com Jesus. Sem intimidade com o Mestre é impossível percebermos a dor e o sofrimento dos pobres. Sem convivência com Jesus não teremos coragem de sair de nossa vida cômoda e curarmos as feridas dos que sofrem.

Não é fácil lidar com problemas dos outros! “Curar os enfermos” significa trabalhar em favor de quem tem menos vida; lutar pelos que sofrem em suas residências ou nas filas dos postos de saúde e hospitais. Ter um olhar de carinho para com aqueles que vivem sofridos e angustiados pelas lutas de cada dia. Pensemos naquela mãe ou pai cujo filho com deficiência exige cuidados dia e noite! Também naquela mãe que não sabe o que fazer de seu filho/filha envolvido na droga e na criminalidade! Ou mesmo, que pensar daquele filho/a cuja mãe acamada ou desfalecida não encontra apoio nos irmãos ou familiares para colaborar nos cuidados com o doente? Triste realidade também a do idoso, enfraquecido e enfermo, surrupiado pelos familiares , descuidado e maltratado pelos seu!

Ressuscitar os mortos”: empenhar-se na defesa da vida das pessoas e da Casa Comum, o Jardim que Deus criou para nós. Alimentar a esperança naqueles que se encontram angustiados, sem perspectiva de vida, enlutados. Ajudar a fortalecer no coração a confiança em Deus e o desejo de lutar pela vida.

“Limpar os leprosos” pode significar purificar a sociedade de tanta corrupção que assola a economia do País e a vida dos pobres. Corrupção significa também estado de putrefação. A podridão moral e social em que vivemos é como uma lepra, doença contagiosa, que contamina os sãos. Não se contaminar, e trabalhar para que este mal não destrua ainda mais os pequenos e pobres. A violência no campo e na cidade, a disseminação de roubos e furtos, o desrespeito generalizado é como uma lepra que tem origem em líderes religiosos, políticos e profissionais do direito que são colocados como ‘modelos’ sociais, porém tomados pela “lepra”.

“Expulsar os demônios” significa libertar as pessoas de tudo o que escraviza, domina, oprime. Assim, podemos nomear alguns demônios: a mentira, a traição, o roubo, a desonestidade, a ganância, a exploração, o preconceito, a fofoca, o desrespeito, a preguiça, a disseminação do ódio etc. Esses demônios impedem a pessoa de se realizar como ser humano e gera muito mal na vida no mundo.

Jesus nos constituiu como Igreja, novo Povo de Deus, não para ficarmos em torno de nós mesmos, de nosso egoísmo, de nossos caprichos e vaidades. Somos Povo de Deus para uma ação mais eficaz na história: “a messe é grande e precisa de operários”. Há muitos batizados, mas poucos são os operários.

A propósito da escassez de operários e da vastidão da lavoura, transcrevo aqui uma sugestiva palavra de São Gregório Magno: “Ouçamos o que diz o Senhor aos pregadores enviados: A messe é grande, mas poucos os operários. Rogai, portanto, ao Senhor da messe que envie operários a seu campo. São poucos os operários para a grande messe (Mt 9,37-38). Não podemos deixar de dizer isto com imensa tristeza, porque, embora haja quem escute as boas palavras, falta quem as diga. Eis que o mundo está cheio de sacerdotes. Todavia na messe de Deus é muito raro encontrar-se um operário. Recebemos, é certo, o ofício sacerdotal, mas não o pomos em prática” (Das homilias sobre os Evangelhos, de São Gregório Magno, Papa, Séc. VI).

A participação na Eucaristia não pode ser um modo de nos tornarmos aceitos por Deus e tranquilizarmos nossa consciência. Participar da Eucaristia é nos colocarmos decididamente ao lado de Jesus e do Evangelho e assumirmos efetivamente a defesa da vida dos filhos de Deus. É revermos nossa missão, ocupar nosso lugar no Reino de Deus, assumir nosso trabalho sem preguiça e sem mediocridade como operários, trabalhadores da messe do Senhor.

Você participa da Eucaristia para se sentir em paz ou para trabalhar na vinha do Senhor? Você se sente operário na lavoura de Deus, ou procede como um batizado sem compromisso com o Jesus Cristo? Como você vive sua vida cristã? Ela tem algum traço de Jesus? Quais? Vamos fazer a lista? 

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

O amor do Coração de Jesus

aureliano, 16.06.23

Sagrado Coração de Jesus.png

Sagrado Coração de Jesus [16 de junho de 2023]

[Mt 11,25-30]

“Desde a Patrística, a água e o sangue do Coração de Jesus são símbolos dos sacramentos do Batismo e da Eucaristia. A própria Igreja é vista como nascida do lado aberto de Cristo na Cruz. A contemplação do Coração de Jesus, jorrando sangue e água, sempre foi na Igreja fonte de piedade, oração, fé, graça.

No entanto, uma festa propriamente dita do Coração de Jesus foi celebrada pela primeira vez em 20 de outubro de 1672, pelo padre São João Eudes. Pouco tempo depois, as revelações de Santa Margarida Maria Alacoque (1675) contribuíram imensamente para a difusão dessa devoção.

A característica própria dessa solenidade é a ação de graças pela riqueza insondável de Cristo e a contemplação reparadora do Coração Transpassado. O Papa Pio IX, em 1856, estendeu a festa a toda a Igreja Latina. Em 1899, Leão XIII consagrou o mundo ao Sagrado Coração de Jesus” (fonte: CNBB)..

Na sequência da solenidade do Sagrado Coração de Jesus, é celebrada a memória do Imaculado Coração de Maria. Neste ano, amanhã, sábado, 17 de junho.

Um coração para amar

O coração, na cultura judaica, é a sede das decisões, do pensamento, da vontade. O coração era considerado a própria vida das pessoas. Seu movimento de contração e expansão (sístole e diástole) lembrava ao israelita o movimento da terra e dos astros. Sede da vida emotiva e intelectual, os poetas e o povo em geral têm no coração o símbolo do amor, das emoções, dos sentimentos mais profundos.

A bíblia cita o coração mais de mil vezes, mas pouquíssimas vezes no sentido fisiológico. Quase sempre no sentido figurado, simbólico. Como sede das faculdades intelectuais e sentimentais, é conhecido por Deus em suas dobras mais profundas. Ele penetra os “rins e corações”. As más ações que brotam do ser humano tem como fonte o coração. A boca fala daquilo que está cheio o coração.

Deus disse, pelo profeta Ezequiel, que trocaria o “coração de pedra em coração de carne”. A dureza de coração do ser humano sempre foi objeto de crítica e condenação por parte dos profetas.

Porém sabemos que o coração, do ponto de vista fisiológico, não é mais do que um órgão responsável por bombear o sangue no organismo, desprovido, portanto, de qualquer sentimento ou emoção.

Do ponto de vista simbólico, na Sagrada Escritura, ele representa a mente, o cérebro. Nesse sentido o coração termina por ser o responsável pelos sentimentos de medo, de ansiedade, de desejos variados, de ódio, de alegria, de entusiasmo, de raiva etc. Toda essa onda de sentimentos e emoções que passam pela nossa vida é atribuída ao coração  no sentido de mente, daquela parte do cérebro responsável por controlar e comandar nosso “sistema límbico” (saciedade, fome e memória).

Tudo isso para entendermos o sentido da celebração do Coração de Jesus. Para dizer que não se trata do órgão fisiológico, mas de uma expressão simbólica para dizer do pulsar amoroso do Coração de Deus por nós. Nesse sentido a celebração de hoje conduz à essência da fé cristã: o amor de Deus pela humanidade, manifestado em Jesus de Nazaré, que entregou sua vida por nós. No coração de Jesus nunca pulsou sentimentos de maldade, de ódio ou de destruição. O coração de Jesus foi sempre fonte de amor, de entrega, de generosidade, de perdão, de acolhida, de abertura, de salvação de todas as pessoas.

Amar é agir segundo Deus

Na primeira leitura de hoje temos o autor da primeira carta de João afirmando que o amor é a essência da vida cristã. É o amor que distingue quem é de Deus e quem não é de Deus. E o ponto de partida é o Deus-Amor. Deus se manifesta ao mundo como bondade, ternura, misericórdia. As palavras e ações de Jesus manifestam o ser de Deus. É a entrega total, o dom radical de Deus em seu Filho amado na cruz.

Se Deus nos amou então devemos amar-nos uns aos outros (1Jo 4,11). A vivência do amor de Deus não permite que assistamos de braços cruzados aos acontecimentos trágicos e dolorosos da história. É preciso agir. Esse amor coloca o ser humano numa dinâmica de entrega, de generosidade, de serviço, de saída de si, de querer bem aos outros. Essa é a dinâmica do “conhecer” Deus. Isto é, viver uma intimidade fecunda com Deus que nos coloca em movimento de fecundidade de mais vida.

Deus se revela aos pequenos

Nos versículos antecedentes ao relato do evangelho de hoje, Jesus diz palavras veementemente fortes contra as cidades de Cafarnaum, Corozaim e Betsaida que foram indiferentes aos sinais que ele aí realizara. Os habitantes destas cidades, fechados em si mesmos e autossuficientes, julgam não precisar da proposta de Jesus. O Homem de Nazaré então dirige-se aos excluídos e marginalizados na esperança de encontrar nestes acolhida de sua proposta do Reinado de Deus.

Jesus eleva um louvor ao Pai por ter escondido as “coisas” do Reino aos “sábios e entendidos”, compreendendo-se aqui, certamente, os fariseus e mestres da Lei, cheios de si, julgando agradarem a Deus com seus ritos externos de culto e cumprimento do que prescrevia a Lei. Jesus louva ao Pai por revelar essas “coisas” aos pequeninos, representados aqui nos seus discípulos que por primeiro acolheram seu chamado, e também por tantos outros homens, mulheres e crianças, marcados pelo preconceito, pela doença, considerados malditos pela Lei, pelos infortúnios da vida. Vêem em Jesus a cura de seus males e uma esperança para suas vidas.

Para se fazer a experiência de Deus, conhecer a Deus, é necessário levar uma vida de intimidade com o Pai, à semelhança de Jesus, o Filho amado. Essa intimidade é que garante a revelação de Deus, ou seja, a suspensão e abertura do véu que encobre o conhecimento de Deus. Entrando na intimidade do Pai, descobrimos o sentido da vida, enxergamos o mundo com os olhos de Deus, à semelhança de Jesus.

A vida em Deus, na pessoa de Jesus, libertava do jugo. Na época a Lei com seus 613 mandamentos era um peso enorme para os pobres judeus e prosélitos. Em lugar de conduzir, a Lei afastava as pessoas de Deus. Jesus vem libertar deste peso.

Na nova dinâmica de vida proposta por Jesus, o povo experimenta alegria de viver; sente no coração o Deus que os ama e os salva. Compreendem que a salvação não vem da prática externa da Lei, mas da bondade e graça de Deus. Todos se sentirão filhos e filhas de Deus.

Por detrás dessas palavras de Jesus está o amor de Deus. Ele ama a todos com amor eterno e gratuito. Ele veio trazer, em Jesus, a liberdade plena, o alívio nos sofrimentos, a comunhão com Deus que cuida de todos nós.

E só conhece a Deus aquele que se coloca no seguimento de Jesus, com humildade, com docilidade de coração, com espírito de abertura à novidade do Reino de Deus que Jesus veio inaugurar.

Ter o coração parecido com o de Jesus é a meta do cristão. Ser parecido com a criança que está sempre aberta, como uma tábula rasa, em disponibilidade para aprender e fazer como aprendeu.

Peçamos ao Senhor que tire do nosso coração todo sentimento de autossuficiência, de fechamento, de nos julgarmos sabedores de tudo, donos do dinheiro, do poder e das pessoas. Deus nos livre da arrogância, da soberba, do orgulho, da vaidade, da prepotência, da ganância e do egoísmo que arruína a nós e às pessoas ao nosso redor.

Os pobres que encontramos nas calçadas, nas nossas portas, nas portas de nossas igrejas têm de nossa parte um sorriso, um olhar de compaixão? Como tratamos o catador de reciclável, o enfermo de mente e de corpo, o gari, o flanelinha, o vendedor de bombom no semáfora etc?

Nossas atitudes para com os pequenos e pobres podem ser um bom “termômetro” para medir a “temperatura” de nosso amor a Deus. Nossos apegos a práticas externas de devoção podem revelar nossa distância do Deus de Jesus quando não nos convertem em pessoas mais humanizadas e misericordiosas.

Nossa meta como cristãos deve ser a de tornar o amor de Deus uma realidade viva no mundo lutando contra tudo o que gera ódio, injustiça, opressão, mentira, sofrimento…

Para refletir e rezar: Faço pacto (com o meu silêncio, indiferença, cumplicidade) com os sistemas que geram injustiça, ou esforço-me ativamente por destruir tudo o que é uma negação do amor de Deus? As nossas comunidades são espaços de acolhimento e de hospitalidade, oásis do amor de Deus, não só para os amigos, mas também para os pobres, os marginalizados, os sofredores que buscam em nós um sinal de amor, de ternura e de esperança?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A mesa da misericórdia. O olhar de Jesus

aureliano, 10.06.23

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10º Domingo do Tempo Comum [11 de junho de 2023]

[Mt 9,9-13]

Acompanhando os passos de Jesus no evangelho percebemos que havia uma categoria de pessoas pelas quais ele tinha verdadeira aversão: aqueles que se consideravam justos. Carregam o pecado da autossuficiência: não tem necessidade de conversão nem de perdão nem de salvação. Percorrendo o evangelho de Lucas, marcado pela misericórdia, vemos o pai acolhendo com bondade o filho mais novo esbanjador dos bens e que volta arrependido (Lc 15,11-32). E, em outro lugar, enquanto o fariseu se apresenta na oração como justo, o publicano invoca a misericórdia de Deus (Lc 18,9-14).

Jesus manifesta no evangelho de hoje sua simpatia pelos pecadores, desprezados e excomungados de seu tempo. Quando acusado de amigo dos pecadores ele responde que os publicanos e as prostitutas os precederão no Reino dos céus (cf. Mt 21,31). Quer mostrar-lhes que ele veio para salvar e não para condenar. E que a justiça de Deus não se compara com a justiça dos homens, pois a justiça de Deus é misericordiosa, transbordante.

O OLHAR DE JESUS

O evangelho diz que “Jesus viu um homem chamado Mateus”. O olhar é uma realidade que tem uma força sobre as pessoas. Tem gente que acredita e tem medo de “mau-olhado”. O olhar pode ser de julgamento ou de acolhida; de condenação ou de perdão; o olhar pode ser sensual ou inocente; de cobiça ou de bendição; de inveja ou de alegria; pode ser fulminante ou de soerguimento. O olhar de uma criança, de um pedinte, de um enfermo tem teor diferente do olhar de um adulto, de um cobiçoso, de alguém dominador e prepotente. Corações petrificados, imersos no mal têm olhar que fulmina, que mata. Corações cheios de bondade e de amor têm um olhar que cura, perdoa e conforta.

O olhar de Jesus atingiu Mateus antes que este o visse. É o olhar do Senhor que nos alcança primeiro. Mateus estava parado, na mesa, desprezado e condenado pelos olhares de seus correligionários. O olhar de Jesus não condena nem julga, mas acolhe e perdoa. Mais do que isso: convida a segui-lo.

Jesus lhe oferece outra mesa. Uma mesa de perdão, de misericórdia, de acolhida, de iguais.  Uma mesa onde todos têm lugar. É a mesa da misericórdia que inclui, que comporta as diferenças, que enche o coração dos convivas de amor, de entusiasmo, de alegria. É assim a mesa de Jesus. É assim o olhar de Jesus. E nosso olhar? E nossas mesas? E nossas celebrações?

VEIO PARA OS PECADORES

Mateus é o cobrador de impostos em Cafarnaum. Odiado pelos seus correligionários por ser colaboracionista do Império Romano que dominava a Palestina naqueles tempos. Também por não observar os rigores da Lei ao manter contato com os pagãos. Portanto, era um homem considerado impuro e traidor.

Jesus, no entanto, o convida a segui-lo. E ele deixa a coletoria de impostos e segue a Jesus. Ainda mais, oferece-lhe uma refeição como gesto de gratidão e reconhecimento ao mestre que o viu e o chamou. A comunhão de mesa era algo que tinha um peso muito grande naqueles tempos culturas. Trouxe até controvérsia nas comunidades cristãs (cf. Gl 2,11-13). Tomar refeição juntos significava estar em comunhão de vida com aqueles que partilhavam o mesmo pão. E quando Jesus recebe os pecadores à mesa era como se ele estivesse comungando daquele estilo de vida levado pelos publicanos e pecadores.

Jesus, no entanto, tem uma intencionalidade muito mais profunda: quer ajudar aquelas pessoas marginalizadas a fazer uma experiência profunda de Deus, um caminho diferente. Quer mostrar-lhes que não são os ritos e práticas externas que salvam, mas uma vida de conversão para Deus. Um coração que seja capaz de amar. Aliás, quando Jesus chamou Mateus não fez apelo à conversão, mas pediu que o seguisse. A convivência com Jesus é que transforma a pessoa. Um encontra que transforma, converte e salva.

Aos fariseus, que murmuram diante da atitude de Jesus, ele lhes diz: “eu não vim chamar os justos, mas os pecadores”. E ainda lembra o profeta Oséias: “Aprendei o que significa: quero misericórdia e não sacrifício”. Com essas sentenças Jesus dá uma guinada na compreensão que os fariseus e mestres da lei tinham de Deus.  Jesus quer que mudemos nosso modo de pensar  a fé, a religião, a relação com Deus.

A atitude de abertura de Jesus à humanidade pecadora com o desejo de salvá-la encontra ainda resistência em nossas comunidades. Tendemos a nos fechar em pequenos guetos ou  oásis religioso, composto de pessoas puras. Dividimos o mundo em “justos” e “ injustos”, “puros” e impuros”, “santos” e “pecadores”. Com essa mentalidade dualista e farisaica terminamos por afastar as pessoas dos sacramentos e celebrações da Igreja. A consequência é impedir a ação salvadora e libertadora de Cristo no coração dos fiéis.

Jesus à mesa com publicanos e pecadores nos remete à mesa eucarística, sacramento do Corpo e Sangue de Cristo, que nos dá também o perdão, convida à reconciliação, formando o Corpo de Cristo que é sua Igreja.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Eucaristia para a vida do mundo

aureliano, 07.06.23

Convidados ao banquete.JPG

Corpo e Sangue de Cristo [08 de junho de 2023]

[Jo 6,51-58]

O evangelho de hoje é o final do discurso de Jesus sobre o Pão da Vida. Jesus multiplicou os pães e explicou o sentido desse sinal. Ele mesmo é o pão descido do céu como presente de Deus para a humanidade. Nós nos alimentamos de sua Palavra e do sacramento de seu Corpo e Sangue, vida doada para nossa salvação. A vida dele torna-se nossa vida. Nossa vida de comunhão e intimidade com ele deve nos levar àquela experiência de Paulo: “Já não sou eu que vivo: é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Ou seja, nossa vida se torna uma presença e uma carta de Cristo para os irmãos e irmãs. Vamos nos tornando capazes de entregar nossa vida, de empenhar nossas energias, nossos dons, nossos bens para o bem de todos. Isso é vida eucarística.

O pão eucarístico é também sinal do pão cotidiano, como rezamos na segunda parte da Oração do Senhor: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje”. O pão na mesa dos pobres. O pão do perdão e da comunhão nas famílias e comunidades. O pão do respeito e do cuidado pelo meio ambiente, a Casa Comum. O pão da partilha contra todo acúmulo e ganância. Lembremo-nos de que, antes de falar da Eucaristia, Jesus multiplicou o pão comum para alimentar uma multidão faminta.

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O SENTIDO DO “FAZEI ISTO”

Celebramos, hoje, na Igreja Católica, a Solenidade de Corpus Christi. Gostaria de abordar um aspecto desta celebração que julgo ser constitutivo da essência da Eucaristia. Trata-se do verbo fazer: “Fazei isto em memória de mim” (cf. 1Cor 11,24-25).

Quero, em primeiro lugar, chamar a atenção para o gesto de Jesus: “fazei isto”. Não se trata de u’a mera repetição do rito de tomar o pão e o cálice e pronunciar as palavras sagradas. Este “fazei” está se referindo ao gesto de Jesus se entregar por nós. Pão partido e entregue e sangue derramado. Deu-se totalmente: “amou-os até o fim” (Jo 13,1).

Em segundo lugar, este “fazei” se liga a outros gestos e palavras de Jesus. Assim, na Última Ceia, depois de lavar os pés dos discípulos, diz: “O que fiz por vós, fazei-o vós também” (Jo 13,15). Ou seja, o gesto de lavar os pés dos discípulos foi um gesto eucarístico: Jesus saiu da mesa, depôs o manto, tomou o avental, desceu e se abaixou para lavar os pés dos discípulos. Sair de si e ir ao encontro de alguém: gesto eucarístico de Jesus, gesto eucarístico do discípulo. Jesus, na Ceia, se refere a este “fazer”.

outro “fazer” muito significativo nos relatos evangélicos. Trata-se da parábola do Bom Samaritano. Na conclusão da parábola o Senhor diz ao doutor da lei que lhe perguntara sobre o que “fazer” para alcançar a vida eterna: “Vai tu também e faze o mesmo” (Lc 10,37).

Para não estender mais, concluo com as palavras da Virgem Maria ao anjo que lhe anunciara o Mistério da Encarnação: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Um Mistério que traz a salvação para toda a humanidade quis passar pelo “fiat” de uma mulher: Maria de Nazaré.

Estas considerações sobre o “fazei isto em memória de mim” do relato da instituição da Eucaristia podem nos ajudar a entrar um pouco mais no sentido da solenidade que celebramos neste dia: Corpus Christi. Não se trata apenas de “ver” a Hóstia consagrada nem mesmo de simplesmente “comê-la”. Mas há uma consequência ética: o “fazer” de Jesus precisa coincidir com nosso fazer para que não somente levemos o nome de cristãos, mas o sejamos verdadeiramente.

Eucaristia celebrada deve coincidir com Eucaristia vivida. Pão partilhado, mesa farta para todos, nada de desperdício, direitos de todos ao pão, ao trabalho e ao chão para sustento cotidiano; cuidados com a Casa Comum: lutando contra a agressão ao meio ambiente, contra as grilagens e queimadas, agrotóxicos, destruição do Jardim de Deus; empenho em políticas públicas que levem em consideração aqueles que realmente precisam; luta contra preconceitos, violência, feminicídio, exclusão social; celebrações que ajudem os participantes a serem mais eucaristizados e eucaristizantes. “Tendo levantado os olhos, Jesus viu uma grande multidão que acorria a ele. E disse a Filipe: ‘Onde compraremos pães para que tenham o que comer?’ ... Então Jesus tomou os pães, deu graças e os distribuiu aos convivas” (Jo 6,5.11).

Tomai e comei, tomai e bebei

Meu corpo e sangue que vos dou

O Pão da vida sou Eu mesmo em refeição.

Pai de bondade, Deus de Amor

E do universo sustentai

Os que se doam por um mundo irmão.

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QUE É MESMO A EUCARISTIA?

A Eucaristia é o memorial da morte e ressurreição de Jesus. Fazer memória significa não somente lembrar, mas celebrar e mergulhar no mistério de Cristo. É nos colocarmos dentro de toda a vida de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus que, vindo a esse mundo, entregou sua vida por nós. Por isso, na celebração da Eucaristia nós devemos nos empenhar para fazer com que “a mente, o coração concorde com a voz, com as palavras”, no dizer de São Gregório.

Se celebramos a entrega de Cristo, não estamos fazendo um show. Então a missa não é show, promoção pessoal do padre e seja lá de quem for. Nossa atitude deve ser de compenetração, de humildade, de escuta atenta, de acolhimento, de exame de consciência. Isso nos tem recomendado insistentemente o Papa Francisco: “A Missa não é um espetáculo: é ir ao encontro da paixão e ressurreição do Senhor” (08 de novembro de 2017).

No decorrer da História a missa teve várias conotações. Serviu para coroar papas e reis, para agradecer vitórias de guerra, para enfeitar festas e agradar monarcas e senhores poderosos. Os músicos transformaram partes da missa em concertos belíssimos. Outros faziam da missa sua devoção particular. Ainda hoje, em vários lugares, é quase uma “exigência” para falecidos: “missa de corpo presente”, “missa de sétimo dia” etc. É claro que tem sua importância, mas ocorre que muitos pedem esse tipo de celebração para “salvar o falecido”, sem se envolver pessoalmente com a comunidade de fé. Uma espécie de superstição. Há casos de celebrações eucarísticas “privadas”, “especiais”! Por isso é urgente e necessário compreendermos o que é mesmo a Eucaristia.

O Concílio Vaticano II recuperou o sentido originário da Eucaristia: Memorial da Morte e Ressurreição do Senhor. Quando a comunidade se reúne para celebrar a Eucaristia, ela traz sua vida, suas dores e alegrias e coloca no Coração de Cristo, para que ele, verdadeiro Celebrante, pela oração da Igreja, ofereça ao Pai.

Ao participarmos da Eucaristia estamos nos comprometendo a ser “um só Corpo”. A comunhão no Corpo e Sangue de Cristo nos compromete com Ele. A entrega de Cristo que celebramos pede, exige de nós o gesto de entrega, de doação, de comprometimento com Cristo pela reconstrução da História segundo os critérios do Reino de Deus. Não pode ser verdadeira “comunhão” a busca de um intimismo egoísta que não abre nossos olhos para “ver as necessidades e os sofrimentos de nossos irmãos e irmãs”, e não nos inspira “palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos, os doentes e marginalizados”.

Nesse dia que celebramos a solenidade do Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue do Senhor, somos instados a olhar para o Cristo que se doa, que se entrega, que salva, que enfrenta a morte para que tenhamos vida. Essa contemplação deve nos levar a dar mais um passo em direção a uma vida mais comprometida. Não adianta adorar o Cristo no altar e desprezá-lo no pobre. De pouco vale celebrar a Eucaristia, participar de uma adoração, e depois falar mal dos outros, negar o salário justo, sonegar os impostos e direitos sociais, enganar os outros, ser desonesto nos negócios e no trabalho, se omitir diante das injustiças sociais, levantar bandeiras que defendem a discriminação, a violência, o armamento da população, o aborto, o preconceito, o desrespeito, a morte.

A Eucaristia, “fonte e ápice de toda a vida cristã”, deve ocupar o centro de nossa espiritualidade, de nossa oração, de nossas escolhas e decisões. Se Cristo decidiu firmemente enfrentar a morte pela nossa salvação, também nós, seus discípulos e discípulas, precisamos nos dispor a esse caminho. Pois “o discípulo não é maior do que o mestre”.

Pe Aureliano de Moura Lima, SDN

Amados e envolvidos pelo Amor Trinitário

aureliano, 02.06.23

Santíssima Trindade - 07 de junho 2020.jpg

Solenidade da Santíssima Trindade [04 de junho de 2023]

[Jo 3,16-18]

O Mistério Trinitário

Celebramos neste domingo a solenidade da Santíssima Trindade, o mistério de um só Deus em três Pessoas. Não se trata de uma realidade matemática, pois então pediria uma solução, mas trata-se de um Mistério que nos é superior e nos envolve, uma realidade que não cabe dentro de nossa cabeça, mas que nos convida a colocar nossa cabeça dentro desse Mistério.

 O Pai ama o Filho e o gera desde toda a eternidade; e desse amor entre o Pai e o Filho procede o Espírito Santo. O Pai enviou seu Filho ao mundo pela ação do Espírito Santo. Cumprida sua missão nessa terra, o Filho volta ao Pai e nos envia, da parte do Pai, o Espírito Consolador para animar e santificar a Igreja, Sacramento de Cristo no mundo.

O que o texto nos diz

O evangelho deste domingo está no contexto do encontro de Jesus com Nicodemos. Jesus lhe mostra a necessidade de um novo nascimento para se entrar no Reino de Deus. Um caminho que se faz a partir da fé no Filho de Deus, aquele que desceu do céu para dar vida ao mundo (cf. Jo 3, 7.13.15).

Jo 3, 16-18 é o núcleo do evangelho de João, o anúncio fundamental que mostra o imenso amor do Pai que envia seu Filho para salvar o mundo.

"Mundo" no evangelho de João significa aquela realidade que se opõe ao projeto de Jesus, ao Reino de Deus. São todas as forças de morte, toda a maldade que destrói a vida, que afirma a ganância, a mentira, a violência, a sede desordenada do lucro e da dominação, a sedução do dinheiro, do poder e do prazer (cf. 1Jo 2,16).

Mas Deus vem, em seu amor manifestado em Jesus Cristo, salvar este mundo. O Pai não quer a morte das pessoas, mas quer que todos sejam salvos pela fé em Jesus, aquele que ele enviou "não para julgar, mas para salvar".

O gesto do Pai de "entregar" o Filho nos remete ao gesto de oferta de sua própria vida. É o gesto eucarístico de Jesus que celebramos todos os domingos: "Isto é o meu corpo entregue por vós". No encalço deste gesto eucarístico, queremos também nós colaborar na salvação do mundo. Quando participamos da Eucaristia nós estamos dizendo com Jesus também: "Ofereço minha vida, minhas energias, minhas possibilidades e dons para participar na salvação do mundo". O 'dom' do Pai na pessoa de Jesus deve conter também nosso 'dom', isto é, nossa pessoa, nossas atitudes 'conformadas' ao gesto de Jesus: "Tenham em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus" (Fl 2, 5).

Deus quer contar conosco

Deus não precisa de nós, nem de nossas coisas. “Ainda que nossos louvores não vos sejam necessários, vós nos concedeis o dom de vos louvar. Eles nada acrescentam ao que sois, mas nos aproximam de vós por Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso” (Prefácio Comum IV). Deus quer que sejamos no mundo a sua imagem, que manifestemos a sua presença. Cada atitude de acolhida, de perdão, de denúncia da maldade, de renúncia a vantagens espúrias, de apoio a iniciativas que promovem a justiça  e a paz; cada esforço de fidelidade à família, de cuidado com os filhos, com os idosos, com os pais, com os doentes, com a Criação; cada palavra que fortalece, que acalenta, que conforta; tudo isso é “oferenda” unida à “entrega” de Jesus, é gesto eucarístico para a salvação e libertação do mundo.

Não crer em Jesus Cristo é recusar-se a se colocar em favor da vida. Por isso "Quem não crê já está julgado", pois se coloca numa atitude de morte, de trevas, de recusa a reconhecer a Luz que veio a este mundo: "Quem faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que suas obras não sejam demonstradas como culpáveis" (Jo 3, 20).

Crer na Trindade Santa é orientar a vida pelo amor. Não bastam palavras bonitas, definições dogmáticas, afirmações fantásticas a respeito de Deus. O Mistério que celebramos hoje nos transcende, está para além de nossa capacidade de compreensão racional. A razão não dá conta do mistério senão quando se deixa banhar por ele. Por isso Santo Agostinho afirmava: Credo ut intelligam. Ou seja, para entender o mistério - que é razoável e não racional – eu, primeiro, creio. Uma vez conformadas nossa inteligência e vontade a essa realidade que nos transcende e nos envolve, começamos a compreender a beleza, a grandeza e profundidade dessa realidade de nossa fé cristã.

Pai, dai-nos a graça de realizarmos em nossa vida de família e de comunidade aquela comunhão que procede do Seio de vossa vida Trinitária. Comunidade Santíssima, na qual fomos mergulhados pelo batismo, inspirai e fortalecei nossa comunidade terrestre. Amém.

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UM POUCO DE DOUTRINA

 “O credo elaborado nos concílios ecumênicos de Nicéia (325) e Constantinopla (381) encontrou fórmulas que se tornaram depois dogmas. O dogma básico acerca da Santíssima Trindade reza assim: Em Deus há uma única natureza divina que subsiste em três Pessoas realmente distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Essa formulação abstrata não quer exprimir outra coisa senão aquilo que Jesus experimentou: que estava sempre em comunhão com o Pai, sentia-se Filho amado e que agia e falava com uma Força que o tomava, o Espírito Santo.

O importante não é afirmar os divinos Três. Isso até pode nos levar a uma heresia, vale dizer, a um erro na compreensão da fé, a heresia do triteísmo, como se houvesse três deuses. A centralidade se encontra na relação entre eles. As próprias palavras já supõem relação. Assim não existe pai simplesmente. Alguém é pai porque tem filho. Ninguém é filho simplesmente. É filho porque tem pai. Espírito, no sentido originário, significa sopro. Não há sopro sem alguém que assopre. O Espírito é o sopro do Pai para o Filho e do Filho para o Pai. Como se depreende, os Três sempre vêm juntos e se encontram eternamente entrelaçados. Em outras palavras, dizer Trindade é dizer relação, como disse o Papa João Paulo II quando esteve pela primeira vez na América Latina em 1979, em Puebla, no México: ‘A natureza íntima de Deus não é solidão, mas comunhão, porque Deus é família, é Pai, Filho e Espírito Santo’. Esse entrelaçamento foi expresso pela tradição teológica pela palavra grega pericorese que significa ‘a interrelação entre as Pessoas divinas’. Elas são distintas para poderem se relacionar. E essa relação mútua é tão profunda e radical que elas se uni-ficam. Elas ficam um só Deus-comunhão, um só Deus-amor, um só Deus-relação.

Precisamos superar a terminologia tradicional com a qual se pretendia expressar a natureza íntima de Deus. Ela é, para nossos ouvidos contemporâneos, demasiadamente formal e abstrata. No nível da experiência de fé diríamos de forma mais simples e compreensível: Deus que está acima de nós e que é nossa origem chamamos de Pai-e-Mãe eternos; Deus que está  conosco e que se faz companheiro de caminhada se chama Filho; e Deus que habita nosso interior como entusiasmo e criatividade se chama Espírito Santo. Como se depreende, não são três deuses, mas o mesmo e único Deus-comunhão que atua em nós e nos insere em sua rede de relações. Dentro de nós se realiza a eterna relação de amor e de comunhão entre Pai, Filho e Espírito Santo. Deus-comunhão está sempre nascendo dentro de nós. Por isso somos seres de comunhão e um nó permanente de relações. No início de tudo está a comunhão dos divinos Três” (L. Boff, Experimentar Deus, p. 108-110).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN