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aurelius

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O amor é a medida da vida

aureliano, 28.10.23

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30º Domingo do Tempo Comum [29 de outubro de 2023]

[Mt 22,34-40]

Antes de mais nada, gostaria de chamar a atenção para as palavras do evangelho: “A fim de pô-lo à prova”. No texto do domingo passado temos uma expressão parecida: “Fizeram um conselho para tramar como apanhá-lo por alguma palavra”. Vejam como os inimigos de Jesus buscam sempre situações embaraçosas, como são ardilosos para tentar desviar Jesus de seu caminho que é fazer a vontade do Pai! A vida e as palavras de Jesus os incomodava, colocava-os em crise. Diante de tal situação, em vez de buscarem um caminho de conversão, querem eliminar Jesus para não serem incomodados.

O que aconteceu com Jesus acontece também conosco. Quando colocados à prova, de que lado ficamos? Como respondemos às situações embaraçosas? Quais são mesmo nossas convicções a respeito de Deus, de nossa fé, de nossa Igreja, de nossos princípios morais de justiça, de verdade, de honestidade, de lisura, de hombridade, de respeito pelos outros? Seria bom darmos uma olhadinha para a postura de Jesus! “Com os olhos fixos naquele que é o autor e realizador da fé, Jesus, que, em vez da alegria que lhe foi proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e se assentou à direita do trono de Deus. Considerai, pois, aquele que suportou tal contradição por parte dos pecadores, para não vos deixardes fatigar pelo desânimo. Vós ainda não resististes até o sangue em vosso combate contra o pecado!” (Hb 12,2-4).

O texto deste domingo relata uma situação de embaraço armada pelos fariseus a Jesus. Querem ver como Jesus resume a Lei, na qual eles contavam 613 prescrições: 248 mandamentos e 365 proibições, todos atribuídos a Moisés. Todos tinham o mesmo peso. Jesus, Sabedoria do Pai, aproxima estes dois mandamentos, amor a Deus (Dt 6) e ao próximo (Lv 19), formando assim como que dois gonzos de uma única porta.

A resposta de Jesus dá unidade a esses dois mandamentos. Não tem como amar a Deus sem amar o próximo, e vice-versa (1Jo 3,11-18). Não se conhece e nem se vive a vontade de Deus sem referência ao próximo. Quem ama a Deus procura conhecer sua vontade a respeito do próximo. Quem não admite Deus na sua vida coloca-se a si mesmo como senhor e deus. Por outro lado, se não se considera uma instância absoluta, Deus, não se consegue amar o próximo com amor de gratuidade. Assim, podemos cair na situação de amar-nos a nós mesmos no próximo: políticos ambiciosos, os que fazem o bem fazendo questão de anunciar aos quatro ventos o que fizeram; pessoas que fazem shows em cultos religiosos, que não buscam o louvor e a glória de Deus e o bem da comunidade, mas a autoafirmação, a fama, o sucesso, o dinheiro etc. São deuses de si mesmos!

O amor de que fala o texto de hoje não é um amor de sentimento, mas uma opção ética. Ou seja, a pessoa cheia de Deus, escolhe e decide orientar suas forças e energias para Deus e colocar-se sempre ao lado do mais necessitado, do mais fraco.

Nesse caminho de amor a Deus e ao próximo, o cristão sente-se interpelado a solidarizar-se com os mais pobres, pois é impossível amar a Deus a quem não se vê e não amar o próximo que se vê (cf. 1Jo 4, 20). E a verdadeira religião é dedicar-se aos necessitados (cf. Tg 1, 27). Porém não basta uma esmola, um prato de comida, um pão. Esse mandamento coloca o cristão na luta pela mudança das estruturas sociais, por políticas públicas que contemplem as reais necessidades de todos, sobretudo dos mais pobres. Para que todos tenham acesso aos mesmos bens da Criação, sem privilegiados e excluídos.

A propósito da destinação universal dos bens, ou seja, partindo da compreensão de que Deus criou esse mundo para todos e não somente para alguns privilegiados, trago uma palavra inquietante do Papa Francisco na Carta Fratelli Tutti: “Nos primeiros séculos da fé cristã, vários sábios desenvolveram um sentido universal na sua reflexão sobre o destino comum dos bens criados. Isto levou a pensar que, se alguém não tem o necessário para viver com dignidade, é porque outrem se está a apropriar do que lhe é devido. São João Crisóstomo resume isso, dizendo que, ‘não fazer os pobres participar dos próprios bens, é roubar e tirar lhes a vida; não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos’. E São Gregório Magno di-lo assim: ‘Quando damos aos indigentes o que lhes é necessário, não oferecemos o que é nosso; limitamo-nos a restituir o que lhes pertence’” (FT, 119).

Uma pergunta intrigante: Para que amar a Deus? Não basta amar o próximo, cuidar dele sem referência a Deus?  Bem! Podemos dizer que, para amar o irmão na medida do evangelho, devemos também amar a Deus, aderir a Ele, porque acreditamos que Deus é o Absoluto, o que tem a última palavra, a última instância de nossa vida. Deus é amor. Fomos criados por Ele num ato de seu amor por nós: "Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança" (Gn 1, 26). Fomos salvos pelo seu amor: “Deus amou tanto o mundo que entregou seu Filho único, para que todo que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). E seu Filho nos amou até o fim, até às ultimas consequências: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até fim” (Jo 13,1).

Portanto, nossa vida é fruto do amor. Porque Deus, nosso Criador, é amor (1Jo 4,8).  E como sabemos que estamos vivos diante de Deus? Pelo amor: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Aquele que não ama permanece na morte” (1Jo 3,14). E se não empenharmos nossa vida numa dimensão amorosa, de saída de nós mesmos, de entrega como dom aos que precisam de nós, estamos negando a essência de nós mesmos. Sem relação com Deus nosso amor pode se desviar do que seja o verdadeiro amor. E cairmos em relações pegajosas, interesseiras, sufocantes, narcisistas. Ou mesmo num humanitarismo frágil porque vazio de sentido absoluto. Deus é amor, a fonte do amor. Não há como amar de verdade, na gratuidade, na generosidade sem beber dessa fonte cristalina, originante, sem medida. Nossa medida sem referência à medida amorosa de Deus, será sempre pequena, mesquinha, egoísta, autocentrada.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

No rosto dos pobres, a imagem de Deus

aureliano, 21.10.23

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29º Domingo do Tempo Comum [22 de outubro de 2023]

[Mt 22,15-21]

Depois de percorrer a Galiléia e regiões pagãs circunvizinhas, Jesus vai a Jerusalém por ocasião da festa da Páscoa onde se dá o confronto com o sistema administrativo do Templo composto pelos sumos sacerdotes e anciãos, detentores do poder político, econômico e religioso do Estado. O desfecho foi a condenação de Jesus à morte.

Jesus é visto pelos chefes do judaísmo como um líder que ameaça seu poder e prestígio aos olhos do povo. Por isso precisam tramar uma armadilha para fazê-lo cair em contradição e encontrarem motivo para condená-lo à morte.

No relato de hoje Jesus é colocado numa ‘sinuca de bico’: se aprova o tributo estrangeiro, estaria negando a grandeza do povo messiânico. Se se declara contra, incitaria a rebeldia contra os chefes estrangeiros, dominadores do país.  A resposta de Jesus é célebre e cheia de significado: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Essa resposta de Jesus é política. Pode ser interpretada de modo a um ajeitamento político-partidário: “Não se pode misturar política e religião”. “Reza é reza, negócio é negócio”. Mas pode ser interpretada de modo a criar consciência cidadã: “Dai a César o que lhe pertence em justiça. Mas trabalhai para que César cumpra seu dever de cuidar dos cidadãos”. “Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça”. Ou seja, as exigências do Reino de Deus devem se sobrepor a quaisquer exigências político-administrativas. Essa é a grande mensagem do relato de hoje.

Jesus quis dizer que as “questões de Deus” devem ocupar o primeiro lugar nas preocupações do ser humano enquanto cidadão. Não há nenhum poder político, econômico ou mesmo religioso que deva se sobrepor às exigências da justiça do Reino. O cristão não deve ser indiferente a César, ao Estado, mas, pelo contrário, deve se empenhar para que o Estado cumpra sua função de administrar bem os recursos advindos dos impostos e o patrimônio público em favor do povo, sobretudo dos mais pobres.

A Igreja tem a missão de ser uma presença e voz proféticas, incomodar os acomodados, despertar para o cuidado da vida ameaçada: “Ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocuparmos com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos. (...) Uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela. (...) A terra é a nossa casa comum, e todos somos irmãos. Embora ‘a justa ordem da sociedade e do Estado seja dever central da política’, a Igreja ‘não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça’. Todos os cristãos, incluindo os Pastores, são chamados a preocupar-se com a construção de um mundo melhor” (EG, 183).

Gerir de modo perverso e ganancioso o patrimônio e os recursos públicos é uma tremenda maldade contra os pobres, os doentes, as crianças, os idosos. Um sistema econômico perverso que aumenta a riqueza dos grandes e tira o pão, a educação e o remédio da mesa dos pequenos é um pecado que brada aos céus. Não se podem salvar compromissos de campanha política, distribuindo-se os recursos públicos aos latifundiários, empresários e banqueiros já milionários, travestidos de juízes, deputados e senadores. Uma maldade que não tem tamanho nem qualificação! Se a justiça humana também está pervertida e manipulada pelo poder e pelo dinheiro, a Justiça divina não falhará. Ninguém ficará sem sua paga: “Deus retribuirá a cada um segundo suas obras: a vida eterna para aqueles que pela constância no bem visam à glória, à honra e à incorruptibilidade; a ira e a indignação para os egoístas, rebeldes à verdade e submissos à injustiça” (Rm 2,6-8).

Em sua Carta às Igrejas e à sociedade, o Papa Francisco acena para a desumanidade dos avanços da ciência e da técnica, quase sempre inacessíveis aos mais pobres: “O Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb e eu não ignoramos os avanços positivos que se verificaram na ciência, na tecnologia, na medicina, na indústria e no bem estar, sobretudo nos países desenvolvidos. Todavia ‘ressaltamos que, juntamente com tais progressos históricos, grandes e apreciados, se verifica uma deterioração da ética, que condiciona a atividade internacional, e um enfraquecimento dos valores espirituais e do sentido de responsabilidade. Tudo isto contribui para disseminar uma sensação geral de frustração, solidão e desespero, (…) nascem focos de tensão e se acumulam armas e munições, numa situação mundial dominada pela incerteza, pela decepção e pelo medo do futuro e controlada por míopes interesses econômicos’. Assinalamos também ‘as graves crises políticas, a injustiça e a falta duma distribuição equitativa dos recursos naturais (…). A respeito de tais crises que fazem morrer de fome milhões de crianças, já reduzidas a esqueletos humanos por causa da pobreza e da fome, reina um inaceitável silêncio internacional’. Perante tal panorama, embora nos fascinem os inúmeros avanços, não descortinamos um rumo verdadeiramente humano” (FT, 29).

“De quem é esta imagem e inscrição?” Aqui Jesus mostra que, se a moeda, símbolo do poder político-econômico, traz a imagem do imperador, esta lhe pertence; com muito mais razão o ser humano, que traz gravada indelevelmente em seu ser a imagem do Criador, deve ser respeitado, cuidado, amado. Pertence a Deus. Todas as forças políticas e sociais devem estar a serviço daquele que traz em si a imagem de Deus. E o empenho da Igreja em favor do ser humano deve ir ás últimas conseqüências, mesmo quando for preciso entrar em luta com o Estado (César) para que este realize as políticas públicas necessárias com os recursos de que dispõe para isto. O amor de Deus e do próximo é norma última que Deus nos deu e que deve ser respeitada acima de tudo.

Trazendo em si a imagem do Criador, o ser humano deve desenvolver sempre mais esta consciência para que sua vida seja oferecida ao Pai como um sacrifício vivo para Seu louvor e glória. Neste sentido a vida humana não pode ser posta em concorrência com as coisas deste mundo como o poder, o dinheiro, o prazer a qualquer custo. O ser humano pertence a Deus. “Dai a Deus o que é de Deus”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

O banquete é para todos; recusar-se a participar é perigoso

aureliano, 13.10.23

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28º Domingo do Tempo Comum [15 de outubro de 2023]

[Mt 22,1-14]

Estamos na terceira parábola em que Jesus manifesta a rejeição de sua pessoa como Graça libertadora e salvadora para a humanidade. Não se pode perder de vista que Jesus contou essas parábolas (dos dois filhos, dos vinhateiros homicidas e esta, do banquete recusado) para os sumos sacerdotes e anciãos. Eles eram os chefes do povo, ocupavam postos de comando no sinédrio, órgão de direção do Judaísmo, sediado em Jerusalém.

Temos, no relato de hoje, dois elementos significativos: 1º. Os primeiros convidados rejeitaram o convite. Foram substituídos por outros, chamados de toda parte. 2º. É preciso observar as condições para participar do banquete. Aquele que não traz o traje de festa é eliminado.

Em primeiro lugar, é bom considerar que os primeiros convidados para a festa que o Pai preparou era o povo de Israel. Mas eles não se importaram. Julgaram-se satisfeitos com o que tinham. Além disso, maltrataram os mensageiros do rei, isto é, os profetas e os apóstolos. Por isso foram convidados todos os que quisessem vir. O banquete estava aberto para todas as pessoas. Mesmo assim, porém, era preciso trajar a veste nupcial.

Os primeiros convidados são todos aqueles que foram batizados e que deveriam viver plenamente seu batismo. Todos são convocados a se fazerem ponte a partir da fonte do banquete da eucaristia. A Igreja é a Assembleia dos convocados. A questão é saber quem está acolhendo o pedido. Pode ocorrer de cada um se preocupar com “suas coisas”: o negócio, o jogo, o shopping, o bar, o sítio, o filme, o dinheiro, o gozo, a reza descomprometida etc. E o convite de Deus? Podemos perceber que recusam o convite não apenas os chefes de Israel, mas todos os que são incapazes de sair de si e de ir ao encontro dos outros. Uma fé vivida sem comprometimento com a causa do Evangelho é uma recusa disfarçada ao convite ao banquete.

A parábola deixa claro que o Pai oferece o banquete para todos. Esse banquete é a vida nova que seu Filho veio trazer. Todos são convidados. Alguns inventam milhões de desculpas. Mas o convite está feito. Esse fato toca nossa vida no que ela tem de mais profundo: nossa liberdade diante do bem e do mal, da abertura e do fechamento, do sim e do não, do sair de si e do autocentramento. Em última instância, somos responsáveis pelas escolhas que fazemos.

Ainda mais: mesmo sabendo que seu convite poderia ser recusado, o Pai insiste. Se não vêm estes, ele convida aqueles. Deus quer que todos participem de sua glória, de sua alegria, de sua felicidade. Ele não criou o mundo, as coisas, o homem como um fim em si mesmo, mas para que tudo possa ser compartilhado, repartido, numa perfeita convivialidade e comensalidade. Por isso não podemos aceitar inertes que os bens da criação sejam dominados, vendidos, usurpados, espoliados, restritos a alguns poucos. Não! Deus não quer isso. A recusa ao convite ao banquete é o grande pecado que leva a pessoa viver em torno de si mesma e de suas coisas. O egoísmo que assassina, que rouba, que corrompe, que gera fome, que produz guerra, que dissemina o ódio, que destrói, que faz derramar lágrimas e sangue.

Em segundo lugar é preciso considerar as condições para participar do banquete. É o traje exigido para entrar na festa. Quem não se decide a assumir a fé em Jesus Cristo com as consequências que dela advêm não pode entrar para o banquete. A veste de que fala o texto é a justiça do Reino, o amor fraterno, o compromisso com os pequeninos do Reino. Não basta aceitar o convite, ou seja, dizer que acredita em Jesus Cristo, participar de umas tantas pastorais ou movimentos, fazer essa e aquela oração, se não se “veste a camisa”, se não se assume como próprio o compromisso de continuar a missão de Jesus: sendo justo, verdadeiro, comprometido, terno, afetuoso, compassivo, tolerante, manso, generoso, desapegado etc. Em outras palavras: não basta fazer o bem; é preciso ser bom.

Quanto ao juízo condenatório do texto: “Amarrai os pés e as mãos desse homem e jogai-o fora, na escuridão! Aí haverá choro e ranger de dentes”, é um gênero literário dito escatológico. É um recurso de linguagem, comum em alguns escritos do Primeiro e do Segundo Testamentos, que pretende mostrar que se deve assumir com seriedade e responsabilidade a fé em Deus. Viver a vida cristã coerentemente. À primeira vista pode causar medo, e mesmo, mostrar um Deus um tanto violento, ou mesmo vingativo. Sabemos que esse não é o Deus que Jesus revelou. A parábola não tem como foco essa mensagem. O que importa no texto é não se prender a esse tipo de literatura, mas lançar o olhar sobre a alegria de participar do banquete que o Senhor preparou para todas as pessoas e se comprometer missionariamente com o convite que Ele faz para que os que estão de fora entrem para a festa. Quer salvar a todos, mas tem um zelo preferencial pelos pequenos e marginalizados.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

  Jesus, vinho novo nascido de Maria

aureliano, 12.10.23

Nossa Senhora Aparecida 2019.jpg

Nossa Senhora da Conceição Aparecida (12 de outubro de 2023]

[Jo 2,1-11)

Ó mãe da nossa pátria,

Escuta a nossa voz:

Teus olhos compassivos

Se voltam para nós.

 

Tu és nosso socorro

Em nossas aflições;

Guarda junto do teu

Os nossos corações.

 

Louvor e honra ao Filho

Que pela Virgem vem;

No Espírito és o brilho

Do Pai eterno. Amém.

Diferentemente dos outros evangelistas, João não apresenta Jesus chamando publicamente as pessoas para a conversão ao Reino de Deus (Mt 4,17; Mc 1,15). João apresenta Jesus iniciando sua vida pública numa festa de casamento. Em Israel o casamento é imagem da aliança de Deus com seu povo (cf. Os 2,19-22).

Neste mesmo capítulo notaremos a discussão a respeito do templo quando Jesus se apresenta como o Templo de Deus, substituindo o templo de Jerusalém que se tornara objeto de exploração dos pobres (cf. Jo 2,13-22). Então o relato de hoje quer mostrar que Deus Pai fez uma nova aliança com a humanidade na pessoa de Jesus de Nazaré. Um novo casamento. Por isso, no evangelho de João, temos a narrativa do primeiro sinal de Jesus numa festa de casamento.

Aqueles aparatos da festa são metáforas da religião antiga que deveria ser renovada pela presença salvadora de Jesus. As talhas, a água, o encarregado são símbolos de uma realidade que precisava ser renovada pelo amor incondicional que Jesus trouxe e revelou, representada no vinho. O vinho novo é o amor de Jesus manifestado “até o fim” (Jo 13,1).

“A mãe de Jesus estava lá”. É muito interessante interpretar essa expressão do evangelho. Primeiro, não tem nome. É mais do que a mãe de Jesus. Ela representa a comunidade cristã. Depois, é a noiva do casamento que está à procura do noivo. O casamento, a aliança se dará na Cruz, a Hora de Jesus que naquela festa de casamento ainda não havia chegado. Na cruz ele dirá: “Mulher, eis aí teu filho”.

Relacionada a Maria, mãe de Jesus, está aquela bela palavra que atravessou séculos como uma ordem da Mãe de Deus: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Esta palavra deve continuar ecoando em nossos ouvidos e coração. Pois fazer o que Jesus mandou significa acreditar na palavra dele e colocá-la em prática. Acreditar na palavra de Jesus é abrir-se ao seu amor e deixar-se transformar como aquela água que se transformou em vinho e alegrou o coração de todos os convivas. É a vida nova, um jeito novo de ser, um caminho renovado pela graça de Deus haurida nos sacramentos, na oração, no encontro com ele.

Portanto, Maria, a Mãe de Jesus, é ícone da Igreja. Neste evangelho ela representa a comunidade de Israel que anseia pela vinda do Messias e, por outro lado, a comunidade cristã que acolhe e se deixa renovar pelo vinho novo que ultrapassa as estruturas caducas de uma lei que escraviza as pessoas. Só o amor, representado pelo vinho no relato de hoje, poderá transformar os caminhos da humanidade.

Celebrando hoje nossa Padroeira, queremos elevar nossa prece confiante ao Pai, para que nós brasileiros sejamos fiéis à nossa vocação, nos empenhemos na construção da paz e da justiça, no serviço generoso aos irmãos e no cuidado para com a Mãe Natureza, tão maltratada pela ganância, pela busca frenética do lucro a qualquer preço.

Que neste dia também dedicado às crianças, nosso coração se abra ao cuidado e carinho para com esses pequeninos tão amados por Nosso Senhor, muitas vezes vitimados por abusos e maus tratos por parte adultos irresponsáveis e maldosos. Peçamos a Maria, a Virgem humilde e simples de Nazaré, nos dê aquela simplicidade e candura que caracterizam o coração da criança.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A vinha é de Deus, não é nossa!

aureliano, 06.10.23

27º Domingo do TC - A - 04 de outubro.jpg

27º Domingo do Tempo Comum [08 de outubro de 2023]

[Mt 21,33-43]

Esta é a segunda parábola a respeito da rejeição da Graça por parte daqueles que são eleitos de Deus em primeiro lugar. Movidos por desejos egoístas, talvez prefiram dizer não. No evangelho do domingo passado (Mt 21,30), o filho respondeu: “Sim, senhor, eu vou”. Mas não foi. Hoje a vinha é dada aos primeiros, que não reconhecem o direito do patrão sobre os frutos, matando inclusive o filho, o herdeiro enviado.

A reflexão recai de novo sobre aqueles que recebem mais, aqueles que são os primeiros responsáveis, agraciados com a eleição e o convite para trabalhar na vinha e fazê-la produzir. É a liderança que se apropria daquilo que é dom. Ao invés de trabalhar para o Dono, se faz dono daquilo que lhe foi “arrendado”, ou seja, lhe foi dado para cultivar e produzir frutos.

Pode nos ajudar a entender esse sentido da parábola a constatação de maridos ou pais que tratam a mulher e os filhos como ‘coisa’, propriedade, objeto de uso ou mão de obra barata. Também aquela situação em que o coordenador da comunidade ou da pastoral, ou mesmo o padre, se faz senhor do que lhe foi confiado como serviço. Ou ainda o administrador de patrimônio público que exerce o cargo como dono dos bens que lhe foram confiados para administrar em favor dos mais pobres. Faz-se dono das pessoas, quando deveria fazer-se servo... Isto acontece quando o cargo é assumido como dominação e o dinheiro assume o lugar de Deus!

O povo de Israel é a “vinha de Deus”. Porém recusa-se a entregar a parte ao patrão que é Deus. Quando este envia o Filho, matam-no, com o desejo de se apoderar de sua herança: “É o herdeiro; matemo-lo para tomarmos posse de sua herança”. Mas o Deus providente lhes tira a vinha para entregá-la a outro povo.

Os primeiros a serem rejeitados são os profetas. O herdeiro é o Filho que o Pai envia, a pedra rejeitada que se torna a “pedra angular”. Porém Deus fundou um “novo povo” sobre essa “pedra”. Deus não rejeitou os judeus, como não rejeita ninguém. Ele rejeita a liderança que se apropria da religião, das leis e escraviza o povo. O novo povo que Jesus funda é a Igreja, comunidade de seus seguidores, que recebe a missão de continuar sua obra salvadora e libertadora.

Sabemos, porém que a Igreja, novo Povo de Deus, corre o risco de querer guardar os frutos da vinha para si. É a tentação do poder: querer dominar, tirar proveito da boa fé do povo, querer dominar as pessoas com uma religião mágica, com normas e leis que são mais rédeas de controle do que orientações de vida. É preciso que ela sempre se volte para Jesus, a Pedra Angular, e se coloque como servidora, trabalhadora na vinha de Deus. Os frutos são de Deus, as pessoas são de Deus, o resultado é de Deus. À Igreja compete colocar-se como humilde servidora do Reino que é muito maior do que ela. A Igreja é um instrumento de Deus para ajudar as pessoas a fazer a experiência de Deus, a se encontrar com Deus e assumir uma vida nova em Deus.  É preciso ter a coragem de morrer como e com Cristo para gerar vida nova.

Esta parábola não tem o fito de revelar um Deus vingativo, rigoroso, cobrador. Não! Este relato quer levar o discípulo, sobretudo a liderança religiosa a reconhecer que Jesus é o dom do Pai, revelador do rosto misericordioso de Deus. E esse reconhecimento leva a produzir muitos e bons frutos.

*A propósito do evangelho de hoje que nos ajuda a rezar a missão da Igreja, queremos convidar os irmãos e irmãs a se colocarem em sintonia com o Sínodo sobre a Sinodalidade, que está acontecendo em Roma. O Papa Francisco convida à abertura ao Espírito Santo a fim de que ele nos indique os caminhos e instrumentos de que nos serviremos para uma evangelização eficaz. “E este é o dever primário do Sínodo: centrar de novo o nosso olhar em Deus, para sermos uma Igreja que olha, com misericórdia, a humanidade. Uma Igreja unida e fraterna – ou pelo menos procura ser unida e fraterna –, que escuta e dialoga; uma Igreja que abençoa e encoraja, que ajuda quem busca o Senhor, que excita benevolamente os indiferentes, que abre caminhos para iniciar as pessoas na beleza da fé. Uma Igreja que tem Deus no centro e, consequentemente, não se divide internamente e nunca é dura externamente. Uma Igreja que arrisca com Jesus. É assim que Jesus quer a Igreja, assim quer Ele a sua Esposa” (Homilia do Papa Francisco na abertura do Sínodo 2023).

**Lembramos que estamos no mês missionário. É bom refletirmos sobre nossa responsabilidade missionária. Agirmos como instrumentos de Deus na história. O missionário não fica de braços cruzados “olhando a banda passar”, não. Ele vê e age. Missionário incomoda-se com a realidade de dor e sofrimento do povo; com a exploração e humilhação das pessoas; com os maus tratos feitos à Mãe Terra; com um poder político que usa a máquina do Estado para explorar, roubar, tirar os direitos dos pobres e trabalhadores honestos. Missionário coloca-se como voz, coração e mãos de Deus no mundo. É um continuador das ações de Jesus. Quiçá programar uma visita, participar de uma pastoral, prestar um serviço voluntário em alguma instituição de caridade, apoiar movimentos populares que defendem os direitos dos pequeninos do Reino... É preciso cuidar da Vinha de Deus, pois a qualquer hora o Senhor virá acertar as contas. Afinal de contas “a vida é missão”! Vamos nessa!

***No último dia 04 celebramos São Francisco de Assis. Uma historinha de Francisco para iluminar nossa missão: Certa vez, S. Francisco pediu a um Irmão, chamado Leão: “Frei Leão, vamos fazer uma pregação?” “Sim”, respondeu o Irmão.

Os dois saíram caminhando pelas ruas de Assis. Andaram, andaram... Mas nunca chegavam ao local da tal pregação.

Por fim, começaram a voltar para casa. Quando estavam chagando, Frei Leão perguntou: “Frei Francisco, e a pregação?” “Já a fizemos”, respondeu ele.

A palavra convence, o exemplo arrasta. A simples caminhada deles, um ao lado do outro, conversando com alegria e amizade, foi a pregação.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN