No sepulcro vazio há lampejos de esperança
Páscoa do Senhor [31 de março de 2024]
[Mc 16,1-8; Jo 20,1-9]
O Senhor ressuscitou em verdade (cf Lc 24, 34). A Igreja celebra a ressurreição do Senhor no primeiro dia da semana, o domingo. Domingo vem de dominus, senhor. Ele dominou a morte e o pecado. Por isso é Senhor. Ele exerce o senhorio sobre nós. Não de dominação, mas de cuidado, libertação e salvação. Ele é mais forte do que o mal que nos ameaça e, por vezes, domina.
O evangelho diz que Maria Madalena foi ao túmulo “quando ainda estava escuro”. Essa escuridão simboliza as sombras (angústias) vividas pelos discípulos após a morte de Jesus. Era como se todo o sonho tivesse acabado. Não sabiam o que fazer. Estavam na escuridão.
Ao relatar que a “pedra já fora removida”, o autor quer dizer que é o próprio Deus quem remove as pedras do caminho, quem ressuscita os mortos, quem agiu na vida de Jesus. É o chamado “passivo divino”: tudo é ação da graça de Deus.
O jovem vestido de branco dentro do túmulo significa a manifestação divina. Por isso o espanto. É a consequência da fé pascal que tomava o coração da comunidade dos discípulos e discípulas pela experiência da ressurreição do Senhor.
As mulheres são protagonistas em ir ao túmulo - os discípulos haviam fugido. E recebem a missão de “anunciar aos discípulos e a Pedro” que Jesus se manifestaria a eles na Galiléia. Não na Judéia, onde Jesus encontrara dificuldade de acolhida da Boa Nova, mas na Galiléia onde havia iniciado sua missão evangelizadora.
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O testemunho da ressurreição inclui dois elementos: o sepulcro vazio e a aparição do Ressuscitado. O sepulcro vazio constitui um sinal negativo. Só fala ao “discípulo que ele amava”: “Ele viu e acreditou”. Ou seja, os sinais falam quando o coração está aquecido pelo amor. É preciso ser amigo de Jesus para compreender seus sinais. Já a aparição do Ressuscitado acontece no caminho de Emaús (Lc 24), aos discípulos desejosos de ver o Senhor e auscultar sua Palavra. No gesto da partilha do pão seus olhos se abrem e eles o reconhecem. Em seguida assumem a missão: “Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém” (Lc 24, 33).
A escuridão da madrugada e o túmulo vazio nos dizem que por vezes ficamos confusos diante da maldade humana, diante de tantos abusos do poder, de tanta violência e morte, de tanta corrupção que desencanta e desestimula o poder do voto nas eleições, diante do sofrimento sem fim dos refugiados de guerras e conflitos armados. Somos levados a perguntar: “Deus, onde estás?”. Mas a experiência de fé nos diz que na morte (‘túmulo vazio’, ‘noite’) há sinais de vida; na escuridão há lampejos de luz. Para isso é preciso ser “amigo de Jesus” (discípulo amado), ou seja, ser próximo dele, conviver com ele, reclinar-se sobre seu peito (cf. Jo 13,25).
Esse tempo pascal nos convida a assumir a vida nova que Jesus Ressuscitado veio nos trazer sendo uma presença de luz, de testemunho vivo contra toda maldade junto àqueles que o Pai colocou no nosso caminho. Talvez mesmo a nos perguntar: eu acredito mesmo na ressurreição de Jesus? Que mudança/transformação tem se dado dentro de mim a partir da fé na ressurreição? Em que essa fé no Ressuscitado me atinge?
Ressurreição é ser testemunha da esperança numa sociedade materialista e desumana, onde o túmulo está vazio e as sombras da morte parecem prevalecer. Páscoa é continuar afirmando com a vida: “Ele vive e está no meio de nós!”.
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A MORTE FOI VENCIDA PELO AUTOR DA VIDA
Pedro e Madalena representam a comunidade que ainda duvidava da ressurreição de Jesus. Estavam em busca de provas e elementos que dessem sentido à vida deles, uma vez que, aquele em quem confiavam, morrera na cruz.
Quando o evangelho menciona “o primeiro dia da semana”, remete o leitor à Criação do mundo, narrada no livro do Gênesis, para mostrar que a Ressurreição de Jesus é a Nova Criação. O fiel cristão, batizado, entra numa vida nova, na Nova Criação de Deus. O mundo velho passou. Agora, é tudo novo. Uma vida que deve ser parecida com a de Jesus. Adão não pode ser referência de vida.
A “madrugada” lembra o alvorecer que desfaz as trevas da morte. Agora a vida brilhou no horizonte. A madrugada, embora traga em si o sinal do dia, possui também uma penumbra que impede de enxergar com clareza. É o que acontecia com Maria Madalena: “ainda estava escuro”. A comunidade ainda estava temerosa.
A “pedra removida” e o “túmulo vazio” são sinais de que algo novo aconteceu. É um sinal negativo da ressurreição. Esses sinais indicavam que Jesus não estava ali, porém não garantiam sua ressurreição. A “pedra removida” significa que a morte foi vencida. O túmulo não é o último lugar do ser humano. Em Cristo ressuscitado, o ser humano vence também a morte e entra na vida que não tem fim, a vida eterna que já começa aqui, a partir da vida vivida em Deus, à semelhança de Cristo.
O “túmulo vazio” não é prova da ressurreição. A fé na ressurreição não vem da visão, mas da experiência de fé. As “aparições” de Jesus ressuscitado é que consolidam a fé dos discípulos. É o dado da fé. Uma realidade que transcende a razão. Não contradiz a razão, mas está para além da compreensão puramente racional. Por isso Santo Agostinho dirá: “Credo ut intelligam”: creio para compreender. Nós cremos pelo testemunho de fé da comunidade. A fé nos é transmitida. Cremos a partir da experiência que outros fizeram. Fazendo nós também essa experiência, transmitimo-la àqueles que a buscam. Porém, tudo é ação da Graça de Deus.
Pedro e o “outro discípulo” vão correndo ao túmulo. O “discípulo amado” chega primeiro que Pedro. Quem ama tem pressa. Ele “viu, e acreditou”. É o amor que faz reconhecer na ausência (túmulo vazio), a presença gloriosa do Cristo ressuscitado. Agora os discípulos entendem o que significa “ressuscitar dos mortos”. Agora eles vêem, não com os olhos humanos, mas com os olhos da fé. Agora estão iluminados pelo sopro do Espírito Divino que animou Jesus.
Nenhum evangelista se atreveu a narrar a ressurreição de Jesus. Não é um fato “histórico” propriamente dito, como tantos outros que acontecem no mundo e que podemos constatar e verificar, empiricamente. É um “fato real”, que aconteceu realmente. Para nós cristãos, é o fato mais importante e decisivo que já aconteceu na história da humanidade. Um acontecimento que traz sentido novo à vida humana, que fundamenta a verdadeira esperança, que traz sentido para uma das realidades mais angustiantes do ser humano: a morte. Esta não tem mais a última palavra. A pedra que fechava o túmulo foi retirada. A ressurreição é um convite, em última instância, a crer que Deus não abandona aqueles que o amaram até o fim, que tiveram a coragem de viver e de morrer por Ele.
O núcleo central da ressurreição de Jesus é o encontro que os discípulos fizeram com ele, agora cheio de vida, a transmitir-lhes o perdão e a paz. Daqui brota a missão: transmitir, comunicar aos outros essa experiência nova e fundante de suas vidas. Não se trata de transmitir uma doutrina, mas de despertar nos novos discípulos o desejo de aprender a viver a partir de Jesus e se comprometer a segui-lo fielmente. Ressuscitados com Cristo, buscamos “as coisas do alto”, temos o nosso “coração no alto”. A consagração batismal fez de nós novas criaturas. Incorporados a Cristo, enxertados n’Ele, queremos viver “por Cristo, com Cristo e em Cristo” para a glória de Deus Pai. É um modo de vida que transforma a pessoa, a comunidade e a sociedade. Transbordamento de uma alegria que não cabe dentro de nós: é comunicada aos outros. Não nos conformamos mais com injustiça, com mentira, com violência, com traição, com desrespeito, com maldade de toda sorte. Nossa vida se torna profetismo, esperança, inconformismo, saída, cuidado, encontro vivificador.
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN