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A lei foi feita para o bem do ser humano

aureliano, 31.05.24

10º Domingo do TC - B - 06 de junho 2021.jpg

9º Domingo do Tempo Comum [02 de junho de 2024]

[Mc 2,23 – 3,6]

O relato do evangelho para esse domingo sugere dois pontos de reflexão: o repouso dominical e a transgressão da lei.

São João Paulo II escreveu uma cartinha sobre o domingo (Dies Domini). Ali ele tenta mostrar a importância de se recuperar o Domingo como Dia do Senhor, Dia da Criação, Dia do Ser Humano, Dia do Descanso.

A preocupação do Papa revelava o que estamos vivendo: o domingo perdeu quase por completo seu sentido original que traz no próprio nome: Dominica, Dies Domini: Dia do Senhor. As mudanças nas relações econômicas, culturais, sociais e religiosas pelas quais tem passado o nosso mundo, trazem consigo esse novo modo de viver o Domingo. Isso não somente entre os agnósticos e arreligiosos, mas também entre os próprios cristãos e católicos.

Se por um lado essa espécie de indiferença diante do domingo e outras celebrações litúrgicas ditas “de preceito” trazem certa dificuldade e tristeza, por outro, ajudam a reconsiderar caminhos feitos e fortalecer aqueles que ainda acreditam na força e importância de celebrar o Domingo como dia do Senhor e do descanso.

A ordem de Deus a Moisés para que se guardasse o Sábado era um meio de se fazer memória da libertação do Egito operada pelo próprio Senhor. Também traz dentro de si o eterno desejo do Criador: o ser humano não é escravo; precisa viver em liberdade. Quando o texto sagrado diz que “o sétimo dia é sábado para o Senhor teu Deus” (Dt 5,14), quer nos lembrar que o “Sábado” não é mera prescrição ou observância legal, mas uma exigência de liberdade e diálogo entre Deus e seu povo. É um dia de descanso “para o Senhor”. Não é preciso dizer que o Sábado dos judeus se converteu no Domingo para nós cristãos por causa da Ressurreição do Senhor.

Outra reflexão que fazemos a partir do evangelho de hoje é referente à transgressão das leis e normas. Até que ponto a Lei deve ser cumprida e desde quando deve ser transgredida?

Nos tempos de Jesus a observância do Sábado se transformara num peso insuportável. Em vez de ser dia de repouso, de descanso, tornou-se dia de peso, de cansaço. Uma escravidão. O culto sabático caiu numa ação externa e formal.

Jesus veio dar novo sentido à Lei, ao Sábado. Ele não transgride nem suprime a Lei, mas vem dar-lhe pleno sentido (cf. Mt 5,17). Para isso ele parte de dois princípios: a misericórdia e a consciência. Uma realidade divina e outra humana. Apelo do Alto e resposta humana.

No princípio da Misericórdia ele parte da realidade do ser humano e suas necessidades imediatas que precisam estar acima de qualquer lei. Uma legislação ou código de normas que não leva em conta o ser humano como prioridade é vazia de sentido. “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado” (Mc 2,27). A misericórdia deve prevalecer sobre as exigências legais. Por isso Jesus cura aquele homem no dia de Sábado. Quem quiser viver o princípio da Misericórdia coloca em risco sua vida à semelhança de Jesus: é uma atitude eucarística.

Um dado interessante no relato do evangelho de hoje é que, estando dentro da sinagoga, num momento de culto a Deus, enquanto as atenções se voltam para Deus, Jesus volta seu olhar para aquele homem doente. E pede que ele “fique no meio”. Foi, certamente, uma afronta aos dirigentes do culto. Deus não deve ocupar o primeiro e absoluto lugar no culto? Será que Jesus está invertendo o sentido da celebração? O que levou Jesus a colocar o homem doente no centro? – Jesus não inverte o sentido do culto, mas quer ensinar que um culto que não nos compromete com os irmãos é vazio para o Pai. É como se ele dissesse: “O culto que agrada ao Pai é aquele que converte o coração do ser humano e o coloca em empatia, em solidariedade, em atitude de misericórdia para com aqueles que sofrem” (cf. Is 58,6-7). – Convenhamos: há atitudes dentro de nossas celebrações eivadas de egoísmo, vaidade, desprezo, arrogância, indiferença, discriminação... (cf. Tg 2,2-4).

Jesus veio mostrar um novo modo de se relacionar com Deus. O culto que não leva a cuidar do ser humano não chega ao coração do Pai. Podemos afirmar então que a grande contribuição de Jesus em relação às outras religiões é a de revelar um Deus que não existe para si mesmo. Deus criou o ser humano para que participasse de sua vida e glória. Deus é amor que se doa, que sai de si, que se interessa pelo ser humano. E sua glória consiste em buscar o bem de todas as criaturas.

Portanto, não basta defender a ordem no País, como reza nossa bandeira, se não se busca a defesa e os cuidados dos direitos fundamentais da pessoa humana. O Estado existe para administrar e distribuir equitativamente os bens da Nação. Se, em nome da ordem, o Estado prejudica o ser humano, tal ordem não pode ser cumprida. É um pecado e um crime empenhar-se num progresso que se faz em detrimento da humanidade. O “descartado”, o “inválido”, o “sobrante”, o “invisível” precisa estar “no meio”: para receber visibilidade e cuidado.

O mesmo pode-se dizer em relação à Igreja. Suas leis devem estar sempre a serviço da humanidade. Não podem constituir-se em uma carga pesada que sufoca e oprime. Não é suficiente defender uma disciplina da Igreja por si mesma. Se tal disciplina não ajuda a comunidade a ser mais generosa, mais tolerante, mais misericordiosa, mais inclusiva precisa ser revista, refeita na medida do Evangelho.

A primeira missão da Igreja não é impor leis morais, mas ajudar o ser humano a descobrir que Deus o ama. Ajudá-lo a encontrar aquele ponto no qual descobre a bondade e o amor de Deus por ele e pela humanidade toda, manifestado em Jesus de Nazaré. E levá-lo a perceber que ele é chamado por Deus a colaborar na obra da salvação e cuidados da humanidade.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Eucaristia é entregar-se pelo bem da humanidade

aureliano, 28.05.24

Corpus Christi 2024.jpeg

Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo [30 de maio de 2024]

[Mc 14, 12-16.25-26]     

Essa perícope do evangelho encontra-se nos relatos de Marcos sobre a Paixão de Jesus. A expressão bíblica que ouvimos em toda celebração eucarística - “Sangue da Aliança” - remete-nos à entrega de Jesus por nós. A Aliança no Antigo Testamento foi selada com o sangue de touros e carneiros. A “Nova e Eterna Aliança” foi selada na vida de Jesus entregue ao Pai por nós. Aliança como compromisso recíproco: Deus nos ama e nos orienta no caminho. Nós nos comprometemos em corresponder ao seu amor por nós, trilhando os caminhos de seus ensinamentos. Sobretudo buscando “acertar o passo”: colocando nossos passos no compasso de Jesus.

Jesus, na celebração da Ceia Pascal, antecipa os acontecimentos pelos quais em breve passaria. O “corpo dado” significa sua presença atuante no mundo; seu “sangue derramado” significa sua morte violenta como sacrifício da Aliança (cf. Ex 24,3-8). A consequência disso para nossa vida é que, cada um de nós deve dizer: “Eis meu corpo e meu sangue”, isto é, minha vida doada para o bem da humanidade, para que todos tenham mais vida”. É a vivência da Aliança de Deus conosco. É a Eucaristia vivida.

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A Eucaristia é o memorial da morte e ressurreição de Jesus. Fazer memória significa não somente lembrar, mas celebrar e mergulhar no mistério de Cristo. É nos colocarmos dentro de toda a vida de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus que, vindo a esse mundo, entregou sua vida por nós. Por isso, na celebração da Eucaristia nós devemos nos empenhar para fazer com que “a mente, o coração concorde com a voz, com as palavras”, no dizer de São Gregório.

Se celebramos a entrega de Cristo, não estamos fazendo um show. Então a missa não é show, promoção pessoal do padre e seja lá de quem for. Nossa atitude deve ser de compenetração, de humildade, de escuta atenta, de acolhimento, de exame de consciência. Isso nos tem recomendado insistentemente o Papa Francisco.

No decorrer da História a missa teve várias conotações. Serviu para coroar papas e reis, para agradecer vitórias de guerra, para enfeitar festas e agradar monarcas e senhores poderosos. Os músicos transformaram partes da missa em concertos belíssimos. Outros faziam da missa sua devoção particular. Ainda hoje, em vários lugares, é quase uma “exigência” para falecidos: “missa de corpo presente”, “missa de sétimo dia” etc. É claro que tem sua importância, mas ocorre que muitos pedem esse tipo de celebração para “salvar o falecido”, sem se comprometer pessoalmente com a comunidade de fé. Uma espécie de superstição.

O Concílio Vaticano II recuperou o sentido originário da Eucaristia: Memorial da Morte e Ressurreição do Senhor. Quando a comunidade se reúne para celebrar a Eucaristia, ela traz sua vida, suas dores e alegrias e coloca no Coração de Cristo, para que ele, verdadeiro Celebrante, ofereça ao Pai.

Ao participarmos da Eucaristia estamos nos comprometendo a ser “um só Corpo”. A comunhão no Corpo e Sangue de Cristo nos compromete com Ele. A entrega de Cristo que celebramos pede, exige de nós o gesto de entrega, de doação, de comprometimento com Cristo pela reconstrução da História segundo os critérios do Reino de Deus. Não pode ser verdadeira “comunhão” a busca de um intimismo egoísta que não abre nossos olhos para “ver as necessidades e os sofrimentos de nossos irmãos e irmãos”, inspirando “palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos, os doentes e marginalizados”.

Nesse dia que celebramos a solenidade do Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue do Senhor, somos instados a olhar para o Cristo que se doa, que se entrega, que salva, que enfrenta a morte para que tenhamos vida. Essa contemplação deve nos levar a dar mais um passo em direção a uma vida mais comprometida. Não adianta adorar o Cristo no altar e desprezá-lo no pobre. De pouco vale celebrar a Eucaristia, participar de uma adoração, e depois falar mal dos outros, negar o salário justo, sonegar impostos e dívidas, extorquir os idosos, enganar o cliente ao cobrar um valor excessivo pelo serviço ou mercadoria, ser desonesto nos negócios e no trabalho, levantar bandeiras que defendem a discriminação, a violência, o preconceito, o desrespeito, o armamento, o desmatamento.

A Eucaristia, “fonte e ápice de toda a vida cristã”, deve ocupar o centro de nossa espiritualidade, de nossa oração, de nossas escolhas e decisões. Se Cristo decidiu firmemente enfrentar a morte pela nossa salvação, também nós, seus discípulos, precisamos nos dispor a esse caminho. Pois “o discípulo não é maior do que o mestre”.

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EUCARISTIA PARA FORMAR UM SÓ CORPO

“O cálice de bênção que abençoamos não é comunhão com o sangue de Cristo?

 O pão que partimos não é comunhão com o Corpo de Cristo?

 Já que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo,

 visto que todos participamos desse único pão” (1Cor 10, 16-17).

 

A eucaristia é o sacramento que faz a Igreja. Participar do cálice de bênção e do pão partido é tornar viva e dinâmica a presença de Jesus em nosso meio. Enquanto a comunidade participa e celebra a vida de Jesus, ela está continuando a sua missão. E a grande obra de Jesus foi a de revelar o rosto misericordioso do Pai que não quer que ninguém se perca (Cf. 1Tm 2,4). Conhecedor das intrigas, ciúmes e divisões presentes no coração humano, que retardam a concretização do Reino, Jesus rezou: “Que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que estejam em nós, para que o mundo creia” (Jo 17, 21).

Criar, gerar, promover comunhão na comunidade cristã não se faz como num passe de mágica; não é obra de um dia. É algo que deve ser constantemente construído. É preciso de ternura para perceber e acolher o outro na sua fraqueza e fragilidade; é preciso de sensibilidade e intuição para captar as necessidades, as luzes e sombras que surgem na comunidade; é preciso de muita humildade para acolher e aceitar as diferenças bem como perceber a riqueza que elas podem trazer; é preciso de muita abertura para ouvir queixas, reclamações, opiniões discordantes; é preciso de muito espírito de oração, de comunhão e intimidade com Deus para percebermos cada vez mais que a missão é d’Ele, que a comunidade é d’Ele, que a Igreja é d’Ele, que o trabalho que realizamos é missão que Ele nos confiou: “Evangelizar não é um título de glória para mim, mas uma necessidade que se me impõe”.

Estando à mesa com os seus discípulos, Jesus “tomou o pão, partiu e o deu aos seus discípulos”. Portanto, Eucaristia é pão, corpo tomado, partido, doado... é sangue derramado (Cf Lc 22, 19-20). Também o cristão que participa da mesa do Senhor deve sentir-se, no seu dia a dia, tomado, isto é, consagrado por Deus no batismo para a missão; partido e repartido para os irmãos (nas dificuldades da missão, nas crises, nas lágrimas, no suor, na falta de reconhecimento, nas ingratidões, quando tem que abrir mão do que gosta...). E, finalmente, doado: dado por Deus ao povo. O cristão não existe para si mesmo, existe para os irmãos.

Nesta construção da comunidade e da pessoa é que a eucaristia vai transformando a sociedade. O cristão eucaristizado vai percebendo que a sociedade que mata, que rouba, que corrompe, que sonega impostos, que acumula, que explora, que destrói precisa ser modificada. Então ele entende aquela recomendação que São João Crisóstomo, nos idos do século IV, fazia à comunidade: “Queres honrar o Corpo de Cristo? Então não o desprezes quando o vês em andrajos. Depois de tê-lo honrado na igreja em vestes de seda  não deixes que morra de frio fora, porque não tem com que vestir-se. É, de fato, o mesmo Jesus que diz: ‘Isto é o meu Corpo’ e aquele que diz: ‘tu me viste com fome e não me deste de comer – aquilo que recusaste ao menor de meus irmãos foi a mim que o recusaste’. O corpo de Cristo na Eucaristia exige almas puras, não ornamentos preciosos. Mas no pobre, Ele pede todos os teus cuidados. Comportemo-nos como santos: honremos o Cristo como ele mesmo quer ser honrado: a homenagem mais agradável é sempre aquela que o homenageado deseja receber, não aquela que nós queremos fazer-lhe. Pedro pensava estar honrando seu Mestre não permitindo que o Senhor lhe lavasse os pés. Entretanto, fazia exatamente o contrário. Dai-lhe, pois, a honra que Ele mesmo pediu, doando ao pobre o vosso dinheiro. Ainda uma vez, aquilo que Deus quer não são cálices de ouro, mas almas de ouro”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

O sentido da profissão de fé cristã: Deus Trindade

aureliano, 24.05.24

Santíssima Trindade B.jpg

Solenidade da Santíssima Trindade [26 de maio de 2024]

[Mt 28,16-20]

Celebramos hoje a Solenidade da Santíssima Trindade. No relato do evangelho da liturgia desse domingo Jesus dá aos discípulos a missão de fazer novos discípulos e de batizar. A pessoa entra para a vida cristã através do ‘mergulho’ “no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.

Quase sempre, neste dia, ficamos presos a explicações intelectualizantes sobre a Santíssima Trindade. É uma tentativa de ‘explicar o inexplicável’. Ou seja, o Mistério de Deus em Três Pessoas deve ser crido e não explicado. Deve ser entendido, porém a partir do ‘mergulho’ (batismo) nele. No dizer de Santo Agostinho “é preciso crer para entender” (credo ut intelligam). Ultrapassa nossa inteligência humana e limitada, mas não a contradiz. É um mistério que nos envolve, nos fascina, nos encanta: Tremendum et fascinans: imprime espanto, temor, mas atrai, fascina, encanta!...

Percorramos a profissão de fé, realidade implícita ao batismo, sacramento que nos introduz na vida de Deus, nos incorpora a Cristo e nos torna membros da comunidade cristã, a Igreja, Povo de Deus, Corpo de Cristo, Templo do Espírito.

Imediatamente antes de derramar a água na cabeça daquele que vai ser batizado, o ministro o convida a fazer a promessa de ‘renúncia ao mal’ (conversão); em seguida o convida a professar a fé (perdão e adesão). Por este ato a Igreja professa sua fé no Pai, no Filho, no Espírito Santo. Fé que renovamos todos os domingos em nossas celebrações. Queremos ajudar a compreender o que isso significa em nossa vida.

Creio em Deus Pai Todo-poderoso: reafirmamos nossa fé em Deus que é nosso Pai, que nos criou e cuida de nós com carinho. Um Pai que não nos abandona. Mesmo quando passamos por sofrimentos e tribulações, por dificuldades que não compreendemos e que por vezes não buscamos nem merecemos, Ele está ao nosso lado. Ampara-nos com seu amor que nunca falha. Sua promessa jamais será tirada. Podemos dizer com confiança Pai nosso, isto é, Paizinho querido (Abbá)! Mesmo que estejamos naquelas situações de risco, de desespero, de desalento, de decepção, de pecado, Ele está perto de nós. Muitos o renegam. Muitos tentam quebrar a aliança de amor que Ele fez conosco. Nossos filhos podem recusar seu amor. Mas Ele continua fiel e amoroso. Podemos confiar nele. Cremos nele! “O Senhor ama seu povo de verdade” (Sl 149). Ele é Todo-poderoso porque “perdoa toda culpa e cura toda enfermidade” (Sl 103,3-5).

Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor. Jesus, o Filho amado do Pai. É o presente de Deus para nós. Veio a esse mundo e entregou sua vida por nós. Mostrou-nos quem é o Pai. Seus gestos e palavras são expressão de que o Pai nos ama e quer nosso bem e nossa salvação. Devolve a saúde aos doentes, dá o perdão aos pecadores, acolhe a todos que vêm a ele em busca de conforto, de perdão e de paz. Tudo nele revela o rosto bondoso e maternal do Pai/Mãe que cuida de todos com carinho e amor. O Filho mostrou-nos o caminho da vida: é preciso amar sempre, até o fim, dar a vida. “Sede misericordiosos como o Pai é misericordioso”. Se nos esquecemos de Jesus, se o deixamos de lado, quem vai preencher o vazio do nosso coração? Somente Jesus pode preencher as profundezas e compreender as dobras do nosso coração. Somente uma vida vivida de acordo com o ensinamento de Jesus pode ser verdadeiramente feliz. É a consequência do batismo. “Se compreenderdes isso e o praticardes, felizes sereis” (Jo 15,17).

Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida: é o mistério que celebramos no domingo de Pentecostes: o Espírito Santo foi derramado em nossos corações. Recebemos a missão de ‘fazer discípulos e de batizar’, porém com a força do Espírito Santo. Ele já nos foi dado. Está dentro de cada um de nós. É o amor do Pai e do Filho. É o “Vento” santo de Deus (Ruáh) que nos coloca em movimento, como aconteceu à Virgem Maria que, uma vez inundada da força do alto, foi às pressas ajudar sua prima Isabel. Esse “Sopro” santo nos deixa leves, nos ajuda a abandonar as “obras da carne” para vivermos a “liberdade dos filhos de Deus”. É o “sopro” que nos perdoa, nos liberta, nos santifica, nos leva em direção àqueles que precisam de nós. É o Espírito de Deus que nos ajuda a vencer o espírito do mundo: o lucro a qualquer custo, a ganância, a mentira, a corrupção, a exploração, a preguiça, o comodismo. É o “Senhor doador da vida” que nos move a defender a vida sempre e em qualquer circunstância. “Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à verdade plena” (Jo 16,13). Ele nos ajuda a recordar os ensinamentos de Jesus e interpretá-los de modo justo e eficaz.

Em determinadas circunstâncias somos tentados pela vaidade de pensarmos e agirmos como se Deus precisasse de nós. Ninguém precisa ficar surpreso, não. Elias, o grande profeta do Primeiro Testamento, também foi acometido por essa tentação. Julgava-se imprescindível para a obra de Deus. O preço de sua vaidade foi cair em depressão: fugindo da perseguição da Rainha, sentou-se sob o carvalho e pediu a morte. Ali ele percebeu que a obra é de Deus e não dele. Ele era um mero colaborador, frágil, pequeno, necessitado. Uma vez refeito pelo pão do céu, se levanta e vai ao encontro de Deus (cf. 1Rs 19,1-8). Todas as vezes que agimos levados pela vaidade, pela soberba de nos julgarmos indispensáveis, insubstituíveis, prejudicamos a ação de Deus na história. Importa nos colocarmos no Coração da Trindade com humildade, generosidade e alegria.

É nessa fé que fomos batizados. É essa a realidade que professamos e que somos chamados a viver. Não se trata, pois, de ‘segredos’ nem de ‘mistérios’, mas de um convite amoroso a vivermos essa fé trinitária, fazendo de nossa vida um hino de louvor à Trindade Santa: Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo para sempre. Amém. Lembrados sempre do dizer de Santo Irineu de Lião: “A glória de Deus é o ser humano vivo. E a vida do ser humano é a visão de Deus”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O Espírito Santo perdoa e perfuma

aureliano, 17.05.24

Pentecostes 2020 - 31 de maio.jpg

Solenidade de Pentecostes [19 de maio de 2024]

[Jo 20,19-23] 

UM POUCO DE HISTÓRIA

Inicialmente celebrada pelos israelitas, Pentecostes era a comemoração da colheita dos primeiros frutos do trigo. Porque marcava o 50º dia depois do início da colheita, era, por esse motivo, chamada de Pentecostes. (Confira Ex 23, 14-17; 34, 22; Lv 23,15-21; Dt 16, 9-12). É a festa da colheita. Portanto, tempo de muita alegria e fartura.       

A narrativa de At 2, 1-11 mostra a importância que ganhou na Igreja esta festa. Fazendo uso de um recurso literário, Lucas faz o Pentecostes cristão coincidir com o Pentecostes judaico. O Espírito se manifesta confirmando a missão que os discípulos haviam recebido do Mestre. Pentecostes marca o nascimento da Igreja. É a celebração dos frutos do Ressuscitado: o perdão e a paz que brotam de seu Coração bondoso, superando o egoísmo e a maldade do coração humano.

A MENSAGEM DO EVANGELHO

No próprio dia da Páscoa Jesus vem entregar o Dom do Espírito Santo aos seus discípulos. Este Dom garante a continuação da missão de Jesus no mundo. A missão de dar a paz e de tirar o pecado do mundo: “A paz esteja convosco” (Jo 20, 19); “Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados” (Jo 20, 23). É o próprio Jesus agindo por meio de sua Igreja.

“As portas estavam fechadas por medo dos judeus”: Esse relato nos faz pensar no medo que tomava conta dos discípulos antes de serem revestidos do Dom do Pai. Como o medo nos paralisa, nos fecha em nós mesmos, nos impede de servir! O medo é um sentimento que precisa ser assumido e trabalhado em nós. Quando agimos movidos pelo medo fazemos muito mal a nós e aos outros. Medo de assumir um trabalho na comunidade; medo de arriscar; medo de assumir a própria vida; medo de romper com relações que escravizam e destroem a própria vida e a vida dos outros; medo de falar e de viver a verdade; medo movido pela preocupação excessiva com a própria imagem: o que vão pensar ou dizer? Medo de chamar para conversar sobre dificuldades interrrelacionais. Medo da doença, medo da morte, medo de ser abandonado, desprezado, ridicularizado. É preciso vencer o medo! O medo fecha a porta para Deus e para os irmãos! “No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo!” (Jo 16,33).

Mas há o outro lado da moeda: aqueles que querem impor-se aos outros, causar pânico, intimidar os outros, gritar, esbravejar, calar a boca. Quantas pessoas encontram prazer em provocar medo, em dominar! Querem se impor pela força física, pela pressão psicológica, pelo cargo que exercem, pelas ameaças que fazem, pelo poder financeiro. Há muitas pessoas que sofrem terrivelmente debaixo de gente perversa, dominadora, satânica. Há gente que domina os outros até mesmo servindo-se da religião ou da boa-fé da pessoa. Crianças, mulheres, idosos, pobres, pessoas vulneráveis e indefesas são as principais vítimas dos dominadores e controladores. Um pecado que brada aos céus e pede a Deus vingança! Jesus nunca se impôs aos outros, nunca ameaçou ninguém. Pelo contrário, sempre mostrou-se afável, acolhedor, doador do perdão e da paz.

“Como o Pai me enviou também eu vos envio”. Palavra de Jesus aos discípulos antes de comunicar-lhes do Dom do Espírito Santo. É um elemento essencial na missão. O Pai enviou o Filho para comunicar seu amor ao mundo. Agora o Filho envia aqueles que ele escolheu e consagrou com essa mesma missão: o Pai nos ama e quer salvar a todos. Quer comunicar-nos o perdão e a paz. A Igreja é a mensageira e portadora dessa Boa Nova.

ABRIR O CORAÇÃO PARA A MISSÃO

Ao longo de seu ministério Jesus havia prometido o Espírito Santo aos seus discípulos para auxiliá-los na tarefa que lhes confiaria. Ele teria a missão de inspirá-los, fortalecê-los, lembrar-lhes o que lhes havia ensinado. Desde então lhes restava plantar, pois o Pai garantiria a colheita.

Compete a nós abrir o coração para a ação do Espírito Santo em nossa vida a fim de que nossa vida e nossas comunidades se renovem. Aquele vigor concedido aos primeiros discípulos continua sendo dado a quem se abre à sua ação libertadora. Deixemos o Espírito agir em nós, pois sem a sua força a Igreja fica estéril e confusa, sem ternura e sem missão.

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A FORÇA DO ALTO PERDOA E ANIMA

A festa de Pentecostes tem sua história na comunidade israelita. Inicialmente era o agradecimento a Deus pelos frutos da terra. Uma festa agrícola. Posteriormente foi associada à entrega da Lei no Sinai, tornado-se assim a festa da Aliança de Deus com seu povo.

No cristianismo, Pentecostes celebra a manifestação pública da Igreja. Embora, segundo João, o Espírito Santo seja dado no dia da Páscoa, na Ressurreição, a comunidade lucana a coloca cinquenta dias depois da Páscoa, para evocar e celebrar a manifestação pública da Igreja. Em forma de “línguas de fogo” para dizer do testemunho e da palavra dos discípulos de Jesus manifestando a ação de Deus na pessoa de Jesus de Nazaré. No Sinai foi entregue a Lei a Moisés, escrita em tábuas de pedra. Aqui celebramos a Lei derramada nos nossos corações.

 O evangelho deste domingo mostra a comunidade dos discípulos acuada, medrosa. Os discípulos não tinham iniciativa nem coragem de anunciar a experiência que haviam feito de Jesus. Aquele em quem haviam depositado a esperança frustrou-lhes as expectativas: morrera na cruz como um malfeitor. Porém, a divina “Ruah” do alto, aquele Sopro vital os encheu de novo ânimo, de coragem. Começam então a anunciar, com todo ardor e entusiasmo, aquela realidade que haviam experimentado: a vida de Jesus e a vida em Jesus é o caminho para se viver de maneira justa, alegre e mais feliz.

Soprou sobre eles e disse...”. Esta passagem nos faz lembrar aquele sopro vital que o Criador fez penetrar no homem formado da argila: “Ele insuflou nas suas narinas o hálito da vida, e o homem se tornou um ser vivo” (Gn 2,7). Ou mesmo aquele Sopro de vida de que fala o profeta Ezequiel: “Porei meu sopro em vós para que vivais” (Ez 37,14). Somos cristãos leigos de barro, padres de barro, bispos de barro. É o Sopro Santo de Deus que nos comunica vida. Jesus comunica a nova vida que ele veio trazer do Pai: o Espírito Santificador que nos inspira, nos ilumina, nos fortalece para darmos testemunho da ressurreição do Senhor.

É interessante notar que o Espírito Santo não desceu somente sobre os “Onze”. Ele veio sobre todos que estavam no Cenáculo. Ali havia muitas outras pessoas além dos Apóstolos. O Espírito de Jesus penetra no coração daquelas pessoas e lhes dá novo vigor, novo sentido de vida. Sem o Espírito Santo a vida fica sem sentido, vazia, deslocada daquele centro vital para o qual o Pai nos criou. Desfocada, a vida começa a perder o sentido e o pecado encontra guarida dentro de nós. É a destruição de nossa vida. A alegria dá lugar à tristeza, a paz cede a brigas e intrigas, a partilha perde terreno para o egoísmo, o perdão é substituído pelo desejo de vingança, a fraternidade é suplantada pela dominação e coisificação das pessoas, a fé perde para a dúvida e o ceticismo.  Quando Jesus sopra sobre os discípulos e lhes dá o Espírito Santo com o poder de perdoar os pecados, ele quer mostrar que a missão da Igreja, pela força do Espírito Santo, deve ser a de tirar o pecado do mundo.

O pecado, segundo Pe. Antônio Pagola, é a “força de gravidade que nos impede de ir a Deus”. Muito mais do que culpa, é peso, escravidão. Mais do que falar de perdão, é preciso, pois, falar de libertação. Por isso chamamos a Jesus de Salvador. Nota-se, pois, uma vez mais, que o Evangelho não é um ligeiro verniz que se passa no ser humano, mas é tomá-lo a partir do seu ser mais profundo, assim como é, e tornar possível sua volta para Deus. Este é o primeiro fruto do Espírito de Jesus: a libertação. Este é o Espírito, o Espírito do Filho, o Espírito dos filhos, aquele que nos resgata da escravidão da terra e nos abre o horizonte luminoso de filhos.

Esse Espírito traz e atualiza a novidade de Cristo: “Sem o Espírito Santo, Deus está distante; o Cristo permanece no passado; o evangelho, uma letra morta; a Igreja, uma simples organização; a autoridade, um poder; a missão, uma propaganda; o culto, um arcaísmo; e a ação moral, uma ação de escravos. Mas no Espírito Santo o cosmos é enobrecido pela geração do Reino, o Cristo ressuscitado está presente, o evangelho se faz força do Reino, a Igreja realiza a comunhão trinitária, a autoridade se transforma em serviço, a liturgia é memorial e antecipação, a ação humana se deifica” (Atenágoras I, Patriarca de Constantinopla).

Todos nós sentimos dificuldades. Todos sentimos a fraqueza na fé, a fragilidade da existência, a força do pecado em nós. Por vezes o mal parece prevalecer. O bem fica apagado. Fazemos o bem, nos empenhamos na construção de um mundo melhor, mas parece que nossa luta é em vão. Então peçamos ao Espírito Santo que, como aos discípulos e discípulas no Cenáculo, nos encha de seu amor, de sua luz, de sua força.

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Celebrar Pentecostes é fazer memória da vida de Jesus. No início de sua missão ele foi ungido pelo Espírito Santo para anunciar a Boa Nova aos pobres (cf. Lc 4, 16-21). Durante toda a vida foi conduzido pelo Espírito Santo. Suas ações e palavras eram iluminadas e orientadas pelo Espírito Santo.

Quando na cruz Jesus “entrega o espírito” (cf. Jo 19,30) significa, não que ele morre, mas que ele derrama sobre a humanidade o Espírito que sempre o animou. A morte de Jesus na cruz e seu Coração traspassado são como o vaso de alabastro quebrado pela mulher na unção de Betânia e que perfuma toda a casa (cf. Jo 12,3-8). “Jesus é o frasco que se quebrou e se espalhou pelo mundo inteiro. Quando dizemos ‘vinde Espírito Santo’ não olhamos para o céu ou para o nada, mas olhamos para a cruz de Cristo e pedimos: ‘vinde Espírito Santo, perfuma esse mundo que precisa tanto de ti’” (Ir. Aíla Pinheiro, comentando as Catequeses Mistagógicas dos Padres da Igreja).

Nossa vida cristã deve ser inundada por esse Espírito de Jesus que nos torna parecidos com ele, nos configura a ele. Nossas ações já não são mais das trevas, mas da luz. Movidos pelo Espírito Santo produzimos os frutos que dele procedem: “caridade, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, lealdade, mansidão, continência” (Gl 5,22-23).

Rezemos: Vem Espírito Santo e liberta-nos do pecado, fortalece nossa pequenez, dá-nos tua força contra o mal. Não nos deixes desanimar, desistir de caminhar na direção do bem. Mais do que fazer o bem, ajuda-nos a ser bons, justos, solidários, fraternos. Enche-nos de tua bondade, de tua sabedoria para reproduzirmos em nossa vida as ações de Jesus que “passou pelo mundo fazendo o bem”. Faze que nossa vida manifeste a todos o amor do Pai, prefigurado em Jesus de Nazaré. Amém.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A missão do discípulo de Jesus

aureliano, 11.05.24

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Domingo da Ascensão do Senhor [12 de maio de 2024]

[Mc 16,15-20]

 Este relato evangélico é um acréscimo posterior, de autor desconhecido. Mas ele nos ajuda a perceber que Jesus, ao se manifestar aos discípulos não tem o intuito de, simplesmente, consolá-los, mas de conferir-lhes a missão de levar a Boa Nova a outros povos. Seus discípulos se tornam ponto de referência do juízo de Deus: será salvo quem aceita o Evangelho, isto é, o testemunho que os apóstolos darão do que se realizou em Jesus de Nazaré.

Para ajudar a compreender o que celebramos hoje, proponho refletir sobre três realidades: a Ascensão do Senhor; o Dial Mundial das Comunicações Sociais, e a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. E ainda uma palavra sobre a mães em seu dia, e uma memória de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento. Vamos lá!

A Ascensão do Senhor: Celebrar a solenidade da Ascensão é levar o ser humano a pensar no seu destino de homem novo, renascido pelo batismo para uma vida nova. A ascensão de Cristo é a nossa ascensão. O Cristo que sobe para junto do Pai permanece junto de nós na força do Espírito Santo. E confia-nos a missão de ser seus continuadores. Se queremos participar com ele da vida eterna precisamos, como ele e com ele, realizar a tarefa de construirmos uma sociedade nova.

Na missão nos é dado realizar os “sinais” de vida:

  1. Expulsar demônios: é combater o poder do mal que prejudica a vida. A vida de muitas pessoas ficou melhor pelo fato de terem entrado na comunidade e de terem começado a viver a Boa Nova da presença de Deus em sua vida. Precisamos trabalhar com a força do Espírito Santo contra as forças do mal que acometem as pessoas. Expulsar os demônios da exploração, da mentira, do consumismo, da dominação, do orgulho, da falsidade, da inveja, da disseminação do ódio e da vingança, da ambição, da corrupção, do comodismo, da omissão.
  2. Falar novas línguas: é começar a comunicar-se com os outros de maneira nova. Às vezes, encontramos uma pessoa que nunca vimos antes, mas parece que já nos conhecemos há muito tempo. É porque falamos a mesma língua, a língua do amor. Aquela palavra que conforta, que encoraja, que anima. Fazer com que prevaleça essa linguagem, que todos entendem. A linguagem do amor não se resume em palavras, mas em gestos, atitudes de vida.
  3. Vencer o veneno: há muita coisa que envenena a convivência. Muita fofoca que estraga o relacionamento entre as pessoas. Quem vive a presença de Deus dá a volta por cima e consegue não ser molestado por este veneno terrível. Há muita coisa envenenada que quer tirar nossa alegria, nossa fé; que quer nos impedir de servir melhor as pessoas, ou mesmo de fazermos das pessoas objeto de jogo, de prazer, de dominação. Peçamos ao Senhor que nos livre desse veneno.
  4. Curar os doentes: em todo canto onde aparece uma consciência mais clara e viva da presença de Deus aparece também um cuidado especial para com as pessoas excluídas e marginalizadas, sobretudo para com os doentes. Aquilo que mais favorece a cura é a pessoa sentir-se acolhida e amada. Nossa sociedade está doente: falta amor, carinho, acolhida. Vamos tornar nossa comunidade mais acolhedora. Olhemos com mais carinho aqueles que não podem vir à igreja, os doentes e idosos. Tanta gente esperando uma presença/visita, uma mensagem de esperança, uma oração que pode curar e confortar!

Celebrar a Ascensão do Senhor é viver com o coração no céu e com os pés na terra. É andar sempre com passos firmes e solidários. É ter a capacidade de perceber a presença do Ressuscitado no irmão que sofre, na comunidade reunida, na vida que refloresce.

Nossa prática é capaz de revelar o rosto de Jesus?  Dois elementos mostram nossa semelhança ao Mestre: o serviço prestado aos sofredores e a proteção divina. O Senhor glorioso não deixa de dar sua força aos que se empenham pelo anúncio de seu Reino. Jesus nos envia para sermos testemunhas de seu evangelho. Os sinais que acompanham o anúncio do evangelho devem continuar gerando admiração e alegria. São os ‘milagres’ descritos por Marcos: pessoas que conseguem livrar-se dos vícios, do fascínio do lucro e da vaidade; comunidades que não se fundam na competição, mas na comunhão; o empenho em abolir as fronteiras humanas da discórdia, da divisão e discriminação; a vivência do matrimônio ou da virgindade em fidelidade evangélica.

Acreditamos a partir do testemunho de fé da comunidade. Não tivemos contato com o Jesus histórico, mas com o evangelho. É importante ler, rezar, estudar os evangelhos: sozinho, através da leitura orante, em pequenos grupos, em comunidade. Somente assim poderemos superar a crise da descrença e da indiferença em que vivemos, hoje. Sendo nós mesmos evangelho vivo. Lembrados do lema de São Carlos de Foucauld: “Gritar o Evangelho com a vida”.

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O Dia Mundial das Comunicações Sociais deste ano tem como tema: “Inteligência artificial e sabedoria do coração: para uma comunicação plenamente humana”. O Santo Padre nos convida a repensar a comunicação para ajudar as pessoas a se encontrarem como irmãos e irmãs para ajuda mútua. O fenômeno da Inteligência Artificial deve ser levado em conta como uma realidade nova da técnica e da ciência que pode construir pontes bem como levantar muros.

Transcrevo dois parágrafos em que o Papa mostra a importância de se compreender bem e de se fazer bom uso da inteligência artificial. Para que se ande em direção segura o Papa alerta para a importância de se ter um coração sábio:

“Neste tempo que corre o risco de ser rico em técnica e pobre em humanidade, a nossa reflexão só pode partir do coração humano. Somente dotando-nos dum olhar espiritual, apenas recuperando uma sabedoria do coração é que poderemos ler e interpretar a novidade do nosso tempo e descobrir o caminho para uma comunicação plenamente humana. O coração, entendido biblicamente como sede da liberdade e das decisões mais importantes da vida, é símbolo de integridade e de unidade, mas evoca também os afetos, os desejos, os sonhos, e sobretudo é o lugar interior do encontro com Deus. Por isso a sabedoria do coração é a virtude que nos permite combinar o todo com as partes, as decisões com as suas consequências, as grandezas com as fragilidades, o passado com o futuro, o eu com o nós.

Esta sabedoria do coração deixa-se encontrar por quem a busca e deixa-se ver a quem a ama; antecipa-se a quem a deseja e vai à procura de quem é digno dela (cf. Sab 6, 12-16). Está com quem aceita conselho (cf. Pr 13, 10), com quem tem um coração dócil, um coração que escuta (cf. 1 Re 3, 9). É um dom do Espírito Santo, que permite ver as coisas com os olhos de Deus, compreender as interligações, as situações, os acontecimentos e descobrir o seu sentido. Sem esta sabedoria, a existência torna-se insípida, pois é precisamente a sabedoria que dá gosto à vida: a sua raiz latina sapere associa-a ao sabor” (Mensagem do Papa Francisco para o 58º Dia das Comunicações Sociais).

Nesse dia seria bom examinar como está nossa comunicação. A começar dentro de nossa casa. Estamos nos entendendo? Paramos para escutar? Comunicamos nossas idas e vindas? Como temos nos comunicado com nossos filhos? Somos verdadeiros, transparentes? A melhor comunicação ainda é a corporal/existencial. A tecnologia ajuda, mas não substitui nossa relação verdadeira. - Ainda mais: Por onde ‘navego’ nas redes sociais? Que tipo de comunicação e relacionamento estabeleço no Instagram, Facebook, Watt Zap e outros? As Redes Sociais são um importante instrumento de comunicação, de informação, de formação e de evangelização. Mas é preciso utilizá-las a partir da sabedoria do Evangelho que gera a “sabedoria do coração”.

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Gostaria de lembrar um acontecimento fundante na Igreja e para a Igreja: A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos: 12 a 19 de maio de 2024. Com o tema: “Amarás o Senhor teu Deus… e ao teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10, 27), o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs promove a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos com o intuito de alimentar e manter no coração dos fiéis cristãos o firme desejo expresso por Jesus para que todos nos mantenhamos unidos a ele e uns aos outros para que o Pai seja glorificado em nossa vida.

“Os cristãos são chamados a agir como Cristo, amando como o Bom Samaritano, mostrando misericórdia e compaixão para com os necessitados, independentemente da sua identidade religiosa, étnica ou social. Não são as identidades compartilhadas que devem nos levar a ajudar o outro, mas o amor ao nosso “próximo”. Entretanto, a visão de amor ao próximo que Jesus nos apresenta está sendo ameaçada no mundo atual. As guerras em muitas regiões, os desequilíbrios nas relações internacionais e as desigualdades geradas pelos ajustes estruturais impostos pelas potências ocidentais ou por outras forças externas inibem a nossa capacidade de amar como Cristo amou. É aprendendo a amar uns aos outros, independentemente das nossas diferenças, que os cristãos podem se tornar próximos como o samaritano do Evangelho” (https://www.cnbb.org.br/semana-de-oracao-pela-unidade-dos-cristaos-2024/).

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Celebramos hoje o Dia das Mães. Seria bom nos lembrarmos neste dia das mães sofredoras. Há mães que não experimentam alegrias neste dia. Talvez experimentem ainda uma dor maior. Que tal fazermos uma oração, enviarmos uma mensagem a alguma mãe sofrida? Mais do que festanças, comilanças e bebedeiras, precisamos caminhar na direção de maior solidariedade! Hoje é dia nos solidarizarmos com as vítimas das tempestades no Rio Grande do Sul. Há muitas mães e filhos passando por dores, desalentos e desesperança. Seria bom uma prece, um minuto de silêncio, uma memória afetiva, um pouco de moderação nas festas em respeito e solidariedade a esses nossos irmãos e irmãs.

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13 de maio: Vamos celebrar, no próximo dia 13, a festa de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento. É a padroeira de nossa Congregação Sacramentina. A devoção a Maria com esse título começou em 1868, com São Julião Eymard, fundador dos Sacramentinos da Adoração Perpétua. Pe. Júlio Maria, Fundador da Congregação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora, divulgou muito essa devoção. Dizia que “a Eucaristia é o prolongamento da Encarnação”. Com isso ele queria dizer que, aquele Jesus nascido de Maria, Filho de Deus, continua na Eucaristia alimentando e animando a missão da Igreja. São João Paulo II vai dizer, mais tarde, que (embora os textos da Escritura não mencionem explicitamente) a Virgem Maria “não podia deixar de estar presente, nas celebrações eucarísticas, no meio dos fiéis da primeira geração cristã, que eram assíduos à ‘fração do pão’ (At 2,47)” (EE, 53). Maria foi uma mulher eucaristizante. Sejamos também nós, a exemplo de Maria, pessoas eucaristizadas e eucaristizantes, trabalhando para um mundo mais humano, mais fraterno, para que todos tenham acesso aos bens da Criação. Uma eucaristia que ajude a diminuir a distância entre ricos e pobres. Uma eucaristia que se empenhe para que não falte o pão na mesa dos pobres. Uma eucaristia que não nos deixe acomodados num “mundanismo espiritual” estéril e sacrílego. Nenhuma família sem casa. Nenhuma família sem terra. Nenhuma família sem trabalho. Nenhuma família sem pão!

TPe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Amar como Jesus amou

aureliano, 03.05.24

6º Domingo da Páscoa - B - 06 de maio.jpg

6º Domingo da Páscoa [05 de maio de 2024]

[Jo 15,9-17]    

Falar em amor nesses nossos tempos tornou-se difícil e ambíguo porque esse conceito tomou várias conotações. De modo geral equivale a relações afetivo-sexuais. Daí a expressão tão corriqueira que a ‘galera’ toda entende: “fazer amor”, que equivale a “fazer sexo”.

O evangelho de hoje nos ajuda a perceber a profundidade do sentido da palavra amor. “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor” (Jo 15,9). Jesus fez a experiência do amor do Pai. O que ele viveu foi expressão de seu amor ao Pai e por nós. Ele não nos amou porque somos amáveis. Mas ele nos tornou amáveis por seu amor. Seu amor nos tornou seus amigos em vez de servos: “Já não vos chamo servos, (...) mas vos chamo amigos porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15, 15).

O amor que Jesus viveu e ensinou é um amor de doação, desinteressado. Ama pelo outro e não por si mesmo. É como aquela mulher que ama seu marido, mesmo que não tenha lá muitas qualidades, mas porque ela o escolheu como marido. Ou porque tem uma motivação maior, mais sublime: ser sinal da Aliança do Pai com a humanidade. Ou mesmo pelo cuidado e amor para com os filhos etc. Outra imagem também é a de Ricardo Pinheiro, rapaz que morreu na tragédia no Largo do Paissandu, São Paulo, em 2018: antes de se salvar pela corda oferecida pelo Corpo de Bombeiros estava ajudando a resgatar vizinhos. Em uma das vezes foi visto carregando quatro crianças. Mas acabou sendo consumido pelo desabamento do prédio. Também o exemplo da professora Helley de Abreu, da creche incendiada em Janaúba, norte de Minas, em outubro de 2017. Salvou muitas crianças. Terminou vítima de sua própria doação.

Então o amor não significa antes de tudo que nós amamos a Deus, mas que Deus nos amou primeiro dando seu Filho por nós (cf. 1Jo 4,10). É um amor de gratuidade, sem limites. Ele nos amou até o fim (cf. Jo 13,1). Amar é iniciativa de Deus. Para que permaneçamos no amor precisamos de estabelecer uma intimidade profunda com Ele para que seu amor esteja em nós e não desanimemos de amar como Ele nos amou.

É interessante notar ainda que o mandamento do amor ao próximo já estava na Lei Antiga: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18). Que novidade então Jesus introduziu? A novidade do mandamento de Jesus está no “como eu vos amei”. Esse “como ele nos amou” é que torna esse mandamento diferenciado, significativo, cristão. É ter a coragem de sair de si e de dar a vida. É amar na gratuidade, sem esperar nada em troca. Ainda mesmo o céu como recompensa! Se Deus não tivesse nada a nos dar, continuaríamos a fazer o bem!

Podemos falar então de um amor como dom e de um amor como missão. O amor como dom é a entrega generosa, gratuita de Deus por nós em Jesus. Já o amor como missão é nossa capacidade de amar, fundada no amor primeiro, o de Jesus. Ele nos dá a missão de fazer multiplicar seu amor no mundo. “Nisto meu Pai é glorificado: que deis muitos frutos e vos torneis meus discípulos” (Jo 15,8).

A dinâmica do amor de Deus também não é geral: amar todo mundo indistintamente, como uma massa informe. Não! Ele ama a todos e a cada um individualmente. Tem uma amizade criadora e íntima para cada um que acolhe seu amor manifestado em Jesus.

O amor por vezes deve enfrentar as potências da morte. O amor defende a vida ameaçada, enfrenta perseguição, suporta desaforo, humilhação e maledicência por causa da justiça, da vida e da paz. Essa dimensão do amor deve ser levada em conta para não pensarmos que o amor é somente uma atitude de benevolência passiva para com alguém. Às vezes precisamos enfrentar perseguição e morte. Jesus dizia: “Se o mundo vos odeia, sabei que primeiro odiou a mim” (Jo 15,18).

No amor de Jesus não há manipulação, dominação ou submissão. É um amor que liberta, que dá autonomia, confiança. Quando Jesus nos envia a produzir frutos não é uma carga pesada que ele coloca em nossos ombros, mas é participação na missão que Ele recebeu do Pai. É comunhão com Jesus e com os irmãos. Onde há comunhão, solidariedade, doação o peso fica mais leve.

Quando Jesus diz “permanecei no meu amor” ele não fala de permanecer em uma religião, mas no seu amor. Significa que, ser cristão não é questão de doutrina, mas de amor. O fundamental da fé cristã é não se desviar do amor. É “guardar seus mandamentos”. O seu mandamento é o amor fraterno. Esse mandamento não pode ser um peso, mas fonte de alegria.

Quando falta o verdadeiro amor, caímos no vazio, na falta de sentido para a vida, na tristeza. Jesus veio preencher nosso vazio de sentido com a alegria verdadeira gerada pelo amor sem medida. É o amor que gera alegria. Sem amor cultiva-se um cristianismo triste, ressentido, pesado, insuportável.

Por vezes em nossas comunidades cristãs sobra tristeza. O peso das normas e leis, da falta de acolhida, da incompreensão, do desejo e busca de poder e de dominação dentro da comunidade, do preconceito e desprezo aos mais pobres e pequenos deixa um rastro de dor, de tristeza, de desencanto. Sente-se também a falta de convicção na fé. É a convicção que nos leva a reproduzir na vida o modo de vida de Jesus, o seu mandamento: “Amai-vos uns aos outros”.

Vamos tornar mais leves nossas relações através de uma fé mais convicta, de um seguimento mais radical a Jesus, de uma atenção e compreensão a cada um na sua necessidade e dificuldade. “Para que a minha alegria esteja em vós”. A fé cristã precisa trazer mais alegria ao mundo e à vida das pessoas, começando pela nossa família, pelos companheiros de trabalho, pelas nossas comunidades.

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN