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Compaixão é a chave da porta do céu

aureliano, 28.03.25

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4º Domingo da Quaresma [30 de março de 2025]

[Lc 15,1-3.11-32]

O evangelho de hoje situa-se num contexto de dois grupos em torno de Jesus. Por um lado verifica-se a proximidade de Jesus dos publicanos e pecadores. Por outro, estão os escribas e fariseus em constantes críticas a Jesus por acolher essa “gentalha”.

O capítulo 15 de Lucas contém três parábolas que expressam a misericórdia de Deus. A escolhida para hoje, a do Pai misericordioso, que nos ajuda a identificar as intenções de Jesus e daqueles que estão à sua volta.

Não podemos perder de vista os três personagens principais da parábola: o pai, o filho mais novo e o filho mais velho. Aqui Jesus quer mostrar o rosto misericordioso de Deus. Se a gente quer saber quem é Deus, essa parábola no-lo revela.

O filho mais novo: ao longo da história esse personagem ocupou o centro das homilias e reflexões. Tanto é verdade que a parábola recebeu a alcunha de “parábola do filho pródigo”. Acentuou-se muito a atitude “errada” do filho mais novo. Foi um esbanjador, desnaturado, inconsequente. E ainda volta para casa pedindo pão depois de ter esbanjado os bens com sem-vergonhice! O acento sobre os erros do moço obnubilavam o amor do pai.

O filho mais novo tem uma vontade enorme de autonomia, de fazer o que deseja. O grande problema é que ele não o faz em diálogo, mas em ruptura. Rompe com o pai, com o irmão, substituindo-os pelos bens. A busca de autonomia absoluta coloca o ser humano em grande pecado: torna senhor absoluto de si mesmo. Atropela todo mundo à sua volta.

A busca dos bens e o desejo insaciável do consumismo não é outra realidade senão a busca de locupletar-se, de saciar-se totalmente. Algo impossível ao ser humano. Já rezava Santo Agostinho: “Meu coração estará inquieto enquanto não repousar em ti, ó Senhor!”. É preciso deixar espaço para a sede, para a falta, para a insatisfação. Essa “falta” é a brecha pela qual Deus, sentido absoluto de nossa existência, pode entrar em nossa história e nos reconstruir.

Por isso seria bom refletir sobre aquele hino que costumam cantar com muito entusiasmo: “O meu coração deseja te encontrar / Como a terra seca anseia pela chuva / Vem me saciar! Pois eu descobri / Que aqui é o meu lugar”. Essa letra parece ter como base o Salmo 63 (62) em que o salmista eleva ao Senhor sua prece na desolação de estar em terra estrangeira, longe do templo, da terra e de Deus, no exílio da Babilônia: “Ó Deus, tu és o meu Deus, eu te procuro. Minha alma tem sede de ti, minha carne te deseja com ardor, como terra seca, esgotada, sem água. Sim, eu te contemplava no santuário, vendo teu poder e tua glória” (Sl 63,2-3). É bom que mantenhamos dentro de nós esse anseio pelo infinito, essa busca pelo sentido da vida, essa sede por Deus. Do contrário, uma vez saciados, podemos nos esquecer da Fonte de vida. Aliás, somente na eternidade seremos plenamente saciados. É bom pedir ao Senhor que mantenha em nós a fome e a sede da presença dele junto a nós.

O pai: a figura mais importante do relato. Não se importou que o filho o considerasse morto - só se distribui a herança após a morte! Tendo recebido a herança, saiu de casa. E o pai não se lhe opôs em nada. E depois que partira, o aguardava compassivo: “O pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos” (Lc 15,20).  O abraço, as sandálias, o anel, o banquete, a festa...! Sinais da alegria pelo retorno do filho. Não lhe faz nenhuma cobrança, nenhum acerto de contas. “Este meu filho estava morto e tornou a viver. Estava perdido e foi encontrado”.

Ao invés de aplicar-lhe um corretivo e fazê-lo pensar sobre o que fizera, o pai supera a lógica humana num excesso de misericórdia. Esta consiste precisamente em dar ao outro o que ele não merece. Se quisermos ser pessoas moderadas, justas, podemos e devemos sê-lo. E seremos pessoas boas. Mas se quisermos ser “misericordiosos como o Pai”, transformando as pessoas pelo amor, cultivemos a misericórdia que é um amor em excesso.

É assim que Jesus experimenta Deus. Qualquer teologia ou catequese que não experimenta nem comunica o Deus manifestado nesta parábola e impede as pessoas de experimentar Deus como um Pai respeitoso e bom, que acolhe e perdoa o filho perdido, não provém de Jesus nem transmite a Boa Notícia que Ele pregou.

O filho mais velho: normalmente ficava esquecido nos comentários tradicionais. Sua atitude, na parábola, revela a postura daqueles que estão “dentro de casa”, mas com o coração longe. Cumpridores de normas e regras, sem nenhum sentimento de amor e de fraternidade.

“Esta é a tragédia do filho maior. Nunca saiu de casa, mas seu coração está sempre longe. Sabe cumprir mandamentos, mas não sabe amar. Não entende o amor de seu pai ao filho perdido. Ele não acolhe nem perdoa, não quer saber de seu irmão” (Pe. Antônio Pagola). O retorno do irmão não lhe causa alegria como a seu pai, mas raiva. Fica indignado e recusa-se a “entrar” na festa.

É preciso notar que o pai tem, também para com ele, uma atitude de carinho, de acolhida. Insiste para que “entre”. Manifesta-lhe o motivo da alegria. Esse filho passou toda a vida cumprindo ordens do pai, mas não aprendeu a amar seu irmão. Só tem palavras para diminuir o irmão que errou.

O “filho mais velho” nos interpela a nós que acreditamos viver juntos do Pai. O que fazemos, nós que não “abandonamos” a Igreja? Sabemos compreender quem “saiu”, quem vive na “irregularidade” matrimonial? Compreendemos as fraquezas e misérias de cada um? Como lidamos com os que vivem crise de fé? O que fazemos para atrair ou reconduzir os afastados? E a festa do Pai, fica para quem? Ele não a preparou para todos?

Embora pareça mais integrado do que o filho mais novo, demonstra imaturidade quando manifesta dura competitividade com ele. Nem mesmo com o pai parece estar bem integrado. Mostra-se amargo, murmurador, ressentido, preso em sua própria rigidez e sentimento de inveja. Seu problema não parece ser com a lei, mas com a generosidade.

O passo que precisa ser dado, tanto para o filho mais novo como para o filho mais velho, para aceitação de si, acolhendo as próprias carências e fraquezas, é sempre muito doloroso. Mas altamente fecundo. Sem esse passo, fica-se nas guerras entre irmãos e pais, na busca frenética de “ganhar a guerra”.

Na verdade, há aqui um ensinamento de Jesus sobre a teologia da retribuição: um modo de se compreender o ser e o agir de Deus. Um Deus que reage às nossas ações. Ele retribui de acordo com nossas ações. O filho mais velho representa aqueles que entendem as relações com Deus como prêmio ou castigo. Quem merecer, receberá as bênçãos de Deus. Quem não merecer, será punido. A salvação seria fruto do merecimento pessoal, e não da graça de Deus. Jesus quer mostrar que Deus é totalmente Outro. Que nosso modo de ver e de julgar não tem nada a ver com o modo de ver e de julgar de Deus. A justiça de Deus é diferente da nossa que, geralmente, é punitiva. Jesus quer corrigir nossa visão de Deus para não cairmos na idolatria que é uma falsa imagem de Deus. E assumirmos uma justiça restaurativa, recuperadora do ser humano.  “Quanto os céus estão acima da terra, tanto os meus caminhos estão acima dos vossos caminhos. E os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos” (Is 55,8).

Concluindo

“O filho mais novo sonhou felicidade com vida de independência e de liberdade, e voltou espoliado, esfarrapado, faminto e sem dignidade... ‘Longe’ da casa do Pai, não encontrou a felicidade desejada. A fome fez ter saudades da casa do Pai, e a lembrança da bondade do Pai o animou a voltar...

O Filho mais velho é um ‘bom filho’, sóbrio, obediente e trabalhador... mas não é um bom irmão. Não aceita a volta do irmão, nem mesmo o amor do Pai, que o acolheu...

Podemos até abandonar a nossa dignidade de filhos. Deus, porém, não abandona a sua missão de Pai.   Deus sai à procura dos perdidos e festeja porque são resgatados... A ação do Pai reflete a atitude de Jesus e deve ser também a nossa” (www.buscandonovasaguas.com).

Esta parábola nos revela que o Pai do céu não é propriedade de ninguém, de nenhuma religião, de nenhuma Igreja. Ele quer salvar a todos. Tem compaixão de todos, indistintamente. A única atitude que Ele pede é de abertura, de acolhida do seu amor.

Nossas atitudes se aproximam mais das atitudes de quem? Do filho mais novo? Do filho mais velho? Do pai?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Colaborar com a ação de Deus

aureliano, 21.03.25

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3º Domingo da Quaresma [23 de março de 2025]

[Lc 13,1-9]

Nossa preparação para Páscoa continua. É um caminho de conversão. No batismo fomos purificados do mal, iluminados por Cristo, ressuscitados para uma vida nova. A caminhada neste mundo nos coloca em situação de risco permanente. As tentações nos empurram para o mal, ao egoísmo, ao rompimento da aliança com Deus. Consequentemente brota a necessidade de um caminho cotidiano de conversão, de busca de uma interioridade mais profunda que nos leve à Fonte e Raiz de nossa vida.

TEOLOGIA DA RETRIBUIÇÃO X SINAIS DE DEUS

O evangelho deste domingo traz dois relatos distintos: o primeiro é a crueldade de Pilatos assassinando galileus que, provavelmente, se opuseram à invasão e assalto do cofre do Templo por parte do Governador, e a catástrofe da torre de Siloé que, ao cair, mata 18 pessoas; o outro relato é a parábola da figueira estéril. No primeiro caso temos uma situação que mexe bastante com o imaginário popular: atribuir catástrofes e acidentes a castigo divino. Está em jogo a teologia da retribuição, condenada por Jesus. Este diz enfaticamente: “Pensais que eram mais pecadores do que todos os outros?” E acrescenta um “Não” definitivo. O Deus anunciado por Jesus é misericordioso e quer a salvação de todos.

Podemos dizer que as catástrofes naturais ou criminosas são um recado de Deus para nós. Quando a gente menos espera, nossa vida pode estar terminando. É preciso, pois, vigiar. Por isso mostra-se oportuna a palavra de Jesus: “Se não vos converterdes ireis morrer todos do mesmo modo”. Jesus aproveita-se desses acontecimentos para dar um ensinamento sobre o juízo de Deus e a necessidade de permanente conversão.

As catástrofes e horrores pelos quais o Brasil e o mundo têm passado são reveladores de opções desastrosas que governos e empresários (pretensos donos do poder) têm feito. Estão na contramão da vida, do evangelho, da salvação. Uma cultura de violência e de dominação, alimentada pela sede do lucro, pela falta de sentido de vida, pelo ódio e desejo de vingança tem ceifado milhares de vidas. Onde está o evangelho em nossa Nação que se pretende cristã, católica? Onde estão os projetos de políticas públicas que visem às ações de cuidados para com a vida? Administradores públicos, parlamentares, judiciários que realmente se empenhem pela vida, abrindo mão de seus interesses perversos! Os sinais de morte apontam para caminhos que precisam ser refeitos a partir do Evangelho. Surgem sinais claros de que precisamos nos converter.

Conversão: eis o conceito que a liturgia de hoje quer destacar. Todos os acontecimentos devem ser lidos à luz de Deus como um sinal indicador de um caminho sempre novo que precisamos assumir. Um retornar e renovar constantemente a aliança e a consagração batismal. A busca incessante do seguimento a Jesus.

A sociedade propõe vida fácil, consumismo, preocupação com o bem-estar pessoal acima do interesse coletivo, corrupção descarada, favorecimento do banditismo, sucesso financeiro, capa religiosa e moral para encobrir falcatruas, busca de fama e sucesso etc. E as atitudes verdadeiramente cristãs vão se perdendo pela vida afora. Se o cristão quiser se firmar no caminho da salvação precisa voltar seu olhar para Jesus Cristo. Seu parâmetro de ação deve ser sempre o Evangelho.

CULTIVAR A FIGUEIRA: PACIÊNCIA E CUIDADOS

A parábola da figueira estéril provoca alguns questionamentos em nós: Para que serve uma religião sem conversão? Um culto sem mudança de atitudes? Um aparato religioso sem transformação social? Para que serve uma comunidade que vive de aparência? Para que um templo muito bonito e enfeitado, se a Igreja viva, que são as pessoas, está abandonada, às traças? Que adianta rezar e pregar dentro do templo se as pessoas continuam sofrendo por falta de cuidados, de remédio, de educação, de amparo, de afeto, de presença, de segurança, de pão, da alegria de viver? São dois lados de uma mesma moeda: não se pode viver uma dimensão e esquecer-se da outra. A fé salva, mas quem salva esta fé que salva é a caridade, atos concretos, comprovados (cf. Gl 5,6). É o que chamamos de fé e vida.

Vale a pena cultivar a figueira. Ter um pouco de paciência. Mas se não se cavar e colocar adubo, ficará do mesmo jeito! Ou seja, é preciso instaurar um processo de transformação no terreno, ao redor do pé da figueira para que ela produza. É o processo que nos faz sair de nós mesmos. Quando gastamos a vida cuidando de uma pessoa pobre, ajudando a levar adiante um projeto social, visitando e cuidando de um doente, assumindo a responsabilidade familiar, vivendo e trabalhando de modo coerente, honesto e justo: esse empenho é que faz a diferença. São os frutos que o Agricultor quer encontrar. Do contrário, para que ficar ocupando a terra em vão? Que sentido tem ocupar um lugar na Criação se nossa vida não contribui para a construção de um mundo melhor? Que sentido faz ocupar um cargo de influência se o faço em benefício próprio? Para que assumir ministérios na comunidade se os assumo como cargos e funções que me dão reconhecimento social e não como serviço humilde e desinteressado aos irmãos?

É claro que a parábola nos convida à paciência! É preciso saber esperar. O tempo é de Deus. Mas não se pode deixar tudo para o final. E se não der mais tempo? O tempo de Deus é hoje. Não se pode contar com o amanhã. Não dizemos que o dia de amanhã pertence a Deus? Então! Não basta comer da “comida espiritual” nem beber da “bebida espiritual” (cf. 1Cor 10,2-3). Paulo emenda: “No entanto, a maioria deles não agradou a Deus” (1Cor 10,5). Por isso “Quem julga estar de pé tome cuidado para não cair” (1Cor 10,12).

*Campanha da Fraternidade 2025: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31).

“Apesar de a sociedade contar com dados científicos e com os alertas proféticos das religiões, há grupos que promovem ideologicamente a negação das mudanças climáticas (Laudate Deum, n. 5-10). Dizem que elas não existem e por isso não devemos nos preocupar. Isso gera confusão e dúvida entre as pessoas, dificultando a conversão ecológica e a onseqüênci prática de ações concretas para lidar com desafios climáticos. Felizmente, a maioria da população está ciente das mudanças climáticas e vivencia diariamente as onseqüências dessas mudanças em níveis locais e regionais. O movimento de conscientização socioambiental tem ganhado força nas últimas décadas, especialmente entre os jovens, que demonstram maior sensibilidade a essas questões” (Texto-Base, n. 41).

Atitudes:

  1. Contemplar a Ecologia Integral como questão transversal que perpassa toda a nossa ação eclesial nos Planos Diocesanos, Paroquiais e Comunitários de Evangelização e Pastoral.
  2. Organizar retiros, caminhadas e Vias-Sacras ecológicas, com o objetivo de despertar a consciência socioambiental.
  3. Criar hortas comunitárias agroecológicas, incentivando a partilha dos alimentos produzidos, beneficiando as pessoas mais pobres.
  4. Combater a cultura das queimadas, que concebe o fogo como solução e conscientizar as pessoas sobre as suas trágicas consequências.
  5. Incentivar e apoiar a coleta seletiva e a reciclagem nas comunidades e paróquias, junto às cooperativas de catadores, para promover educação ambiental e apoiar a economia circular.
  6. Promover o cultivo de plantas medicinais e a capacitação e implementação de farmácias comunitárias alternativas.
  7. Assumir ações comuns, tais como utilização de energia solar, a reutilização da água da chuva, o plantio de mudas de árvores nativas e/ou a abolição do uso de descartáveis etc., em todas as comunidades e paróquias de uma Forania ou Diocese. (Texto-Base, n. 157. B).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Escutar Jesus para transfigurar as vidas

aureliano, 14.03.25

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2º Domingo da Quaresma [16 de março de 2025]

[Lc 9,28b-36]

O segundo domingo da quaresma apresenta-nos o relato da Transfiguração do Senhor. Antes de tudo é preciso notar que Jesus “subiu a montanha para rezar”. Lucas é o evangelista que mostra a particularidade da oração na vida de Jesus. E não vai rezar sozinho desta vez. Leva consigo alguns dos discípulos. Na oração, seu rosto se transfigura e sua roupa torna-se brilhante. Parece que este relato quer-nos dizer que nossa oração precisa nos transfigurar, nos encher de luz. Fomos iluminados no batismo. Essa luz precisa ganhar cada vez mais força. É a luz de Deus. O pecado quer sempre obscurecê-la. Por isso a necessidade da luta permanente contra o pecado, pois obscurece a mente e o coração.

A propósito do pecado que obscurece a mente e endurece o coração, podemos interpretar que, ao chamar esses três - Pedro, Thiago e João - Jesus tencionava trabalhar o coração deles para melhor compreensão de sua pessoa e missão. Pedro queria demover Jesus do caminho de fidelidade ao Pai (cf. Mt 16,22); renegou o Mestre (Jo 18,17); recusou que lhe lavasse os pés (Jo 13,6-9). Thiago e João, filhos de Zebedeu, pediram para ocupar os primeiros lugares, ambicionando poder e glória (Mc 10,35ss). Pediram castigo para aqueles samaritanos que se recusaram receber Jesus (cf. Lc 9,54). Enfim, esses três precisavam de fazer uma experiência mais profunda a fim de perceberem quem era mesmo Jesus. Então não foram chamados e escolhidos para estarem com o Mestre por serem melhores do que os outros, mas por necessitarem de fazer um caminho de luz e conversão. Nas palavras do Evangelho, precisavam ser transfigurados.

A sonolência de Pedro e demais companheiros simboliza nossa indolência diante da graça e da vida em Deus. Paulo, que compreendeu bem a oposição entre pecado e graça, trevas e luz, exorta: “Eis a hora de sairdes  do vosso sono; hoje, com efeito, a salvação está mais próxima de nós do que no momento em que abraçamos a fé. A noite vai adiantada, o dia está bem próximo. Rejeitemos as obras das trevas e revistamos as armas da luz. Comportemo-nos, honestamente, como em pleno dia, sem comezainas nem bebedeiras, sem licenciosidades nem devassidões, sem brigas nem invejas. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Rm 13,11-13).

Diante da beleza contemplada, Pedro manifesta o desejo de ficar por ali: “Mestre, é bom estarmos aqui”. Mas ele “não sabia o que estava dizendo”. Pensava que era suficiente estar na montanha em oração. Não queria “descer para Nazaré”. As “Nazarés” da vida são o lugar de confronto com aquilo que rezamos no “monte”. Uma oração que não se encarna na realidade, no cotidiano da vida, não faz sentido. É oca, vazia, alienante como os ídolos que são um “nada” (1Cor 8,4; Sl 96,5). Buscamos a Deus para enfrentar os embates da vida e estes nos fazem buscar a Deus.

Além do mais, Pedro pensou em três tendas iguais. Não soube distinguir o rosto do Senhor. Moisés e Elias não estavam no mesmo nível de Jesus. Seus rostos não resplandeciam. É preciso distinguir o rosto do Senhor. A palavra do Pai é reveladora do seu Filho: alguém a quem se deve escutar: “Este é o meu Filho, o Eleito; ouvi-o” (Lc 9,35). Jesus deve ser sempre ouvido. Nossas decisões, atitudes, gestos devem se inspirar nele.

O rosto transfigurado de Jesus nos leva a pensar nos rostos desfigurados de tantos sofredores, oprimidos, esquecidos, “invisíveis”, marginalizados, vítimas das tragédias-crime. Sobretudo de rostos de jovens violentados, assassinados, desencaminhados, desesperançados, usados, desiludidos. Os rostos dos idosos abandonados, maltratados, incompreendidos, desprezados. Rostos de estudantes sem vibração, desiludidos, amedrontados, sem sonhos. Rostos de educadores cansados, desvalorizados, desencantados. O rosto da Mãe Terra envenenada, maltratada, sucateada. Tanto a Casa Comum como as pessoas esperam por uma reconfiguração à imagem de Jesus. Essa missão é nossa. Como dar uma figura renovada a esses rostos? O que estamos fazendo?

A voz que brota da nuvem confirma Aquele que foi transfigurado: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que ele diz”. Jesus, transfigurado na montanha, mostrou aos discípulos a beleza de sua interioridade. Habitado pelo Pai e pelo Espírito Santo. Portanto, eles podiam ouvi-lo e segui-lo sem medo, pois é o Filho querido do Pai. Não vão se decepcionar nem se frustrar. É habitado pela divindade e quer transmiti-la àqueles que nele acreditam e o seguem. Quem se compromete com Jesus é tomado por essa Luz e será também transfigurado na ressurreição dos justos.

Ali estavam Moisés e Elias, figuras representativas da Antiga Aliança: a Lei e o Profetismo. A voz do Pai, porém, não pede para ouvi-los, e sim, o Filho. Escutar o que Jesus diz é o que dá identidade à fé cristã. Não basta olhar para Jesus. Não basta admirar a vida que ele levou nem o que ele fez. É preciso nos comprometermos com ele, ouvindo e colocando em prática seus ensinamentos. Assumindo em nossa vida a forma de vida de Jesus (cf. Fl 2,5).

A escuta deve ser a primeira atitude do discípulo. Ouvir é interiorizar, colocar dentro do coração aquela realidade que cremos, em que esperamos. No meio da nuvem os discípulos ficaram com medo. E escutaram a “voz” que lhes trouxe conforto e esperança. Assim também ocorre conosco: em tempos nebulosos, e acometidos pelo medo, o Senhor sempre suscitará uma “voz” e pronunciará uma palavra que desperta a esperança e afugenta o medo. Em tempos de proclamação de muitas vozes, há que se retirar ao “monte” para ouvir e discernir a voz do Pai.  Jesus é a voz, a palavra do Pai. Escutemo-lo. Confiemos nele. Ele não nos decepciona!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Combater o espírito do mal

aureliano, 07.03.25

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1º Domingo da Quaresma [09 de março de 2025]

[Lc 4,1-13]

Estamos vivendo esse tempo rico de bênçãos e graças na Igreja. Tempo de revisão de vida, de exame de consciência, de retomada dos compromissos batismais. Quaresma lembra os quarenta anos de caminhada do Povo de Deus no deserto rumo à Terra Prometida. Lembra também os quarenta dias de jejum e oração vividos por Jesus no deserto.

O evangelho de hoje nos remete à situação de tentação vivida por Jesus. No final de um tempo profundamente marcado por Deus ele é tentado pelo diabo. No início parece até contraditório. Como é que a tentação pode ocorrer logo após um tempo forte de oração e jejum? O diabo não deveria estar bem longe? Pois é! A vida de Jesus vem nos mostrar que nunca estamos livres das tentações do maligno. Quanto mais próximos de Deus, mais tentados pelo diabo. A vida de oração não nos garante a isenção de tentações. Garante, sim, a força de Deus para enfrentarmos e vencermos o mal, como aconteceu com Jesus.

O relato das tentações de Jesus não é um relato jornalístico, como se alguém estivesse filmando ou descrevendo tudo o que estava acontecendo a Jesus. Não! É relato de um episódio que visa à catequese da comunidade. A experiência de Jesus é a experiência do discípulo que se compromete a seguir Jesus, mas enfrenta muitas tentações. Partindo deste princípio, podemos afirmar que, na verdade, Jesus não foi tentado somente em um dado momento, mas durante toda a sua vida o diabo buscou desviá-lo do cumprimento da vontade do Pai. O que importa é que ele sempre foi vencedor: nunca se deixou levar pelo diabo.

Primeira tentação: Quando Jesus sente fome o diabo se apresenta para que Jesus mude a pedra em pão: “Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se transforme em pão” (Lc 4,3). O diabo nos quer pegar em nosso ponto fraco. E também nas coisas mais cotidianas: sorrateiramente. Jesus recorre sempre à Palavra de Deus. Esta é o remédio eficaz contra as tentações: “Não só de pão vive o homem”. O pão é a necessidade primeira, básica. Mas comida não preenche o mais profundo do ser humano (cf. Rm 14,17). A vida em Deus é alimento imprescindível.

Ainda mais: o pão cotidiano precisa ser investido pelo Espírito. Dom José Tolentino, pregador do retiro para a Cúria Romana em 2018, dizia que se o “nosso pão for mais que pão, se ele se deixar atravessar pela Palavra que sai da boca de Deus, ele alcançará uma potência que o simples pão não tem, e poderá tornar-se alimento para muitas fomes” (Elogia da sede, p. 103).

Ademais, Jesus não veio para atender a ordens do diabo nem a interesses próprios, mas para fazer a vontade do Pai. Mais tarde multiplicará os pães para saciar a fome de uma multidão. - Como temos alimentado nosso espírito? Que temos lido? A que programas de televisão assistimos? Que sites acessamos? Como anda a ganância dentro de nós? Que ambientes temos frequentado em nosso lazer? Qual o nível de nosso comprometimento com as Políticas Públicas: participação nos Conselhos de Saúde, de Segurança, de Assistência Social, de Educação, Audiências Públicas, Câmara Municipal, Organizações que trabalham em favor dos mais pobres? A tentação é sempre fugir, deixar pra lá: “Isso não é problema meu!”. Mas se implica o bem, a saúde, a educação do meu irmão, implica também a mim. Por vezes somos afetados pelo sentimento invejoso e insensível que invadiu o coração de Caim. Questionado pelo Senhor a respeito do destino de seu irmão Abel, responde: “Acaso sou eu o guarda do meu irmão?” (Gn 4,9).

Segunda tentação é a do “poder e glória”: “Eu te darei todo este poder com a glória destes reinos, porque ela me foi entregue e eu a dou a quem eu quiser. Por isso, se te prostrares diante de mim, toda ela será tua” (Lc 4,6-7). Essa tentação é terrível. Há muita gente ‘ajoelhada’ diante do diabo, como se estivesse diante de Deus, para conseguir “poder e glória”. Tem gente que ‘vende a alma para o diabo’ para conseguir sucesso, poder e dinheiro. Perde todas as referências éticas em troca do poder e do dinheiro. É uma das grandes tentações de nossos tempos. É a manipulação da religião para dominar, para enriquecer-se, para se ter sucesso. É servir-se da religião para conquistar bem-estar, prestígio, fama, eleição e cargos políticos.

Nestes tempos em que a Igreja tem perdido prestígio e influência social, sofre fortemente a tentação de se aproximar do poder podre e corrupto dos grandes deste mundo. Jesus responde que somente a Deus devemos servir e adorar. E diante dos poderosos a Igreja precisa ser sempre profética.

Essa tentação se vence com a busca de um olhar compassivo e misericordioso sobre os irmãos mais necessitados. O serviço a Deus dá-se nos ‘pequeninos’ do Reino. Todo cuidado é pouco, pois o diabo se traveste de ‘deus’ para enganar os dominados pela cobiça. Ou melhor, os cobiçosos colocam no diabo uma capa ‘divina’ para ‘subirem na vida’.

Há uma reflexão interessante também de Dom José Tolentino sobre essa tentação: “É como se Deus tivesse de se submeter às condições que consideramos necessárias para podermos acreditar nele. Se ele não cumpre essa proteção prometida, do modo que nós desejamos ver cumprida, as certezas da nossa fé vacilam. Se ele não satisfaz imediatamente as nossas múltiplas sedes, ficamos logo atordoados sem saber se ele está no meio de nós ou não (Cf. Êx 17,1-17). Nós queremos a nossa sede satisfeita para podermos acreditar. Jesus nos ensina a entregar o silêncio, o abandono e a sede como oração. Nós queremos amar a Deus por aquilo que ele nos dá. Aprendemos progressivamente, porém, como essa forma de ver se torna um lugar de tentação. Madre Teresa de Calcutá dizia: ‘Quero amar a Deus por aquilo que ele tira’” (Elogio da sede, p. 104-105).

Terceira tentação se dá no pináculo do templo de Jerusalém: “Se és o Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: ‘Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito para que te guardem’” (Lc 4,9-10). É a tentação da vanglória, da ostentação, do desejo de aparecer, de jogar nossas responsabilidades nas mãos de Deus, do uso da religião para manipular as pessoas. Nessa tentação, a última cartada, o diabo busca desviar Jesus de sua missão com uma capa de cumprimento das Escrituras. Deus o ampararia e todo mundo iria acreditar nele. Jesus, porém, não se deixa levar por essa proposta. Mostra que a Deus não se deve tentar. Ou seja, não se pode jogar para Deus aquilo que é responsabilidade do ser humano. Essa tentação mostra explicitamente o uso da religião para busca de sucesso. Quanta gente anda atrás de promessa, de milagres, de adivinhações, de revelações etc. Na verdade, cada um deveria assumir seu papel na sociedade. Nesta tentação Jesus mostra que nunca colocará o Pai a serviço de si, mas se colocará sempre a serviço dos pequenos, lavando-lhes os pés, como realização do desejo do Pai.

 Como cristãos o Senhor nos chama a lançar sobre o mundo um olhar de misericórdia. Ele nos convida a deixarmos de buscar a nós mesmos, nosso bem-estar, nossos desejos realizados, nosso sucesso e voltarmos nosso olhar para fora, para o outro. O rosto do outro precisa me interpelar, me incomodar e me desacomodar. Essa foi a atitude que Jesus assumiu diante do Pai. É diabólico organizar uma religião como um sistema de crenças e práticas para se conseguir segurança. Não se constrói um mundo mais humano refugiando-se cada um em sua religião. É preciso arriscar-se confiando em Deus, como Jesus.

“O culto do poder faz do poder um ídolo, qualquer que ele seja. Torna o domínio e a posse a suposta fonte de felicidade e de sentido. - ‘O que faço do poder?’ ‘O que o poder faz de mim?’ - Há um risco enorme quando o poder nos afasta da Cruz. Quando ele deixa de ser um serviço aos irmãos e se torna delírio da autoafirmação e da  autorreferencialidade. Jesus se recusou determinantemente a ajoelhar-se diante de Satanás, mas ajoelhou-se voluntariamente diante dos discípulos para lavar-lhes os pés (cf. Jo 13,1-5). (Tolentino em Elogio da sede, p. 106-107).

As tentações pelas quais passou Jesus são também nossas. É a tessitura do dia-a-dia da vida cristã. O empenho pelo bem tem como desafio a luta contra o mal. É a tentativa do diabo em arrancar de nós a Palavra. Quando não consegue esmorecer a pessoa, tenta sufocar a Palavra em seu coração, alimentando preocupações com prazeres e riquezas (cf. Lc 8,4-15). Quer nos desviar do Caminho.

Alimentemos em nós o espírito que animava Jesus. Ele teve a coragem de “perder” a sua vida por causa de nós. “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9,23-24). A Palavra de Deus guardada no coração e colocada em prática é a grande arma que o Pai nos deu para não nos deixarmos vencer pelas tentações do inimigo.

Você consegue identificar quais são as tentações que, na sua vida, buscam desviá-lo do seguimento de Jesus, do cumprimento da vontade do Pai?

*Campanha da Fraternidade:

“Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo se torna cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. (...) A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. (...) Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e juntos podemos forjar soluções includentes” (Carta da Terra, Tex-Base CF 2025, n. 31).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Oração, Jejum e Esmola: um sentido de vida

aureliano, 04.03.25

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Quarta-feira de Cinzas [05 de março de 2025]

[Mt 6,1-6.16-18]

Não nos é dado saber com certeza data e local precisos do surgimento da Quaresma na vida litúrgica da Igreja. O que sabemos é que ela foi se formando progressivamente. Estava entranhada na consciência dos cristãos a necessidade de dedicar um tempo em preparação à celebração da Páscoa do Senhor. As primeiras alusões a um período pré-pascal estão registradas lá pelo século IV. Consta também que, na Quinta-Feira Santa, acontecia a reconciliação dos pecadores; e que na Vigília Pascal se realizavam os batizados dos catecúmenos (aqueles que estavam preparados para o batismo). Esses dois costumes, vividos desde a antiguidade da fé cristã, vem mostrar que esse tempo nos remete à renovação das promessas batismais ou preparação para o batismo e a práticas penitenciais que nos levem a uma conversão profunda do coração.

A propósito desse elemento da história, o Concílio Vaticano II recomenda: “Tanto na liturgia quanto na catequese litúrgica, esclareça-se melhor a dupla índole quaresmal, que, principalmente pela lembrança ou preparação do batismo e pela penitência, fazendo os fiéis ouvirem com mais frequência a Palavra de Deus e entregarem-se à oração, os dispõe à celebração do Mistério Pascal. Por isso, utilizem-se com mais abundância os elementos batismais próprios da liturgia quaresmal; segundo as circunstâncias, restaurem-se certos elementos da tradição anterior. Diga-se o mesmo dos elementos penitenciais” (SC 109).

É bom entender que a Quaresma não é um tempo de práticas penitenciais ultrapassadas, mas é um tempo de experiência de um Deus que está vivo no nosso meio e quer que todos vivam: “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). Um tempo em que somos chamados a participar dos sofrimentos de Cristo para participarmos também de sua glória (cf. Rm 8,17). O acento não está, portanto, nas práticas de penitência, mas na graça santificadora do Senhor que nos convida todos os dias à conversão.

Por possuir um caráter fundamentalmente batismal, a Quaresma nos convida a entrar numa dinâmica de permanente conversão para nos mantermos no caminho encetado pelo batismo. Mortos com Cristo, ressuscitamos com ele para uma vida nova. Quem ressuscitou com Cristo busca as “coisas do alto”. Compromete-se com a vida de todas as pessoas, particularmente com aqueles que não contam, que não são visíveis aos olhos da sociedade, os “sobrantes”.

As três práticas propostas pela Igreja, com raiz na tradição judaica são a oração, o jejum e a esmola. Elas nos ajudam no processo de conversão.

O JEJUM quer nos ajudar a deixar de lado o consumismo proposto por uma sociedade governada por ricos e poderosos que querem ganhar sempre mais à custa dos pobres. Querem arrancar o pouco que o pobre tem. Neste tempo é bom a gente aprender a viver com pouco, a reaproveitar as coisas, a levar uma vida mais simples, mais sóbria. Não se trata de passar necessidade ou fome, pois não é isso que Deus quer. Mas a gente pode viver de modo mais simples sem entrar no modismo da sociedade consumista que mata e exclui. Mais do que jejuar, talvez fosse muito proveitoso evitar o desperdício, jogar o lixo na lixeira, manter limpo os espaços públicos; cuidar das fontes e rios; usar a água tratada com mais consciência, como dom do Pai; reutilizar resíduos e água; preocupar-se e solidarizar-se com quem passa necessidade; superar toda forma de violência; ser mais terno e comedido nas palavras; evitar ofender, maldizer; ser mais paciente no trânsito; tomar as dores e defender aqueles que sofrem violência; promover a paz através do diálogo, da tolerância e do respeito às diferenças; maior empenho por uma educação que leve em conta a totalidade da pessoa humana; lutar por um sistema de saúde que trabalhe preventivamente e que cuide com zelo e responsabilidade dos doentes etc. Trata-se de um ‘esvaziar-se’ para encher-se dos sentimentos de Jesus; encher-se da bondade de Deus.

A ESMOLA quer despertar-nos para a solidariedade com os mais pobres. Uma conversão que nos torne capazes de partilhar com os outros os bens e os dons que temos. Que nos mobilize pelas causas justas, em favor dos menores, dos ‘invisíveis’, sem voz nem vez. É a luta contra a ganância que faz tantas vítimas em nosso meio. A esmola nos tira de nós mesmos e nos remete em direção dos irmãos pelo gesto da partilha solidária. Não se trata apenas de darmos algo de nós, mas darmo-nos a nós mesmos. A visita a um doente, idoso, pobre é um bom gesto que ajuda no processo de conversão. É a oferta do tempo que temos para nós e que doamos a alguém. A esmola ajuda a quebrar nosso orgulho, nos dispõe ao desapego dos bens e à partilha, nos aproxima de Deus. “Dar esmola é oferecer um sacrifício de louvor” (Eclo 35,2). E ainda diz a Escritura: “Quem dá a um pobre empresta a Deus, quem lho retribuirá senão ele?” (Pr 19,17).

A ORAÇÃO nos coloca numa profunda comunhão com o Pai. Sem uma vida orientada pela oração não podemos construir um mundo de acordo com o sonho de Deus. E a oração verdadeira é aquela que nos coloca em sintonia com o querer de Deus, que nos move em direção aos pobres e sofredores. Ele veio “para que todos tenham vida”. Aproveitar esse tempo para reforçar a leitura orante da bíblia. Rezar todos os dias algum texto bíblico! Oramos não porque Deus desconhece nossas necessidades, mas porque queremos nos entregar a Ele e descobrir a melhor forma de servi-lo nos irmãos. A Leitura Orante ilumina nosso caminho, nossa vida. Como reza um prefácio da Liturgia Eucarística: “Ainda que nossos louvores não vos sejam necessários, vós nos concedeis o dom de vos louvar. Eles nada acrescentam ao que sois, mas nos aproximam de vós” (Prefácio Comum, IV). Oramos para nos colocarmos na presença de Deus gratuitamente, generosamente. Talvez fosse bom redistribuir o tempo despendido às redes sociais: não deixar que os bate-papos e diversões da internet e séries de TV roubem o tempo da oração.

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A Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema: “Fraternidade e Ecologia Intetral”, com o lema: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Vejamos alguns números que nos ajudam a perceber a importância da temática:

“Novamente, Deus nos chama a vivenciar a Quaresma. Desta vez, porém, com um apelo especial a louvá-lo pela beleza da criação, e fazer um caminho decidido de conversão ecológica e a vivenciar a Ecologia Integral. É preciso despertar para “a grandeza, a urgência e a beleza do desafio” de cuidar da Casa Comum (LS, n. 15). Assim, renovados pela força do Espírito Santo, aprendemos a falar “a língua da fraternidade e da beleza na nossa relação com o mundo” criado (LS, n. 11). Então, ao nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe, brotarão do encantamento a sobriedade e a generosidade (cf. LS, n. 11). No dizer do Papa Francisco, “o mundo é  algo mais do que um problema a resolver; é um mistério gozosos que contemplamos na alegria e no louvor” (LS, n. 12). (Texto-Base, n. 5).

“Colaborar com pastorais, redes eclesiais e educacionais, organizações da sociedade civil, assumindo soluções concretas em defesa da nossa Casa Comum e dos mais pobres e vulneráveis.

Adotar um estilo de vida profundamente crítico e afastado do consumismo e mais focado em valores duradouros e definitivos, cientes de que o ato de comprar e consumir não é apenas econômico, mas um ato com exigentes implicações morais.

Priorizar a compra de produtos locais, orgânicos, vindos da agricultura familiar e agroecológica.

Optar por formas de transporte mais sustentáveis, como o transporte público e a mobilidade ativa, a carona solidária, a bicicleta e a caminhada” (Texto-Base, 156 A).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN