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Finados, Cemitério, Vida eterna

aureliano, 31.10.25

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Comemoração de todos os fiéis defuntos [02 de novembro de 2025]

[Mt 11,25-30 ou Mt 25,31-46 ou Jo 6,37-40]

Para o cristão, celebrar Finados é o mesmo que celebrar a Esperança. A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte é critério para o cristão no momento decisivo de sua partida, ou na participação na morte de alguém. “O último inimigo a ser vencido é a morte” (1Cor 15, 26). O mistério da vinda do Filho de Deus a este mundo (Encarnação) e sua Morte e Ressurreição colocou um ponto final sobre a nossa morte.

“A vontade daquele que me enviou é esta: que eu não perca nada do que ele me deu, mas que o ressuscite no último dia” (Jo 6,39). Quando Jesus faz essa afirmação na sinagoga de Cafarnaum, numa belíssima palavra sobre sua vinda a esse mundo como “pão da vida”, deixa claro o desígnio do Pai a respeito do ser humano: fomos criados para a comunhão plena com Deus, participando de uma vida que não tem ocaso. A ressurreição para a vida é a meta de todo aquele que empenha suas forças em ser bom à semelhança de Jesus de Nazaré: “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Ele põe abaixo aquela ideia existencialista de que o ser humano é um “ser para a morte”.

A morte para o cristão é um mistério. Isto é, ela só pode ser compreendida à luz do que aconteceu com Jesus de Nazaré. Assim como Ele foi aprovado por Deus, assim também aquele que procura viver como ele viveu será aprovado, ressuscitado pelo Pai. Ressurreição é passagem da morte para a vida (cf. Jo 20,1-18); do pecado para a graça (cf. Cl 1,21-22). É chegar à comunhão com Deus para viver com ele eternamente (cf. Ap 21,1-7). Ressurreição é uma vida vivida em Deus, para Deus, a serviço dos pequeninos do Reino.

Finados ou o falecimento de pessoas queridas pode ser uma “pedra de toque” na nossa vida. Ajuda-nos a valorizar o que ultrapassa os limites da matéria. Lembra-nos a importância de morrermos para nós mesmos. A morte é uma realidade espiritual que confirma a definitiva e inabalável superação do homem confinado na perspectiva material.

Um texto que ajuda a despertar a esperança e a confiança são aquelas palavras de Isaías: “Por acaso uma mulher se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem, eu não me esqueceria de ti!” (Is 49,15).

Aquele que nos deu a vida e nos fez sair do aconchegante ventre materno para a luz do dia, há de nos fazer sair deste mundo, demasiadamente limitado, para a luz e a paz de Deus. “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

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EM CRISTO, A VIDA PREVALECE SOBRE A MORTE

(Jo 11,17-45)

Defunto vem do particípio latino, defunctu, de+fungor, significa falecido, aquele que cumpriu inteiramente sua função. Quando, na Igreja, esta palavra é acrescida do termo ‘fiéis’, quer dizer que há algo mais do que uma mera função cumprida. O cristão e todo aquele que busca viver os valores do Evangelho não termina sua vida na morte. Não perde simplesmente uma função ao morrer. Sua vida está “escondida com Cristo em Deus” (cf. Cl 3,1-4). Para quem busca a vida, defende a vida, dá a vida pela vida, não há morte. Deus não o abandona na “sombra da morte”. O que o Pai fez com seu Filho, fará também com todo aquele que busca viver como Cristo viveu.

A liturgia de hoje propõe vários textos para escolha da equipe de liturgia. Escolhi este relato do evangelho de João. Julguei muito interessante trabalhar esta cena do evangelho, talvez pouco explorada na liturgia.

O capítulo 11 de João é uma catequese sobre a ressurreição. No evangelho de João encontramos Jesus realizando sete sinais. O primeiro aconteceu em Caná da Galileia, na transformação da água em vinho. O sétimo é o relato da revivificação de Lázaro. João não fala de milagres, mas de sinais. O que Jesus realiza é para levar o discípulo a confiar nele, a reafirmar sua fé no Cristo Ressuscitado. O relato de hoje prepara o discípulo para entrar confiante e esperançoso na cena da paixão. Em outras palavras, a paixão de Jesus, sua cruz e morte não devem ser motivo de desânimo nem de desencanto para o discípulo, mas motivo de firmar-se no caminho da cruz (oferta da vida), pois esta leva à glória do Pai.

Uma afirmação central no relato de hoje deve sempre nos acompanhar: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Esta palavra tem sentido quando se torna viva e eficaz dentro de nós. A pergunta de Jesus à Marta e sua consequente resposta coloca nossa vida cristã em constante desafio de fidelidade, sobretudo nas situações-limite da vida. “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” (Jo 11,26). Marta, aqui, simboliza o discípulo que não desiste da fidelidade e da confiança em meio às tribulações, e professa sua fé: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir ao mundo” (Jo 11,27).

Outro elemento, relacionado ao que acabamos de comentar, é o do significado de Marta e de Maria neste relato. Maria, pela atitude de ficar em casa, mergulhada na tristeza, prisioneira do círculo da morte e do pranto, representa aquele que se fecha à possibilidade da fé. Marta, no entanto, embora triste e sofrida pela morte do irmão, se abre confiante ao Senhor como Aquele que pode libertá-la da prisão da morte. Sai do mundo da morte para ser mensageira d’Aquele que é o portador da vida. Uma vez alimentada e confirmada na esperança, vai confortar e animar sua irmã que jaz no círculo da morte. É a nossa missão!

Ainda uma breve palavra a respeito de Jesus nesta cena. Vemos claramente a humanidade de Jesus: “E Jesus chorou”. Dizem que este é o menor versículo da Sagrada Escritura. Jesus era um homem que tinha sentimentos. Chorou a morte do amigo! O interessante para nós é que Jesus não se prendia aos sentimentos. Nem os reprimia. O norte da vida de Jesus era a vontade do Pai. Tinha consciência de sua missão. Sabia que devia levá-la até o fim. Ao realizar aquele sinal da revivificação de Lázaro, no contexto do diálogo com Marta e Maria e na presença de seus inimigos, sabe que sua ação terá consequências em vista do Reino de Deus.

Então não há problema em chorar e lamentar a morte de alguém. Mas é preciso ressignificá-la na fé. Marta se torna para nós inspiração de abertura, de discipulado, de adesão firme e confiante ao Senhor que se nos revela nos acontecimentos dolorosos da história.

A morte permanece para o ser humano como um mistério profundo. Ainda não se descobriu a pílula da imortalidade! Todos morreremos: ricos e pobres, sãos e doentes, novos e velhos, religiosos e descrentes. É o fim de todos. O modo como cada um encara este momento é que varia. Para o cristão, a morte segue o caminho de Jesus. Pode ser um cálice amargo que se deve beber até o fim. Porém com aquela certeza de que, se cumprirmos a vontade do Pai, ele nos acolherá de braços abertos para a vida que não tem ocaso.

Como se dará isso, certamente, não o sabemos. Mas a Igreja reza assim: “Nele (Cristo) refulge para nós a esperança da feliz ressurreição. E aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Ó Pai, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada, e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Prefácio da missa).

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Cemitério vem do grego koimetérion (dormitório, quarto de dormir), pelo latim coemeterium. O conceito ajuda a interpretar a morte como “sono eterno”. Para nós, cristãos, as pessoas que morreram em Deus, não caíram no abismo eterno, mas adormeceram no Senhor: “Felizes os mortos, os que desde agora morreram no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham” (cf. Ap 14,13). E, mais adiante: “Ele (Deus) enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais” (Ap 21,4).

Essa fundamentação semântica e bíblica da morte pode ajudar-nos a viver melhor. A redescobrir o sentido da vida. A visita ao cemitério, que normalmente se faz nesse dia, deve adquirir novo sentido. Não estamos visitando os mortos. Estamos, sim, reafirmando nossa fé na “comunhão dos santos”, rezando por aqueles que já partiram antes de nós.

 A Igreja celebrou ontem, dia 1º de novembro, Todos os Santos, e Finados no dia 02, com o intuito de juntar essas duas realidades post-mortem à nossa de peregrinos em Cristo. Na linguagem tradicional: Igreja militante ou peregrina (os vivos em peregrinação), Igreja padecente (os que terminaram sua peregrinação e passam pela purificação) e Igreja triunfante (aqueles que já estão na Luz que não se apaga, triunfam com Cristo no céu).

Mas nota-se que o povo se identifica mais com o cemitério, com a morte, com o sofrimento. Parece ser a realidade que ele conhece, experimenta. A Glória lhe é desconhecida. O importante, porém, é tentar fazer sempre o caminho da esperança, da conversão, da morte para a vida. Alimentando no coração a certeza de que a vida eterna já deve ser uma realidade na vida da pessoa. Não entramos na vida eterna depois da morte. Não vivemos em Deus somente depois da morte. Nossa vida já deve ser vivida em Deus: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne, eu a vivo pela fé no Filho de Deus que me amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2,20).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Ser santo é ser humano

aureliano, 31.10.25

Solenidade de todos os Santos [1º de novembro de 2025]

 [Mt 5,1-12]

O que há em comum nos santos? Uma vida focada em Deus. Uma busca permanente de viverem o evangelho. As bem-aventuranças estão sempre no seu horizonte: mansidão, humildade, honestidade, partilha, simplicidade, generosidade, entrega, serviço. Assim deixaram para nós rastros profundos de vida e de experiência de Deus.

O que há de diferente entre eles? São diferentes entre si: jovens, mulheres, anciãos; uns no mundo e outros nos conventos e eremitérios. Uns nos campos e outros nas cidades. Uns no comércio e outros nas salas de aula, nos espaços de decisões políticas, uns casados e outros celibatários etc. Cada santo ou santa vivendo o amor de Deus à sua maneira, na sua circunstância, na sua vocação.

Não há santos de primeira categoria e outros de segunda. Participam todos da santidade de Deus. Não são santos individualistamente , mas na comunhão dos santos.

Não é busca de “medalha”, de conquista, de competição, de merecer mais do que o outro. É vivência do amor de Deus para o bem do próximo e da humanidade. Santos são aqueles que acolheram o dom de Deus e procuraram viver essa saída de si em favor de quem mais precisa.

A Igreja precisa voltar a anunciar a alegria, a felicidade: “Felizes os pobres...”. E deixar para trás a proclamação da dor, do sofrimento, do perfeccionismo, do moralismo, da vida eterna como “conquista” ao invés de dom e graça. As pessoas precisam voltar a experimentar a alegria de ser cristãs, de ser católicas, de participar, de viver sua santidade no cotidiano de maneira leve como propôs Jesus: “Meu fardo é leve”. Ser santo é buscar ser humano, bastante humano, gente como Jesus.

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CAMINHOS DE SANTIDADE

Na profissão de fé que fazemos todos os domingos, confessamos: “(Creio) na comunhão dos santos”. Muitas vezes rezamos assim sem saber bem o que isso significa. A solenidade de hoje nos ajuda a entender o conteúdo dessa afirmação: cremos que todos aqueles que confessaram o Cristo e o testemunharam em suas vidas, que todos aqueles que já nos precederam na fé e que procuraram viver neste mundo a comunhão de vida com o Pai, estão juntos de Deus e juntos de nós. Em outras palavras: há um intercâmbio de dons e de orações entre aqueles que crêem no Cristo. “O termo ‘comunhão dos santos’ tem dois significados, intimamente interligados: ‘comunhão nas coisas santas (sancta)’ e ‘comunhão entre as pessoas santas (sancti)’” (Catecismo da Igreja Católica, 948).

Há pessoas que passaram por esta vida e que foram proclamadas pela Igreja como santas, dadas à comunidade como exemplo/inspiração de vida cristã e intercessoras junto a Deus. A Igreja quer afirmar também que elas estão, com certeza, na luz de Deus. Há, porém, uma infinidade de pessoas que viveram neste mundo uma vida santa, fazendo o bem, doando-se aos outros e que são anônimas: não tiveram nem têm nenhum reconhecimento, seus nomes não são lembrados. Muitas delas, às vezes, foram nossos vizinhos, parentes, colegas de trabalho etc. Pois bem, hoje é dia delas também: celebradas no Santo de Deus, Jesus Cristo, que se oferece em cada Eucaristia para nos santificar.

Quando Jesus proclama as Bem-aventuranças, ele está apresentando um programa de vida para aqueles que se dispõem a segui-lo. Em outro lugar ele diz que quem quiser segui-lo deve ‘tomar a cruz’, cotidianamente. Aqui ele não diz coisas muito diferentes. Viver uma vida pobre (desprendida) em favor dos pobres, promover a paz, suportar tribulação e aflição, ser sedento da justiça do reino, ser puro numa sociedade que só vê no outro uma possibilidade de “comê-lo=consumi-lo”, ser perseguido por causa da justiça, são realidades que necessitam de um permanente convívio com o Mestre para aprendermos dele, sermos fortalecidos por ele nesse caminho. São os caminhos da santidade.

A posse de bens e sucesso não é sinônimo de felicidade. Quem tem tudo e não precisa de nada nem de ninguém é a pessoa mais pobre que existe porque ela não tem sequer a si mesma, não se pertence, mas pertence àquelas coisas que julga possuir. Não é ela que tem dinheiro e bens, mas são os bens e o dinheiro que a têm. É uma situação triste, objetal, de escravidão! É idolatria.

Feliz não é o elogiado por todos, o aprovado por todos os poderosos do mundo, o aplaudido, que vive a fama nos palcos e nos palácios. Feliz não é aquele que por ninguém é perseguido, pois é uma pessoa que não tem nada para dizer, em nada colabora, nada acrescenta, só sabe negar-se a si mesmo e à própria consciência para agradar aos que têm poder e dinheiro. Parece agradar a todos, só não agrada a si mesmo. Vive em torno de si, num narcisismo desgraçado que o faz afogar-se na sua própria imagem, morrendo desesperado e desiludido.

Felizes são o pobre (humilde) e o perseguido por causa da justiça do Reino. Como eles, muitos outros também serão felizes. Isso é ser santo.

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EM QUE CONSISTE A FELICIDADE?

O evangelho de hoje nos ajuda a encontrar o caminho da verdadeira felicidade. Por vezes julgamos que felicidade é viver bem, é sentir-se bem, é ter muitas posses e riquezas, é posar ao lado de gente famosa, é curtir festas, praias, churrascos e bebidas, noitadas e boemias.

A busca da felicidade revela um desejo divino dentro do coração humano. O problema é que nos enganamos com facilidade, identificando felicidade com realização de desejos pessoais puramente mundanos e egoístas. Todas as vezes que nos entregamos aos instintos egoístas, nos afastamos dos caminhos da felicidade. Por outro lado, todas as vezes que saímos de nós mesmos em busca da defesa da vida, de devolvermos a alegria aos tristes, de incluirmos os oprimidos e marginalizados, de nos colocarmos ao lado dos pequenos e sofredores estamos trilhando os caminhos da felicidade verdadeira. Foi o caminho de Jesus.

Quando lançamos um olhar para a comunidade judaica do tempo de Jesus, podemos identificar o que significava felicidade para aquelas pessoas: terra, filhos, prática religiosa, saúde, vida longa, abundante colheita, paz com os vizinhos.

Mas quando olhamos para a vida de Jesus notamos que seu ideal de felicidade ia além de posses e realizações puramente materiais e individuais. Nesse aspecto ele se distanciava do ideal de felicidade presente na cultura de seus correligionários. O modo de vida de Jesus era diferente. Suas buscas não estavam dentro de si mesmo, mas no cumprimento da vontade do Pai, no cuidado com os pequenos e pobres, no perdão dado aos pecadores, na cura dos doentes e sofredores. Sua vida não girava em torno de si mesmo. Sua felicidade consistia em fazer felizes os outros. Pois essa era a vontade do Pai. Não sabia ser feliz sozinho. Neste sentido era contracultural, remava contra a maré.

Jesus veio nos ensinar que a felicidade está no empenho em atender aos interesses e necessidades dos pequeninos do Reino. Pede que não busquemos felicidade nos próprios interesses nem mesmo nos interesses da própria religião, mas fazendo da religião um modo de viver que promova o bem e a alegria de todas as pessoas.

Felizes os que têm coração de pobre, que sabem viver com pouco. Felizes os que trabalham pela paz. Felizes os que choram diante do sofrimento de alguém e lhe prestam auxílio. Felizes os que se empenham por ter um coração puro e um olhar divino: sem preconceito, sem ganância, sem julgamento. Felizes os que são perseguidos por promoverem a justiça e a fraternidade. Felizes aqueles que não guardam ódio e rancor no coração e que perdoam com generosidade. Felizes os que sabem partilhar o que têm com quem passa necessidade. Felizes os que dispõem do seu tempo para ajudar alguém. Felizes são todos aqueles que procuram conformar sua vida com a vida de Jesus: serão consolados, saciados, alcançarão misericórdia, reinarão com Cristo na vida em que toda lágrima será enxugada.

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“Para ser santo, não é necessário ser bispo, sacerdote, religiosa ou religioso. Muitas vezes somos tentados a pensar que a santidade esteja reservada apenas àqueles que têm possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para dedicar muito tempo à oração. Não é assim. Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem a Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais” (Gaudete et Exsultate, 14).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

É Deus quem nos faz justos

aureliano, 24.10.25

30º Domingo do Tempo Comum [26 de outubro de 2025]

[Lc 18,9-14]

Quando Jesus, no evangelho deste domingo, fala a respeito de duas posturas (fariseu e publicano) distintas na oração, quer nos mostrar que não basta praticar uma religião de modo formal apenas, mas é preciso reconhecer nossa realidade diante de Deus. Ninguém pode salvar-se sozinho, ou seja, entrar na amizade de Deus por conta própria. A primeira atitude deve ser de reconhecer nossa impotência diante de Deus e abrir-nos ao seu amor.

Os fariseus, termo que significa separado, constituíam um grupo que buscava observar fielmente a Torah (o Ensinamento de Deus). Eram pessoas bem intencionadas e até estimadas pelo povo com quem trabalhavam. O problema é que eles se tornaram muito rigorosos com aqueles que, por motivo de pressão dos dominadores romanos, não observavam a Lei com todo o rigor. Estabelecia-se entre eles e os publicanos uma distância, até mesmo uma inimizade.

Jesus quer mostrar que não basta cumprir a Lei pela Lei, mas é preciso colocar-se numa relação amorosa. O que conta mesmo é o amor.

A conclusão da parábola nos leva a compreender por que o publicano voltou justificado para casa: ele se reconheceu pecador, necessitado da misericórdia de Deus na qual acreditava. Reconhecer-se pecador e clamar por misericórdia é demonstrar a necessidade de ser ajudado, amparado por Deus. E Deus se dá a conhecer no perdão, na vida nova que ele concede a quem a busca nele, com humildade. O que nos justifica diante de Deus não são nossos méritos, mas a bondade de Deus que nos fortalece para a prática da justiça: a caridade.

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A oração que vem de dentro

Esta é uma pergunta de fundo da parábola de hoje: que postura de vida agrada a Deus? O fariseu era um religioso fiel, dedicado, comprometido com o que determinava a Lei. Era, de alguma forma, ‘impecável’. Já o publicano não era exemplo de vida. Um cobrador de impostos malvisto pelos correligionários, tirava proveito de uma situação política para arranjar recursos ou para enriquecer-se ou para sobreviver às penúrias da dominação romana. Mas este volta para casa justificado.

Os dois vão ao mesmo templo, com o ‘mesmo objetivo’ e começam sua oração com a mesma invocação “Ó Deus”. O conteúdo da oração deles é que determina a intencionalidade, a postura de fé. O primeiro eleva uma oração belíssima, de louvor e de ação de graças, completa do ponto de vista da estrutura literário-litúrgica, mas totalmente autossuficiente, orgulhosa, reveladora de uma prática religiosa que não leva em conta nem Deus nem o próximo. Ele se coloca no centro, dirige-se a si mesmo. O segundo, porém, coloca-se em atitude de dependência e necessidade da misericórdia de Deus. Mostra-se verdadeiramente um homem de fé porque deposita toda sua confiança em Deus. Não atribui nada a si mesmo. Reconhece-se pecador e quer retomar o caminho da vida e da salvação. E sabe que isso não depende somente dele, mas, sobretudo do Pai compassivo.

A oração do fariseu não leva em conta ninguém mais a não ser a si mesmo. Não pensa nos pobres, nos pequenos, nos excluídos. Julga que, observando as práticas externas da Lei, já está agradando o Criador. No entanto, Jesus ensina que não basta uma prática externa da Lei. É preciso de uma vida que acompanhe a oração. Ou melhor, é preciso de uma oração que informe a vida para lhe dar sentido. Oração que chega ao coração do Pai é aquela que brota de uma alma humilde, pequena, simples, confiante, misericordiosa, preocupada com as necessidades dos irmãos.

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MISSÃO: FAZER ECOAR O AMOR DE DEUS

Estamos terminando o Mês Missionário. Às vezes se tem uma visão deturpada de missão. Isto parece dever-se ao fato de ter-nos sido imposta pelos colonizadores europeus uma cultura que, em nome da fé, sacrificou muitas vidas. Ficamos então pensando que fazer missão é pregar para os outros, impondo nossa maneira de pensar e de viver. Fazer todo mundo ir para a igreja, ser católico etc. Hoje entendemos que as “sementes do Verbo”, isto é, o próprio Deus já está presente nas pessoas e nas comunidades. Resta-nos ajudar a descobrir, pela força da Palavra, Sua presença nessas realidades e não deixar que o pecado, fruto do egoísmo humano, mate ou devaste a beleza do Criador em cada ser humano.

Nossa ação missionária se dá de diversas formas: pela oração, pela visita, pela acolhida, pelo trabalho na comunidade, pelo perdão, pelo jeito de trabalhar e de realizar o cotidiano, pela honestidade no trabalho e nos negócios, por uma vida digna e honrada aos olhos de Deus, marcados pelos “sentimentos que havia em Jesus Cristo” (Fl 2,5).

Ser missionário não é uma questão de opção, mas é intrínseca à fé cristã. O cristão não pode dizer que não quer ser missionário. Ser cristão implica necessariamente a missão. É resultado de um amor que transborda de dentro de nós e nos faz inquietos. O que é bom para mim, faz sentido para mim, me enche de alegria interior quero-o também para os outros. ”Dai de graça o que de graça recebestes”. Isto é missão.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Uma oração “inútil”

aureliano, 18.10.25

29º Domingo do Tempo Comum [19 de outubro de 2025]

[Lc 18,1-8]

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A parábola do evangelho deste domingo não revela complicação: duas figuras ocupam o centro: um juiz que tem as duas atitudes básicas da iniquidade: “não temia a Deus”; “não tinha consideração para com as pessoas”; uma viúva injustiçada, sem nenhum apoio social, abandonada à própria sorte.

Então já podemos notar que a oração não pode ser desligada da vida, da realidade de sofrimento e de opressão dos pobres. Nossa oração ao Pai precisa levar em consideração o povo sofrido em consequência das injustiças e maldades dos poderosos. Uma oração privada, que leva em conta apenas “minhas” necessidades, contradiz claramente o ensinamento de Jesus sobre a oração cristã. Basta lembrar a primeira leitura: Moisés, Aarão e Hur que rezavam no monte pelos que lutavam na guerra (Ex 17,8-13). A comunidade, a família, colegas de trabalho, pessoas que nos prejudicam precisam fazer parte de minha oração.

Nossa oração deve ser de confiança, de esperança, persistente, “sem nunca desistir”. Deve se inspirar no jeito e na oração de Jesus. E deve ser esperançosa: aguardar as “demoras” de Deus. Deixar que faça o que ele julgar melhor. “Seja feita a vossa vontade...”.

Alguns se questionam: “Pra que rezar? Deus não atende a minha prece! Rezando ou não rezando, a vida continua da mesma forma. Rezar é inútil!” – É verdade: a oração é, de alguma forma, “inútil”. Ou seja, ela não tem a finalidade de resolver nossos problemas, de nos alcançar isso ou aquilo, de realizar nossos projetos pessoais. Nesse sentido a oração é “inútil”. Ela não visa a produzir coisas. A oração serve para nos ajudar a viver, a encontrar o sentido para nossa vida, a preencher o vazio existente dentro de nós, a nos tornar mais humanos, mais “configurados” a Jesus de Nazaré.

A oração de petição tem o condão de nos ajudar a entender que precisamos de Deus. Que não conseguimos resolver as coisas por nós mesmos. É somente com a força de Deus que damos conta de viver honestamente, de ter sensibilidade diante da dor e do sofrimento de alguém, de ter um coração bondoso que seja capaz de amar e perdoar. Coloca-nos em permanente comunhão com o Pai.

A oração confiante, gratuita, desapegada, “inútil”, nos coloca em sintonia com Jesus na cruz: ele experimentou o abandono do Pai – “Meu Deus, por que me abandonaste?” –, mas não perdeu a confiança: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. Nesta oração de Jesus está contida a angústia de quem experimenta grande sofrimento, ao mesmo tempo em que se coloca confiante nas mãos do Pai, refúgio último e seguro na vida e na morte.

A pergunta de Jesus - “Quando o Filho do homem vier, será que ainda, vai encontrar fé sobre a terra?”-  deve continuar ressoando dentro de nós. No contexto da parábola parece querer-nos dizer que precisamos continuar gritando com a oração, com a palavra e com as atitudes que se faça justiça ao pobre. O abandono dos pobres, a recusa da luta pela justiça na terra, são sinais inequívocos da perda da fé, do afastamento da vida cristã.

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Em tempos de um poder judiciário parcial e influenciado pelo dinheiro e poder, de “vendas de sentenças”, é bastante oportuno, a partir da parábola de hoje, recordar aquelas palavras do Papa Francisco a respeito da atuação do juiz: “Os juízes devem ser isentos de favoritismos e de pressões que possam contaminar as decisões que devem tomar”. De acordo com o Papa, os magistrados “devem seguir o exemplo de Jesus, que nunca negocia a verdade”. O que se disse sobre os juízes vale também para os legislativo e o executivo de nosso País: não se negocia a verdade por dinheiro e favoritismos políticos.

Infelizmente os pobres são as grandes vítimas da injustiça no mundo. A começar pelo poder judiciário. Aquela imagem greco-romana que retrata a justiça como uma mulher com os olhos vendados, querendo mostrar a imparcialidade do juiz, não corresponde ao Evangelho: Jesus revela um Deus “parcial”, que vê o sofrimento do povo, que ouve seu clamor e que desce para libertá-lo (cf. Ex 3,7-10). Jesus quis colocar-se ao lado dos oprimidos e marginalizados. Quem não opta pelos pobres, pela defesa dos injustiçados e oprimidos, não pratica a justiça do Reino de Deus.

Nossa oração deve nos ajudar em nossa conversão cotidiana para termos um coração mais humano, mais justo, mais verdadeiro, mas leal, mais comprometido como o Coração de Jesus.

*Hoje é Dia Mundial das Missões e se faz a coleta missionária em nossas comunidades. Há três modos de sermos missionários: com os pés, partindo em missão; com os joelhos, dobrados em oração; com as mãos, partilhando o pouco que tenho para as obras de missão no mundo.

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

 

Maria nos dá o Vinho Novo

aureliano, 10.10.25

 

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Nossa Senhora da Conceição Aparecida (12 de outubro de 2025]

[Jo 2,1-11]

Ó mãe da nossa pátria,

Escuta a nossa voz:

Teus olhos compassivos

Se voltam para nós.

 

Tu és nosso socorro

Em nossas aflições;

Guarda junto do teu

Os nossos corações.

 

Louvor e honra ao Filho

Que pela Virgem vem;

No Espírito és o brilho

Do Pai eterno. Amém.

 

Diferentemente dos outros evangelistas, João não apresenta Jesus chamando publicamente as pessoas para a conversão ao Reino de Deus (Mt 4,17; Mc 1,15). João apresenta Jesus iniciando sua vida pública numa festa de casamento. Em Israel o casamento é imagem da aliança de Deus com seu povo (cf. Os 2,19-22).

Neste mesmo capítulo notaremos a discussão a respeito do templo quando Jesus se apresenta como o Templo de Deus, substituindo o templo de Jerusalém que se tornara objeto de exploração dos pobres (cf. Jo 2,13-22). Então o relato de hoje quer mostrar que Deus Pai fez uma nova aliança com a humanidade na pessoa de Jesus de Nazaré. Um novo casamento. Por isso, no evangelho de João, temos a narrativa do primeiro sinal de Jesus numa festa de casamento.          

Aqueles aparatos da festa são metáforas da religião antiga que deveria ser renovada pela presença salvadora de Jesus. As talhas, a água, o encarregado são símbolos de uma realidade que precisava ser renovada pelo amor incondicional que Jesus trouxe e revelou, representada no vinho. O vinho novo é o amor de Jesus manifestado “até o fim” (Jo 13,1).

Interessante notar que o texto não fala de ter transformado a água das talhas em vinho, mas está escrito: “’Enchei as talhas de água’. Eles as encheram até à borda. Então lhes disse: ‘Tirai agora e levai ao mestre-sala’. Eles levaram. Quando o mestre-sala provou a água transformada em vinho...”.  Então foi a água levada ao mestre-sala que se transformou em vinho. Ou seja, o serviço (serventes=diáconos) é que transforma a “água em vinho”. Uma vez que vinho simboliza o amor, a alegria, a generosidade. Isso é que estava faltando na vida religiosa do judaísmo. As talhas estavam vazias do amor, da generosidade, da verdade. Havia um culto vazio, sem expressão e correspondência na vida. Jesus traz esse “vinho novo”, alegria, amor, culto verdadeiro, generosidade. Ou melhor, ele mesmo é esse vinho novo.

“A mãe de Jesus estava lá”. É muito interessante interpretar essa expressão do evangelho. Primeiro, ela não tem nome. O evangelho de João não dá nome à mãe de Jesus. É mais do que a mãe de Jesus. Ela representa a comunidade cristã. Depois, é a noiva do casamento que está à procura do noivo. O casamento, a aliança se dará na Cruz, a Hora de Jesus que naquela festa de casamento ainda não havia chegado. Na cruz ele dirá: “Mulher, eis aí teu filho”. Maria é o ícone da Igreja. A Mãe que cuida dos filhos.

Relacionada a Maria, mãe de Jesus, está aquela bela palavra que atravessou séculos como uma ordem da Mãe de Deus: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Esta palavra deve continuar ecoando em nossos ouvidos e coração. Pois fazer o que Jesus mandou significa acreditar na palavra dele e colocá-la em prática. Acreditar na palavra de Jesus é abrir-se ao seu amor e deixar-se transformar como aquela água que se transformou em vinho e alegrou o coração de todos os convivas. É a vida nova, um jeito novo de ser, um caminho renovado pela graça de Deus haurida nos sacramentos, na oração, no encontro com ele.

Maria, a Mãe de Jesus, ícone da Igreja, representa nesse evangelho a comunidade de Israel que anseia pela vinda do Messias e, por outro lado, a comunidade cristã que acolhe e se deixa renovar pelo vinho novo que ultrapassa as estruturas caducas de uma lei que escraviza as pessoas. Só o amor, representado pelo vinho no relato de hoje, poderá transformar os caminhos da humanidade.

Celebrando hoje nossa Padroeira, queremos elevar nossa prece confiante ao Pai, para que nós brasileiros sejamos fiéis à nossa vocação, nos empenhemos na construção da paz e da justiça, no serviço generoso aos irmãos e no cuidado para com a Mãe Natureza, tão maltratada pela ganância, pela busca frenética do lucro a qualquer preço.

Que neste dia também dedicado às crianças, nosso coração se abra ao cuidado e carinho para com esses pequeninos tão amados por Nosso Senhor, muitas vezes vitimados por abusos e maus tratos por parte de adultos irresponsáveis e maldosos. Pensemos nas crianças sofridas nos ambientes de guerra, fruto da maldade de alguns que se julgam donos do mundo e das vidas dos outros. Peçamos a Maria, a Virgem humilde e simples de Nazaré, nos dê aquela simplicidade e candura que caracterizam o coração da criança.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

A fé e a “inutilidade” do serviço

aureliano, 03.10.25

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27º Domingo do Tempo Comum [05 de outubro de 2025]

[Lc 17,5-10]

No evangelho deste domingo, Jesus continua formando seus discípulos para o serviço a partir do fortalecimento da fé para servirem melhor.

O contexto imediatamente anterior do evangelho de hoje mostra Jesus ensinando a necessidade do perdão: “Caso teu irmão peque contra ti sete vezes por dia e sete vezes retornar dizendo ‘estou arrependido’, tu lhe perdoarás” (Lc 17, 4). Parece que perdoar não era algo fácil para os discípulos, como não o é para nós. Por isso pedem: “Aumenta-nos a fé”. O perdão é algo intrinsecamente unido à fé. Perdoamos porque acreditamos num Deus que ama e perdoa. Perdoamos porque sem perdão não há convivência, alegria, vida.

Vale a pena recordar aqui a crise de fé de que por vezes somos assaltados. Sobretudo quando situações difíceis, dolorosas nos acometem; então perguntamos: “Onde está Deus em meio a tudo isso?” Por essas crises passaram também profetas e santos. Crise de fé não é ateísmo. Normalmente as crises de fé vêm acompanhadas de crises existenciais, ou seja, dificuldades no relacionamento familiar, no sentido de vida, fases da própria idade, situações de doença etc. Como diz Leonardo Boff: “Crise é oportunidade de crescimento”. Se vivenciarmos bem nossas crises de fé, certamente sairemos mais amadurecidos, mais firmes, mais comprometidos. Para isso é preciso pedir: “Senhor, aumentai a minha fé”.

A primeira leitura deste domingo nos ajuda a nos colocar com confiança diante das “demoras” de Deus. Habacuc 1,2-3;2,2-4. Muitas tribulações e dificuldades são frutos de nossas escolhas. As lutas e angústias virão. Mas a ação de Deus não falhará, muito embora possa tardar: “Se demorar, espera, pois ela virá com certeza, e não tardará. Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2,3-4). A fé é confiança e entrega nas mãos de Deus. A gente costuma dizer que tarda, mas na verdade não tarda. Deus está sempre agindo em nossa vida, muito embora não notemos sempre.

Crer é dar-se a Deus. É ancorar-se somente n’Ele. Confiar no seu amor apesar de todas as aparências contrárias, porque sua palavra não nos pode enganar. A fé é diferente de religião embora esteja relacionada com ela. Também não é uma adesão intelectual a uma doutrina ou série de verdades abstratas, mas é adesão a uma Pessoa, a Deus, que nos propõe seu amor em Cristo morto e ressuscitado. É dom de Deus e tarefa humana para tornar-se a alma de nossa vida cotidiana e da comunidade cristã.

O discípulo que assume a fé em Jesus Cristo como comprometimento pessoal não fica contabilizando o bem que faz (como os politiqueiros que querem sempre tirar vantagem de tudo), mas coloca-se sempre como alguém que fez o que devia ter feito.

Só uma fé madura, acrisolada (passada pelo crisol/crise) nos dará coragem de assumir o avental de servidores, nos desvestindo do manto de senhores. Então poderemos transportar para o mar as montanhas do egoísmo, do consumismo, do preconceito, da maldade. Isso mediante uma fé informada pela caridade (Cf. Gl 5,6).

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COLABORADORES DE DEUS

Dois elementos precisam ser considerados neste relato evangélico da liturgia deste domingo: a fé e o serviço.

Quando os discípulos pedem a Jesus: “aumenta a nossa fé”, não devem pensar em termos de quantidade, pois a fé não se quantifica. O que estão a pedir a Jesus é o reavivamento da fé. Agora, não mais como judeus observantes, mas como discípulos de Jesus, precisam de uma fé renovada, madura, comprometida com a nova proposta de Reino trazida por Jesus. Sem uma fé reavivada, refeita, madura não dariam conta de realizar o seguimento de Jesus “até Jerusalém”. A fé agora não é aquela de acreditar num Deus de conveniência, mas uma fé que desperte a responsabilidade com o Reino de Deus e a possibilidade de amar como Jesus amou: “até o fim” (Jo 13,1). É essa a fé que transporta “montanhas”.

O segundo elemento é o do serviço generoso. Certamente, na comunidade dos primeiros discípulos estavam surgindo aqueles que buscavam os primeiros lugares, que brigavam pelo poder, que reclamavam reconhecimento e aplausos pelo que faziam, que se beneficiavam política e economicamente dos lugares de comando e coordenação. E Jesus vai dizer que, no Reino trazido por ele, esse tipo de busca precisa ser desfeito, invertido. O que conta para o discípulo do Reino é ser colaborador de Deus. Nada mais. Ninguém deve ficar à cata de aplausos, de reconhecimento social, de sucesso. Deve, outrossim, colocar no coração que  cada um está aí para colaborar com a obra da salvação, independente de resultados.

*Mês das Missões: Seria bom atentarmos para a dimensão missionária da Igreja, continuadora da missão de Jesus, e cada um estabelecer uma ação missionária para esse mês. Vejamos uma palavra do saudoso Papa Francisco: “Através dos seus discípulos, enviados a todos os povos e acompanhados misticamente por Ele, o Senhor Jesus continua o seu ministério de esperança em favor da humanidade. Ele ainda hoje se inclina sobre cada pobre, aflito, desesperado e oprimido pelo mal, para derramar ‘sobre as suas feridas o óleo da consolação e o vinho da esperança’ (Prefácio Cristo, Bom Samaritano). A Igreja, comunidade dos discípulos-missionários de Cristo, obediente ao seu Senhor e Mestre e com o seu espírito de serviço, prolonga esta missão no meio dos povos, oferecendo a sua vida por todos. Embora tenha de enfrentar, por um lado, perseguições, tribulações e dificuldades e, por outro, as suas próprias imperfeições e quedas devido às fraquezas de cada um dos seus membros, ela é constantemente impelida pelo amor de Cristo a avançar, unida a Ele, neste caminho missionário e a escutar, como Ele e com Ele, o grito da humanidade, ou melhor, o gemido de toda a criatura que espera a redenção definitiva. Eis a Igreja que o Senhor chama desde sempre e para sempre a seguir os seus passos: ‘Não uma Igreja estática, mas uma Igreja missionária, que caminha com o Senhor pelas estradas do mundo’ (Homilia na Santa Missa por ocasião da conclusão da Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 27 de outubro de 2024)” {Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Missões 2025}.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN