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aurelius

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"Dai-lhes vós mesmos de comer"

aureliano, 27.07.18

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17º Domingo do Tempo Comum [29 de julho de 2018]

 [Jo 6,1-15]

Estávamos até então refletindo o evangelho de Marcos. Neste e nos próximos domingos vamos refletir o capítulo 6º de João. A Igreja pensou numa oportunidade de se considerar o evangelho de João tão rico, mas com pouco espaço no calendário litúrgico.

Marcos, o evangelho mais antigo, trata do sinal da multiplicação dos pães de modo a notar maior solidariedade entre os cristãos. Ele envolve os discípulos na cena: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.

Mas o fato é que os discípulos não se preocupam com a fome das pessoas. Por isso eles recomendam a Jesus que os despeça para que comprem pão pelo caminho. Ou seja: deixe que eles se virem.

O problema é que, quem tem dinheiro vai se alimentar. Mas quem não o tem, vai continuar com fome. Notamos que a solução apresentada pelos discípulos foi extremamente egoísta. Cada um deve se virar! É a proposta da economia neoliberal: quem tem condições, capital, investe e cresce. Quem não tem, sobra. O caminho do atual governo do nosso País é exatamente esse: preocupação absoluta com o mercado e abandono das políticas públicas e sociais.

No evangelho de João, Jesus age de modo soberano. Enquanto Marcos esconde o mistério e a missão de Jesus aos ouvintes, pois não eram capazes de compreender, João revela para o cristão a glória de Deus.

Interessante no texto de hoje é esse olhar misericordioso de Jesus. No evangelho do domingo passado vimos Jesus manifestando sua compaixão pelo povo, pois estava “como ovelhas sem pastor”. Então ele inventa um jeito de cuidar do rebanho.

Ninguém precisa ficar esperando milagre do céu. É só mudar a mente e o coração e começar a colocar em comum os bens e os dons. Aqueles pães e peixes, depois que estão nas mãos de Jesus, que dá graças sobre eles, não são mais do jovem nem dos apóstolos, mas de Deus para a multidão faminta. Isso mostra que os bens e dons que temos, vividos na dimensão da “ação de graças” não são mais nossos, mas “eucaristizados” para “eucaristizar”, ou seja, usados numa partilha alegre e comprometida.

A Eucaristia de que participamos semanalmente deve nos levar a essa “vida eucarística”, numa partilha generosa para que “todos tenham vida”.

Vimos, pelo evangelho de hoje, que o problema da fome no mundo não se resolve com dinheiro. Somente o espírito de partilha e de solidariedade é capaz de diminuir a fome nos países e regiões empobrecidos. Enquanto prevalecer desperdício, acúmulo, ganância, propina, desonestidade haverá famintos e necessitados no mundo.

A Igreja tem a missão de atuar profeticamente no mundo para que haja mais partilha e justa distribuição de renda. Para isso a Igreja precisa ser pobre. Somente uma Igreja pobre, no espírito de São Francisco de Assis, conforme tem preconizado tantas vezes o Papa Francisco, poderá ter credibilidade e influência na história. Tudo isso, porém a partir do encontro profundo com a pessoa de Jesus de Nazaré. Pois sem conversão do coração, atuada pela graça libertadora de Deus em nós, não se entende nem se exerce a partilha dos dons e dos bens.

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AS CONSEQUÊNCIAS DA CELEBRAÇÃO DA EUCARISTIA

Os exegetas interpretam Jo 6,1-15 como um relato eucarístico. Ou seja, ele quer significar o sentido da celebração da Eucaristia na Igreja. Sendo assim podemos afirmar que só faz sentido a celebração eucarística que compromete os participantes com os necessitados da comunidade. Aliás, há um belíssimo texto do século II, escrito por São Justino, que fornece as indicativas para a celebração da Eucaristia: “No dia que se chama do Sol [domingo] celebra-se uma reunião dos que moram nas cidades e nos campos e ali se lêem, quanto o tempo permite, as Memórias dos Apóstolos ou os escritos dos profetas. Assim que o leitor termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos tais belos exemplos. Erguemo-nos, então, e elevamos em conjunto as nossas preces, após as quais se oferecem pão, vinho e água, como já dissemos. O presidente também, na medida de sua capacidade, faz elevar a Deus suas preces e ações de graças, respondendo todo o povo ‘Amém’. Segue-se a distribuição a cada um, dos alimentos consagrados pela ação de graças, e seu envio aos doentes, por meio dos diáconos. Os que têm, e querem, dão o que lhes parece, conforme sua livre determinação, sendo a coleta entregue ao presidente, que assim auxilia os órfãos e viúvas, os enfermos, os pobres, os encarcerados, os forasteiros, constituindo-se, numa palavra, o provedor de quantos se acham em necessidade.” (Apologias).

Esse último parágrafo nos remete ao texto do evangelho de hoje: a Eucaristia deve nos mover à partilha, à sensibilidade para com os necessitados. Os bens e os dons são oferecidos para o bem dos mais pobres e carentes.

Por vezes se levantam questões meramente rituais: se o ministro deixou de fazer isso ou aquilo dentro da celebração. Outros ficam implicados se a comunhão deve ser dada na mão ou na boca. Se o fulano pode ou não pode comungar etc. Com isso se esquece do essencial da Eucaristia que é o louvor ao Pai em Cristo e na força do Espírito que se concretiza na caridade fraterna.

Outro texto dos primeiros séculos do cristianismo também vai nessa mesma direção. São Cipriano (século III), bispo de Cartago, exortava a uma matrona rica da cidade: “De resto, tal como és, nem podes praticar a caridade na Igreja. Com efeito, teus olhos cobertos por espessas trevas e pela escuridão da pintura negra, não vêem o necessitado e o pobre. És abastada e rica e pensas que celebras o domingo. Tu, que nem sequer olhas para a caixa de esmolas, vens à celebração dominical sem oblação, e ainda participas da oblação que o pobre ofereceu?” (Patrística, Obras Completas I, Vol. 35,1).

A Eucaristia é o espaço e o ambiente cultual próprio que deve mover à partilha. Participar, comungar e voltar para casa como se nada acontecesse ao derredor é um descaso e uma ofensa ao Senhor que se oferece por nós. Pois ele lançou um olhar sobre a multidão faminta e providenciou-lhe o alimento (cf Mc 6, 35-44).

Ainda insistindo na importância da Eucaristia na vida da Igreja chamada a ser Sinal de Cristo no mundo, tomo aqui uma catequese do Papa Francisco para nos ajudar a perceber o sentido e as consequências da celebração da Ceia do Senhor: “Ao primeiro gesto de Jesus, ‘tomou o pão e o cálice do vinho’, corresponde assim a preparação dos dons, é a primeira parte da preparação eucarística. É bom que sejam os fiéis a apresentar o pão e o vinho ao sacerdote, porque eles significam a oferta espiritual da Igreja ali recolhida para a Eucaristia. Ainda que hoje os fiéis já não levem, como antes, o seu próprio pão e vinho destinados à Liturgia, todavia o rito da apresentação destes dons conserva o seu valor e significado espiritual.

A propósito, é significativo que, na ordenação de um presbítero, o bispo, quando lhe entrega o pão e o vinho, diz: ‘Recebe as ofertas do povo santo para o sacrifício eucarístico’; é o povo de Deus que leva a oferta para a missa. Portanto, nos sinais do pão e do vinho o povo fiel coloca a própria oferta nas mãos do sacerdote, o qual a depõe sobre o altar ou mesa do Senhor, que é o centro de toda a Liturgia Eucarística. O centro da missa é o altar e o altar é Cristo. No ‘fruto da terra e do trabalho do homem’ é por isso oferecido o compromisso dos fiéis a fazer de si próprios, obedientes à Palavra divina, um ‘sacrifício agradável a Deus Pai todo-poderoso’, ‘para o bem de toda a sua santa Igreja’. Desta maneira a vida dos fiéis, o seu sofrimento, a sua oração, o seu trabalho são unidos aos de Cristo e à sua oferta total, e deste modo adquirem um valor novo.

É verdade que a nossa oferta é coisa pouca, mas Cristo precisa deste pouco – como acontece na multiplicação dos pães – para o transformar no dom eucarístico que a todos alimenta e irmana no seu Corpo que é a Igreja. Pede-nos pouco o Senhor e dá-nos tanto, boa vontade, coração aberto, sermos melhores, e na Eucaristia pede-nos estas ofertas simbólicas que se tornarão Corpo e Sangue. Uma imagem deste movimento oblativo de oração é representada pelo incenso que, consumido no fogo, liberta um fumo perfumado que sobe para o alto: incensar as ofertas, a cruz, o altar, o sacerdote e o povo sacerdotal manifesta visivelmente o vínculo do ofertório que une toda esta realidade ao sacrifício de Cristo. Recordemos que o primeiro altar é a Cruz.

É quanto exprime também a oração sobre as ofertas. Nela o sacerdote pede a Deus que aceite os dons que a Igreja lhe oferece, invocando o fruto do admirável intercâmbio entre a nossa pobreza e a sua riqueza. No pão e no vinho apresentamos-lhe a oferta da nossa vida, a fim de que seja transformada pelo Espírito Santo no sacrifício de Cristo e se torne com Ele uma única oferta espiritual agradável ao Pai. Enquanto se conclui assim a preparação dos dons, a assembleia dispõe-se para a Oração Eucarística.

A espiritualidade do dom de si, que este momento da missa nos ensina, possa iluminar os nossos dias, as relações com os outros, as coisas que fazemos, os sofrimentos que encontramos, ajudando-nos a construir a cidade terrena à luz do Evangelho” (fonte: www.snpcultura.org).

Não é o dinheiro que vai resolver o problema da fome no Brasil e no mundo. Resolve-se a fome com a partilha, com a generosidade, com a disponibilidade de não reter somente para si “os cinco pães e os dois peixes”. Quem tem muito dinheiro, ao invés de ajudar a diminuir a fome, aprofunda o fosso da miséria. A fome é debelada pelo espírito de partilha, de solidariedade, de cuidado, de justiça, de não deixar desperdiçar-se o alimento, de distribuir equitativamente o pão. E essa compreensão e atitude estão enraizadas na vida de Jesus de Nazaré cujo Memorial é a Eucaristia.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

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