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Que significa "carregar a cruz"?

aureliano, 06.09.25

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23º Domingo do Tempo Comum [07 de setembro de 2025]

[Lc 14, 25-33]

No caminho para Jerusalém não há meio termo. Para seguir a Jesus é preciso tomada de decisão radical. Não é suficiente acompanhar as multidões. Fé cristã não é imbuir-se de uma ideia, não é adesão a uma ideologia, mas trata-se de adesão e seguimento a uma pessoa concreta: Jesus de Nazaré. Não podemos perder de vista aquelas palavras iluminadas do Papa Emérito Bento XVI: “No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”.

No caminho de adesão a Cristo, todos os dias devemos reafirmar nossa opção por Ele que nos amou e por nós se entregou. Não se pode servir a dois senhores (cf. Mt 6,24). A renúncia aos apegos familiares e a tomada da cruz de cada dia são elementos constitutivos da vida cristã e não somente para as pessoas que assumem a Vida Consagrada. Porém vamos tentar compreender melhor o que isso significa.

Ser cristão é uma Graça de Deus. Mas também é uma opção por Cristo, opção radical, renovada todos os dias. O Reino anunciado por Jesus precisa ser prioridade na vida do cristão. As relações familiares devem também estar a serviço deste Reino. Sempre que houver intervenção da família contrariando os interesses do Reino, é necessário refazer o caminho e re-optar, voltar ao primeiro amor (cf. Ap 2,4). Na vida cristã, o “investimento” tem que ser total. A fé cristã não comporta meias-medidas. A prioridade do cristão que assumiu uma vida familiar não são os filhos, a mulher, o marido ou os pais, mas o Reino de Deus. Em outras palavras, aqueles valores e princípios vividos e propostos por Jesus devem ser a bússola da vida familiar.

A renúncia traz como consequência a cruz. E o que significa carregar a cruz? Aqui precisamos nos deter um pouquinho, pois há equívocos no entendimento dessa palavra de Jesus. Alguns entendem “carregar a cruz” como fazer duras penitências, jejuns, buscar sofrimentos e padecimentos. Outra compreensão muito comum é interpretar a cruz como aceitação das dores e intempéries da vida. Na medida que a pessoa acolhe pacientemente as dificuldades inerentes à vida humana, tais como desencontros, fracassos, doenças, incompreensões, enfretamentos de situações injustas, a acolhida e socorro aos que sofrem etc, está levando a cruz com Jesus.

Bem. O que dissemos até agora é uma possibilidade de interpretação, talvez a mais comum. Porém, para dizer de modo estritamente cristão e evangélico, “carregar a cruz” ainda não é isso. É mais. Muito embora se possa captar no sofrimento cotidiano um conteúdo cristão quando abraçado em Cristo.

Para se entender o que significa “carregar a cruz” precisamos fazer uma viagem histórico-teológica. O que foi “carregar a cruz” para Jesus? Segundo o costume romano, “aquele que carregava a cruz era um condenado por algum crime considerado grave cujo título era levado ao pescoço e atravessava a cidade levando o instrumento de sua execução. Desse modo era mostrado como culpado para toda a sociedade, era excluído, considerado indigno de continuar vivendo entre os seus” (Pe. J. A. Pagola). Foi o que aconteceu a Jesus.

Então “carregar a cruz” significa perfazer o caminho que fez Jesus: “sofrer, com coragem, as rejeições, perseguições, condenações, humilhações infligidas pela sociedade e pelos próprios amigos e familiares, provocadas por causa da fidelidade a Deus e ao Evangelho” (Pe. J. Antônio Pagola). Esse é o caminho de Jesus. Por isso pressupõe opção clara e decisão firme.

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FÉ VERDADEIRA COMPROMETE A PESSOA

O Evangelho de Lucas descreve Jesus caminhando para Jerusalém. Lá seria o lugar da sua morte, mas também, o marco da comunidade cristã de onde partiria para o mundo, anunciando que aquele que morreu crucificado, ressuscitou, está vivo no meio da comunidade.

O discípulo de Jesus deve também percorrer esse caminho porque “o discípulo não é maior do que o mestre” (cf. Mt 10,24-25). E assim como Jesus enfrentou a cruz por causa de sua fidelidade ao Pai, o discípulo também deve fazer os devidos cortes na vida para chegar à ressurreição, colocando Deus como o absoluto de sua vida.

Quando lançamos um olhar para a proposta de Jesus e nos deparamos com uma sociedade em que se faz do cristianismo um ‘supermercado da fé’ e um jogo eleitoreiro, é preciso identificar aí uma contradição. Não é possível crer em Jesus e não se comprometer com o caminho que ele fez. Se por um lado Jesus propõe sair de si em total desprendimento, fazendo-se dom para os outros, por outro, faz muito sucesso a proposta enganadora e sedutora de uma fé que busca responder às necessidades imediatas, resolver problemas, construindo um deus à própria imagem e semelhança. Ou mesmo fazer-se passar por religioso, transformando a fé religiosa em palanque para conquistar votos nas urnas.

É preciso voltar nosso olhar para a proposta de Jesus: “odiar (desapegar-se) pai e mãe, mulher, filhos, irmãos e irmãs e até a própria vida”, “carregar a própria cruz” e “ir atrás de Jesus”. É uma opção que supõe renúncias, riscos e caminho a ser percorrido.

“Odiar pai e mãe” não pode ser entendido como ‘querer mal’; é um hebraísmo que significa desapego total. Em outras palavras: os afetos familiares não podem ser preferidos à proposta de Jesus (cf. Lc 9,57.62). O Reino que Jesus veio anunciar deve ocupar o primeiro lugar na vida do discípulo. Inclusive o casamento, a vida familiar só tem sentido na dinâmica do Reino de Deus. Casar-se, constituir família em busca apenas de bem-estar, para enriquecimento material, para gozar a vida, não faz sentido para o discípulo de Jesus. A vida afetiva na família deve ser também um instrumento e sinal do Reino de Deus. Este deve ocupar o primeiro lugar. Não deixar-se escravizar por nada: nem pelos bens nem pelos parentes nem por qualquer outra coisa. “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

Partindo dessa compreensão do texto bíblico podemos afirmar que crer em Jesus é encarar o desafio de amar sem medida, até o fim, porque ele nos “amou até o fim” (cf. Jo 13,1). Não dá para começar a construção e abandonar a empreitada. É preciso continuar.

Seguir Jesus, ser seu discípulo requer comprometimento pessoal. Não podemos nos deixar manipular por gente má e perversa que se serve da religião para oprimir e dominar. É preciso que, como Jesus, o discípulo se comprometa pessoalmente com sua fé e abrace as consequências desse seu comprometimento. “Qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo”.

*Estamos no mês da Bíblia. Quem sabe você poderia fortalecer ainda mais seu amor à Palavra de Deus, fazendo a leitura orante, participando com mais entusiasmo dos grupos de reflexão e círculos bíblicos, alimentando nos seus filhos, na sua família o amor e o encantamento pela Palavra de Deus?! Hoje há muita facilidade de se acompanhar a liturgia diária pela internet. Antes de ir para o trabalho, poderia dar uma lida no evangelho do dia, no salmo... Ou mesmo fazer o compromisso de ler a Carta aos Romanos, livro proposto pela Igreja para nossa meditação esse ano. São 16 capítulos que trazem importantes esclarecimentos sobre a salvação, a fé, o batismo, a vida cristã no meio a uma sociedade sem sentido e sem rumo. Vamos nessa?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O discípulo deve ocupar o último lugar

aureliano, 29.08.25

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22º Domingo do Tempo Comum [31 de agosto de 2025]

[Lc 14,1.7-14]

O evangelho deste domingo nos mostra duas atitudes reveladoras do interior do discípulo do Reino: escolha dos lugares e escolha dos convidados.

O contexto do evangelho é o da continuidade da caminhada de Jesus para Jerusalém. No caminho o Mestre visita as casas de algumas pessoas. Hoje ele vai à casa de um fariseu a convite deste para uma refeição. E era observado. Mas ele também observava!

Os relatos do evangelho que tratam das refeições de que Jesus participava são interpretadas pelos exegetas como referentes ao Banquete Eucarístico. O texto quer, pois, iluminar as assembleias eucarísticas da comunidade cristã. Certamente havia jogos de interesses, troca de favores escusos e discriminações nas comunidades. Jesus oferece orientações seguras ao discípulo do Reino: é preciso viver na humildade, no serviço generoso e no cuidado para com os pequeninos.

A escolha dos lugares: Aqui Jesus pede aos discípulos que deixem de lado a arrogância, a busca do poder, a competição, o prestígio, o jogo de interesse. É preciso buscar o último lugar. Ou seja: cada qual deve procurar servir onde está. Não se pode viver à cata de primeiros lugares, disputando, competindo, derrubando os outros em busca de sucesso, de poder e de destaque social. O discípulo de Jesus deve aprender dele a “descer”, a colocar-se no último lugar (cf. Fl 2,5-11). O lugar de Jesus é o último. E nós queremos estar lá onde ele está. Ademais, não é o lugar que torna a pessoa importante, mas é a pessoa que torna o lugar importante. É a pessoa que faz o lugar!  E, onde a pessoa estiver, deve lançar pontes para construir fraternidade, diálogo, paz, buscando sempre o bem de todos, particularmente para os pequeninos do Reino de Deus.

A escolha dos convidados: Unido ao jogo de interesse e competição pelos primeiros lugares, está esse outro ensinamento de Jesus: é preciso ajudar a quem precisa sem esperar retorno, reconhecimento, troca. Jesus não está condenando as relações familiares e amistosas. O que ele condena é a atitude de priorizar essas relações em detrimento dos pobres. Estes devem ocupar prioridade em nossas ações. Pois o risco é passar a vida inteira fazendo jogos de trocas de afetos e favores com amigos e familiares, sem jamais tirar um tempo para presença gratuita e serviçal junto aos pobres que não têm como retribuir. Muitas vezes, enquanto a pessoa tem saúde e bens, estamos ali todos os dias para usufruir de suas benesses. Mas quando adoece ou precisa de cuidados gratuitos e generosos, não queremos mais nem notícias.

Nunca podemos nos esquecer de que nossa missão neste mundo é introduzir no meio em que vivemos o modo de pensar e de viver de Jesus de Nazaré. Isto se dá na medida em que nosso modo de viver e de pensar se sustenta numa “vida escondida com Cristo em Deus” (Cl 3,3).

O Papa Francisco, na pequena ilha de Lampedusa, exortava: “A cultura do bem-estar nos faz insensíveis aos gritos dos demais”. “Caímos na globalização da indiferença”. “Perdemos o sentido da responsabilidade”. Estamos vivendo uma cultura da indiferença. Ou seja, há uma cultura antievangélica que insiste na necessidade da competição, reforçando o individualismo, a busca frenética do estar bem contraposto ao fazer o bem. O que conta na vida é o interesse pessoal. O outro me interessa enquanto me dá lucro, possibilidade, vantagem.

Guardemos esta palavra de Jesus: “Quando deres uma festa, chama os pobres, estropiados, coxos, cegos; feliz serás, então, porque eles não têm com que te retribuir. Serás, porém, recompensado na ressurreição do justos” (Lc 14,13-14). A opção pelos pobres não é invenção de teólogos da libertação, como afirmam alguns. Foi a opção de Jesus! “A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza” (cf. 2Cor 8,9), afirmou Bento XVI na Conferência de Aparecida. Papa Francisco fala da necessidade de uma “Igreja pobre para os pobres”.

Sintetizando, podemos dizer que a mensagem do evangelho de hoje é saber receber de graça (humildade); dar de graça (gratuidade); nada de prepotência nem de autossuficiência.

Para refletir: com que interesse me aproximo dos outros e defendo certas bandeiras ideológicas e partidárias? Procuro dar ou receber? Estou interessado pelo bem da pessoa ou nos bens dela?

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Em memória de Santo Agostinho, rezemos com ele:

“Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova… Tarde Te amei! Trinta anos estive longe de Deus. Mas, durante esse tempo, algo se movia dentro do meu coração… Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava… Mas Tu Te compadeceste de mim e tudo mudou, porque Tu me deixaste conhecer-Te. Entrei no meu íntimo sob a Tua Guia e consegui, porque Tu Te fizeste meu auxílio.

Tu estavas dentro de mim e eu fora… “Os homens saem para fazer passeios, a fim de admirar o alto dos montes, o ruído incessante dos mares, o belo e ininterrupto curso dos rios, os majestosos movimentos dos astros. E, no entanto, passam ao largo de si mesmos. Não se arriscam na aventura de um passeio interior”. Durante os anos de minha juventude, pus meu coração em coisas exteriores que só faziam me afastar cada vez mais d’Aquele a Quem meu coração, sem saber, desejava… Eis que estavas dentro e eu fora! Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Estavas comigo e não eu Contigo…

Mas Tu me chamaste, clamaste por mim e Teu grito rompeu a minha surdez… “Fizeste-me entrar em mim mesmo… Para não olhar para dentro de mim, eu tinha me escondido. Mas Tu me arrancaste do meu esconderijo e me puseste diante de mim mesmo, a fim de que eu enxergasse o indigno que era, o quão deformado, manchado e sujo eu estava”. Em meio à luta, recorri a meu grande amigo Alípio e lhe disse: “Os ignorantes nos arrebatam o céu e nós, com toda a nossa ciência, nos debatemos em nossa carne”. Assim me encontrava, chorando desconsolado, enquanto perguntava a mim mesmo quando deixaria de dizer “Amanhã, amanhã”… Foi então que escutei uma voz que vinha da casa vizinha… Uma voz que dizia: “Pega e lê. Pega e lê!”.

Brilhaste, resplandeceste sobre mim e afugentaste a minha cegueira. Então corri à Bíblia, abri-a e li o primeiro capítulo sobre o qual caiu o meu olhar. Pertencia à carta de São Paulo aos Romanos e dizia assim: “Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Rm 13,13s). Aquelas Palavras ressoaram dentro de mim. Pareciam escritas por uma pessoa que me conhecia, que sabia da minha vida.

Exalaste Teu Perfume e respirei. Agora suspiro por Ti, anseio por Ti! Deus… de Quem separar-se é morrer, de Quem aproximar-se é ressuscitar, com Quem habitar é viver. Deus… de Quem fugir é cair, a Quem voltar é levantar-se, em Quem apoiar-se é estar seguro. Deus… a Quem esquecer é perecer, a Quem buscar é renascer, a Quem conhecer é possuir. Foi assim que descobri a Deus e me dei conta de que, no fundo, era a Ele, mesmo sem saber, a Quem buscava ardentemente o meu coração.

Provei-Te, e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me, e agora ardo por Tua Paz. “Deus começa a habitar em ti quando tu começas a amá-Lo”. Vi dentro de mim a Luz Imutável, Forte e Brilhante! Quem conhece a Verdade conhece esta Luz. Ó Eterna Verdade! Verdadeira Caridade! Tu és o meu Deus! Por Ti suspiro dia e noite desde que Te conheci. E mostraste-me então Quem eras. E irradiaste sobre mim a Tua Força dando-me o Teu Amor!

E agora, Senhor, só amo a Ti! Só sigo a Ti! Só busco a Ti! Só ardo por Ti!…

Tarde te amei! Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu Te amei! Eis que estavas dentro, e eu, fora – e fora Te buscava, e me lançava, disforme e nada belo, perante a beleza de tudo e de todos que criaste. Estavas comigo, e eu não estava Contigo… Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Chamaste, clamaste por mim e rompeste a minha surdez. Brilhaste, resplandeceste, e a Tua Luz afugentou minha cegueira. Exalaste o Teu Perfume e, respirando-o, suspirei por Ti, Te desejei. Eu Te provei, Te saboreei e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me e agora ardo em desejos por Tua Paz!” (Santo Agostinho, Confissões 10, 27-29).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

A porta estreita e conversão cotidiana

aureliano, 22.08.25

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21º Domingo do Tempo Comum [24 de agosto de 2025]

[Lc 13,22-30]

“Esforçai-vos por entrar pela porta estreita”. Estas palavras do divino Mestre nos remetem a Jo 10,9: “Eu sou a porta: quem entrar por mim será salvo”. Portanto, a porta estreita pela qual devem passar aqueles que buscam a salvação é o próprio Jesus. Não há outra porta nem outro caminho: “Eu sou o caminho”, afirmara Jesus em outro lugar. Entrar pela “porta estreita” é seguir Jesus, é confiar no Pai, é voltar-se, com compaixão, para os pequenos e pobres.

O relato deste domingo quer nos mostrar que o ser cristão não é um meio mágico de salvação. Esta é o resultado do encontro entre esforço humano e o dom de Deus (cf. Mt 7,13-14). Pensar que seguir uma religião, praticar determinados ritos, frequentar o templo são atitudes suficientes para se salvar, é ledo engano. Uma religião que não nos coloca em comunhão profunda com o Criador e não nos compromete eticamente com o mundo, com a transformação social, com o cuidado para com o planeta e com o ser humano, pode ser uma religião falsa. A gente pode estar caminhando para ouvir aquelas duras palavras: “Não vos conheço. Afastai-vos de mim vós que praticais a iniquidade”. Devemos nos acautelar com uma religiosidade de aparência, de capa, de fachada!

A “porta estreita” está relacionada com Mt 25,31-46: “Tudo o que fizerdes a um destes meus irmãos mais pequeninos foi a mim que o fizestes”. Quem quer entrar na vida de Deus precisa abrir o coração para o exercício da caridade e da misericórdia. Esse é, sem dúvida, o caminho da salvação. Pois salvação não é uma realidade que se dá somente no além, mas uma dinâmica que já começa aqui. Quem entra pela “porta estreita”, quem procura perfazer um caminho de salvação, preocupa-se com os irmãos sofredores, “caminha na justiça e não engana o semelhante” (Sl 15), procura viver com fidelidade sua vocação na família, no trabalho, na consagração. E, consequemente, gera uma realidade de “vida eterna” ao seu redor. “A vida eterna é esta: que conheçam a ti, ó Pai, como único Deus verdadeiro e àquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3).

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A PORTA É ESTREITA E DEUS NÃO QUER NINGUÉM DE FORA

A curiosidade com o número dos eleitos do Reino costuma preocupar algumas pessoas. Mas Jesus deixa claro no evangelho de hoje que isso não importa. O próprio Jesus não responde à pergunta. Para Jesus o que importa mesmo é a conversão, esforçar-se para entrar e se empenhar em manter-se na vida de Deus. A festa é para todos. A porta continua aberta; mas num determinado momento ela será fechada.

Há alguns grupos religiosos que insistem em afirmar que basta “entregar” tudo a Jesus e cruzar os braços. O Evangelho mostra outro caminho: é preciso esforço, empenho pessoal, seguimento de Jesus ”rumo a Jerusalém” pela “porta estreita”.            A eleição não corresponde a mérito humano, mas à graça de Deus. Diante do chamado de Deus, é preciso ouvir, converter-se, esforçar-se para entrar pela “porta estreita”.

É bom lembrar também que a fé é um dom que precisa ser cultivado todos os dias. É como o maná do deserto: se for guardado até a manhã seguinte, apodrece. Todos os dias precisa ser recolhido para aquele dia. Quem não retoma todos os dias o trabalho de responder à Palavra com uma autêntica conversão, gritará em vão: “Senhor, eu fui à missa ou ao culto, participei dos movimentos da igreja...!” O que importa não é ir à igreja (templo), mas ser Igreja (cristão). Vai-se à igreja para celebrar e se fortalecer para ser Igreja, isto é, sinal de Jesus no mundo.

A salvação é para todos. Só não o é para aqueles que a rejeitam, fechando-se na sua auto-suficiência e privilégios.

O cristão instalado, acomodado, apegado às formalidades das práticas religiosas, não se importando em viver como Jesus viveu no amor e serviço ao próximo, vai ficar de fora se não se converter. Quem serve a Deus só com os lábios e não de coração não será reconhecido pelo Pai. A profundidade da vocação e da missão do cristão está em viver como Jesus viveu. Ser cristão é ter a simplicidade, a abertura, a consciência da própria incapacidade e pequenês, e estar aberto às surpresas de Deus. Quem vive assim passa pela porta estreita.

A questão, portanto, não é de se perguntar se poucos ou muitos serão salvos, mas se estamos dispostos a entrar pela “porta estreita” da desinstalação, da acolhida do amor de Deus, do compromisso com a comunidade, com os pobres.

A palavra de Deus deve nos incomodar e desacomodar!

*Queremos deixar nosso abraço carinhoso a todos os catequistas neste domingo a eles dedicado. Catequizar é fazer ecoar o amor de Deus no coração do catequizando. O catequista tem um papel preponderante na comunidade: ele ajuda o catequizando a entrar no caminho de Jesus dentro da comunidade cristã. Nossos dedicados catequistas têm feito um bem enorme às nossas comunidades pela sua dedicação, pelo seu testemunho, pelo empenho para que nossas crianças, adolescentes, jovens e adultos se comprometam com Jesus e seu Reino. Obrigado, catequistas!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Quem faz a vontade de Deus não morre

aureliano, 15.08.25

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Assunção de Nossa Senhora [17 de agosto de 2025]

 [Lc 1,39-56]

UM POUCO DE HISTÓRIA

A solenidade da Assunção de Maria, Mãe de Jesus, foi celebrada pela Igreja desde eras antigas. O nome da festa era Dormição de Maria. Isto é, Maria, depois de sua peregrinação neste mundo, ‘repousou no Senhor’. A celebração deste acontecimento está intimamente associada à ressurreição de Jesus. A Páscoa da Virgem traz no centro, não a Mãe, mas o Filho, para quem o olhar do fiel se deve voltar. Aquela que colaborou para a Encarnação do Filho de Deus deve participar da sua Ressurreição. Na festa da Assunção de Maria se revela aquilo que todo homem e mulher anseiam: ser acolhidos inteiramente no céu.

O dogma da Assunção da Bem Aventurada Virgem Maria, festejado a 15 de agosto, tem nomes diferentes, como Nossa Senhora da Boa Viagem, Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora dos Prazeres etc. Foi proclamado por Pio XII, em 1950, com a Bula ‘Munificentissimus Deus’, com o seguinte texto: Definimos ser dogma divinamente revelado: que a imaculada mãe de Deus, sempre virgem Maria, cumprindo o curso de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória eterna”.

A bíblia não fala nada a respeito do final da vida de Maria. São João mostra que ela, aos pés da cruz, foi adotada pela comunidade como mãe (Jo 19, 27). Lucas nos diz que ela estava junto ao grupo que se preparava para a vinda do Espírito Santo, em Pentecostes (At 1,13s e 2,1). Então a bíblia não conta detalhes sobre o final da vida de Maria.

Nos primeiros séculos, os cristãos tinham o costume de guardar os restos mortais dos santos, especialmente dos apóstolos e mártires. Não há, porém, nenhuma notícia sobre o corpo de Maria. Alguns evangelhos chamados apócrifos, isto é, aqueles relatos sobre a vida de Jesus e dos atos apostólicos que não entraram na ‘lista’ (cânon) dos livros que a Igreja considerou inspirados por Deus, contam histórias da chamada Dormição de Maria. E assim, no século VIII, a devoção popular criou uma história para contar como se deu a morte e a ressurreição de Maria.

ASSUNÇÃO DE MARIA E RESSURREIÇÃO DE JESUS

O dogma da Assunção só pode ser compreendido em relação à Ressurreição de Jesus. Maria, diferente de nós, não precisou esperar o fim dos tempos para receber um corpo glorificado. Depois de sua vida terrena ela já está junto de Deus com o corpo transformado, cheio de graça e luz.

Ainda mais. Não podemos entender a Assunção como se Maria subisse ao céu com o corpo que ela possuía aqui na terra, com ossos, pele, carne, sangue. Não é assim que a Igreja interpreta a ressurreição dos mortos. O corpo de Jesus ressuscitado e o de Maria assunta foram transformados e assumidos por Deus. Paulo deixa bem claro: “... O mesmo se dá com a ressurreição dos mortos: semeado corruptível, o corpo ressuscita incorruptível; semeado desprezível, ressuscita reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado corpo psíquico, ressuscita corpo espiritual” (1Cor 15,42-44a).  Por isso cremos que Maria já está glorificada junto de Deus, toda inteira. Ela antecipa o que está prometido para cada um de nós: participar do banquete da Vida que o Senhor preparou para “aqueles que o amam” (cf. 1Cor 2,9).

O cântico de Maria no evangelho de hoje diz que o Senhor “olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as gerações me chamarão de bem-aventurada, pois o Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor... Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs os poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou”. Aí está a ação de Deus na vida de Maria, a humilde serva do Senhor, que decidiu responder sim ao chamado de Deus para participar na obra da salvação da humanidade. Sua humildade e fidelidade ao projeto do Reino de Deus lhe valeram a participação na glória de Deus, ao lado de seu Filho. Maria é aqui figura da Igreja, que deve levar adiante, não obstante as perseguições e sua pequenez, a missão de Jesus.

REFLETINDO SOBRE O EVANGELHO DE HOJE

O evangelho da liturgia de hoje traz dois relatos: a Visita de Maria a Isabel e o chamado ‘Cântico de Maria’. O primeiro mostra Maria como aquela que assumiu inteiramente o projeto do Pai na sua vida. Não mede esforços para prestar um serviço à sua parenta em necessidade. E no seu encontro com Isabel manifesta-se a sua fé profunda: “Feliz aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido”. Todo aquele que deposita sua confiança em Deus, colaborando na realização do sonho de Deus para a humanidade, é feliz. O relato manifesta também o reconhecimento por parte de Isabel de que aquele que Maria trazia no seio é o Senhor: “Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite?”. Maria é Mãe de Deus e bem-aventurada: “Bendita és tu entre as mulheres”.

O segundo relato é um hino inspirado no cântico de Ana (1Sm 2, 1-10) que canta a ação de Deus em favor da humanidade. É um hino jubiloso que proclama a derrubada dos poderosos e a elevação dos humildes pela ação de Deus em Jesus. É a oração dos pobres que confiam em Deus e no seu poder sobre o mal. Um hino que empenha o fiel nessa luta como Maria.

CONSEQUÊNCIAS PARA A VIDA CRISTÃ

Quando lemos o evangelho e vemos Maria assumindo como primeira atitude, depois de ter acolhido em seu seio o Filho de Deus, a de levar seus préstimos para a prima Isabel, somos levados a pensar em nossas atitudes. Nossa sociedade se deixa levar cada vez mais por uma atitude egoísta que leva a terceirizar a caridade e os cuidados para com aqueles que, por vezes, de dentro da nossa casa, são considerados peso e empecilho para passeios, curtição, jogos, prazeres, baladas...

Mas é preciso ressaltar, porém, que ainda nos deparamos com famílias que cuidam dos seus familiares com afeto, carinho, respeito e dedicação. Pessoas com necessidades especiais cuidadas com um zelo divinal, marial. Uma presença muito parecida com a de Maria: escuta da pessoa idosa que quer contar um caso, visita a um casal em dificuldade de relacionamento entre si ou com os filhos, presença nos abrigos, asilos, orfanatos e hospitais onde se encontram pessoas passando por sofrimento e dificuldades.

Para além dos gestos personalizados de caridade, faz-se necessário empenho na luta por políticas públicas que atendam às necessidades dos menos favorecidos. Refletir seriamente, iluminados pela Palavra de Deus e da Igreja, sobre em quem votar para o exercício de cargos públicos. Participação em conselhos comunitários e associações que se empenham pelos direitos do cidadão e da comunidade, sobretudo nestes últimos tempos em que houve grandes perdas de direitos adquiridos. São gestos simples que nos colocam em sintonia com o ensinamento de Jesus e com as atitudes de fidelidade de Maria, sua Mãe. Recordando a recomendação insistente do saudoso Papa Francisco: por uma “Igreja em saída”, como “hospital de campanha” que não pergunta pelos motivos das feridas, mas que se preocupa em cuidar, aliviar o sofrimento.

A glorificação de Maria foi o resultado do seu peregrinar à luz de Deus nesse mundo. Cada vez que ela dava novos passos para seguir a Jesus, para buscar a vontade de Deus, o Senhor assumia e transformava sua pessoa. Até que chegou o momento final. É o que está reservado para nós! Na vida de fé, cada passo novo que damos é uma resposta ao amor da parte de Deus a nos acolher, tomar pela mão, assumir e transformar. A nós resta-nos deixar que Deus nos tome pela mão e nos faça discípulos fiéis, dedicados, humildes e perseverantes como Maria, enquanto aguardamos a bendita esperança da ressurreição.

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*“É tempo de júbilo em nossa vida”. É o tema escolhido para ajudar as famílias a rezar suas realidades à luz de Deus e experimentar o júbilo, a alegria de pertencer a Deus. Dom José Gilson, bispo de Caxias do Sul/RS, deixa uma mensagem linda para as famílias: “É uma graça de Deus podermos a cada ano refletir sobre a realidade da família, a partir dos valores do Evangelho e dos ensinamentos da Igreja, tendo presente que a família marca profundamente a vida de todos nós, porque levamos para a vida os valores que nela recebemos. Nas últimas décadas a família passou por grandes transformações, algumas das quais fragilizaram profundamente a estrutura familiar. Mas nas famílias tem certas coisas que não deveriam mudar: o amor recíproco entre os pais, amor acompanhado de respeito mútuo, de diálogo, de perdão, de reconciliação; amor que expressa ternura dos pais em relação aos filhos; amor, gratidão e respeito dos filhos em relação aos pais”.

Envolvidos pela onda capitalista, relativista e neoliberal, por vezes, os pais se preocupam somente em proporcionar uma profissão rendosa, um futuro brilhante para os filhos. Isso é um golpe na proposta de Jesus que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Dinheiro, carreira profissional, poder, sucesso não preenchem o coração humano, não plenificam o sentido de vida. É só olhar a vida dos santos: São Francisco, Santo Inácio, Santa Dulce dos Pobres, Servo de Deus Pe. Júlio Maria etc. Deixaram um futuro cheio de sucesso e de brilho para assumir na vida os valores do evangelho que recomenda: “Não acumuleis para vós tesouros na terra, onde as traças e os vermes arruínam tudo, onde os ladrões arrombam as paredes para roubar” (Mt 6,19).

**Dia dos religiosos e religiosas: Nosso abraço carinhoso às pessoas consagradas nesse seu dia: deixaram tudo para viver mais radicalmente o evangelho, numa vida semelhante à do Filho de Deus: pobre, casto e obediente. Um serviço generoso ao Reino “para que todos tenham vida”. Uma vida pobre na solidariedade com os empobrecidos, ‘sobrantes’, ‘invisíveis’, ‘descartáveis’ e na busca da partilha dos bens e dos dons: mesa comum. Uma vida obediente na solidariedade com os que não são ouvidos nem levados em conta: ouvidos atentos ao Pai e aos sinais dos tempos. Anúncio do Reino de Deus e denúncia dos males perpetrados contra a humanidade. Uma vida celibatária consagrada em solidariedade com aqueles que sofrem por falta de amor, de afeto; com aqueles e aquelas que não podem experimentar a beleza e a alegria da acolhida afetuosa e gratuita: abandonados, deserdados, abusados, explorados afetiva e sexualmente; uma contestação de uma sociedade baseada na busca do prazer ao preço da dignidade da pessoa humana. Que Maria, nossa boa Mãe, nos ajude a viver com alegria nossa consagração para que seja um “sacrifício de louvor” (cf. Hb 13,15-16).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Viver desapegados e vigilantes

aureliano, 09.08.25

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19º Domingo do Tempo Comum [10 de agosto de 2025]

[Lc 12,32-48]

No evangelho do domingo passado acompanhamos Jesus orientando seus discípulos a não depositarem sua confiança nos bens terrenos: “Tomai cuidado com todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15). Essa admoestação de Jesus pode ter provocado nos discípulos alguma defecção, desistência, medo de assumir o projeto que o Mestre apresenta. Daí a palavra do evangelho de hoje: “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino”. Parece que Jesus não contava com grande multidão de discípulos. Ele conta com poucos, porém destemidos, generosos, capazes de se desprenderem dos bens e posses e lutarem por um mundo mais fraterno e igualitário. Pequeno grupo que tenha como único tesouro o Reino. Um pequeno rebanho, porém que se constitui em grande sinal do Reino.

  1. “Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”. O desprendimento dos bens em favor dos pobres traz ao discípulo a verdadeira liberdade. Note-se que não se trata, pura e simplesmente, de desprezo das coisas materiais. Isso seria uma maneira doentia, desumana de se relacionar com os bens da Criação, dons de Deus. Mas Jesus propõe um jeito novo: vender e dar em esmola. É a partilha evangélica. É o não-acúmulo, o sair de si em favor dos necessitados. Essa é a perspectiva cristã. Se nosso tesouro é o Reino de Deus, então nosso coração estará em paz, livre, empenhado naquelas realidades que não passam. O cuidado com as pessoas terá prioridade sobre o cuidado com as coisas.
  2. “Que vossos rins estejam cingidos e vossas lâmpadas acesas”. Jesus alerta para a necessidade de se estar atento, pronto. Rins cingidos significa estar preparado para agir. Aliás, o Papa Francisco lembrava que a Igreja precisa sair, ir para as ruas, encontrar-se com os pobres, com os necessitados, com os sofredores: "Eu quero agito nas dioceses, que vocês saiam às ruas. Eu quero que a Igreja vá para as ruas, eu quero que nós nos defendamos de toda acomodação, imobilidade, clericalismo. Se a Igreja não sai às ruas, se converte em uma ONG. A igreja não pode ser uma ONG" (JMJ do Brasil, 2013). Na JMJ da Polônia (2016) o Papa insistia na necessidade de sair: “Queridos jovens, não viemos ao mundo para ‘vegetar’, para transcorrer comodamente os dias, para fazer da vida um sofá que nos adormeça; pelo contrário, viemos com outra finalidade, para deixar uma marca. É muito triste passar pela vida sem deixar uma marca. Mas, quando escolhemos a comodidade, confundindo felicidade com consumo, então o preço que pagamos é muito, mas muito caro: perdemos a liberdade”. E acrescentou: “O tempo que hoje estamos a viver não precisa de jovens-sofá, mas de jovens com os sapatos, ainda melhor, calçados com as botas”. - Lâmpadas acesas significa cuidar da fé. Esta é a luz que ilumina o caminho. Se nos descuidamos do óleo da caridade, das boas obras, da oração fervorosa, do cultivo de uma mística profunda, do cuidado com os pobres e sofredores, nossa fé pode esmorecer e nossa lâmpada se apagar. Então nosso caminho ficará em trevas e também aqueles que precisam de nossa luz.
  3. “Felizes os empregados que o senhor encontrar acordados quando chegar”. É preciso estar despertos. É muito fácil viver dormindo. É só fazer o que todo mundo faz. É deixar a vida correr ao sabor do vento: pra onde ventar a gente vai. É viver insensível ao sofrimento alheio. Quando se vive só para trabalhar, ganhar dinheiro, cumprir algumas normas, comer, dormir, se divertir, é viver dormindo. As coisas mais importantes, fundamentais da vida passam longe. Teologicamente, “dormir” significa viver uma religião de tradição, sem convicção e comprometimento. É não querer perceber o agir de Deus na história, nas pessoas. É ser indiferente, despreocupado com o que realmente conta. Talvez se possam fazer muitas coisas, mas se permanece na superficialidade dessas coisas. Isso é viver dormindo. E Jesus admoesta que é preciso viver acordado. – Um grande risco é vivermos uma “religião adormecida”. Uma espiritualidade que anestesia, que leva para as nuvens, olhando para o alto, sem perceber onde estamos pisando. Que faz viver em torno de si, de seus próprios conflitos e desgraças. “Para viver despertos é importante viver mais devagar, cultivar melhor o silêncio e estar atento aos apelos do coração. Sem dúvida, o mais decisivo é viver amando. Só quem ama vive intensamente, com alegria e vitalidade, atento ao essencial. Por outro lado, para despertar de uma ‘religião adormecida’ só há um caminho: buscar para além dos ritos e das crenças, aprofundar-se mais em nossa verdade perante Deus e abrir-nos confiantemente ao seu mistério. ‘Felizes aqueles que o Senhor, ao chegar, encontrar vigiando’” (Pe. José Antônio Pagola, O caminho aberto por Jesus, p. 215).
  4. “A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido”. São palavras que precisam nos acompanhar a vida toda. Quanto mais recebemos de Deus, maior nossa responsabilidade de repartir. Se Deus me deu muito, devo também dar muito. O Pai do céu não é injusto com ninguém: aqueles que receberam mais, precisam criar consciência de que devem distribuir com quem não tem. A Eucaristia nos ensina que a verdadeira riqueza é a aquela que se divide com os outros. O Deus que defende a vida justa e digna para os pobres não pode habitar num coração dominado pelo poder e pelo dinheiro.

*Neste domingo em que comemoramos o Dia dos Pais, queremos lembrar essa figura representativa do Pai do céu. Oxalá os pais assumissem, de verdade, sua missão para além da manutenção de casa e comida. Pai é aquele que educa, que forma, que se faz presente, que ampara, que dá carinho, que oferece segurança, que aponta e ajuda a trilhar caminhos de vida. Penso que nem todo homem, embora casado, tem vocação para ser pai. Não adianta ter filhos, mas não ser referência de vida, de honestidade, de cuidado, de paternidade responsável. Parabéns papais! Dêem uma olhadinha no modo como São José assumiu a paternidade para com seu filho Jesus: presença, cuidados, zelo, dedicação, exemplo de homem justo e trabalhador, aberto a Deus, humilde, comprometido, perseverante. Por outro lado é bom os filhos examinarem a consciência como têm cuidado de seus pais. Há filhos que procuram os pais só quando precisam: dinheiro, contas, problemas. Seria bom procurar e visitar os pais também para oferecer ajuda, amparo, cuidados: "Filho, cuida de teu pai na velhice, não o desgostes em vida. Mesmo se a sua inteligência faltar, sê indulgente com ele, não o menosprezes, tu que está em pleno vigor. Pois uma caridade feita ao pai não será esquecida, e no lugar dos teus pecados ela valerá como reparação" (Eclo 3,12-14).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

José de Anchieta, um missionário de Guiricema

aureliano, 03.08.25

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“(...) Foi crescendo e sempre falando em ser padre. Eu, muito pobre, não tinha recurso para mantê-lo no seminário.  (...) Um dia, após a Santa Missa celebrada pelo Padre Geraldo Maria de Oliveira, apresentei-o a este e falei sobre o desejo do menino. Padre Geraldo colocou o terço no pescoço do pequeno e perguntou a ele: ‘Você quer ser padre como eu, ou quer ser padre de paróquia?’ O pequeno respondeu: ‘Quero ser padre de paróquia!’. (...) Anchieta, logo que foi ordenado, foi mandado para Bocaina de Minas. Em Bocaina o novo Padre Anchieta desenvolveu um grande apostolado. Em um tempo em que se pregava sobre ‘reforma agrária’, e isto era assunto de suas pregações. Com isto incomodou os homens proprietários de terra, chegou a ser procurado para o matarem” (José Lopes de Lima, Lutas e Vitórias de uma vida, p. 64-69).

Assim escreveu Jose Lopes, nosso finado pai, sobre o homenageado. Há outros episódios no livrinho que não estão aqui por falta de oportunidade.

Nesse dia 04 de agosto de 2025, Padre José de Anchieta celebra 40 anos de vida presbiteral. Uma grande alegria para todos nós! Um homem consagrado que busca viver com leveza, serenidade e comprometimento sua missão.

Esse irmão é uma figura diferenciada. Quando foi para o seminário eu não tinha seis anos de idade ainda. Foi nos idos de 1973. Portanto tenho uma lembrança muito vaga dele em nossa casa antes de sua saída para atender ao chamado do Senhor.

Minha memória mistura relatos dos meus irmãos e lembranças vagas da passagem dele pela minha infância. Mas guardo mesmo, fortemente, os períodos de férias do seminário que ele, impreterivelmente, passava lá em casa, na roça: as de julho, e as de dezembro, janeiro e parte de fevereiro.

Trago vivas na memória sua coragem e disposição para trabalhar. Chegava meio esbranquiçado das sombras da vida de estudante no seminário, e voltava moreno e despelado pelo sol e pelo duro trabalho da roça. Trabalhava todos os dias da semana. No final de semana não deixava de participar das celebrações e atividades pastorais na paróquia. Não tinha nem uma bicicleta. Marchava a pé mesmo pra cidade que ficava a cinco quilômetros.

Em dezembro, a novena de Natal! Como era bom! Um entusiasmo, uma festa. Caminhando à noite pelas casas dos vizinhos e parentes para preparar a festa do nascimento do Menino Deus! Parece que foi por ali que ecoou aos ouvidos do meu coração o primeiro chamado do Senhor. José de Anchieta sempre vibrante, naqueles caminhos por vezes escorregadios, por conta das chuvas. E tentando reconciliar os vizinhos intrigados.

Meu irmão não conhece preguiça. Além de um fôlego invejável e que deixa para trás muitos jovens de hoje, não descansa, não reclama da vida. Não tem preguiça de viajar para os trabalhos e atividades pastorais. Não tem preguiça de celebrar, de estudar, de atender às pessoas, de capinar, de buscar lenha no mato, de limpar a casa e os banheiros. Não tem preguiça nem escolhe serviço. Nunca escolheu paróquia para trabalhar. Sempre vai, sem reclamar, para onde o seu bispo designar.

Durante toda a vida teve grande amor e cuidado para com os mais pobres e desvalidos. Quando celebrou o 60º aniversario natalício pediu que não lhe dessem presentes. Mas pediu que dessem toalha de banho e roupa de cama para distribuir com as pessoas em situação de rua.

Agora, na celebração de seus 40 anos de ministério, está pedindo em favor dos pobres: vai percorrer as onze paróquias por onde passou nesses 40 anos. E já disse o que quer: “Não quero presentes porque não preciso. Não me falta nada. Verifiquem as necessidades dos pobres da paróquia e façam uma doação para eles”.

Esse meu irmão nunca perdeu o entusiasmo da missão. Nunca perdeu a esperança em Deus e na libertação dos pobres e oprimidos. Com ele tenho aprendido a viver o evangelho, a exercer o ministério, a envolver os cristãos leigos e leigas na missão, num caminho sinodal de comunhão e participação. Ele desperta amor à Igreja como Mãe que cuida de nós e nos envia a cuidar de outros.

Tem facilidade de síntese e de trazer para a celebração os principais acontecimentos da história. Tem sempre o cuidado de ligar fé e vida.

Todos nós, lá em casa, devemos a ele a iniciação à vida política. Ele sempre teve um olhar para os pobres, na perspectiva da Igreja latino-americana: a “opção preferencial pelos pobres”. E foi ele que nos despertou para essa realidade social a partir da Doutrina Social da Igreja. Valeu, mano!

Aprendi com ele a rezar com os funcionários da paróquia. A colocar-me em avaliação por parte de quem trabalha conosco. Sem medo do resultado da avaliação. Ele acredita nesse recurso de ir e vir, de falar e de ouvir, de deixar-se tocar pelas questões e realidades de cada um.

À sua maneira generosa, sempre cuidadoso com nossos finados pais. Não dava conta de realizar os cuidados imediatos da mamãe, mas estava sempre ali para ajudar e colocar pessoas que pudessem cuidar.

Desapegado dos bens materiais, não se deixa possuir por nada: não se preocupa com posses. Distribui com quem precisa seus pertences. Sempre se preocupou em ajudar os seminaristas mais pobres, lembrado de que foi socorrido nos tempos de seminário.

Deus seja louvado pela vida deste nosso irmão que arriscou entregar sua vida, suas energias, suas forças para o Reino de Deus, na Igreja.

José de Anchieta, sua vida nos edifica. Você é um bom pastor. Esses 40 anos de ministério, certamente, marcaram e salvaram muitas vidas. Que o Senhor, pela intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, venha sempre em seu socorro em suas necessidades, atenda sempre seus pedidos e o conforte nas eventuais tribulações da vida. Ad multos annos.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Contra a avareza e a cobiça: partilha

aureliano, 01.08.25

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18º Domingo do Tempo Comum [03 de agosto de 2025]

[Lc 12,13-21]

 “A vida do homem não consiste na abundância de bens”. Essa palavra de Jesus deve nos acompanhar sempre.

Alguém poderia perguntar: ‘Por que Jesus não resolveu aquela situação que lhe foi apresentada pelo irmão que se sentia lesado na herança?’ A resposta é que Jesus não veio resolver questões de poder pelo poder. Ele não veio para se meter em confusão de distribuição de herança. Jesus não é inventariante. Ele veio para mostrar que os bens precisam ser repartidos, distribuídos. A consciência moral é que precisa ser bem formada para que as pessoas e o Estado se sensibilizem diante do sofrimento alheio e reparta o pão com o necessitado. Para que ninguém passe necessidade (cf. At 4,34).

O relato do evangelho desse domingo nos convida a uma reflexão profunda, diria mesmo, a um exame de consciência sobre o modo como lidamos com os bens materiais; como lidamos com a “concupiscência dos olhos” (1Jo 2,16).

“Não cobiçarás...” (Ex 20,17). É o Décimo Mandamento da Lei de Deus. O Evangelho de hoje nos permite fazer uma visita aos Mandamentos da Lei de Deus, particularmente ao último. Eles andam tão esquecidos, ultimamente! Será que a Aliança de Deus é também temporária, descartável? Parece que não! Deus estabeleceu com seu Povo uma Aliança eterna, para sempre. E Ele permanece fiel!

O Catecismo da Igreja Católica nos lembra que “o apetite sensível nos faz desejar as coisas agradáveis que não temos”. Enquanto não nos conduzem à injustiça, tudo bem. O problema é quando esse desejo se converte em avareza que é o desejo de apropriação desmedida dos bens terrenos. Ou quando se converte em cupidez que é uma paixão imoderada pelas riquezas e pelo poder. Então o ser humano se desvia da relação filial com Deus.

Esse Mandamento quer ajudar a lidar com os bens e posses sem apegos desmedidos, sem acúmulos, sem idolatrar dinheiro e coisas. O sábio já dizia: “O avaro jamais se farta de dinheiro” (Eclo 5,9). E o Apóstolo exortava: “A raiz de todos os males é, de fato, o amor ao dinheiro” (1Tm 6,10).

O Congresso Nacional e o Governo Federal precisam implementar o chamado Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Ou, como está proposto por último, Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Seria uma forma de arrecadar recursos que precisam ser devolvidos à Receita Federal. Com eles muitas situações de carência no País poderiam ser dirimidas. Mas parece que a preocupação dos parlamentares está voltada para as “emendas parlamentares” Com milionários recursos públicos eles mantêm seus currais eleitorais. Triste realidade em nosso País!

O que nos pode ajudar no caminho para não cairmos na idolatria do dinheiro é buscarmos uma vida de partilha. Enquanto não tivermos a coragem de “mexer no bolso” e doar aos outros, não entraremos num caminho de conversão. E a Igreja orienta: Todos os fiéis de Cristo “devem dirigir retamente seus afetos, para que, por causa do uso das coisas mundanas e do apego às riquezas contra o espírito da pobreza evangélica, não sejam impedidos na busca da caridade perfeita” (Lumen Gentium, 42).

É muito oportuno lembrar aquelas palavras de Jesus: “Onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração” (Mt, 6, 21). Qual é mesmo o nosso verdadeiro tesouro? Que importância damos aos bens que contam realmente? Como temos administrado o dinheiro, os bens, o patrimônio que nos foi confiado? Como lidamos com o “bolsa-família”, com o “seguro-desemprego”, com o “auxílio emergencial”, com os cargos públicos e consequentes ordenados e privilégios, com o empréstimo de dinheiro, com a compra e venda de mercadoria, com o cumprimento dos horários de trabalho, com o cuidado com os bens que não são meus (privados ou públicos), com aqueles que também são meus, com relação à justiça para com funcionários/colaboradores etc, etc?

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“Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”

Recorde um pouquinho a Campanha da Fraternidade de 2010: Economia e Vida, com o lema: Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro (Mt 6,24). O uso das coisas deste mundo deve ser de tal modo que nos torne “ricos para Deus”. O sentido da vida não está na posse de muitos bens, mas na administração deles de tal forma que sejam colocados a serviço de todos. Em outras palavras: os bens deste mundo foram criados para todos. É o princípio da “destinação universal dos bens”.

Vale a pena, nesta oportunidade, recordar o perigo da chamada ‘teologia da prosperidade’. O que é isso? Uma interpretação de textos aleatórios da Bíblia para defender a ideia de que Deus dá riqueza material a quem ele julga justo. E que a miséria é fruto da falta de fé e da consequente maldição da parte de Deus. A esse propósito trago uma palavra oportuna dos nossos Bispos ao tratar da realidade da cultura urbana: “Entristece ver que, em um mundo de individualismo consumista, até mesmo a religião é, às vezes, assumida sob a ótica comercial e da prosperidade financeira (Jo 12,2-17)” (Diretrizes Gerais 2019-2023, Nº 55).

Ora o que diz Jesus? “A vida do homem não é assegurada pela abundância de bens”. Não há dinheiro que garanta uma vida terrena imperecível, sem sofrimentos, sem morte. Jesus quer que vamos além. A vida que ele veio trazer é “plena”. É a vida junto dele que já tem começo aqui. Uma vida vivida no coração amoroso do Pai é a grande bênção que ninguém pode tirar.

O entendimento do progresso material, do enriquecimento como bênção e da pobreza como abandono da parte de Deus, leva a pessoa à prática da idolatria, assumindo os bens materiais como a coisa mais importante da vida, reduzindo sua relação com Deus a um nível puramente comercial e interesseiro. Afasta-se totalmente do ensinamento de Jesus que doou toda a sua vida e pediu que seguíssemos seu exemplo. Do contrário, do ponto de vista material, Jesus teria sido o homem mais rico e poderoso, que já existira, pois fora sempre fiel ao Pai. O erro aqui está na interpretação egoísta e interesseira da vida e dos textos bíblicos.

É fácil perceber o que é mesmo fundamental na vida humana quando nos deparamos com situações-limite. Aquela pessoa que está muito mal, prestes a morrer. O que parece mais importante para ela? O dinheiro? Seus bens materiais? Até mesmo a família e amigos entendem que há algo aí mais importante do que a dimensão econômica ou social. Percebe-se aí como é fundamental a dimensão espiritual, sua relação com Deus Pai Criador. Só essa realidade fundante é que lhe poderá dar sustento nesse momento. O que lhe dá conforto agora não são os bens que adquiriu, os negócios feitos com lucro, mas tudo o que ela fez e se tornou amor.

Um mal muito presente em nosso meio, fruto da cobiça, é a inveja. É um vício que dá origem a outros. “É a tristeza sentida diante do bem do outro e do desejo imoderado de sua apropriação” (Catecismo da Igreja Católica, 2539). Dela nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria diante da desgraça do outro, o desprazer diante de sua prosperidade. Só uma vida vivida em Deus, num exercício de conversão cotidiana, de um esforço em viver na humildade, na simplicidade, no desapego é que possibilitará o combate a esse mal terrível.

“Insensato! Essa noite morrerás, e para quem ficará o que acumulaste?”A grande bênção de Deus é a nossa capacidade de compartilhar com os irmãos, de nos compadecermos, de doarmos um pouco de nós, de nos fazermos dom. O resto é idolatria e egoísmo geradores de infelicidade para si e para os outros.

*Estamos iniciando o mês vocacional. É tempo de retomar nossa caminhada cristã. Como estou vivendo a minha vida, dom de Deus? Tenho ofertado um pouco de mim para as causas humanitárias e sociais? Como tenho feito isso? - E como tenho vivido minha vida cristã? Participo da vida eclesial? Tenho me oferecido para os serviços da comunidade? Tenho acolhido os convites que me são feitos? Como tenho me colocado: no banco da igreja ou nos serviços de acolhida das pessoas e na evangelização? - Costumo rezar pelas vocações? Se alguém de minha casa disser que deseja se consagrar a Deus, como reajo? Apoio, colaboro? - Você é rico para Deus? Qual é sua riqueza? - Vamos rezar essas perguntas. Ver qual delas cala mais fundo dentro de mim...

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Seriam 70 anos de casados

aureliano, 29.07.25

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“Até que a morte nos separe”. Assim prometeram José Lopes e Juracy de Moura, no dia 30 de julho de 1955, na igreja-matriz Nossa Senhora da Encarnação, em Guiricema/MG. No dia 13 de abril de 2022 a morte do papai os separou desta vida terrena. Mamãe ainda viveu por quase dois anos. No dia 29 de fevereiro de 2024 ela também se foi.

O fato é que, se estivessem vivos, fariam, no dia 30 de julho deste ano, 70 anos de casados. Uma vida de “lutas e vitórias”, de “dores e alegrias”, para rememorar os livrinhos que o papai escrevera, já octogenário, uma espécie de autobiografia.

Nós, os filhos, sabemos melhor do que os de fora, sobre essas dores e alegrias. Particularmente os filhos mais velhos. Mas quem saberia aquilatar mesmo as pelejas desses quase 70 anos, vividos lado a lado, seriam os dois velhos. Eles viveram tempos e momentos dolorosos. Muitos deles compartilhados, ainda que involuntariamente, pela força da convivência e sobrevivência familiar, com os filhos.

As enfermidades da mamãe e do papai. As enfermidades e perda de filhos. O preconceito sofrido por conta da doença da mamãe e da vida pobre e humilde de nossa casa. O desprezo e chacota por conta das práticas religiosas. A alimentação pouca e frugal. O milho no paiol: na rapa. A lata de gordura: vazia. A “mistura” que não tinha, ou na frugalidade de um porquinho ou galinha que, raramente, ia pra panela. Arroz e feijão: no fundo do saco. Às vezes com gorgulhos.

Mas nunca faltou o alimento! “A vasilha de farinha não se esvaziou e a jarra de azeite não se acabou” (1Rs 17,16). Comemos canjiquinha com feijão, mingau de fubá com angu, arroz com canjiquinha ou mingau de fubá, um ovinho vez por outra etc. Mas ninguém passou fome. Deus foi sempre providente.

Mamãe, em surtos mentais e convulsões epilépticas frequentes por ocasião das numerosas gravidezes (13 filhos). E não somente nas gestações, mas também em outros “outonos” da vida. Quando, a certa altura da vida, ela começou a fazer um tratamento mais sistemático, sua saúde começou a se estabilizar. Mas as sequelas persistiram até o findar de sua existência na terra.

Por quase 67 anos, papai esteve ali, com uma fidelidade abraâmica, ao lado da mamãe e de todos nós. Certamente, por várias vezes, su’alma silente era transpassada pela aflição, a angústia, a dor. Mas nunca manifestou descontentamento, desespero. Sua vida se resumia em trabalhar para sustentar a família e em rezar para sustentar a fé. Igreja, trabalho e lar: o trinômio que constituiu a vida de meus pais.

A Igreja aqui significa toda sua dimensão de fé, de oração, de participação na vida eclesial. Não deixavam de participar da missa. Não passavam um dia sem rezar o terço. Ainda que meu pai cochilasse, cansado da faina do dia, e o rosário lhe caísse das mãos. Dava o horário de ir para a missa, dizia a quem estivesse em casa: “Podem ficar à vontade. Vou pra missa”. - Era o “rezador” do córrego. Celebrava a Palavra. Homem que estudava, rezava e tinha facilidade para dizer uma palavra boa, oportuna.

O trabalho significa a honestidade de ambos na sustentação da casa. Papai nunca deu prejuízo a ninguém. Nunca recebeu propina. Nunca subornou ninguém nem deixou de pagar suas contas. Nunca recebeu dinheiro suspeito, ilícito. Jamais! Inversamente a isso, buscava ajudar a todos que lhe pedissem auxílio, alimento, um pouco de arroz, de feijão, de fubá. Dividia o pouco que tinha com quem precisasse. - Era o “aplicador de injeção” nos doentes da redondeza. Um “enfermeiro”. Curava muitas de nossas doenças com chás caseiros. A única herdeira desse dom é a Maria Marta: tem a sabedoria de ajudar a curar a pessoas.

O “lar” significa os cuidados do papai com os filhos e com a mamãe. Sua correção ao filho desobediente ou insubordinado era certeira. Não se omitia na educação dos filhos. Todo empenho para que estudassem os primeiros anos. Chamava para o trabalho no roçado, fizesse sol ou chuva. Não maltratava nem exigia demais: mas levava os filhos para o serviço. Cuidava da mamãe como “filha primogênita”, na expressão do Felipe, nosso irmão. Quando ela exagerava na correção de algum filho, ele lhe chamava a atenção: “Juracy, quando você for corrigir os filhos, não o faça com cabo de vassoura, mas primeiro com a palavra e, se preciso for, com a vara. Senão você machuca e gera revolta nos meninos”. E tinha todo zelo para com a mamãe na sua enfermidade. Quando chegava a casa, vindo do trabalho, e não tinha comida pronta, ele ia, sereno, para o fogão a lenha, acender o fogo, preparar uma comida bem frugal: arroz, feijão, angu, abóbora ou equivalente. Levava o prato de comida para a mamãe: “Aqui, Juracy! Coma!” Mamãe jantava satisfeita e feliz. - Era o homem do lar, da casa, pai e mãe: mais de uma vez me lembro de tê-lo visto descendo o morro para a mina d’água, com a bacia enorme de metal nos braços. Estava indo lavar nossas poucas e mulambentas roupas!

Uma vida simples, despojada de bens materiais e de reconhecimento social. Uma vida pobre mesmo. Mas a riqueza da graça de Deus nunca nos faltou. Os valores da vida de Nazaré estavam ali presentes. “Faltava tudo, mas a gente nem ligava. O importante não faltava: seu sorriso, seu olhar” (Pe. Zezinho).

Oremos: Papai e Mamãe, estamos certos de que vocês estão na vida plenificada em Cristo, no céu! “Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais” (Ap 21,4). Vocês sabem de nossas buscas e anseios e também de nossas limitações e fracassos. Peçam a Deus e a Nossa Senhora por nós. Muito obrigado pela vida doada generosamente a todos nós.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Na escola da oração

aureliano, 25.07.25

17º Domingo do Tempo Comum [27 de julho de 2025]

[Lc 11,1-13]

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Dois elementos fundantes devem acompanhar a reflexão do cristão sobre a oração: o risco de reduzir Deus a um bem de consumo para solução de suas próprias insuficiências e preguiça, e o risco de reduzir-se a si mesmo a um ser que lança sobre os outros sua própria responsabilidade.

Notamos, sobretudo no evangelho de Lucas, que Jesus era um homem profundamente orante. Buscava estar sempre em sintonia e comunhão com o Pai. No relato de hoje Jesus está em oração e os discípulos lhe pedem: “Senhor ensina-nos a rezar”. E Jesus, antes de tudo, lhes ensina a oração do Pai-nosso.

Jesus introduz um jeito novo de rezar. Ensina aos discípulos uma oração de profundidade, de comunhão, de adoração, de comprometimento com as necessidades das pessoas. Uma oração de confiança, de entrega, de perseverança. O sentido da oração está em colocar-se na presença de Deus para viver sempre n’Ele, por Ele e para Ele.

Pra que pedir ao Pai se Ele já sabe de nossas necessidades? (Cf. Mt 6,8). A oração não tem o condão de convencer a Deus, como se fôssemos bons advogados, mas de nos colocarmos como dependentes do Pai, tal como a criança diante dos seus pais. Não damos conta de caminhar sozinhos, de resolver as coisas sozinhos, de dar sentido ao nosso viver independentes do Criador. É Ele que nos preenche e satisfaz.

Dizia o Papa Francisco aos jovens no Rio de Janeiro: “É verdade: o ter, o dinheiro, o poder podem gerar um momento de embriaguez, a ilusão de ser feliz, mas, no fim de contas, são eles que nos possuem e nos levam a querer ter sempre mais, a nunca estar saciados. E acabamos empanturrados, mas não nutridos; e é muito triste ver uma juventude empanturrada, mas fraca. A juventude deve ser forte, nutrir-se da sua fé e não empanturrar-se com outras coisas! «Bote Cristo» na sua vida, bote n’Ele a sua confiança e você nunca se decepcionará!” (25 de julho de 2013). Francisco quer dizer que somente Jesus Cristo e uma vida vivida segundo o Evangelho nos poderão preencher profundamente.

Nossa oração deverá, pois, perfazer o caminho que Jesus fez. A oração de Jesus é o modelo de oração para todos nós: “Eu te louvo, ó Pai, porque revelaste estas coisas aos pequeninos”. “Pai, santificado seja teu nome, venha teu reino, seja feita a tua vontade”. “Pai, faça-se a tua vontade e não a minha”. “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”.  A oração dos pobres que acorriam a Jesus deve ser modelo de nossa oração: “Filho de Davi, tem piedade de mim”. “Senhor, se queres, podes curar-me”. “Senhor, vem antes que meu filho morra”. “Senhor, eu não sou digno que entres em minha casa”.

Segundo os ensinamentos do evangelho de hoje, nossa oração não pode ser na linha de reduzir Deus a um objeto de consumo, mantendo com Ele uma relação de compra e venda. O que não seria Deus, mas uma caricatura de Deus, um ídolo. Também não podemos jogar para Deus aquilo que é de nossa responsabilidade. Não podemos pedir a Deus que resolva nossos problemas, mas pedir a Ele que venha em nosso socorro para que saibamos lidar com os problemas de cada dia. Pois Deus não é uma conquista, mas um dom. A única coisa que nos cabe é acolhê-lo com gratuidade e alegria como Senhor absoluto de nossa vida.

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A ORAÇÃO DO DISCÍPULO DE JESUS

É interessante observar como se multiplicam as orações e as fórmulas de orações por aí! Muitos insistem em orações poderosas. Parece que determinadas orações têm mais poder do que outras. Fazendo-se determinadas preces e realizando-se certos rituais se alcança o que se pede etc.

É bom olharmos o Evangelho de hoje. Em primeiro lugar, aparece Jesus como um homem orante. Quando termina sua oração os discípulos lhe pedem: “Ensina-nos a orar”. Daqui se depreende que em primeiríssimo lugar precisamos aprender de Jesus a fazer nossas orações. Ou seja, precisamos olhar para Jesus. Como ele rezava, o que rezava, em que situações rezava.

A oração que ele ensinou de imediato aos discípulos é a oração que costumamos fazer muitas vezes ao dia: o Pai nosso. Aqui está resumido todo o ensinamento de Jesus. Uma oração que nos remete sempre ao Pai e ao comprometimento com os irmãos. Isso significa que a oração de petição: “pedi e recebereis”, deve sempre nos colocar no coração do Pai e na vida dos irmãos. Nossa oração deve nos ajudar a sair de nós mesmos.

Uma oração egoísta não atinge o coração do Pai. A oração que fazemos, pedindo ao Pai pelos outros, pela comunidade, será sempre atendida, pois não buscamos nossos interesses egoístas, mas os interesses da comunidade. E Deus sempre atende à oração que nos abre aos outros, pois aí se realiza a vontade do Pai. A oração deve nos fazer melhores.

A vida de Jesus foi sempre conduzida pelo Pai. Sua oração era sempre em vista de realizar a vontade do Pai. Colocar-se confiante nas mãos do Pai, eis a melhor oração que alguém pode fazer.

Onde e quando devemos fazer nossa oração? A casa, o quarto, a capela, o local de trabalho, a rua etc. Todo lugar é lugar de oração. Deus está em toda parte. Quando conseguimos um espaço mais silencioso e calmo, certamente nossa oração será mais centrada, mais meditativa, mais contemplativa, mais eficaz. Cada um deve buscar um espaço para sua oração. O importante é não passar sem oração.

A manhã, sem dúvida, é o melhor tempo para nossa oração mais profunda. Dizia o grande teólogo protestante, Bonhöeffer: “A oração da manhã decide o dia. O tempo desperdiçado, as tentações às quais sucumbimos, a preguiça e a falta de coragem no trabalho, a desordem e a indisciplina dos nossos pensamentos e das nossas relações com os outros, têm muitas vezes a sua origem no fato de sermos negligente na oração da manhã”. Lutero dizia que rezar deveria ser a primeira coisa a fazer quando acordamos.

Quanto às fórmulas de oração, há muitas: espontâneas, prontas, leitura orante, liturgia das horas e a oração por excelência, a Eucaristia. Esta deve estar no coração de nossa vida. É aí que culminamos nossas ações do cotidiano. É aí, na Eucaristia, que nos alimentamos para não desanimarmos no caminho da realização da vontade do Pai.

Cada um busque fazer sua oração de intimidade com o Pai, sem busca desesperada de negociar com Deus. Mas pedindo ao Pai sua presença amorosa para si e para aqueles que precisam da graça dEle mediada pela nossa presença e participação. Pois uma oração que não nos faz melhores, mais humanizados, mais humildes, mais servidores é sinal de que não é oração inspirada em Jesus, mas no próprio egoísmo. A oração precisa nos humanizar, nos divinizar. E isto, não pela nossa força, mas pela ação da Graça de Deus quando encontra abertura em nós.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN.

 

O que é mais importante em minha vida?

aureliano, 18.07.25

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16º Domingo do Tempo Comum [20 de julho de 2025]

[Lc 10,38-42]

Jesus caminha para Jerusalém. Na Samaria tem dificuldade de acolhimento, pois judeus e samaritanos são inimigos figadais. O episódio do relato deste domingo mostra o modelo de acolhida orientado por Jesus. Ele não quer contrapor Marta e Maria, vida ativa e vida contemplativa. Nem quer condenar a atitude de Marta. Afinal alguém tinha que preparar a casa e a refeição!

Jesus quer mostrar que Marta está fora dos limites. Corre demais, se agita, se preocupa demais com os afazeres. Seu modo de trabalhar não corresponde ao modo humano de lidar com os trabalhos e atividades. É preciso trabalhar, mas sem perder a calma, a serenidade. É preciso cuidar para que o trabalho não seja nem fuga de si mesmo nem ídolo a quem sacrificamos nossa vida. O trabalho precisa ter um sentido divino.

Também em nossas comunidades corremos o risco de trabalharmos muito, de corrermos muito, de colocarmos as pessoas sob pressão, nervosismo e afobação desviando-as daquilo que é essencial na vida: fazer a experiência do amor de Deus aos pés do Mestre. Maria é o exemplo de quem busca o essencial, o “único necessário”. Sem esse encontro de intimidade com o Senhor, nossa missão se transforma em ação dispersiva e vazia. Cansa e não contagia ninguém. “Podemos deparar-nos com comunidades animadas por funcionários afobados, mas não por testemunhas que irradiam seu vigor” (Pe. Antônio Pagola).

Ademais, é bom pensarmos, por outro lado, naquelas propostas muito em voga em nossos dias, de uma mistificação vazia com o nome de espiritualidade. Há muita gente correndo atrás de “energias positivas”, entrando debaixo de pirâmides, fazendo exercícios “místicos” em busca de equilíbrio e harmonia interna. Isso pode ajudar muito, psicologicamente. Mas dar a isso o nome de espiritualidade é falsear o que esse termo significa, pelo menos do ponto de vista cristão. Espiritualidade é deixar-se conduzir pelo Espírito de Deus. É uma forma de vida segundo o Espírito. É movimento na direção dos irmãos, pois o Espírito é Sopro.

Então é preciso ter cuidado com práticas mistificadas que podem fazer a pessoa voltar-se para si mesma, colocando-se como centro do mundo, esquecendo-se dos irmãos a seu redor. Só tem sentido o exercício espiritual que nos faz sair de nosso egoísmo e nos colocarmos a serviço dos irmãos mais necessitados. Foi esse Espírito que animou Jesus e seus seguidores na história. Marta e Maria representam duas realidades complementares que precisam ser bem integradas dentro de nós.

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HOSPITALIDADE: ACOLHER O OUTRO COMO DOM

De um modo geral, o brasileiro é muito acolhedor. A experiência nos mostra que, ao bater à porta de alguém, esperamos sempre ser acolhidos, ouvidos. Normalmente as pessoas nos convidam para entrar, para tomar um cafezinho, um suco, uma água etc. Perguntamos: O que significa mesmo ser acolhedor, receber visitas?

Neste domingo temos, na liturgia, dois exemplos de hospitalidade: Abraão e Marta. Abraão nos ajuda a perceber o mistério escondido na hospitalidade: a promessa que se realiza no dom do filho (Isaac). Marta e Maria nos ensinam que, antes de fazer muitas coisas para o hóspede, é preciso saber acolher, ouvir o ensinamento (de Jesus).

O ativismo não deixa sobrar tempo para os outros, nem mesmo para a família. Há muitas mães e filhos que reclamam a ausência do marido e pai por sair demais de casa, por trabalhar demais. Quando a ‘casa’ desmorona fica-se perguntando o porquê. Pode ser tarde demais! Muita gente diz que não tem tempo para servir à comunidade. Está gastando o tempo em quê? Um dia terá que parar pela doença, pela idade ou pela morte. E pode ser tarde demais!

Observamos que Abraão escolheu o melhor de sua cozinha para seus hóspedes. Maria deu o melhor de si, seu tempo todo para escutar o Mestre. Marta foi censurada por se ocupar com muitas coisas, desprezando o “único necessário”. Um bom anfitrião pode servir o melhor possível, mas se não escuta o que o visitante tem para dizer, fará uma montão de coisas, e a finalidade real da visita não se realizará. Nossa preocupação não pode se centrar nos nossos afazeres: almoço, churrasco, granfinagem, mas na pessoa, no seu rosto e nas suas palavras que nos interpelam. Senão nossa hospitalidade vai se transformar em exibicionismo, auto-afirmação, vaidade. Jesus lembra a Marta que ela precisa se preocupar com o “único necessário”.

Vivemos num tempo de muita agitação. “Tempo é dinheiro”, dita o Mercado. Não se pode perder tempo. Esse ritmo faz a vida perder o sentido. Vivemos num ritmo desesperado, estressante, provocado por essa busca frenética do ter que relativiza o ser, oferta gratuita de si para a vida dos outros.

Então perguntamos: o que é mesmo essencial em nossa vida? O que é mais importante: fazer muitas coisas, trabalhar muito, falar muito, correr o dia inteiro, engordar a conta bancária? Será que não estamos precisando de parar um pouco e ouvir a Palavra, escutar o que Deus nos quer falar? A liturgia da Palavra de hoje nos convida a parar, gastar tempo com o outro, oferecer o melhor de nós, estar mais com a família, desligar o computador, a TV e o celular de vez em quando. - Você consegue passar um dia sem acessar redes sociais? A Palavra de Deus nos provoca e nos desinstala, convidando-nos a parar e ouvir as pessoas, a fazer algumas visitas, a estarmos gratuitamente um pouco mais com aquelas pessoas abandonadas, sozinhas, isoladas, sofridas. A acolher em nossa casa aqueles que nos buscam ou precisam de nós; não tanto de nossas ‘coisas’, mas de nós, de nosso tempo, de nosso ouvido, de nossa compreensão, de nossa participação em sua vida.

O fundamento da hospitalidade e do acolhimento cristãos é saber compreender que o centro de nossas preocupações não deve ser nossa incansável atividade cotidiana, mas a pessoa humana que nos é dada e que nós recebemos, tantas e tantas vezes, como um dom da parte de Deus. 

Nosso encontro com o Senhor na Celebração Eucarística quer renovar em nós o vigor para nos colocarmos na atitude de Abraão e de Maria que param e escutam o que Deus lhes quer falar. “Uma só coisa é necessária”.

Pe. Aureliano de Moura  Lima, SDN