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Finados: a volta para a casa do Pai

aureliano, 01.11.17

finados 17.jpg

Comemoração de todos os fiéis defuntos [02 de novembro de 2017]

[Jo 6,37-40]

Para o cristão, celebrar finados é o mesmo que celebrar a esperança. A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte é critério para o cristão no momento decisivo de sua partida, ou na participação na morte de alguém. “O último inimigo a ser vencido é a morte” (1Cor 15, 26). O mistério da vinda do Filho de Deus a este mundo (Encarnação) e sua Morte e Ressurreição colocou um ponto final sobre a nossa morte.

“A vontade daquele que me enviou é esta: que eu não perca nada do que ele me deu, mas que o ressuscite no último dia”. Quando Jesus faz essa afirmação na sinagoga de Cafarnaum, numa belíssima palavra sobre sua vinda a esse mundo como “pão da vida” deixa claro o desígnio do Pai a respeito do ser humano: fomos criados para a comunhão plena com Deus, participando de uma vida que não tem ocaso. A ressurreição para a vida é a meta de todo aquele que empenha suas forças em ser bom à semelhança de Jesus de Nazaré. Ele põe abaixo aquela ideia existencialista de que o ser humano é um “ser para a morte”.

A morte para o cristão é um mistério. Isto é, ela só pode ser compreendida à luz do que aconteceu com Jesus de Nazaré. Assim como Ele foi aprovado por Deus, assim também aquele que procura viver como ele viveu será aprovado, ressuscitado pelo Pai. Ressurreição é passagem da morte para a vida (cf. Jo 20,1-18); do pecado para a graça (cf. Cl 1,21-22). É chegar à comunhão com Deus para viver com ele eternamente (cf. Ap 21,1-7).

Finados ou o falecimento de pessoas queridas pode ser uma pedra de toque na nossa vida. Ajuda-nos a valorizar o que ultrapassa os limites da matéria. Lembra-nos a importância de morrermos para nós mesmos. A morte é uma realidade espiritual que confirma a definitiva e inabalável superação do homem confinado na perspectiva material.

Um texto que ajuda a despertar a esperança e a confiança são aquelas palavras de Isaías: “Por acaso uma mulher se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem, eu não me esqueceria de ti!” (Is 49,15).

Aquele que nos deu a vida e nos fez sair do aconchegante ventre materno para a luz do dia, há de nos fazer sair deste mundo, demasiadamente limitado, para a luz e a paz de Deus. “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

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EM CRISTO, A VIDA PREVALECE SOBRE A MORTE

(Jo 11,17-45)

Defunto vem do particípio latino, defunctu, de+fungor, significa falecido, aquele que cumpriu inteiramente sua função. Quando, na Igreja, esta palavra é acrescida do termo ‘fiéis’, quer dizer que há algo mais do que uma mera função cumprida. O cristão e todo aquele que busca viver os valores do Evangelho não termina sua vida na morte. Não perde simplesmente uma função ao morrer. Sua vida está “escondida com Cristo em Deus” (cf. Cl 3,1-4). Para quem busca a vida, defende a vida, dá a vida pela vida, não há morte. Deus não o abandona na “sombra da morte”. O que o Pai fez com seu Filho, fará também com todo aquele que busca viver como Cristo viveu.

A liturgia de hoje propõe vários textos para escolha da equipe de liturgia. Escolhi este relato do evangelho de João. Julguei muito interessante trabalhar esta cena do evangelho, talvez pouco explorada na liturgia.

O capítulo 11 de João é uma catequese sobre a ressurreição. No evangelho de João encontramos Jesus realizando sete sinais. O primeiro aconteceu em Caná da Galileia, na transformação da água em vinho. O sétimo é o relato da ressuscitação de Lázaro. João não fala de milagres, mas de sinais. O que Jesus realiza é para levar o discípulo a confiar nele, a reafirmar sua fé no Cristo Ressuscitado. O relato de hoje prepara o discípulo para entrar confiante e esperançoso na cena da paixão. Em outras palavras, a paixão de Jesus, sua cruz e morte não devem ser motivo de desânimo nem de desencanto para o discípulo, mas motivo de se firmar no caminho da cruz, pois esta leva à glória do Pai.

Uma afirmação central no relato de hoje, deve sempre nos acompanhar: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Esta palavra tem sentido quando se torna viva e eficaz dentro de nós. A pergunta de Jesus à Marta e sua consequente resposta coloca nossa vida cristã em constante desafio de fidelidade, sobretudo nas situações-limite da vida. “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” (Jo 11,26). Marta, aqui, simboliza o discípulo que não desiste da fidelidade e da confiança em meio às tribulações, e professa sua fé: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir ao mundo” (Jo 11,27).

Outro elemento, relacionado ao que acabamos de comentar, é o do significado de Marta e de Maria neste relato. Maria, pela atitude de ficar em casa, mergulhada na tristeza, prisioneira do círculo da morte e do pranto, representa aquele que se fecha à possibilidade da fé. Marta, no entanto, embora triste e sofrida pela morte do irmão, se abre confiante ao Senhor como Aquele que pode libertá-la da prisão da morte. Sai do mundo da morte para ser mensageira d’Aquele que é o portador da vida. Uma vez alimentada e confirmada na esperança, vai confortar e animar sua irmã que jaz no círculo da morte. É a nossa missão!

Ainda uma breve palavra a respeito de Jesus nesta cena. Vemos claramente a humanidade de Jesus: “E Jesus chorou”. Dizem que este é o menor versículo da Sagrada Escritura. Jesus era um homem que tinha sentimentos. Chorou a morte do amigo! O interessante para nós é que Jesus não se prendia aos sentimentos. Nem os reprimia. O norte da vida de Jesus era a vontade do Pai. Tinha consciência de sua missão. Sabia que devia levá-la até o fim. Ao realizar aquele sinal da revivificação de Lázaro, no contexto do diálogo com Marta e Maria e na presença de seus inimigos, sabe que sua ação terá consequências em vista do Reino de Deus.

Então não há problema em chorar e lamentar a morte de alguém. Mas é preciso ressignificá-la na fé. Marta se torna para nós inspiração de abertura, de discipulado, de adesão firme e confiante ao Senhor que se nos revela nos acontecimentos dolorosos da história.

A morte permanece para o ser humano como um mistério profundo. Ainda não se descobriu a pílula da imortalidade! Todos morreremos: ricos e pobres, sãos e doentes, novos e velhos, religiosos e descrentes. É o fim de todos. O modo como cada um encara este momento é que varia. Para o cristão, a morte segue o caminho de Jesus. Pode ser um cálice amargo que se deve beber até o fim. Porém com aquela certeza de que, se cumprirmos a vontade do Pai, ele nos acolherá de braços abertos para a vida que não tem ocaso.

Como se dará isso, certamente, não o sabemos. Mas a Igreja reza assim: “Nele (Cristo) refulge para nós a esperança da feliz ressurreição. E aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Ó Pai, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada, e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Prefácio da missa).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Eu sou a ressurreição  e a vida”

aureliano, 01.04.17

ressurreição de lázaro.jpg

 

5º Domingo da Quaresma [02 de abril de 2017]

[Jo 11,1-45]

Ao escrever o evangelho, João descreve Jesus realizando “sinais”; não fala de “milagres”. Este é o sétimo sinal realizado por Jesus, segundo João. Diante da morte do amigo Lázaro e diante da própria morte que se aproxima, Jesus diz: “Eu sou a ressurreição e a vida”. É a grande revelação de Jesus. A ressurreição em Cristo depende da fé em Jesus. Aderir a Jesus à semelhança do amigo Lázaro é aderir à Vida em pessoa: “Nele estava a vida” (Jo 1,4). Lázaro é sinal de uma vida que não morre: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11,25).

Como temos lembrado, para os primeiros cristãos a quaresma era o tempo de se prepararem aqueles que seriam batizados na Vigília Pascal. E os textos nos querem ajudar a mergulhar no sentido do batismo para o cristão.  À medida que compreendermos bem o batismo e suas consequências para a vida cristã, teremos menos “problemas” na pastoral do batismo e, consequentemente, construiremos uma Igreja que seja mais significativa e mais incisiva na história, como é o propósito do sacramento do batismo.

O relato da revivificação de Lázaro é uma imagem do batismo cristão. Batismo é a vida nova assumida e vivida em Cristo: “Se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vós, aquele que ressuscitou Cristo Jesus dentre os mortos dará vida também a vossos corpos mortais mediante o seu Espírito que habita em vós” (Rm 8,11). A vida eterna não é algo que está ainda para acontecer plenamente, mas já é realidade para aquele que crê em Jesus Cristo. É o “já e ainda não” de quem segue a Jesus. O Espírito faz viver nossos corpos mortais apesar da morte; faz-nos viver a vida de Deus no meio da morte. Embora no meio da morte, estamos vivos: “Se, porém, Cristo está em vós, o corpo está morto, pelo pecado, mas o Espírito é vida, pela justiça” (Rm 8,10). Na perspectiva cristã a história não caminha para o caos, mas para a ressurreição final.

“Quem não tem o Espírito de Cristo não pertence a Cristo” (Rm 8,9). Se o batismo nos dá o Espírito que animou o Cristo, não podemos agir por outro espírito, com o “espírito de porco”, por exemplo. Ou seja, o cristão deve traduzir em obras a fé que proclama no Cristo. Isso significa transformar a sociedade de morte em uma sociedade de vida, onde reine a justiça, a bondade e a comunhão. É renunciar a uma vida “segundo a carne”, isto é, movidos pelos desejos egoístas, e buscarmos viver “segundo o espírito”, isto é, numa abertura cada vez maior àqueles que precisam de nós. Numa verdadeira eucaristia: vida doada, entregue pela salvação e libertação de todos.

Ó Deus de bondade, dai-nos por vossa graça caminhar com alegria na mesma caridade que levou o vosso Filho a entregar-se à morte no seu amor pelo mundo. Amém.

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DIANTE DA MORTE: CHORAR E CONFIAR

O relato de hoje traz um fato muito interessante de Jesus: ele chorou diante da morte do amigo Lázaro. Esse fato vem mostrar o sentimento de humanidade de Jesus. Ele não chorou simplesmente pela morte do amigo, mas sentiu na alma a dor da impotência humana diante da morte. Duas atitudes tomadas por Jesus diante da morte: chorar e confiar em Deus.

A morte é sempre uma realidade de dor e de sofrimento. Há dentro de todos nós um desejo insaciável de viver. Por que a vida não se prolonga mais? Por que não se tem mais saúde para uma vida mais ditosa? Que é feito da “pílula da imortalidade”?

O ser humano de hoje carrega cravadas em seu coração as perguntas mais inquietantes e mais difíceis de se responderem: ‘Que será de cada um de nós? Que podemos fazer? Rebelar-nos? Deprimir-nos?’ – Sabemos que vamos morrer. Mas quando, onde, se sozinhos ou assistidos... não sabemos. Mas seria muito bom termos ao nosso lado, naquele momento derradeiro, alguém que nos ajude a “entregar o espírito”! Mesmo assim, porém, ninguém se livra da solidão da morte! Naquele momento, ainda que esteja uma multidão ao nosso lado, morremos sozinhos!

Diante do mistério último de nosso destino não é possível apelar a dogmas científicos nem a explicações espiritualistas e extraordinárias. A razão não dá conta de nos explicar este mistério. Nós cristãos devemos nos colocar com humildade diante do fato obscuro da morte. E fazermos isso com humildade, numa radical confiança no mistério da bondade do Pai manifestada em Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês nisto?”. A resposta confiante de Marta quer mostrar o caminho que o discípulo de Jesus deve percorrer no confronto com a situação da morte: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que deve vir ao mundo”.

O relato do evangelho deste domingo quer mostrar-nos que a presença do Senhor faz brotar a esperança. Marta, que crê na ressurreição de Cristo, na vida que ele veio trazer, torna-se para sua irmã, Maria, mensageira do chamado do Senhor que a faz sair do mundo da morte em que estava mergulhada, para estar diante do Senhor da vida.

Dizem que Hans Küng afirmava a respeito da morte: “Morrer é descansar no mistério da misericórdia de Deus”. (Este texto teve como fonte alguns pensamentos do Pe. Antônio Pagola).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Finados: a volta para a casa do Pai

aureliano, 01.11.16

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Comemoração de todos os fiéis defuntos [02 de novembro de 2016]

[Jo 6,37-40]

Para o cristão, celebrar finados é o mesmo que celebrar a esperança. A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte é critério para o cristão no momento decisivo de sua partida, ou na participação na morte de alguém. “O último inimigo a ser vencido é a morte” (1Cor 15, 26). A vinda do Filho de Deus a este mundo e sua morte e ressurreição colocou para nós o ponto final sobre a morte.

A morte para o cristão é um mistério. Isto é, ela só pode ser compreendida à luz do que aconteceu com Jesus de Nazaré. Assim como Ele foi aprovado por Deus, assim também aquele que procura viver como ele viveu será aprovado, ressuscitado pelo Pai. Ressurreição é passagem da morte para a vida (cf. Jo 20,1-18); do pecado para a graça (cf. Cl 1,21-22). É chegar à comunhão com Deus para viver com ele eternamente (cf. Ap 21,1-7).

Finados ou o falecimento de pessoas queridas pode ser uma pedra de toque na nossa vida. Ajuda-nos a valorizar o que ultrapassa os limites da matéria. Lembra-nos a importância de morrermos para nós mesmos. A morte é uma realidade espiritual que confirma a definitiva e inabalável superação do homem confinado na perspectiva material.

Um texto que ajuda a despertar a esperança e a confiança são aquelas palavras de Isaías: “Por acaso uma mulher se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem, eu não me esqueceria de ti!” (Is 49,15).

Aquele que nos deu a vida e nos fez sair do aconchegante ventre materno para a luz do dia, há de nos fazer sair deste mundo, demasiadamente limitado, para a luz e a paz de Deus. “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

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Jo 11,17-45

EM CRISTO, A VIDA PREVALECE SOBRE A MORTE

Defunto vem do particípio latino, defunctu, de+fungor, significa falecido, aquele que cumpriu inteiramente sua função. Quando, na Igreja, esta palavra se acresce do termo fiéis, quer dizer que há algo mais do que uma mera função cumprida. O cristão e todo aquele que busca viver os valores do Evangelho não termina sua vida na morte. Não perde simplesmente uma função ao morrer. Sua vida está “escondida com Cristo em Deus”, (cf. Cl 3,1-4). Para quem busca a vida, defende a vida, dá a vida pela vida, não há morte. Deus não o abandona na “sombra da morte”. O que o Pai fez com seu Filho, fará também com todo aquele que busca viver como Cristo viveu.

A liturgia de hoje propõe vários textos para escolha da equipe de liturgia. Escolhi este relato do evangelho de João. Julguei muito interessante trabalhar esta cena do evangelho, talvez pouco explorada na liturgia.

O capítulo 11 de João é uma catequese sobre a ressurreição. No evangelho de João encontramos Jesus realizando sete sinais. O primeiro aconteceu em Caná da Galileia, na transformação da água em vinho. O sétimo é o relato da ressuscitação de Lázaro. Vejam que João não fala de milagres, mas de sinais. O que Jesus realiza é para levar o discípulo a confiar nele, a reafirmar sua fé no Cristo Ressuscitado. O relato de hoje prepara o discípulo para entrar confiante e esperançoso na cena da paixão. Em outras palavras, a paixão de Jesus, sua cruz e morte não devem ser motivo de desânimo nem de desencanto para o discípulo, mas motivo de se firmar no caminho da cruz, pois esta leva à glória do Pai.

Uma afirmação central no relato de hoje, deve sempre nos acompanhar: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Esta palavra tem sentido quando se torna viva e eficaz dentro de nós. A pergunta de Jesus à Marta e sua consequente resposta coloca nossa vida cristã em constante desafio de fidelidade, sobretudo nas situações-limite da vida. “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” (Jo 11,26). Marta aqui, simbolizando o discípulo fiel, que não desiste da fidelidade e da confiança em meio às tribulações, professa sua fé: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir ao mundo” (Jo 11,27).

Outro elemento, relacionado ao que acabamos de comentar, é o do significado de Marta e de Maria neste relato. Maria, pela atitude de ficar em casa, mergulhada na tristeza, prisioneira do círculo da morte e do pranto, representa aquele que se fecha à possibilidade da fé. Marta, no entanto, embora triste e sofrida pela morte do irmão, se abre confiante ao Senhor como Aquele que pode libertá-la da prisão da morte. Sai do mundo da morte para ser mensageira d’Aquele que é o portador da vida. Uma vez alimentada e confirmada na esperança, vai confortar e animar sua irmã que jaz no círculo da morte. É a nossa missão!

Ainda uma breve palavra a respeito de Jesus nesta cena. Vemos claramente a humanidade de Jesus: “E Jesus chorou”. Dizem que este é o menor versículo da Sagrada Escritura. Jesus era um homem que tinha sentimentos. Chorou a morte do amigo! O interessante para nós é que Jesus não se prendia aos sentimentos. Nem os reprimia. O norte da vida de Jesus era a vontade do Pai. Tinha consciência de sua missão. Sabia que devia levá-la até o fim. Ao realizar aquele sinal da revivificação de Lázaro, no contexto do diálogo com Marta e Maria e na presença de seus inimigos, sabe que sua ação terá consequências em vista do Reino de Deus.

Então não há problema em se chorar e lamentar a morte de alguém. Mas é preciso ressignificá-la na fé. Marta se torna pra nós inspiração de abertura, de discipulado, de adesão firme e confiante ao Senhor que se nos revela nos acontecimentos dolorosos da história.

A morte permanece para o ser humano como um mistério profundo. Ainda não se descobriu a pílula da imortalidade! Todos morreremos: ricos e pobres, sãos e doentes, novos e velhos, religiosos e descrentes. É o fim de todos. O modo como cada um encara este momento é que varia. Para o cristão, a morte segue o caminho de Jesus. Pode ser um cálice amargo que se deve beber até o fim. Porém com aquela certeza de que, se cumprirmos a vontade do Pai, ele nos acolherá de braços abertos para a vida que não tem ocaso.

Como se dará isso, certamente, não o sabemos. Mas a Igreja reza assim: “Nele (Cristo) refulge para nós a esperança da feliz ressurreição. E aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Ó Pai, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada, e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Prefácio da missa).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Sinais do Ressuscitado no Vale do Jequitinhonha

aureliano, 30.03.16

Um desejo antigo: conhecer o Vale do Jequitinhonha. A oportunidade veio. A Conferência dos Religiosos do Regional de Minas Gerais realiza, todos os anos, uma Missão na Semana Santa. E quase sempre contempla o Norte de Minas. Uma tentativa de presença missionária em regiões carentes.

Dezoito a vinte e sete de março: período agendado para a missão. Lá vou eu: esperançoso, desejoso de conhecer aquela realidade. De antemão já sabia para que comunidade iria: Virgem da Lapa, paróquia São Domingos. Aí permaneceria entre 19 (sábado) e 23 (quarta). De Quinta-feira Santa a Domingo da Ressurreição (25 a 27) iria para São João do Vacaria, distrito de Virgem da Lapa.

Não pretendo narrar fatos jornalísticos, mas falar de uma experiência: sair de mim mesmo, colocar-me junto a um perito e aprender dele aquela arte. E foi a tentativa que fiz.

O Vale do Jequitinhonha traz em seu seio um povo sofrido, explorado, por vezes discriminado, mas feliz. Ah! Sim! A felicidade ninguém lhes tira. Brota de dentro, do íntimo, de Deus. Não fosse a desfaçatez de ricaços sem piedade e dominados pela ganância, aquele povo viveria muito mais feliz. Não ouvi lamento sobre a falta de chuva, sobre as longas distâncias ou sobre outras intempéries quaisquer. A grande insatisfação é contra a exploração de que são vítimas: o plantio de eucalipto nas barragens e chapadas secou as fontes de água, ameaçando a vida das comunidades. A truculência dos poderosos não leva em conta um povo que ali luta pela sobrevivência. Como sói acontecer em outras regiões do país, não se leva em conta a vida do planeta e do ser humano, mas o lucro sórdido e assassino que enche os bolsos e as bolsas de alguns perversos e gananciosos.

Pude ter contato com várias comunidades: Matriz São Domingos (cidade), Chácara, Funil, Almas, Buritis, Lagoa da Manga, Rosário de Baixo, Pega. Algumas destas comunidades são quilombolas. Um povo simples, humilde, acolhedor, religioso, piedoso. O acesso é bastante difícil, mas a comunidade continua ali: viva, confiante, esperançosa. Celebram a Palavra, celebram suas festas, seus encontros, sua vida.

São João do Vacaria. Um distrito de Virgem da Lapa, situado a 47 Km da sede, e com acesso muito difícil. Que comunidade maravilhosa! Em meio à penumbra da “noite”, vi sinais claros de Ressurreição. O Senhor não abandona o justo!

A população do Distrito gira em torno de 1000 habitantes. Do ponto de vista econômico, um povo marcado pela falta de emprego, de perspectiva profissional, com um futuro incerto. A maioria dos jovens, terminado o Ensino Médio, migra para outras regiões, particularmente São Paulo, a busca de estudo e emprego. Outros, muitos outros da região, realizam aqueles trabalhos sazonais: no tempo do corte da cana-de-açúcar e da colheita do café, vão para o Sul de Minas, São Paulo ou Bahia para ganharem algum recurso a fim de defender o ‘pão das crianças’.

Uma comunidade que se organiza como rede. Rede forte, curtida pela dor, pela luta, pela teimosia em viver e cuidar da vida. A comunidade eclesial (católica), a Unidade de Saúde, a Escola, a Associação estão interrelacionadas. Os líderes comunitários, quase todos ligados à comunidade eclesial, estão nestas diversas instâncias preocupados com a vida e o bem-estar de toda a comunidade, independente de credo e condição social.

A comunidade eclesial tem um planejamento pastoral que engloba a todos. Um fato que me marcou: a Pastoral da Criança, em pleno Sábado Santo, realizando a Celebração da Vida! Sessenta e duas crianças acompanhadas mensalmente pela Pastoral, em parceria com a Unidade de Saúde. Há visitas planejadas aos idosos. Alguns são centenários como o Seu Cristiano que fará 103 anos em breve. Um homem lúcido, bem cuidado pela família e pela comunidade. Ao lado de Dona Geralda, com 91 anos, celebram neste ano 73 anos de vida conjugal. Um casal agradável, harmonioso e feliz. E assim outros como Dona Lody, uma senhora com 97 anos, que ainda tece colcha de retalhos, fia algodão e ajuda nos afazeres da casa, cuidada com um carinho enorme pela bisneta Jeane. Também Dona Lindaura e Seu Vicente, nonagenários, estão por ali. Dona Firmina, Seu Apolinário e Dona Maria, octogenários. E o Marcelo? Irmão do querido Nilinho, é um rapaz com deficiência física e mental, cercado de cuidados pela família, a começar por dona Adalgisa, mãe prestimosa e paciente!

Os agentes de saúde estão para além do soldo! Por vezes são acordados de madrugada por alguém que pede socorro “médico”. E lá vão eles prestar o serviço que sabem e que podem a fim de cuidarem e protegerem a vida.

Na escola, um esforço permanente de professores, serviçais e alunos para que todos sejam protegidos, bem formados, resguardados de qualquer violência ou maldade. Todos se preocupam com todos.

A Associação Comunitária está atenta às necessidades e possibilidades da comunidade, trabalhando em prol de todos. Quando julga necessário, não hesita em tomar medidas necessárias para coibir ações nefastas de exploradores  e malfeitores.

Minha Semana Santa foi muito abençoada. Pude experimentar sinais de ressurreição num ambiente aonde a morte campeia em dominar. Sinais de ressurreição nos jovens dedicados e organizados. Sinais de ressurreição nas pastorais, especialmente na Pastoral da Criança que zela pela saúde e bem-estar dos pequenos indefesos. Sinais de ressurreição no cuidado com os idosos e doentes quando visitados, encaminhados, acompanhados. Sinais de ressurreição nos agentes da saúde e nos profissionais da educação que zelam não somente para ensinar o bê-á-bá, mas olham pelas crianças, adolescentes e jovens no conjunto de sua vida. Sinais de ressurreição nos gestos de acolhida, na casa aberta, no coração generoso, no olhar atento, na mesa farta, na oferta de si mesmo, na tessitura da rede da vida contra as forças da morte que circundam a comunidade.

Ao Pe. Éderson Guedes, pároco prestimoso, ao Roberto Pereira, seminarista dedicado, ao Willian, também seminarista, à Neusa, à Chica, à Lia, à Karina, à Luísa e demais membros da comunidade, minha gratidão profunda pela acolhida e companheirismo em Virgem da Lapa.

Em São João do Vacaria, gratidão eterna à Dona Terezinha que me acolheu generosamente em sua casa, à Helena e Zezinho que acolheram Irmã Cida, companheira de missão, ao José Nilson e Lili, prestimosos no serviço e na acolhida. Grato também à Marlene, ao Gefferson, à Luana, ao Bruno, à Vanda, ao Sr. Rodolfo, à Dona Fatinha, à Silete, ao Marcus Eduardo e a tantos outros “anjos da guarda” da comunidade. Ao grupo de jovens, à Pastoral da Criança liderada por Tatiane Sandes, à equipe de liturgia (ministros, coroinhas e outros mais), minha prece ao Deus da vida para mantê-los na fidelidade e generosidade de coração. A Rede da Vida tecida pela Oração, pela Eucaristia, pela Palavra de Deus, pela Fraternidade, pelo Perdão e pela Generosidade será sempre vencedora das tramas do inimigo e da morte! Deus seja louvado pela beleza e riqueza destes dias!

A maioria das pessoas, ao planejar as férias, pensa em passeio a lugares paradisíacos ou coisas do gênero. E isto é mesmo muito bom e, por vezes, até necessário. Mas se pudessem reservar alguns dias para doarem um pouco de si em realidades em que o povo sofre, seria uma bela oportunidade de conversão pessoal e de serviço à humanidade. Pense nisso!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN