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aurelius

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Ultimidade e gratuidade do discípulo de Jesus

aureliano, 30.08.19

22º domingo do TC - 1º de setembro - C.jpg

22º Domingo do Tempo Comum [1º de setembro de 2019]

[Lc 14,1.7-14]

O evangelho deste domingo nos mostra duas atitudes reveladores do interior do discípulo do Reino: escolha dos lugares e escolha dos convidados.

O contexto do evangelho é o da continuidade da caminhada de Jesus para Jerusalém. No caminho o Mestre visita as casas de algumas pessoas. Hoje ele vai à casa de um fariseu a convite deste para uma refeição. E era observado. Mas ele também observava!

Os relatos do evangelho que tratam das refeições de que Jesus participava são interpretadas pelos exegetas como referentes ao Banquete Eucarístico. O texto quer, pois, iluminar as assembleias eucarísticas da comunidade cristã. Certamente havia jogos de interesses, troca de favores escusos e discriminações nas comunidades. Jesus oferece orientações seguras ao discípulo do Reino: é preciso viver na humildade, no serviço generoso e no cuidado para com os pequeninos.

A escolha dos lugares: Aqui Jesus pede aos discípulos que deixem de lado a arrogância, a busca do poder, a competição, o jogo de interesse. É preciso buscar o último lugar. Ou seja: cada qual deve procurar servir onde está. Não se pode viver à cata de primeiros lugares, disputando, competindo, derrubando os outros em busca de sucesso, de poder e de destaque social. O discípulo de Jesus deve aprender dele a “descer”, a colocar-se no último lugar (cf. Fl 2,5-11). O lugar de Jesus é o último. E nós queremos estar lá onde ele está. Ademais, não é o lugar que torna a pessoa importante, mas é a pessoa que torna o lugar importante. É a pessoa que faz o lugar!  E, onde a pessoa estiver, deve lançar pontes para construir fraternidade, diálogo, paz, buscando sempre o bem de todos, particularmente para os pequeninos do Reino de Deus.

A escolha dos convidados: Unido ao jogo de interesse e competição pelos primeiros lugares, está esse outro ensinamento de Jesus: é preciso ajudar a quem precisa sem esperar retorno, reconhecimento, troca. Jesus não está condenando as relações familiares e amistosas. O que ele condena é a atitude de priorizar essas relações em detrimento dos pobres. Estes devem ocupar prioridade em nossas ações. Pois o risco é passar a vida inteira fazendo jogos de trocas de afetos com amigos e familiares, sem jamais tirar um tempo para presença gratuita e serviçal junto aos pobres que não têm como retribuir.

Nunca podemos nos esquecer de que nossa missão neste mundo é introduzir no meio em que vivemos o modo de pensar e de viver de Jesus de Nazaré. Isto se dá na medida em que nosso modo de viver e de pensar se sustenta numa “vida escondida com Cristo em Deus” (Cl 3,3).

O Papa Francisco, na pequena ilha de Lampedusa, exortava: “A cultura do bem-estar nos faz insensíveis aos gritos dos demais”. “Caímos na globalização da indiferença”. “Perdemos o sentido da responsabilidade”. Estamos vivendo uma cultura da indiferença. Ou seja, há uma cultura antievangélica que insiste na necessidade da competição, reforçando o individualismo, a busca frenética do estar bem contraposto ao fazer o bem. O que conta na vida é o interesse pessoal. O outro me interessa enquanto me dá lucro, possibilidade, vantagem.

Guardemos esta palavra de Jesus: “Quando deres uma festa, chama pobres, estropiados, coxos, cegos; feliz serás, então, porque eles não tem com que te retribuir. Serás, porém, recompensado na ressurreição do justos” (Lc 14,13-14). A opção pelos pobres não é invenção de teólogos da libertação, como afirmam alguns. Foi a opção de Jesus! “A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza” (cf. 2Cor 8,9), afirmou Bento XVI na Conferência de Aparecida. Papa Francisco fala da necessidade de uma “Igreja pobre para os pobres”.

Sintetizando, podemos dizer que a mensagem do evangelho de hoje é saber receber de graça (humildade); dar de graça (gratuidade); nada de prepotência nem de autossuficiência.

Para refletir: com que interesse me aproximo dos outros? Procuro dar ou receber? Estou interessado pelo bem da pessoa ou nos bens dela?

*Estamos iniciando o mês de setembro, mês dedicado à Bíblia. A Igreja propõe como estudo neste mês a 1ª Carta de João. O lema que ilumina o estudo é por demais significativo: "Nós amamos porque Deus primeiro nos amou" (1Jo 4,19). "Deus manifestou-se de forma especial no fato de Ele nos ter enviado o que lhe era mais precioso: o seu Filho Unigênito! Daí nós podermos afirmar o tamanho da graça de Deus. Antes de que nós pudéssemos amá-lo, Ele nos amou por primeiro. Ele doou seu Filho ao mundo para nos ensinar a amar, para nos revelar o grande projeto do amor de Deus por seus filhos. E, por amor, destruiu o peso de nossos pecados" (Subsísdio do MOBON, O Lutador, p. 24). Vale a pena ler a Carta, meditá-la, rezá-la. Fortalece nossa esperança, estimula nossa caridade, anima nossa missão. Tome como propósito deste mês ler a 1ª Carta de João!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O amor que salva

aureliano, 24.11.17

Juízo final mt 25.jpg

Cristo Rei do Universo [26 de novembro de 2017]

[Mt 25,31-46]

O capítulo 25 de Mateus é constituído por três parábolas que evocam a vigilância em vista do fim: a das virgens, a dos talentos e a do julgamento final. Enquanto as duas primeiras mostram a insensatez daqueles que não vigiam como devem, esta última mostra qual será o critério de julgamento no fim da vida: o amor concreto às pessoas que sofrem: famintos, sedentos, migrantes, nus, doentes, presos.

Na cultura judaica (e talvez ainda hoje!) essas categorias de pessoas eram tidas como impuras, condenadas por Deus. Sofriam porque estavam pagando por algum pecado. Jesus veio dar uma guinada nessa compreensão, identificando-se com elas: “Todas as vezes que o fizestes a um destes mais pequeninos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 40). O rosto de Deus se manifesta no rosto do pobre, excluído dos bens da criação. Um rosto que nos interpela, que provoca nossa indiferença.

Para reconhecer a presença de Deus no pobre é necessário conversão! No tempo de Jesus, Deus era encontrado no Templo (quando o evangelho de Mateus foi escrito, o Templo já havia sido destruído), nas sinagogas, naqueles que cumpriam a Lei de Moisés. Eram os justos. Mas Jesus chama de justos aqueles que cumprem a lei do amor: cuidado para com os famintos, sedentos, presos, migrantes, doentes, nus. Os “pequeninos” do Reino constituem o lugar do encontro com Deus. Desse modo Jesus universaliza a possibilidade do encontro salvador com Deus. Todas as pessoas, de qualquer religião ou cultura, podem agora escolher o caminho da salvação ou da condenação. Ouvir “vinde benditos” ou “ide malditos” depende do caminho que cada um escolhe: amor-doação ou egoísmo-fechamanto.

É interessante notar que os justos do Evangelho da liturgia de hoje não sabem que os pobres, a quem serviram, representavam o Rei. Não praticaram a misericórdia para impressionar o Rei nem para “alcançar a salvação”. Mas foram misericordiosos e servidores dos pobres por pura bondade e compaixão para com os necessitados. Essa despretensiosa bondade é que conta para Deus: fazer o bem, praticar as obras de misericórdia sem desejar receber nada em troca, nem mesmo o céu. Este nos é dado como dom, como fruto da bondade do Pai, e não de nossa “compra” ou prática de atos bons. Se pudemos fazer alguma coisa boa pelos mais pobres, também essa possibilidade nos foi dada por Deus, por dom e graça d’Ele. Conclui-se que o critério último da salvação não é a fé, mas a “fé informada pela caridade” (cf. 1Cor 13,2; Gl, 5,6).

A Escritura diz que até os demônios creem: “Tu crês que há um só Deus? Ótimo! Lembra-te, porém, que os demônios também crêem, mas estremecem” (Tg 2,19). Crer simplesmente que Deus existe não significa nada para nossa vida. É preciso ter uma fé comprometida: crer na existência de Deus e assumir na vida o jeito de ser de Deus revelado na pessoa de Jesus de Nazaré. Em outras palavras, a fé precisa incidir nas atitudes cotidianas de respeito, de cuidado, de compreensão, de justiça, de honestidade, de lealdade, de perdão, de sentimento de partilha e solidariedade etc. Sem o cultivo dessas atitudes, a fé termina por ser um vazio que não diz nada nem para si mesmo nem para os circundantes (cf. 1Cor 13,1-3). Aliás, o que tem de gente por aí explorando, dominando e extorquindo as pessoas em nome da fé religiosa é um horror. A Polícia Federal, tão badalada ultimamente, precisaria dar uma vasculhada nisso.

A caridade dá corpo à nossa fé. “Se alguém, possuindo os bens deste mundo, vê o seu irmão na necessidade e lhe fecha o coração, como permanecerá nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade” (1Jo 3,17-18).

Ilumina muito o que estamos querendo dizer a respeito da relação fé e caridade para a salvação, a palavra do Papa Francisco na mensagem para a Jornada Mundial dos Pobres: “Não pensemos nos pobres apenas como destinatários de numa boa obra de voluntariado, que se pratica uma vez por semana, ou menos ainda, de gestos improvisados de boa vontade para pôr a consciência em paz. Estas experiências, embora válidas e úteis a fim de sensibilizar para as necessidades de tantos irmãos e para as injustiças que frequentemente são a sua causa, deveriam abrir a um verdadeiro encontro com os pobres e dar lugar a uma partilha que se torne estilo de vida. Na verdade, a oração, o caminho do discipulado e a conversão encontram, na caridade que torna partilha, a prova da sua autenticidade evangélica. E desse modo de viver derivam alegria e serenidade de espírito, porque se toca palpavelmente a carne de Cristo. Se realmente queremos encontrar Cristo, é preciso que toquemos o seu corpo no corpo chagado dos pobres, como resposta à comunhão sacramental recebida na Eucaristia”.

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Hoje celebramos o dia dedicado ao Cristão Leigo e a abertura do Ano do Laicato proclamado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O protagonismo do fiel leigo na Igreja tem sido incentivado aos quatro ventos pelo Papa Francisco. O Documento 105 da CNBB reitera a importância da vida e da missão dos cristãos leigos na Igreja e na sociedade: “A partir da sua vocação específica os cristãos leigos e leigas vivem o seguimento de Jesus na família, na comunidade eclesial, no trabalho profissional, na multiforme participação na sociedade justa, solidária e pacífica, que seja sinal do Reino de Deus inaugurado por Jesus de Nazaré” (n. 11).

Corremos o risco de clericalizarmos o leigo, “embatinando-o”. O cristão leigo tem seu lugar e missão na Igreja e no mundo a partir de seu batismo. Ouçamos o Papa Francisco: “Em virtude do Batismo recebido, os fiéis leigos são protagonistas na obra de evangelização e promoção humana. Incorporado à Igreja, cada membro do Povo de Deus é inseparavelmente discípulo e missionário. É preciso sempre reiniciar dessa raiz comum a todos nós, filhos da Mãe Igreja" (07-03-2014). E, na visita à Coréia, deixou essa belíssima palavra: “A Igreja na Coréia, como todos sabemos, herdou a fé de gerações de leigos que perseveraram no amor a Jesus Cristo e na comunhão com a Igreja, apesar da escassez de sacerdotes e da ameaça de graves perseguições” (16/08/2014).

Infelizmente, muitos leigos e leigas que se dizem cristãos e que ocupam postos de decisão da vida política e econômica de nosso País estão sendo uma decepção. A fé cristã não diz nada para a vida da maioria deles. É só acompanhar seus projetos, votações, discursos e posturas na gestão de seus patrimônios: propinas, disputas de cargos, troca de favores em defesa de interesses pessoais, corporativos e partidários.

Aos cristãos leigos e leigas que vivem com inteireza a sua fé batismal, procurando servir ao Reino e transformar a sociedade pelo testemunho de uma vida santa e servidora, com palavra e atitude proféticas de repúdio e contestação a esse estado de corrupção sistêmica que tomou conta de nosso País, nosso apoio e incentivo. O Senhor os confirme e encoraje sempre mais neste caminho.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Acender nossa luz na Cruz de Jesus

aureliano, 12.08.16

20º Domingo do Tempo Comum [14 de agosto de 2016]

[Lc 12,49-53]

No evangelho do domingo passado acompanhamos Jesus que nos falava da importância de cultivar e guardar o tesouro mais precioso que é a relação de intimidade com o Senhor: “Onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração”. Para isto é preciso “manter a lâmpada acesa e os rins cingidos”: estar desperto. E o destino dos bens deve ser sempre a partilha generosa. Jesus insiste que o discípulo deve viver desapegado dos bens e das pessoas, possuindo como único tesouro o próprio Jesus, Princípio e Fim de sua vida.

No evangelho da liturgia deste domingo notamos que Jesus continua insistindo na opção decisiva e comprometida por ele. Quero, brevemente, tentar ajudar a compreender algumas palavras de Jesus neste evangelho. “Vim trazer fogo...”. “Não vim trazer a paz, mas a divisão...”. Como entender este fogo que Jesus veio trazer? E esta divisão/espada de que fala Jesus?

Fogo: um dos quatro elementos clássicos da natureza. Mas Jesus não se refere, naturalmente, ao fogo material. Aqui é uma expressão significativa: uma imagem usada por Jesus para falar do amor.

Muito embora a palavra amor esteja passando por uma banalização muito grande, contudo, é preciso ajudar a voltar ao que ela realmente significa.

As Escrituras dizem que Deus é Amor (1Jo 4,8). O Espírito Santo é o amor do Pai e do Filho. Ainda mais: “Deus amou tanto o mundo que entregou seu Filho único...” (Jo 3,16).

Além de amor, o fogo lembra também a Luz. Deus é luz e nele não há sombra alguma (cf. 1Jo 1,5). “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12; 12,46) proclamou Jesus. Também fogo lembra purificação, destruição, transformação etc.

Depois destes breves fundamentos podemos entender de que fogo trata Jesus. Parece que ele deseja ardentemente que sejamos um reflexo de sua luz, de seu amor. Mas, curioso e desconcertante: nossa luzinha é acesa na sua Cruz! Isto por vezes apavora e faz tremer. Faz também fugir, reinterpretar, desconversar. Mas o contexto deste relato do evangelho nos remete, inconteste, a essa interpretação. “Devo receber um batismo, e como me angustio até que esteja consumado!” (cf. Mc 10,38). E quando Jesus fala da divisão familiar que veio trazer, mostra claramente que a opção decisiva por ele, tem consequências de cruz.

Paz, na Sagrada Escritura, é Shalom, ou seja, um modo de vida em abundância para todos. Não significa aquele sentimento desligado da vida e das pessoas, ausência de briga ou de guerra. É um modo de ser que nos leva à abertura a Deus e aos irmãos. É a vivência da justiça do Reino, pois não há paz sem justiça. E por vezes é necessário ir à “guerra”, ou seja, lutar para que as pessoas não vivam uma paz encoberta pela maldade e repressão de poderosos.

Deste modo podemos concluir que o discípulo de Jesus deve viver de tal maneira que sua vida espalhe aquele fogo que arde no Coração de Jesus: o amor. Deve passar pelo batismo pelo qual o Mestre passou: a cruz, a incompreensão, o rejeição. E ainda precisa ter a coragem de romper com relações familiares que o impedem de levar adiante uma vida coerente com o ser cristão.

O que vale em tudo isto é a busca de uma vida coerente com a fé professada. Todo cristão que opta pela verdade, pela justiça, pela fidelidade, pela paz, passará pelo “batismo” pelo qual Jesus passou.

*Neste domingo em que comemoramos o Dia dos Pais, queremos lembrar essa figura representativa do Pai do céu. Oxalá os pais assumissem, de verdade, sua missão para além da manutenção de casa e comida. Pai é aquele que educa, que forma, que se faz presente, que ampara, que dá carinho, que oferece segurança, que aponta e ajuda a trilhar caminhos de vida. Penso que nem todo homem, embora casado, tenha vocação para ser pai. Não adianta ter filhos, mas não ser referência de vida, de honestidade, de cuidado, de paternidade responsável. Parabéns papais! Dêem uma olhadinha na paternidade assumida por São José.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

 

Amou-nos até o fim

aureliano, 23.03.16

Quinta-feira Santa [24 de março de 2016]

[Jo 13,1-15]

Neste primeiro dia do Tríduo Pascal celebramos a instituição da Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do Senhor, que se desdobra em dois aspectos: a instituição do Sacerdócio Ministerial e o serviço fraterno da caridade.

Perpassando o evangelho de João, notamos que não há referências aos gestos rituais de Jesus sobre o pão e vinho como o fazem os outros evangelistas. O discurso de Jesus sobre a Eucaristia está no capítulo 6° de seu evangelho.

No discurso de despedida, João salienta o gesto de Jesus ao lavar os pés de seus discípulos. Não pede que seu gesto seja reproduzido ritualmente, mas que devemos “fazer como ele fez”. Ou seja, devemos refazer em nossas relações o que Jesus fez naquele gesto simbólico: amor gratuito que torna presente o “sacramento” do amor de Cristo por todos nós. O “lava-pés” deve ser o modo de proceder, o estilo de vida da comunidade dos seguidores de Jesus: “Dei-vos o exemplo para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 15,15).

O sacramento do amor

A Eucaristia, memorial do sacrifício de Jesus, é o sacramento do Corpo e Sangue de Cristo que nos é dado como alimento: “Todas as vezes, de fato, que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte do Senhor até que ele venha” (1Cor 11,26). Esta presença real-sacramental do Senhor ressuscitado no pão e no vinho se estende também, de algum modo, aos irmãos. Por isto não se pode conceber a comunhão eucarística sem referência aos irmãos. Particularmente aos mais pobres e necessitados. E Paulo alerta: “Quando, pois, vos reunis, o que fazeis não é comer a Ceia do Senhor; cada um se apressa em comer a sua própria ceia; e, enquanto um passa fome, o outro fica embriagado” (1Cor 11,20).

Nesta perspectiva pode-se interpretar o relato joanino como profundamente eucarístico, pois os gestos de Jesus no ‘Lava-pés’, não foram outra coisa senão gestos eucarísticos.

Sacerdócio ministerial

Os gestos que Jesus realiza de “levantar-se”, “tirar o manto”, “vestir o avental”, “lavar os pés” revelam como devem ser as relações na comunidade: não de poder, mas de serviço. Portanto, o sacerdócio ministerial, para ser coerente com o dom recebido, deve ter como inspiração os gestos de Jesus no ‘Lava-pés’.

Quem preside à comunidade, preside também a eucaristia. Reúne a comunidade para a oração, para a escuta da Palavra, para o serviço aos pobres, distribui as tarefas e partilha os bens ofertados. Assim proclama o Concílio Vaticano II sobre a missão do sacerdote: “De coração, feitos modelos para o rebanho, presidam e sirvam de tal modo sua comunidade local, que esta dignamente possa ser chamada com aquele nome pelo qual só e todo o Povo de Deus é distinguido, a saber: Igreja de Deus” (LG, 28).

Neste dia, na Missa Crismal, o presbitério renova as promessas sacerdotais diante do Bispo. Uma destas promessas revela claramente a missão do padre. Ela reza assim: “Quereis ser fiéis distribuidores dos mistérios de Deus pela missão de ensinar, pela sagrada Eucaristia e demais celebrações litúrgicas, seguindo o Cristo Cabeça e Pastor, não levados pela ambição dos bens materiais, mas apenas pelo amor aos seres humanos?”

Cena simbólica

Vamos contemplar os gestos de Jesus e sua relação com nossa vida:

- vestir o avental: revestir-se de simplicidade, de ternura, de presença, de serviço desinteressado.

- tirar o manto: arrancar tudo que impede o serviço, a prontidão, a disponibilidade.

- levantar-se da mesa: estar à mesa é muito bom. Mas há sempre uma situação que nos espera, um ambiente carente, um serviço urgente. Levantar-se da mesa e sentar-se à mesa é uma dinâmica constante em nossa vida. Movimentos de partida e de chegada.

- levantou-se da mesa: não se pode servir permanecendo no comodismo. Algo precisa ser feito. O Senhor “precisa” de mim, como precisou do jumentinho: “O Senhor precisa dele”.

- ficar de pé: é a atitude que tomamos quando ouvimos o evangelho na celebração. Significa prontidão para deslocar-se, para sair em qualquer direção. Prontidão para viver a Boa Nova do Reino de Deus. Estar à mesa é sinal de fraternidade, mas é preciso saber a hora certa de se levantar e sair para servir.

- tirou o manto: é abrir mão do poder. Algo que brota de dentro. O manto impede a liberdade dos movimentos. Ele traz a aparência de poder. Há “mantos” que prendem e amarram. O Senhor trocou o manto pelo avental. Quais são meus “mantos”? Costumo colocar o avental?

- colocou água na bacia...: Jesus não faz serviço pela metade. Não tem receio de se inclinar até o chão para lavar os pés dos seus discípulos. Não faz distinção de ninguém. Lava os pés de todos.

- depois, voltou à mesa: retomou o manto, mas não tirou o avental. Ele quer mostrar que seu discípulo deve ser sempre servidor. Não se pode tirar o avental do serviço. Qualquer posto ou cargo ou ministério que se ocupar deve estar ali, sob o manto do poder, o avental do serviço. Então deve ser poder-serviço. Todo exercício de poder sem a dimensão do serviço (avental) está fadado a oprimir, a se corromper, a sacrificar vidas.

Vê-se, pois, que a Eucaristia foi instituída para formar um só Corpo. O corpo sacramental de Cristo no pão consagrado deve transformar o comungante no Corpo eclesial. O Espírito Santo transforma o pão e o vinho no Corpo e Sangue de Cristo, para que a assembléia celebrante e comungante se transforme no Corpo do Senhor, a Igreja. Provém daí a expressão clássica: a Eucaristia faz a Igreja e a Igreja faz a Eucaristia. Isto tem consequências profundas em nossa vida. A comunhão eucarística nos compromete com os membros (do corpo) que sofrem, que passam fome, que pecam, que estão afastados, que experimentam o abandono, que padecem por causa de nossas omissões e covardias. O senhor deu-nos o exemplo para que façamos o mesmo que ele fez: amou-nos até o fim!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN