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A vida do papai: um legado

aureliano, 17.04.22

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“A vida pra quem acredita, não é passageira ilusão.

A morte se torna bendita porque é nossa libertação.

Nós cremos na vida eterna e na feliz ressurreição.

Quando de volta à Casa paterna, com o Pai os filhos se encontrarão”.

Desde criança ouvia do papai, em voz retumbante, esse hino, dentre tantos outros hinos religiosos que ressoam ainda nos ouvidos de minh’alma saudosa, pois ficaram apenas saudosas lembranças: no dia 13 último, Quarta-feira Santa, meu pai, José Lopes de Lima, fez sua viagem definitiva para a Casa do Pai. Filho prestimoso, foi se encontrar com o Pai, de quem, certamente, recebeu o abraço de Pai misericordioso. Transportado aos ombros do Bom Pastor para os prados verdejantes reservados a todos que buscam, em sua peregrinação terrestre, fazer a vontade do Pai.

Diz a Sagrada Escritura que ninguém deve ser elogiado enquanto não terminar sua vida neste mundo (cf. Pr 27,1-2). Então agora posso tecer aqui algumas considerações sobre meu pai que julgo relevantes, sobretudo em relação aos sentimentos de afeto, de respeito, de admiração e de gratidão pelo que o Senhor realizou em sua vida.

Temor de Deus: papai sempre nos ensinou a amar e a temer a Deus. Sua vida se resumiu em cuidar da família, em ir à igreja para o culto religioso e em trabalhar para o sustento da família. Nos entremeios de tempo rezava, lia, visitava algumas poucas pessoas. Ia à rua somente para resolver alguma pendência como mercado, pagamento, recebimento da aposentadoria, farmácia, consulta ou outro serviço parecido. Afora isso, em casa. Sua convicção a respeito da fé era tão grande que, ao ser transferido da enfermaria para a UTI disse: “Nossa vida está nas mãos de Deus. Esta é a suprema verdade”

Amor á Igreja: homem de Igreja, era convicto de sua fé, obediente aos ensinamentos da Igreja, nunca duvidou do caminho que trilhava. Nunca obrigou os filhos a irem às celebrações. Mas sempre recomendou a participação com a palavra e o exemplo. Indo à cidade, seu primeiro compromisso era entrar na igreja e fazer sua oração diante do Santíssimo Sacramento.

Vida em família: firme, rigoroso, exigente em relação à disciplina nos compromissos diários. Não admitia mentira, desonestidade, enganação, furto de qualquer espécie, vícios, desrespeito. Se soubesse que algum filho estivesse em algum descaminho, nunca se furtava em chamar-lhe a atenção. Um aspecto importante a ressaltar é que ele nunca proibiu a nenhum filho nas suas buscas e decisões. Orientava, mas não impunha nada.

Paciente nas dificuldades: quando chegava cansado do serviço, nem sempre havia comida pronta. Ele buscava lenha, acendia o fogo, fazia a comida e chamava os filhos pequenos para comer e levava também para a mamãe com todo carinho. Aquilo era uma cena admirável, pois ele fazia tudo isso em silêncio, sem reclamar nem murmurar.

Amor a Nossa Senhora: um homem apaixonado pela Mãe de Jesus. Sempre rezou o terço. Quando voltava do trabalho, nas estradas e caminhos rurais, a pé, cansado, ao anoitecer, rezava o terço. Chegava à casa cansado, se sentava no banco de madeira à luz de lamparina. O mais novo corria para sentar em seu colo. E ele continuava rezando o terço de Nossa Senhora, silenciosamente. Por vezes cochilava e o terço caía no chão. Ele retomava, terminava, se lavava num “banho de gato” e ia descansar para a luta do dia seguinte.

Amor aos pobres: acolhia a todos que passavam em nossa casa. Nunca discriminava ninguém. Com todo carinho acolhia pessoas discriminadas por serem pobres ou deficientes, dando-lhes comida e guarida. Nunca nos dizia como devemos tratar as pessoas: ensinava com seu modo de fazer as coisas, de tratar as pessoas. Seu exemplo era seu ensinamento para nós. Sempre repartiu com os mais pobres que batiam à nossa porta.

Bens e posses: sua relação com os bens materiais era de total desapego. Não era consumista nem acumulador: se relacionava com total liberdade com o dinheiro, com aplausos e posses. Bem antes de morrer repartiu o pequeno sítio com os filhos sem nenhuma ressalva. Ajudava várias entidades religiosas e sociais com o pouco que tinha. Foi vicentino, congregado mariano, professor na juventude, pedreiro, carapina, mestre de obras, dirigente de encontros celebrativos etc. Nunca se apegou a nenhum cargo ou função nem se vangloriava de nada. Ao receber uma homenagem na Câmara Municipal de Guiricema, recentemente, perguntaram como se sentia. Respondeu sem rodeios: “continuo o mesmo”.

Netos e bisnetos: relação sempre afetuosa, carinhosa. Os netos mais crescidos e já mais conscientes dos acontecimentos choraram muito sua morte. Papai tratava-os com carinho, jogava baralho com eles, acolhia com ternura e afeto. A Patrícia, neta e cuidadora da mamãe e dele, escreveu um lindo texto que retrata bem seu cotidiano:

“Sabe o que dói? É ver aquelas roupas penduradas no guarda-roupas e saber que aquela camisa preferida ele não vai usar mais.

Sabe o que dói? É aquele ‘Bom dia minha querida...’ eu não vou ouvir mais.

Sabe o que dói? O café pontual das 15h que eu tomava com ele... agora não faz sentido mais.

Sabe o que dói? Aquele doce de leite que era o preferido dele... não é tão doce mais.

Sabe o que dói? Não ouvir seu batido de palmas, seu pulo repentino da cama e até o barulho de seus pés esfregando um no outro, pois o banho iria ficar pra depois.

Sabe o que dói? É olhar pra varanda e ele não estar sentado com o terço na mão. É ver sua bengala que não o apóia mais.

É saber que tudo que ele mais gostava: celular, noteboock e baralho agora estão num canto, pois não serão tocados por ele mais.

E mesmo doendo, doendo muito, sinto-me com o dever cumprido. E que ele não tem o que reclamar de mim. E isso me consola e fortalece para eu continuar seguindo...” (Patrícia Freitas).

Deus seja louvado pela vida do papai nesta sua Páscoa definitiva. Posso afirmar dele pelo que conheço de perto, como filho: "Combateu o bom combate, completou a carreira, guardou a fé". Um esteio pra nossa família, um esposo quase pai da mamãe, um pai firme e zeloso, um avô afetuoso. Homem de Deus, de fé firme, cheio de amor pelos pobres, apaixonado pela Eucaristia, por Nossa Senhora, pela Igreja. Deixou pra nós, seus filhos, um legado de firmeza, de desprendimento, de fidelidade, de honestidade, de fé, de justiça, de simplicidade, de humildade.

Muito obrigado, papai, pela vida dedicada a todos nós. O Deus a quem o senhor procurou sempre amar e servir lhe dê a felicidade sem fim. A mim me resta agradecer sempre mais a Deus pelo dom da vida do papai. Uma vida que se fez vida para todos nós, seus filhos e filhas. Deixou grande legado. Queremos fazê-lo florescer e frutificar.

Finalmente, deixo uma palavra de minha irmã primeira, Maria Marta, que viveu todos os seus anos ao lado do papai. Era seu anjo da guarda, seu braço direito, seu apoio, em quem o papai confiava plenamente. Por último foi sua cuidadora, zeladora, como o é da mamãe:

“Quanta falta estou sentindo do senhor! O que mais gostava de fazer era escrever e responder todas as mensagens. E fazia com muito carinho. Claro que não deixava de fazer suas orações. Descanse em paz, meu querido pai. Vou continuar cuidando da mãe com o mesmo carinho. Tenho certeza que está junto de Deus”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

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