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aurelius

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Corpo doado, Sangue derramado por nós

aureliano, 19.06.19

Corpus Christi - 20 de junho - C.jpg

Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo [20 de junho de 2019]

[Lc 9, 11-17]      

O relato da multiplicação dos pães está emoldurado pelo contexto de fim de missão dos discípulos e profissão de fé de Pedro seguida do anúncio da Paixão e condições para o seguimento. Parece que Lucas quer dizer que a Eucaristia refaz as forças do missionário e lhe dá condições de continuar seguindo o Mestre em meio às incompreensões e perseguições. O discípulo é chamado a reafirmar a fé: “Tu és o Cristo de Deus” (Lc 9,20). Ou como em João: “Senhor, a quem iremos? Tens palavras de vida eterna e nós cremos e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,68-69).

No livro dos Atos dos Apóstolos lemos que as primeiras comunidades cristãs tinham como distintivo a refeição comunitária: “Punham tudo em comum... Dividiam os bens entre todos segundo as necessidades de cada um... Partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade” (cf. At 2, 42ss).

O gesto de Jesus ao reunir o povo no deserto e repartir com eles o pão é uma imagem da Igreja. Ele quis que a Eucaristia fosse alimento para todos, representados nessa multidão. Não quis tomar como modelo as refeições que se faziam para alguns poucos, pessoas da mesma classe ou que podiam pagar pelo banquete.

A Eucaristia é sinal dos tempos novos e definitivos trazidos por Jesus. Neles as divisões e perseguições são superadas. O escândalo da desigualdade econômica e social, da fome crescente, da concentração de renda, da marginalização, da destruição do meio ambiente é incompatível com a Eucaristia. Não é possível ter comunhão com Cristo entregue por nós e desprezarmos os irmãos: “Quando, pois, vos reunis, o que fazeis não é comer a Ceia do Senhor; cada um se apressa por comer a sua própria ceia; e, enquanto um passa fome, o outro fica embriagado” (1Cor 11,20-21). Na Eucaristia Cristo identifica a comida partilhada com sua própria pessoa. Onde não se reparte o pão, Cristo não pode estar presente.

“Na multiplicação dos pães, Jesus não fez descer pão do céu, como o maná de Moisés. Nem transformou pedras em pão, como lhe sugerira o demônio quando das tentações no deserto. Mas ordenou aos discípulos: ‘Vós mesmos, dai-lhes de comer’... e o pão não faltou. Porém, se não observarmos esta ordem de Jesus e não dermos de comer aos nossos irmãos, ele também não poderá tornar-se presente em nosso dom. Então, não só o pão, mas Cristo mesmo faltará” (Pe. Johan Konings, in Liturgia Dominical, p. 397).

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A Eucaristia é o memorial da morte e ressurreição de Jesus. Fazer memória significa não somente lembrar, mas celebrar e mergulhar no mistério de Cristo. É nos colocarmos dentro de toda a vida de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus que, vindo a esse mundo, entregou sua vida por nós. Por isso, na celebração da Eucaristia nós devemos nos empenhar para fazer com que “a mente, o coração concorde com a voz, com as palavras”, no dizer de São Gregório.

Se celebramos a entrega de Cristo, não estamos fazendo um show. Então a missa não é show, promoção pessoal do padre e seja lá de quem for. Nossa atitude deve ser de compenetração, de humildade, de escuta atenta, de acolhimento, de exame de consciência. Isso nos tem recomendado insistentemente o Papa Francisco: “A Missa não é um espetáculo: é ir ao encontro da paixão e ressurreição do Senhor” (08 de novembro de 2017).

No decorrer da História a missa teve várias conotações. Serviu para coroar papas e reis, para agradecer vitórias de guerra, para enfeitar festas e agradar monarcas e senhores poderosos. Os músicos transformaram partes da missa em concertos belíssimos. Outros faziam da missa sua devoção particular. Ainda hoje, em vários lugares, é quase uma “exigência” para falecidos: “missa de corpo presente”, “missa de sétimo dia” etc. É claro que tem sua importância, mas ocorre que muitos pedem esse tipo de celebração para “salvar o falecido”, sem se envolver pessoalmente com a comunidade de fé. Uma espécie de superstição.

O Concílio Vaticano II recuperou o sentido originário da Eucaristia: Memorial da Morte e Ressurreição do Senhor. Quando a comunidade se reúne para celebrar a Eucaristia, ela traz sua vida, suas dores e alegrias e coloca no Coração de Cristo, para que ele, verdadeiro Celebrante, pela oração da Igreja, ofereça ao Pai.

Ao participarmos da Eucaristia estamos nos comprometendo a ser “um só Corpo”. A comunhão no Corpo e Sangue de Cristo nos compromete com Ele. A entrega de Cristo que celebramos pede, exige de nós o gesto de entrega, de doação, de comprometimento com Cristo pela reconstrução da História segundo os critérios do Reino de Deus. Não pode ser verdadeira “comunhão” a busca de um intimismo egoísta que não abre nossos olhos para “ver as necessidades e os sofrimentos de nossos irmãos e irmãos”, e não nos inspira a termos “palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos, os doentes e marginalizados”.

Nesse dia que celebramos a solenidade do Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue do Senhor, somos instados a olhar para o Cristo que se doa, que se entrega, que salva, que enfrenta a morte para que tenhamos vida. Essa contemplação deve nos levar a dar mais um passo em direção a uma vida mais comprometida. Não adianta adorar o Cristo no altar e desprezá-lo no pobre. De pouco vale celebrar a Eucaristia, participar de uma adoração, e depois falar mal dos outros, negar o salário justo, sonegar as impostos e direito sociais, enganar os outros, ser desonesto nos negócios e no trabalho, levantar bandeiras que defendem a discriminação, a violência, o porte e a posse de arma de fogo, o aborto, o preconceito, o desrespeito, a morte.

A Eucaristia, “fonte e ápice de toda a vida cristã”, deve ocupar o centro de nossa espiritualidade, de nossa oração, de nossas escolhas e decisões. Se Cristo decidiu firmemente enfrentar a morte pela nossa salvação, também nós, seus discípulos, precisamos nos dispor a esse caminho. Pois “o discípulo não é maior do que o mestre”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

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