Entre pastores e mercenários: vigiai!
4º Domingo da Páscoa [12 de maio de 2019]
[Jo 10,27-30]
O contexto do evangelho de hoje é o de Jesus passeando dentro do Templo, por ocasião da festa da Dedicação, quando um grupo de judeus se aproxima, ameaçando-o. Jesus lhes recrimina a falta de fé: “Vós não credes porque não sois das minhas ovelhas” (Jo 10,26). Ouvindo estas palavras os judeus queriam apedrejá-lo (Jo 10,31).
E Jesus lhes diz que, para ser ovelhas do seu rebanho, precisam escutar a sua voz: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem”. Aqui está o que é essencial na fé cristã: ouvir a voz de Jesus e segui-lo. Não é cristão quem se recusa a escutar a Jesus e não se dispõe a segui-lo.
A primeira coisa que precisamos trabalhar em nós é a capacidade de escutar. Em meio a tantas vozes que ressoam aos nossos ouvidos, precisamos desenvolver a capacidade de distinguir a voz do Bom Pastor. Sua voz não se mistura com os gritos do consumismo, da teologia da prosperidade, do desespero, das ameaças, dos moralismos, do preconceito, daqueles que defendem e propagam a violência e uso das armas de fogo. A voz de Jesus se confunde com sua própria vida. Ele dá a vida por suas ovelhas. Quem não tem coragem de dar a vida, de se colocar a serviço, não pode ser ouvido nem seguido. É a voz do lobo que quer devorar: pensa somente em si mesmo. O pastor se sacrifica pelo bem das ovelhas; o mercenário sacrifica as ovelhas em seu próprio benefício.
A palavra viva, concreta e inconfundível de Jesus deve ocupar o centro de nossa vida, de nossas famílias e de nossas comunidades. Por isso precisaríamos adotar o piedoso costume de, todas as manhãs, rezar um trechinho da Sagrada Escritura. Assim vamos nos aproximando daquele ideal de discípulo que sabe ouvir e sabe dizer uma palavra de conforto ao que sofre: “O Senhor Deus me deu língua de discípulo para que soubesse trazer ao cansado uma palavra de conforto. De manhã em manhã, sim, desperta o meu ouvido, para que eu ouça como os discípulos. O Senhor Deus abriu-me o ouvido, e eu não fui rebelde, não recuei” (Is 50,4-5).
Juntamente com a escuta da voz do Pastor vem a segunda parte determinante no discipulado: o seguimento. Prega-se por aí uma religião aburguesada, descomprometida com as dores do povo. Como se o culto fosse um lugar de ‘sedar’ as consciências, de busca de ‘conforto’ espiritual, de uma espécie de ‘negócio’ com Deus. Ao ouvir a Palavra, precisamos nos posicionar. A fé cristã incide diretamente no modo de viver do cristão. A oração (diálogo com Deus) nos coloca na dinâmica da realização da vontade do Pai. É o seguimento de Jesus: crer no que ele creu, dar importância ao que ele deu, defender a causa que ele defendeu, aproximar-se dos pequenos e indefesos como ele se aproximou, confiar no Pai como ele confiou, enfrentar a cruz com a esperança que ele enfrentou.
Escutar a voz do Bom Pastor pode ser até fácil. Mas segui-lo demanda tomada de decisão, atitude cotidiana de conversão. Pe. Antônio Pagola diz que “É fácil instalar-nos na prática religiosa, sem deixar-nos questionar pelo chamado que Jesus nos faz no evangelho deste domingo. Jesus está dentro da religião, mas não nos arrasta para seguirmos seus passos. Sem dar-nos conta nos acostumamos a viver de maneira rotineira e repetitiva. Falta-nos a criatividade, a renovação e a alegria de quem vive esforçando-se por seguir a Jesus” (www.musicaliturgica.com).
Considerações necessárias:
- Hoje é o dia das Pastorais da Igreja. Estas são um modo de Jesus pastorear seu rebanho. Um modo de servir às várias necessidades das comunidades. Pastoral do batismo, da liturgia, da catequese, da criança, da mulher marginalizada, do menor, dos encarcerados etc. Não se trata de uma mera organização. Trata-se de um modo de serviço, a partir de Jesus, dentro da Igreja, às várias necessidades das pessoas. É importante assumir esse serviço como um ‘lavar os pés’. Jamais como meio de autopromoção, de desfile dentro do templo nos corredores e presbitérios a cata de aplausos e reconhecimento. Há pessoas na liderança da comunidade (padres e leigos) que vivem buscando vantagens, lucros, em constante competição, atrás de benesses sociais e financeiras, transformando o espaço litúrgico num palco. É preciso lançar um olhar para o Bom Pastor. Papa Francisco não se cansa de repetir que “Missa não é espetáculo, mas encontro com o Senhor”.
- É urgente lembrar que hoje é dia, também, de oração pelas vocações sacerdotais, religiosas e ministeriais na Igreja. Você reza pelas vocações? O que você faz para que mais pessoas tenham a coragem de dar seu sim generoso ao chamado do Pai para um serviço específico na Igreja, como padre, religioso, religiosa? Precisamos pedir ao Pai que “envie trabalhadores para a messe”. E, junto à oração, incentivar e apoiar aqueles que se dispõem a entrar nesse caminho.
- Há muitas formas de ser pastor: pastores devem ser os pais, os professores, os chefes de órgãos públicos. Como os líderes religiosos e políticos estão exercendo seu serviço? São pastores ou mercenários? Qual é o nível de seu interesse pela pessoa humana? – Infelizmente, o que temos presenciado, ultimamente, nos homens públicos de nosso país, enche-nos de vergonha: uma busca desenfreada pelo poder, pelo dinheiro, por benefícios pessoais, sem o mínimo de ética e de respeito pelo pobres de nossa nação! Na campanha eleitoral enchem a boca para dizer que vão defender os direitos dos pobres. Depois, enchem o bolso de dinheiro surrupiado dos pobres.
- Convido o leitor para ler com atenção esse trechinho da Mensagem dos Bispos, nossos Pastores, por ocasião da 57ª Assembleia Geral: “A violência também atinge níveis insuportáveis. Aos nossos ouvidos de pastores chega o choro das mães que enterram seus filhos jovens assassinados, das famílias que perdem seus entes queridos e de todas as vítimas de um sistema que instrumentaliza e desumaniza as pessoas, dominadas pela indiferença. O feminicídio, o submundo das prisões e a criminalização daqueles que defendem os direitos humanos reclamam vigorosas ações em favor da vida e da dignidade humana. O verdadeiro discípulo de Jesus terá sempre no amor, no diálogo e na reconciliação a via eficaz para responder à violência e à falta de segurança, inspirado no mandamento “Não matarás”, e não em projetos que flexibilizem a posse e o porte de armas”.
- Celebramos também o Dia das Mães. Seria bom nos lembrarmos neste dia das mães sofredoras. Há mães que não experimentam alegrias neste dia. Talvez experimentem ainda uma dor maior. Que tal fazermos uma visita solidária a alguma mãe sofrida? Que tal darmos uma presença a crianças que não têm a mãe por perto? Mais do que festanças, comilanças e bebedeiras, precisamos caminhar na direção de maior solidariedade!
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN