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aurelius

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Jesus é reconhecido no pão repartido

aureliano, 21.04.23

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3º Domingo da Páscoa [23 de abril de 2023]

[Lc 24,13-35]

Esse relato de Lucas traz muitos elementos para serem refletidos e rezados.  Mostra a experiência de uma comunidade em relação à morte e à ressurreição de Jesus e consequente missão. Essa experiência faz reconhecer Cristo nas Escrituras e na celebração do pão repartido. Para além da materialidade do pão partido está a presença de Jesus. Por isso ele ficou invisível aos discípulos. Jesus abriu-lhes os olhos e eles o reconheceram, mas não o viram. A experiência de fé é algo que brota da ação de Deus em nós através de algum sinal. Mas transpõe o sinal. Por isso a Igreja proclama na celebração eucarística: “Eis o Mistério da Fé”.

É interessante acompanhar os passos de Jesus nessa dinâmica de formar o discípulo. Dois discípulos que haviam estado com os Onze na manhã de domingo dirigem-se a Emaús depois de ouvir o relato das mulheres e de Pedro. Jesus é tomado por eles como outro peregrino que volta da festa de Jerusalém. Os dois discípulos não o reconhecem. Seus olhos “estavam impedidos” pela cegueira espiritual. Os discípulos estão angustiados pela morte de Jesus e têm dificuldade para acreditar que outro peregrino não saiba do acontecimento trágico. Descrevem Jesus como profeta poderoso em palavras e obras. Esperavam dele algo mais: o libertador de Israel. O relato do “túmulo vazio” não os levou a concluir que ele havia ressuscitado, pois a ressurreição esperada pelos judeus era a vitória geral de todos os justos, e não uma ressurreição individual no meio da história.

A cegueira dos discípulos é repreendida e ao mesmo tempo curada pelo estranho peregrino. Explica-lhes as Escrituras e eles ficam impressionados com o que Jesus dizia, a ponto de convidá-lo para ficar com eles. Este ficar ou permanecer remete-nos a Jo 15, 4-10: “Permanecei em mim como eu em vós. Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto.  Permanecei no meu amor”.

Jesus partilha com eles o pão que recorda a multiplicação dos pães e a Última Ceia. Nessa “fração do pão”, nome que se dava à Eucaristia nos inícios da Igreja, eles o reconhecem. Então se lembram de que o coração “ardia” quando ele lhes falava pelo caminho. É a experiência que fazem do Ressuscitado. Essa experiência não pode ser guardada, mas compartilhada, proclamada. Por isso voltam para Jerusalém. Se antes voltavam da Cidade nas trevas, impossibilitados de enxergar, imersos em profunda angústia, decepcionados, agora retornam à Cidade cheios de ardor e de entusiasmo, iluminados.  É o que deve realizar em nós a Eucaristia, a Celebração, o encontro com Jesus Cristo na Palavra, no Pão Eucarístico. Se saímos da Celebração acabrunhados, desanimados, tristes, desencantados há alguma coisa errada. Não deveria ser assim.

Foi no “partir o pão” que eles reconheceram o Senhor. A esse propósito é oportuno recordar uma exortação de São João Crisóstomo a respeito das consequências da Eucaristia na vida do discípulo de Jesus:

“De que serve ornar de vasos de ouro a mesa do Cristo, se ele mesmo morre de fome? Começa por alimentá-lo quando está faminto, e então poderás decorar sua mesa com o supérfluo. Dize-me: se, vendo alguém privado do sustento indispensável, o deixasses em jejum e fosses enfeitar sua mesa com vasos de ouro, achas que ele te seria agradecido? Ou não ficaria indignado? Ou ainda, se vendo-o vestido de andrajos e trêmulo de frio, o deixasses sem roupa para erigir-lhe monumentos de ouro, pretendendo assim honrá-lo, não diria ele que estarias zombando dele com a mais refinada ironia?

Confessa a ti mesmo que ages assim com o Cristo, quando ele é peregrino, estrangeiro e está sem abrigo, e tu, em lugar de recebê-lo, decoras os pavimentos, as paredes e os capitéis das colunas. Suspendes candelabros com correntes de prata, e quando ele está acorrentado, não vais consolá-lo. Não digo isto para reprovar esses ornamentos, mas afirmo que é necessário fazer uma coisa sem omitir a outra; ou melhor, que se deve começar por esta, isto é, por socorrer o pobre”.

Esta exortação do “Boca de Ouro” do século IV em Antioquia/Constantinopla deveria retumbar naquelas realidades de nossas comunidades que promovem bingos, festas, quermesses e dízimo em função preponderantemente de construções, obras e reformas, ou mesmo para ornamentos e materiais litúrgicos de preços exorbitantes, reservando-se, por vezes, uma migalha para ações sociais e missionárias. A postura e as homilias de Crisóstomo deveriam ser retomadas em nossas paróquias e comunidades!

Mais do que nunca esta palavra vale também para ações governamentais de gestão dos bens públicos. Há verdadeira espoliação dos pobres, desperdício criminoso e pecaminoso do erário público brasileiro, desgoverno total em nosso País. Um pecado que brada aos céus! O que se desperdiça, se rouba, se frauda, se estorque, se destrói criminosamente em nosso País seria mais do que suficiente para dar perfeitas condições de vida digna para todos os brasileiros e brasileiras como saúde, moradia, segurança, alimentação.

São João Paulo II, na Carta Mane nobiscum, Domine, refletindo sobre este relato do Evangelho, diz: “Quando os corações são aquecidos e as mentes, iluminadas, os sinais falam”. Se permitimos que a Palavra de Deus seja a única luz a iluminar nossas decisões e a aquecer nossos corações, conseguiremos perceber os sinais de Deus na História: nos gestos simples de um pobre invisível, no olhar de uma criança, no clamor de um doente sobrante, num rio poluído que pede socorro, numa planta vicejante, na mulher oprimida e maltratada, nos direitos ameaçados. Realidades que atraem nosso olhar e imploram uma atitude de ação contemplativa e de contemplação ativa.

A Eucaristia que celebramos cotidianamente, cujos traços aparecem claramente no relato evangélico de hoje, parece estar distante de nossas ações cotidianas. Ainda a religião de rito, da fé mágica e supersticiosa, ou mesmo do moralismo fala mais forte do que a religião de vivência das realidades celebradas. Uma fé madura, esclarecida e comprometida com Jesus Cristo e seu Reino pode ser uma possibilidade de transformação de nossa história marcada pela violência, pelo ódio, pela mentira, pelo terrorismo. Deixemos que a Palavra o e Pão façam parte de nossa mesa, de nossa vida.

O texto diz que “os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles” (Lc 24,31). É preciso sair, partir, olhar pra frente, encontrar-se com os irmãos de comunidade na busca da confirmação da fé e da missão. Participar da Eucaristia e ser no mundo sinal do amor de Deus. A missão de Jesus agora é nossa. Corações aquecidos, mente iluminada, olhos abertos e firmeza no seguimento de Jesus. “Caminheiro, não existe caminho. Caminhando, o caminho se faz”. É por aí!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN