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aurelius

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Mírian, uma história de amor e sacrifício

aureliano, 22.11.16

 

O relógio marcava 17h10, horário local, no dia 08 de setembro, quinta-feira. Eu e Pe Euclides estávamos na porta da capelinha da comunidade Nova Betânia, Paróquia Sagrado Coração de Jesus, Nova Canaã do Norte/MT. A capela ainda estava fechada e a missa teria início às 17h30.

Eis que vem descendo um morrinho disfarçado, pois no Mato Grosso as montanhas são raras, uma jovem senhora empurrando uma cadeira de rodas. Ali estava sentada uma jovem. Pe. Euclides comentou: “Aquela é a primeira filha dela. É mãe de outros dois, mais novos”.

Com relativa dificuldade, pois o chão era pedregoso, a mãe chegou à capelinha. Na última etapa, um topezinho: empurra uma vez, afasta a cadeira, empurra de novo. Não deu. Entrega a chave pendente na mão – a chave da igreja - para a filha segurar. A filha demora um pouco a sustentar o molho de chaves, pois suas mãos são deficientes. Mas consegue segurar. Agora, com as duas mãos livres, mas também fortalecidas pela luta de 19 anos de cuidados, consegue superar o obstáculo e chegar, finalmente, à porta da capela.

Quando a mãe chegou com a cadeira bem na porta, parou diante de um degrau rombudo. Deu volta por detrás do templo, passou pela porta do fundo e abriu a porta da frente onde sua filha a aguardava, pressurosa. Eu, meio atrapalhado, já dentro da igreja, fiquei sem saber direito o que fazer, pois era a primeira vez que estava por ali. Não só por isto, mas também sem saber se ela aceitaria ajuda de um estranho. Ofereci-me. A mãe não relutou: “Estou esperando pela tia dela, mas pode ajudar”. Nisto chegou um senhor, parente da menina. Tomamos a cadeira, nós três, e transpusemos o degrau da porta. Finalmente, moça e cadeira estavam dentro do templo. Agora a mãe podia continuar seu ministério: abrir as janelas da capela, ajeitar, com a ajuda de outras colegas, os detalhes do altar e dos ritos para a celebração.

A moça da cadeira, Luana, ficou num cantinho aonde sempre parece ficar: junto à parede entre a mesa da palavra e o primeiro banco.

Cena linda, nunca contemplada por mim: ao começarem as leituras da missa, um irmãozinho, Lucas, subiu ao colo da irmã cadeirante. Pensei: “Mas, a moça não anda, quase não fala, não dá conta de quase nada sozinha, ainda tem que suportar o irmãozinho sentado no colo. Não é possível!”

O menino sentou-se meio desajeitado, sendo seguidamente acomodado pela mãe. Ainda mais. Depois de acomodado, Lucas toma as mãozinhas deficientes da irmã e as coloca em redor de seu busto, entrelaçando suas mãos às da irmã. Ali ficou até à comunhão. Luana participou piedosamente da eucaristia: comungou, o que faz também com dificuldade. Terminada a comunhão, Lucas está de vota ao seu posto: o colo da irmã.

Durante o tempo que Lucas ficara no colinho da maninha, deslizava seu rostinho no dela com aquele carinho angelical. De quando em vez, tocava o rosto da irmã com a mão acariciando-lhe a face. Uma beleza divinal!

No final não me contive em mencionar aquele acontecimento que contemplei como uma página viva do evangelho. A mãe, entre lágrimas e alegria e emoção, falava que a filha é acolhida naturalmente pela família, pelos irmãozinhos. O Lucas é mais expressivo no afeto, por isso, em todas as missas ele repete este gesto. O Rafael, o terceiro irmão, embora não tenha as expressões do Lucas, manifesta maior carinho e cuidado com a irmã.

Luana, 19 anos, recebe da mãe, do pai e dos irmãos os cuidados necessários para viver com dignidade. Mirian, a mãe de Luana, é filha de Conceição. Esta nobre senhora veio, ainda jovem, lá de Conceição do Ipanema/MG, acompanhando o Pe Geraldo Silva, Sacramentino de Nossa Senhora, e Ir. Soledade, Sacramentina de Nossa Senhora, para o Mato Grosso como missionária leiga. Casou-se, e por aí ficou. Plantou no coração da filha, Mírian, a semente da fé e do amor.

Mírian, mulher forte, não desanima, não desiste, não reclama. Teve a primeira filha com deficiência. Ainda arriscou ser mãe mais duas vezes: dois filhos lindos como companheiros de Luana. Com a filha cadeirante, dependente, foi a primeira a chegar à igreja. Abre a igreja, cuida, prepara a liturgia etc.

Somente Deus-Amor é capaz de nos fazer compreender e nos ajudar a contemplar estas expressões de sua bondade manifestadas em gestos simples como no de Mírian e sua família. É uma expressão viva do lema que marcou a vida do Servo de Deus, Pe. Júlio Maria: “amor e sacrifício”. Um evangelho vivo! Voltei para casa incomodado, pois vi uma história de amor e sacrifício.

Pe. Aureliano de Moura Limas, SDN

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