O bom pastor tem compaixão
16º Domingo do Tempo Comum [18 de julho de 2021]
[Mc 6,30-34]
Estamos ainda no capítulo sexto de Marcos. Se o leitor atentar bem, vai perceber que houve um salto em relação aos versículos proclamados no evangelho do último domingo. O texto retoma o envio dos discípulos: a volta da missão. O relato do assassinato do Batista (6,17-28) mostra Herodes oferecendo um banquete de morte. Jesus vem oferecer um banquete de vida.
Jesus propõe aos discípulos, que retornam cansados da missão, um descanso. Esse descanso, porém não é uma ociosidade improdutiva. Mas, pelo entendimento que o autor sagrado tem do deserto, trata-se de uma retirada para um encontro com Deus. Pois deserto, na Sagrada Escritura, é o lugar da luta contra o espírito do mal e do encontro com o Pai, na oração. De qualquer modo, é um lugar de revisão de vida, encontro consigo mesmo, de confronto e luta espiritual. Ajuda a descobrir por que caminhos Deus nos quer conduzir.
Para surpresa do grupo de Jesus, a multidão chegou lá antes deles. O que surpreende ainda mais é a atitude de Jesus. Em vez de expulsar, de maldizer a multidão, de reclamar ‘contra Deus e o mundo’, pois ele e os discípulos estavam em busca de “descansar um pouco”, enche-se de compaixão “porque eram como ovelhas sem pastor”. Jesus nunca decepciona aqueles que o buscam. Tem sempre um gesto, uma palavra que conforta e reanima.
Essa atitude de Jesus é o centro do relato de hoje. Jesus não sabia olhar para ninguém com indiferença. Não suportava ver as pessoas sofrendo. Esse seu jeito de ser entrou no coração das primeiras gerações cristãs. Por isso Marcos recorda esse fato, num tempo em que, certamente, a indiferença e mesmo o cansaço ameaçavam minar a vida da comunidade. Então começam a perceber que Jesus se compadecia das crianças sem carinho, dos enfermos abandonados e sofredores, dos que passavam fome. Estava atento ao que se passava ao seu redor. Não era um alienado e ensimesmado.
Essas atitudes de Jesus levam a comunidade a reconhecê-lo como o Pastor prometido em Ezequiel 34: “Eu mesmo vou buscar meu rebanho para cuidar dele”. Cuida das ovelhas fracas, cura as feridas, conforta as doentes, alimenta as famintas, busca e reconduz as desgarradas e perdidas. É o bom Pastor do Salmo 23 (22) que não abandona “no vale tenebroso” aqueles que a Ele se entregam confiantes.
Esse gesto de Jesus nos insta a olhar com mais cuidado ao nosso redor. Pode ser u’a mãe que não sabe o que fazer com o filho rebelde ou desencontrado. Pode ser um pai desempregado e desiludido. Pode ser uma esposa que não suporta mais a droga na família. Pode ser um jovem decepcionado com os pais. Pode ser uma pessoa perdida em relação ao sentido da vida e à religião. Pode ser uma jovem que ficou grávida e não sabe o que fazer para não ser expulsa de casa ou abandonada pelo namorado. Precisamos estar atentos, compassivamente, como Jesus. As dores e angústias das pessoas estremeciam-lhe a alma, moviam-lhe a entranhas.
Às vezes perdemos tempo e energia discutindo ninharias, falando mal dos outros, ou mesmo envolvidos em questões mesquinhas, enquanto há tantas “ovelhas sem pastor”. Há, pois, necessidade urgente de formarmos lideranças que sejam verdadeiros pastores e pastoras para o povo. Chega de lobos travestidos de ovelhas, de mercenários travestidos de pastores!
A nomenclatura que tanto usamos nas comunidades – pastoral - tem aí sua raiz. Por isso, hoje, o importante não é multiplicar atividades chamando-as de pastoral, mas estar atento para que, os que as realizam, tenham alma de pastor, atitude de pastor: acolhida, liderança e amor até doar a própria vida. É preciso adquirir o “cheiro das ovelhas”. E as “ovelhas” não são apenas as pessoas que frequentam nosso grupo, mas toda pessoa em situação de necessidade.
“Pastoral é conduzir o povo pelo caminho de Deus. É inspirada não pelo desejo de poder, mas pelo espírito de serviço. Jesus não procurou arrebanhar o povo para si. Inclusive, vendo o entusiasmo equivocado, se retirou (Jo 6,14-15). Ele procura levar o rebanho ao Pai, nada mais. Ser pastor não é autoafirmação, mas o dom de orientar carinhosamente o povo eclesial para Deus” (Pe. J. Konings).
Note bem: Uma das razões do celibato consagrado dos religiosos e dos padres é deixá-los mais disponíveis para cuidar das ovelhas sem pastor. Sendo assim, o tempo que gastariam consigo mesmos e com suas coisas, gastam-no com o rebanho que lhes foi confiado. Rezemos para que nossos padres, religiosos e religiosas vivam com alegria sua consagração e se dediquem, com generosidade, ao serviço das ovelhas, principalmente daquelas abandonadas e infelizes, sem medir esforços, sem adiar urgências, sem mediocridade, mas com o espírito de Jesus, Bom Pastor.
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN