Senhor, sede a luz dos olhos meus!
4º Domingo da Quaresma [19 de março de 2023]
[Jo 9,1-41]
João escreve com uma linguagem própria, em relação aos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas): longos diálogos cujas cenas são carregadas de simbolismo, provocando realismo e suspense no leitor. A principal mensagem do relato de hoje é a acolhida da revelação de Jesus enfatizada no contraste entre o “ver” e o “cego”. No texto encontramos 14 vezes a palavra “cego” e 18 referências ao “ver”. Os fariseus julgam ver tudo a partir da Lei e expulsam da sinagoga aquele que passou a ver depois do encontro transformador com Jesus.
Não podemos perder de vista que, desde os inícios do cristianismo, a quaresma é o tempo de preparação para o batismo dos catecúmenos (aqueles que se preparam para o batismo). Por isso os textos bíblicos e litúrgicos são escolhidos de forma a levar aquele que será batizado a entender e a assumir a fé que irá professar e a mergulhar cada vez mais no mistério do Cristo, luz do mundo. Nas Igrejas Orientais o batismo é chamado de “iluminação”.
A liturgia continua convocando o batizado à conversão do coração. É preciso afastar a ideia de que somente se deve preparar e pensar no batismo quem ainda não foi batizado. O batismo é uma semente de fé que precisa cultivada cotidianamente. A realidade batismal deve acompanhar toda a vida do cristão. É uma vida nova. É um jeito novo de viver: “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz o Senhor: andai como filhos da luz, pois o fruto da luz consiste em toda bondade, justiça e verdade” (Ef 5, 8-9). Se faltar cultivo, cuidado, zelo a luz se apaga, a fé morre, a graça se esvai. Por isso participamos, rezamos, refletimos a Palavra de Deus, amamos os irmãos, repartimos o pão, trabalhamos a solidariedade entre nós. Sem esse óleo da caridade, a fé não se sustenta.
Aquele cego de nascença representa cada pessoa chamada a fazer caminho de seguimento a Jesus. Nascer cego lembra a realidade de pecado (original) em que toda pessoa nasce. É preciso ser “ungido” no encontro com Jesus e “lavar-se” nas fontes batismais para enxergar o mundo com o olhar de Jesus. “O pior cego é aquele que não quer ver”, proclama o ditado popular. Cegos eram os fariseus e mestres da lei que não queriam enxergar a grande novidade enviada por Deus ao mundo na pessoa de Jesus. Continuavam cegos, embora acreditassem enxergar.
O encontro com Jesus nos abre os olhos e o coração e passamos a enxergar o mundo de modo novo, sem aquela cobiça que faz tanto mal, sem inveja e ciúme. Sem a sede do poder e do dinheiro que provoca tantas desavenças. Passamos a ver o outro não mais como ameaça ao nosso bem-estar ou como objeto de exploração e lucro, mas como irmão que precisa de nós, que pode somar conosco na construção de um mundo melhor.
Enquanto nosso olhar para o mundo for a partir de nossos interesses egoístas, seremos cegos conduzindo cegos. Se, porém, adotarmos a ótica de Jesus, que nos foi dada no batismo, seremos uma possibilidade para construir família, comunidade, sociedade, relações mais humanizadas. Despertaremos nos outros sua capacidade de enxergar melhor. Seremos reflexos da luz de Jesus: “Vós sois a luz do mundo... Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vendo as vossas boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,14.16).
Outro elemento importante do evangelho de hoje é não atribuir o sofrimento humano a uma punição de Deus pelo próprio pecado ou pelos pecados de antepassados. É uma compreensão por demais medíocre sobre Deus. Essa idéia está muito disseminada em nosso meio. Precisa ser erradicada, pois faz muito mal às pessoas e emperra a transformação da história, pois gera conformismo e indiferença. É uma idéia que nega a liberdade da pessoa, o mistério de Deus e do sofrimento humano. Jesus corta esse mal pela raiz: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas é para que nele sejam manifestadas as obras de Deus” (Jo 9, 3).
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OLHANDO A REALIDADE A PARTIR DE JESUS
A Campanha da Fraternidade deste ano nos convida a tomar algumas atitudes diante da vida de pessoas sofridas que passam pela nossa vista, pelos nossos olhos. Que podemos fazer diante do flagelo da fome que ameaça a vida de tantas pessoas?
“O Texto Base da CF 2023 indica algumas Propostas de AÇÃO PESSOAL, indicando o que cada um pode fazer diante do drama da fome: partilhar algo com aqueles que mais necessitam; jejuar e doar a quem precisa; questionar o próprio estilo de vida e de alimentação; ser solidário(a) com os que passam fome; colaborar nas campanhas de arrecadação de alimentos; abolir o desperdício de alimentos e buscar reaproveitamento saudável; realizar uma doação significativa para a Coleta Nacional da Solidariedade; participar dos Conselhos de Direitos (humanos, da criança e do adolescente, da juventude, da pessoa idosa, de saúde...); praticar o voluntariado; envolver-se nos trabalhos que já existem: Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP), Pastorais Sociais, Caritas etc.; participar das discussões sociais de políticas públicas; envolver-se na política com espírito crítico e nas iniciativas públicas (governamentais ou não) de combate à fome e pobreza em seu município (TB 166)” (Livrinho do MOBON CF/2023, p. 28).
Para refletir um pouco mais, concluo com esse belo poema de Cora Carolina:
"Não sei se a vida é curta ou longa demais para nós,
mas, sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocamos o coração das pessoas” .
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN