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Sinais do Ressuscitado no Vale do Jequitinhonha

aureliano, 30.03.16

Um desejo antigo: conhecer o Vale do Jequitinhonha. A oportunidade veio. A Conferência dos Religiosos do Regional de Minas Gerais realiza, todos os anos, uma Missão na Semana Santa. E quase sempre contempla o Norte de Minas. Uma tentativa de presença missionária em regiões carentes.

Dezoito a vinte e sete de março: período agendado para a missão. Lá vou eu: esperançoso, desejoso de conhecer aquela realidade. De antemão já sabia para que comunidade iria: Virgem da Lapa, paróquia São Domingos. Aí permaneceria entre 19 (sábado) e 23 (quarta). De Quinta-feira Santa a Domingo da Ressurreição (25 a 27) iria para São João do Vacaria, distrito de Virgem da Lapa.

Não pretendo narrar fatos jornalísticos, mas falar de uma experiência: sair de mim mesmo, colocar-me junto a um perito e aprender dele aquela arte. E foi a tentativa que fiz.

O Vale do Jequitinhonha traz em seu seio um povo sofrido, explorado, por vezes discriminado, mas feliz. Ah! Sim! A felicidade ninguém lhes tira. Brota de dentro, do íntimo, de Deus. Não fosse a desfaçatez de ricaços sem piedade e dominados pela ganância, aquele povo viveria muito mais feliz. Não ouvi lamento sobre a falta de chuva, sobre as longas distâncias ou sobre outras intempéries quaisquer. A grande insatisfação é contra a exploração de que são vítimas: o plantio de eucalipto nas barragens e chapadas secou as fontes de água, ameaçando a vida das comunidades. A truculência dos poderosos não leva em conta um povo que ali luta pela sobrevivência. Como sói acontecer em outras regiões do país, não se leva em conta a vida do planeta e do ser humano, mas o lucro sórdido e assassino que enche os bolsos e as bolsas de alguns perversos e gananciosos.

Pude ter contato com várias comunidades: Matriz São Domingos (cidade), Chácara, Funil, Almas, Buritis, Lagoa da Manga, Rosário de Baixo, Pega. Algumas destas comunidades são quilombolas. Um povo simples, humilde, acolhedor, religioso, piedoso. O acesso é bastante difícil, mas a comunidade continua ali: viva, confiante, esperançosa. Celebram a Palavra, celebram suas festas, seus encontros, sua vida.

São João do Vacaria. Um distrito de Virgem da Lapa, situado a 47 Km da sede, e com acesso muito difícil. Que comunidade maravilhosa! Em meio à penumbra da “noite”, vi sinais claros de Ressurreição. O Senhor não abandona o justo!

A população do Distrito gira em torno de 1000 habitantes. Do ponto de vista econômico, um povo marcado pela falta de emprego, de perspectiva profissional, com um futuro incerto. A maioria dos jovens, terminado o Ensino Médio, migra para outras regiões, particularmente São Paulo, a busca de estudo e emprego. Outros, muitos outros da região, realizam aqueles trabalhos sazonais: no tempo do corte da cana-de-açúcar e da colheita do café, vão para o Sul de Minas, São Paulo ou Bahia para ganharem algum recurso a fim de defender o ‘pão das crianças’.

Uma comunidade que se organiza como rede. Rede forte, curtida pela dor, pela luta, pela teimosia em viver e cuidar da vida. A comunidade eclesial (católica), a Unidade de Saúde, a Escola, a Associação estão interrelacionadas. Os líderes comunitários, quase todos ligados à comunidade eclesial, estão nestas diversas instâncias preocupados com a vida e o bem-estar de toda a comunidade, independente de credo e condição social.

A comunidade eclesial tem um planejamento pastoral que engloba a todos. Um fato que me marcou: a Pastoral da Criança, em pleno Sábado Santo, realizando a Celebração da Vida! Sessenta e duas crianças acompanhadas mensalmente pela Pastoral, em parceria com a Unidade de Saúde. Há visitas planejadas aos idosos. Alguns são centenários como o Seu Cristiano que fará 103 anos em breve. Um homem lúcido, bem cuidado pela família e pela comunidade. Ao lado de Dona Geralda, com 91 anos, celebram neste ano 73 anos de vida conjugal. Um casal agradável, harmonioso e feliz. E assim outros como Dona Lody, uma senhora com 97 anos, que ainda tece colcha de retalhos, fia algodão e ajuda nos afazeres da casa, cuidada com um carinho enorme pela bisneta Jeane. Também Dona Lindaura e Seu Vicente, nonagenários, estão por ali. Dona Firmina, Seu Apolinário e Dona Maria, octogenários. E o Marcelo? Irmão do querido Nilinho, é um rapaz com deficiência física e mental, cercado de cuidados pela família, a começar por dona Adalgisa, mãe prestimosa e paciente!

Os agentes de saúde estão para além do soldo! Por vezes são acordados de madrugada por alguém que pede socorro “médico”. E lá vão eles prestar o serviço que sabem e que podem a fim de cuidarem e protegerem a vida.

Na escola, um esforço permanente de professores, serviçais e alunos para que todos sejam protegidos, bem formados, resguardados de qualquer violência ou maldade. Todos se preocupam com todos.

A Associação Comunitária está atenta às necessidades e possibilidades da comunidade, trabalhando em prol de todos. Quando julga necessário, não hesita em tomar medidas necessárias para coibir ações nefastas de exploradores  e malfeitores.

Minha Semana Santa foi muito abençoada. Pude experimentar sinais de ressurreição num ambiente aonde a morte campeia em dominar. Sinais de ressurreição nos jovens dedicados e organizados. Sinais de ressurreição nas pastorais, especialmente na Pastoral da Criança que zela pela saúde e bem-estar dos pequenos indefesos. Sinais de ressurreição no cuidado com os idosos e doentes quando visitados, encaminhados, acompanhados. Sinais de ressurreição nos agentes da saúde e nos profissionais da educação que zelam não somente para ensinar o bê-á-bá, mas olham pelas crianças, adolescentes e jovens no conjunto de sua vida. Sinais de ressurreição nos gestos de acolhida, na casa aberta, no coração generoso, no olhar atento, na mesa farta, na oferta de si mesmo, na tessitura da rede da vida contra as forças da morte que circundam a comunidade.

Ao Pe. Éderson Guedes, pároco prestimoso, ao Roberto Pereira, seminarista dedicado, ao Willian, também seminarista, à Neusa, à Chica, à Lia, à Karina, à Luísa e demais membros da comunidade, minha gratidão profunda pela acolhida e companheirismo em Virgem da Lapa.

Em São João do Vacaria, gratidão eterna à Dona Terezinha que me acolheu generosamente em sua casa, à Helena e Zezinho que acolheram Irmã Cida, companheira de missão, ao José Nilson e Lili, prestimosos no serviço e na acolhida. Grato também à Marlene, ao Gefferson, à Luana, ao Bruno, à Vanda, ao Sr. Rodolfo, à Dona Fatinha, à Silete, ao Marcus Eduardo e a tantos outros “anjos da guarda” da comunidade. Ao grupo de jovens, à Pastoral da Criança liderada por Tatiane Sandes, à equipe de liturgia (ministros, coroinhas e outros mais), minha prece ao Deus da vida para mantê-los na fidelidade e generosidade de coração. A Rede da Vida tecida pela Oração, pela Eucaristia, pela Palavra de Deus, pela Fraternidade, pelo Perdão e pela Generosidade será sempre vencedora das tramas do inimigo e da morte! Deus seja louvado pela beleza e riqueza destes dias!

A maioria das pessoas, ao planejar as férias, pensa em passeio a lugares paradisíacos ou coisas do gênero. E isto é mesmo muito bom e, por vezes, até necessário. Mas se pudessem reservar alguns dias para doarem um pouco de si em realidades em que o povo sofre, seria uma bela oportunidade de conversão pessoal e de serviço à humanidade. Pense nisso!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

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