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aurelius

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Sim ao amor e à unidade; não à dominação e ao preconceito

aureliano, 05.10.18

27º Domingo do TC - 07 de outubro.jpg

27º Domingo do Tempo Comum [07 de outubro 2018]

   [Mc 10,2-16]

O ser humano é chamado, no amor, a realizar-se como pessoa. Porém essa realização não se dá sem a colaboração do outro que lhe diz quem ele é e por onde está caminhando. Ele deve realizar um encontro com alguém que seja capaz de comunhão com ele. É aí que se dará um diálogo aberto e nobre para, juntos, descobrirem a plenitude de sua vocação.

Quando os fariseus, cheios de maldade e de dúvidas também, fazem a Jesus aquela pergunta crucial sobre o divórcio, ele responde com maestria remetendo-se à ordem da Criação: “Desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Assim já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe”.

Jesus quer dizer que a separação do casal não faz parte do projeto original de Deus. Homem e mulher foram criados em mesmo nível de igualdade. Para viverem juntos, constituindo família, segundo sua vocação, realizando-se no que fazem e vivem.

Aqui entra um elemento fundamental: Deus não fez o homem superior à mulher. Nem vice-versa. Jesus condena essa atitude e quer que todos tenham a mesma dignidade e igualdade nas relações. Jesus desautoriza explicitamente todo autoritarismo machista que permitia ao homem “despedir a mulher por qualquer motivo”.

Na verdade havia interpretações divergentes relativas a esse tema entre as duas escolas mais famosas do judaísmo de então: a de Hillel, mais liberal em relação ao divórcio, permitindo, por exemplo, que o marido poderia pedir carta de divórcio quando a mulher não cozinhasse de acordo com seu gosto, ou quando ele gostasse mais de outra. Já a escola de Shammai, mais rigorosa, só admitia o divórcio em caso de adultério ou má conduta da mulher. À mulher restava recorrer para separação se o marido tivesse contraído a lepra ou exercesse um ofício repugnante.

Por aí se vê que a discussão não era simples. E os fariseus ficavam meio engasgados diante de tamanho impasse. Queriam saber a opinião de Jesus. Ao invocar o projeto original de Deus, a Criação, Jesus convida a uma reflexão mais profunda. Não se trata somente de continuar com a mulher ou abandoná-la. Em primeiro lugar trata-se de perceber que Deus os fez homem e mulher. São iguais perante Deus. Depois é preciso notar que o casamento é um projeto divino. É um dom para a humanidade. É o cuidado de um pelo outro e de ambos pelos filhos. Não se pode invocar a lei para justificar projetos egoístas. A Lei que deve prevalecer no coração humano é a Lei do amor.

O sonho de Deus é que o casal entre num projeto de vida estável e indissolúvel. O divórcio não faz parte do projeto do Pai, porque ele traz em si as marcas da dor, do golpe, da ferida quase incurável, da morte. As facilidades oferecidas por Moisés “por causa da dureza de vossos corações” estão em alta, nos últimos tempos. Sabemos por experiência que, sempre que o egoísmo prevalece, o sofrimento intensifica-se na vida humana. Mas todas as vezes que o amor-ágape encontra guarida no coração humano, o sofrimento é minimizado pelo alento da generosidade, do cuidado e do perdão.

Cabe aqui levar em consideração os casos de fracasso no casamento. Podemos dizer que não faz parte do projeto ideal de Deus. Mas a continuidade da relação por vezes se torna insustentável. Quando o egoísmo toma conta de uma parte ou de ambas, a situação vai se tornando insuportável, chega a ser desumana. Sem mencionar aquelas situações em que uma das partes é, simplesmente, abandonada (com os filhos). Se essa parte fiel, sadia, encontra amparo de alguém que valoriza, que respeita, que cuida devemos nos atirar confiantes nos braços da providência e da misericórdia divinas. Mas sabendo sempre que a questão da separação do casal não deve estar sempre sobre a mesa, como insistem as telenovelas. O casal que se faz discípulo de Jesus empenha todas as forças para levar adiante essa relação que significa o amor eterno que Deus tem por todos nós. Amor manifestado na entrega de seu Filho Unigênito pela nossa salvação. Amor expresso na entrega de Cristo pela sua Igreja.

Cabe considerar também a necessidade de acolhermos e oferecermos nosso ombro aos casais recasados. Eles não estão excomungados, não foram expulsos da Igreja. Estão em situação irregular, mas continuam em comunhão eclesial. Devem ser acolhidos. Devem participar da celebração, dos serviços da Igreja. Se a Igreja lhes retira o direito de receber a comunhão é porque “seu estado e condição de vida contradizem objetivamente a união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e atualizada na eucaristia” (São João Paulo II). Mas isso não autoriza ninguém condená-los, discriminá-los, rejeitá-los. Precisam ser acolhidos e amados em sua nova condição. É preciso ter para com eles o espírito de Jesus.

Escutemos o Papa Francisco: “Quanto às pessoas divorciadas que vivem em uma nova união, é importante fazer-lhes sentir que fazem parte da Igreja, que ‘não estão excomungadas’ nem são tratadas como tais, porque sempre integram a comunhão eclesial. Estas situações ‘exigem um atento discernimento e um acompanhamento com grande respeito, evitando qualquer linguagem e atitude que as faça sentir discriminadas e promovendo a sua participação na vida da comunidade. Cuidar delas não é, para a comunidade cristã, um enfraquecimento da sua fé e do seu testemunho sobre a indissolubilidade do matrimônio; antes, ela exprime precisamente neste cuidado a sua caridade” (Amoris Laetitia, 243).

“Essa sublime vocação do matrimônio indissolúvel é hoje fonte de violentas críticas à Igreja. Que fazer com os que fracassam? Objetivamente falando, sem inculpar ninguém – pois de culpa só Deus entende, e perdoa – devemos constatar que há fracassos, e que fica muito difícil celebrar um “sinal eficaz do amor inquebrantável de Jesus” na presença de um matrimônio desfeito... Por isso, a Igreja não reconhece como sacramento o casamento de divorciados. Teoricamente, se poderia discutir se o segundo casamento não pode ser aceito como união não-sacramental (como se faz na Igreja Ortodoxa). E observe-se que muitos casamentos em nosso meio são, propriamente falando, inválidos, porque contraídos sem suficiente consciência ou intenção; poderiam, portanto, ser anulados (como se nunca tivessem existido). Em todo caso, o matrimônio cristão, quando bem conduzido em amor inquebrantável, é uma forma de seguir Jesus no caminho do dom total” (Pe. J. Konings).

O que importa aqui é nos colocarmos diante do Pai como a criança, porque “o Reino de Deus é dos que são como elas”. Ou seja, em qualquer circunstância, é preciso de nos colocarmos diante do Pai com o coração aberto, com disponibilidade de alma, desarmados, confiantes na misericórdia d’Ele, como aprendizes, com transparência e sinceridade de coração.

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TRÊS PALAVRAS MÁGICAS PARA FAZER O CASAMENTO DURAR

Papa Francisco esclarece que o "para sempre" não é só questão de duração. "Um casamento não se realiza somente se ele dura, sua qualidade também é importante. Estar juntos e saber amar-se para sempre é o desafio dos esposos".

E fala sobre a convivência matrimonial: "Viver juntos é uma arte, um caminho paciente, bonito e fascinante (…) que tem regras que se podem resumir exatamente naquelas três palavras: 'posso?', 'obrigado' e 'desculpe'".

"Posso? é o pedido amável de entrar na vida de alguém com respeito e atenção. O verdadeiro amor não se impõe com dureza e agressividade. São Francisco dizia: 'A cortesia é a irmã da caridade, que apaga o ódio e mantém o amor'. E hoje, nas nossas famílias, no nosso mundo amiúde violento e arrogante, faz falta muita cortesia."

"Obrigado: a gratidão é um sentimento importante. Sabemos agradecer? (…) É importante manter viva a consciência de que a outra pessoa é um dom de Deus, e aos dons de Deus diz-se 'obrigado'. Não é uma palavra amável para usar com os estranhos, para ser educados. É preciso saber dizer 'obrigado' para caminhar juntos."

"Desculpe: na vida cometemos muitos erros, enganamo-nos tantas vezes. Todos. Daí a necessidade de utilizar esta palavra tão simples: 'desculpe'. Em geral, cada um de nós está disposto a acusar o outro para se desculpar. É um instinto que está na origem de tantos desastres. Aprendamos a reconhecer os nossos erros e a pedir desculpa. Também assim cresce uma família cristã.

Finalmente, o Papa acrescenta com bom humor: "Todos sabemos que não existe uma família perfeita, nem o marido ou a mulher perfeitos. Isso sem falar da sogra perfeita…".
E conclui: "Existimos nós, os pecadores. Jesus, que nos conhece bem, ensina-nos um segredo: que um dia não termine nunca sem pedir perdão, sem que a paz volte à casa. Se aprendemos a pedir perdão e a perdoar aos outros, o matrimônio durará, seguirá em frente" - https://pt.aleteia.org/2014/03/12

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O único necessário

aureliano, 16.07.16

16º Domingo do Tempo Comum [17 de julho de 2016]

[Lc 10,38-42]

Jesus caminha para Jerusalém. Na Samaria tem dificuldade de acolhimento, pois judeus e samaritanos são inimigos figadais. O episódio do relato deste domingo mostra o modelo de acolhida orientado por Jesus. Ele não quer contrapor Marta e Maria, vida ativa e vida contemplativa. Nem quer condenar a atitude de Marta. Afinal alguém tinha que preparar a casa e a refeição!

Jesus quer mostrar que Marta está fora dos limites. Corre demais, se agita, se preocupa demais com os afazeres. Seu modo de trabalhar não corresponde ao modo humano de lidar com os trabalhos e atividades. É preciso trabalhar, mas sem perder a calma, a serenidade. É preciso cuidar para que o trabalho não seja nem fuga de si mesmo nem ídolo a quem sacrificamos nossa vida. O trabalho precisa ter um sentido divino.

Também em nossas comunidades corremos o risco de trabalharmos muito, de corrermos muito, de colocarmos as pessoas sob pressão, nervosismo e afobação desviando-as daquilo que é essencial na vida: fazer a experiência do amor de Deus aos pés do Mestre. Maria é o exemplo de quem busca o essencial, o “único necessário”. Sem esse encontro de intimidade com o Senhor, nossa missão se transforma em ação dispersiva e vazia. Cansa e não contagia ninguém. “Podemos deparar-nos com comunidades animadas por funcionários afobados, mas não por testemunhas que irradiam seu vigor” (Pe. Antônio Pagola).

Ademais, é bom pensarmos, por outro lado, naquelas propostas muito em voga em nossos dias, de uma mistificação vazia com o nome de espiritualidade. Há muita gente correndo atrás de “energias positivas”, entrando debaixo de pirâmides, fazendo exercícios “místicos” em busca de equilíbrio e harmonia interna. Isso pode ajudar muito, psicologicamente. Mas dar a isso o nome de espiritualidade é falsear o que esse termo significa, pelo menos do ponto de vista cristão. Espiritualidade é deixar-se conduzir pelo Espírito de Deus. É uma forma de vida segundo o Espírito. É movimento na direção dos irmãos, pois o Espírito é Sopro.

Então é preciso ter cuidado com práticas mistificadas que podem fazer a pessoa voltar-se para si mesma, colocando-se como centro do mundo, esquecendo-se dos irmãos a seu redor. Só tem sentido o exercício espiritual que nos faz sair de nosso egoísmo e nos colocarmos a serviço dos irmãos mais necessitados. Foi esse Espírito que animou Jesus e seus seguidores na história. Marta e Maria representam duas realidades complementares que precisam ser bem integradas dentro de nós.

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HOSPITALIDADE: ACOLHER O OUTRO COMO DOM

De um modo geral, o brasileiro é muito acolhedor. A experiência nos mostra que, ao bater à porta de alguém, esperamos sempre ser acolhidos, ouvidos. Normalmente as pessoas nos convidam para entrar, para tomar um cafezinho etc. Perguntamos: O que significa mesmo ser acolhedor, receber visitas?

Neste domingo temos, na liturgia, dois exemplos de hospitalidade: Abraão e Marta. Abraão nos ajuda a perceber o mistério escondido na hospitalidade: a promessa que se realiza no dom do filho (Isaac). Marta e Maria nos ensinam que, antes de fazer muitas coisas para o hóspede, é preciso saber acolher, ouvir o ensinamento (de Jesus).

O ativismo não deixa sobrar tempo para os outros, nem mesmo para a família. Há muitas mães e filhos que reclamam a ausência do marido e pai por sair demais de casa, por trabalhar demais. Quando a ‘casa’ desmorona fica-se perguntando o porquê. Pode ser tarde demais! Muita gente diz que não tem tempo para servir à comunidade. Está gastando o tempo em quê? Um dia terá que parar pela doença, pela idade ou pela morte. E pode ser tarde demais!

Observamos que Abraão escolheu o melhor de sua cozinha para seus hóspedes. Maria deu o melhor de si, seu tempo todo para escutar o Mestre. Marta foi censurada por se ocupar com muitas coisas, desprezando o “único necessário”. Um bom anfitrião pode servir o melhor possível, mas se não escuta o que o visitante tem para dizer, fará uma montão de coisas, e a finalidade real da visita não se realizará. Nossa preocupação não pode se centrar nos nossos afazeres: almoço, churrasco, granfinagem, mas na pessoa, no seu rosto e nas suas palavras que nos interpelam. Senão nossa hospitalidade vai se transformar em exibicionismo, auto-afirmação, vaidade. Jesus lembra a Marta que ela precisa se preocupar com o “único necessário”.

Vivemos num tempo de muita agitação. “Tempo é dinheiro”, dita o Mercado. Não se pode perder tempo. Esse ritmo faz a vida perder o sentido. Vivemos num ritmo desesperado, estressante, provocado por essa busca frenética do ter que relativiza o ser, oferta gratuita de si para a vida dos outros.

Então perguntamos: o que é mesmo essencial em nossa vida? O que é mais importante: fazer muitas coisas, trabalhar muito, falar muito, correr o dia inteiro, engordar a conta-poupança? Será que não estamos precisando parar um pouco e ouvir a Palavra, escutar o que Deus nos quer falar? A liturgia da Palavra de hoje nos convida a parar, gastar tempo com o outro, oferecer o melhor de nós, estar mais com a família, desligar o computador, a TV e o celular de vez em quando. - Você consegue passar um dia sem acessar internet ou sem usar ‘zapear’? A Palavra de Deus nos provoca e nos desinstala, convidando-nos parar e ouvir as pessoas, a fazer algumas visitas, a estarmos gratuitamente um pouco mais com aquelas pessoas abandonadas, sozinhas, isoladas, sofridas. A acolher em nossa casa aqueles que nos buscam ou precisam de nós; não tanto de nossas ‘coisas’, mas de nós, de nosso tempo, de nosso ouvido, de nossa compreensão, de nossa participação em sua vida.

O fundamento da hospitalidade e do acolhimento cristãos é saber enxergar que o centro de nossas preocupações não dever ser nossa incansável atividade cotidiana, mas a pessoa humana que nos é dada e que nós recebemos, tantas e tantas vezes, como um dom da parte de Deus. 

Nosso encontro com o Senhor na Celebração Eucarística quer renovar em nós o vigor para nos colocarmos na atitude de Abraão e de Maria que param e escutam o que Deus lhes quer falar. “Uma só coisa é necessária”.

Pe. Aureliano de Moura  Lima, SDN