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A Torá relida por Jesus

aureliano, 14.02.20

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6º Domingo do Tempo Comum [16 de fevereiro de 2020]

[Mt 5,17-37]

Estamos no capítulo 5º de Mateus. No domingo retrasado rezamos o Evangelho das Bem-aventuranças: a verdadeira felicidade está em viver segundo o Espírito de Jesus. No domingo passado vimos que o discípulo é chamado a iluminar e a dar novo sabor à própria vida e à vida dos outros a partir de Jesus. Hoje, continuando a leitura do mesmo capítulo, ouvimos o ensinamento novo de Jesus em relação à Lei.

A fidelidade à Lei ou Torá, Ensinamento do Senhor, era o que colocava o judeu piedoso no caminho da santidade e da justiça. A dificuldade apontada por Jesus na reforma que ele faz da Lei era o entendimento corrente no seu tempo, de que bastava a fidelidade externa, uma observância à letra da Lei para ser justo. Jesus mostra que cumprir a Lei não é executar o que está prescrito ou deixar de fazer o que é proibido. Cumprir a Lei e realizar toda justiça, é agir de acordo com a vontade amorosa do Pai que está por trás da letra da Lei. É viver o espírito da Lei. É a intencionalidade de cada um que dá sentido ao que se vive.

Assim, quando a Lei diz “não matarás”, ela quer dizer, não sufocarás teu irmão por desprezo ou por rixa, por meio do preconceito ou da lei da ‘vantagem’. É claro que o mandamento “não matarás” refere-se também a atitudes e legislações que tiram da pessoa a possibilidade de viver com dignidade, de ter acesso à saúde e à educação, ao pão de cada dia.

Pelo que se constata, não há dúvida de que as atitudes do Governo brasileiro (Executivo, Congresso e Judiciário) estão levando à morte milhares de pessoas. Uma considerável parte de políticos e empresários desonestos roubou e continua roubando o patrimônio brasileiro. Há uma manobra satânica para livrá-los da condenação à devolução do que roubaram. Outros nem são levados a julgamento. Há ainda aqueles que, por omissão e maldade, sucateiam o patrimônio público, se valem dos cargos e funções para prejudicar os pobres e suprimir direitos adquiridos. Isto mata muita gente e coloca em dificuldade muitas vidas.

É terrível cair nas mãos de um grupo que age movido somente por interesses politiqueiros, sem o mínimo de consciência ética, desdenhando totalmente o bem comum, o clamor dos pobres. É um daqueles pecados que, na linguagem da catequese tradicional, “bradam aos céus e pedem a Deus por vingança”. Não que Deus seja vingativo, mas são pecados que afrontam a ordem natural da Criação, que destroem a humanidade. “Lembrai-vos de que o salário, do qual privastes os trabalhadores que ceifaram os vossos campos, clama, e os gritos dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos” (Tg 5,4).

Da mesma forma, o “não adulterarás” dever ir além. Deve levar o discípulo de Jesus a lutar contra a cobiça que habita o coração de toda pessoa. No entendimento dos rabinos do tempo de Jesus, se a mulher olhasse para outro homem ou se demonstrasse qualquer insinuação de desejo por possuí-lo, já era motivo para divorciar-se dela. Porém o homem (varão) era imune a essas penalizações. Jesus, porém, coloca homem e mulher no mesmo nível de compromisso e de fidelidade.

O mal é gestado nas más intenções que brotam do coração (cf. Mc 7, 21) tanto do homem quanto da mulher. Nesse mesmo sentido é preciso entender que o divórcio não faz parte do plano de Deus. Ainda que, em determinadas circunstâncias, seja um mal menor, é sempre um mal. Todos sabemos bem das consequências danosas, ainda que por vezes inevitáveis, provocadas pela separação do casal!

O evangelho de hoje nos ajuda a entender que diante de nós estão dois caminhos: “Diante dos homens está a vida e a morte, o bem e o mal; ser-te-á dado o que preferires” (Eclo, 15, 17; cf Dt 30,15-20). A Lei de Moisés nos ajuda a escolher qual o melhor caminho. Jesus, interpretando a Lei, nos mostra a necessidade de ir além de sua literalidade. Em outras palavras: se alguém pensa que para servir a Deus basta ir ao templo, “assistir” à missa ou ao culto, sem cultivar o amor e o cuidado para com os pais; ou que, em relação ao casamento, basta honrar o “contrato matrimonial”, sem necessidade de se preocupar em renovar o amor, o respeito e a fidelidade ao esposo, à esposa, aos filhos todos os dias, está fora do projeto de Deus; não está cumprindo a justiça do Reino. É o caso também de quem pensa que roubar ou matar é tirar algo do outro ou tirar a vida de alguém, podendo andar de mãos dadas com a corrupção e a mentira. Ou mesmo não se importando com a devastação do meio ambiente que geme dores de morte etc.

Viver o espírito da Lei, o Ensinamento de Deus, para se cumprir a justiça do Reino anunciado por Jesus, leva o discípulo a olhar para seu interior onde está inscrita a vontade do Pai. Escutando a consciência, voz de Deus, conferindo-a com a Palavra que ouvimos, vamos percebendo por onde andamos e que contornos de conversão precisamos fazer.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

De um coração petrificado a um olhar cristificado

aureliano, 04.04.19

5º Domingo da Quaresma - 07 de abril - C.jpg

5º Domingo da Quaresma [07 de abril de 2019]

[Jo 8,1-11]

Estamos nos aproximando da celebração da Páscoa do Senhor. Esse tempo da quaresma quer-nos ajudar a perceber onde estamos e por onde devemos caminhar. A conversão é a palavra central, pois sem este exercício não se vive a proposta de Jesus. A proposta para desviar-nos do caminho de Jesus é-nos feita constantemente pelas forças do mal. Os textos bíblicos deste tempo vêm-nos ajudar a rever nossa caminhada batismal. Que diferença tem feito em nossa vida sermos batizados ou não?

O relato do evangelho deste domingo é muito conhecido. Está dentro do evangelho de João, mas certamente não é escrito joanino, pois seu gênero literário não coincide com o de João. A crítica literária o coloca mais próximo de Lucas, sugerindo que ele deveria estar em Lc 21,38. Nem todos os manuscritos trazem esse relato dentro do evangelho de João.

Uma vez que esse texto foi reconhecido pela comunidade cristã como texto inspirado por Deus, o que nos interessa mesmo no evangelho de hoje é que ele traz um grande ensinamento para nós e nossas comunidades. Fazendo memória do evangelho do domingo passado (parábola do Pai misericordioso), notamos aqui mais uma confirmação do rosto misericordioso do Pai que Jesus nos veio revelar. É uma realização prática daquelas palavras da Escritura: “Quero a misericórdia e não o sacrifício” (Mt 12,7). E ainda: “Não quero a morte do pecador, mas que ele se converta e viva” (Ez 33,11).

Quando o evangelho diz que o povo ficava em volta de Jesus para escutá-lo significa que ele tinha algo de novo, que fazia a diferença na vida daquelas pessoas. Como diz Marcos: “Ele ensinava como quem tem autoridade, e não como os escribas” (Mc 1,22).

Trazem uma situação para Jesus resolver: uma mulher surpreendida em flagrante adultério. (Só não trouxeram o homem que adulterava com ela!). Aliás, já estava resolvido para os mestres da Lei e os fariseus: “Moisés na Lei mandou apedrejar tais mulheres”. O gesto de Jesus de se inclinar e escrever com o dedo no chão pode indicar que estava dando um tempo e pensando como iria responder àquela pergunta capciosa. É a indicação de que a gente não deve responder sem pensar a perguntas e situações que envolvem a vida dos outros. É preciso parar, pensar, rezar, pedir inspiração ao Espírito Santo. Foi o que fez Jesus.

E a resposta sábia de Jesus colocou todos ‘contra a parede’: “Quem dentre vós não tiver pecado seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”. Com essa resposta Jesus quis dizer que a ninguém é permitido tirar a vida do outro, por maior que seja o seu pecado ou o seu crime.

Com essas palavras e atitudes Jesus condena a pena de morte. Por aí se vê claramente como algumas atitudes do Governo brasileiro eleito no último pleito estão na contramão do Evangelho ao fazerem a defesa explícita do armamento da população e de propostas congêneres. Não basta dizer que tem fé em Deus, frequentar o templo ou citar frases bíblicas soltas, descontextualizadas. Todo texto fora de contexto se torna pretexto.

Não se combate o mal com violência. Não há notícia na face da terra de que alguma violência tenha trazido algum benefício. Já a tolerância, a misericórdia, o perdão, a reconciliação sim. É preciso quebrar a corrente da violência. É preciso mudar de lente e de coração. Muito interessante observar o olhar de Jesus. Não condena, mas salva. Enquanto os homens viam uma adúltera, Jesus via uma mulher.

O perdão de Deus antecede nosso arrependimento: Esse relato nos quer fazer compreender também que o perdão de Deus é gratuito. Deus não nos perdoa porque nos arrependemos. Não! Na verdade nós nos arrependemos porque Deus nos perdoa. Em Lucas 7,47 encontramos Jesus na relação com aquela mulher pecadora que demonstra muito amor porque foi perdoada. Ou seja, Deus não nos perdoa porque amamos muito, mas nosso amor é resposta ao perdão que ele já nos deu. Deus nos perdoa sempre e sem condições. Se não fosse assim estaríamos esvaziando a Encarnação e a Cruz de Jesus. Não teria sentido sua vinda ao mundo! A salvação dependeria de nós e não da graça de Deus! Não precisamos ocultar nossa condição de pecadores, mas aceitá-la como lugar de perdão e de encontro profundo com Deus misericordioso.

Jesus não vê uma adúltera, mas uma mulher: Para o judeu piedoso, a santidade de Deus não admite diante de si qualquer realidade impura. E o Código de Santidade protegeu as mulheres em alguns aspectos, mas em outros trouxe muito embaraço devido à compreensão que se tinha de pureza. Vamos acompanhar o comentário de Frei Mesters, Ir Mercedes Lopes e Francisco Orofino:

“Desde Esdras e Neemias, a tendência oficial era de excluir a mulher de toda a atividade pública e de considerá-la inapta para qualquer função na sociedade, a não ser para a função de esposa e mãe. O que mais contribuiu para a sua marginalização foi a lei da pureza. A mulher era declarada impura por ser mãe, por ser esposa, por ser filha, por ser mulher. Por ser mãe: dando à luz, ela se torna impura. Por ser filha: o filho que nasce traz 40 dias de impureza; mas a filha, 80 dias! (cf. Levítico 12) Por ser esposa: a relação sexual a torna impura durante um dia (Levítico 15,18). A mulher menstruada ficava sete dias impura. E quem a tocasse também se tornava impuro por contágio (Levítico 15,19-23). E não havia meio para uma mulher manter sua impureza em segredo, pois a lei obrigava as outras pessoas a denunciá-la. Esta legislação tornava insuportável a convivência diária em casa. Durante sete dias em cada mês, a mãe de família não podia deitar na cama, nem sentar-se numa cadeira, nem tocar nos filhos ou no marido, se não quisesse contaminá-los! Esta legislação é fruto de uma mentalidade segundo a qual a mulher era inferior ao homem. Alguns provérbios revelam essa discriminação da mulher. A marginalização chegou ao ponto de se considerar a mulher como a origem do pecado e da morte e a causa de todos os males (Eclesiástico 25,24).

Desta maneira se justificavam e se mantinham o privilégio e a dominação do homem sobre a mulher. Por exemplo, se um homem depois de algum tempo de casado, não gostasse mais da sua mulher, podia livrar-se dela dizendo que ela já não era virgem quando se casaram. Se os pais da mulher não conseguissem provar o contrário, ela seria apedrejada (Deuteronômio 22,13ss). A lei em relação ao divórcio é outro exemplo do privilégio do homem, pois somente ele tinha o direito de pedir o divórcio, mandando a mulher embora se já não a quisesse (Deuteronômio 24,1-4). A lei previa a morte do casal adúltero, mas na prática somente a mulher era julgada e condenada por adultério” (www.cebi.com).

Felizmente, há outros textos e livros da Sagrada Escritura que mostram a ação de Deus no mundo através da mulher. Temos o livro do Cântico dos Cânticos, Rute, Judite, Ester. Maria, mãe de Jesus, tem uma participação ímpar nessa história de salvação! Então é preciso mudar a mentalidade em relação à mulher, romper com o machismo ainda tão presente na sociedade e construirmos uma sociedade de igualdade de direitos e deveres. Isso precisa começar dentro de nossa casa, de nossa Igreja.

Os pequenos gestos de acolhida, de reconhecimento, de perdão, de respeito podem transformar a maneira de pensar e de viver da sociedade. Isso é conversão: de um olhar condenatório a um olhar transformado por uma vida em Cristo. Um olhar e um coração transfigurados por Cristo ressuscitado. Eis o ideal cristão.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Literalidade e Espiritualidade da Lei

aureliano, 09.02.17

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6º Domingo do Tempo Comum [12 de fevereiro de 2017]

[Mt 5,17-37]

Estamos no capítulo 5º de Mateus. No domingo retrasado rezamos o Evangelho das Bem-aventuranças: a verdadeira felicidade está em viver segundo o Espírito de Jesus. No domingo passado vimos que o discípulo é chamado a iluminar e a dar novo sabor à própria vida e à vida dos outros a partir de Jesus. Hoje, continuando a leitura do mesmo capítulo, ouvimos o ensinamento novo de Jesus em relação à Lei.

A fidelidade à Lei ou Torá, Ensinamento do Senhor, era o que colocava o judeu piedoso no caminho da santidade e da justiça. A dificuldade apontada por Jesus na reforma que ele faz da Lei era o entendimento corrente no seu tempo, de que bastava a fidelidade externa, uma observância à letra da Lei para ser justo. Jesus mostra que cumprir a Lei não é executar o que está prescrito ou deixar de fazer o que é proibido. Cumprir a Lei e realizar toda justiça, é agir de acordo com a vontade amorosa do Pai que está por trás da letra da Lei. É viver o espírito da Lei.

Assim, quando a Lei diz “não matarás”, ela quer dizer, “não sufocarás teu irmão por desprezo ou por rixa, por meio do preconceito ou da lei da ‘vantagem’”. É claro que o mandamento “não matarás” refere-se também a atitudes e legislações que tiram da pessoa a possibilidade de viver com dignidade, de ter acesso à saúde e à educação, ao pão de cada dia.

Pelo que se constata, não há dúvida de que as atitudes do Governo brasileiro (Executivo, Congresso e Judiciário) estão levando à morte milhares de pessoas. Um grupo de políticos e empresários desonestos roubou uma parte do patrimônio brasileiro. Há uma manobra satânica para livrá-los da condenação à devolução do que roubaram. Agora, o que sobrou está sendo entregue aos ricaços e ao capital estrangeiro. Isto mata muita gente e sacrifica muitas vidas. É terrível cair nas mãos de um grupo que age movido somente por interesses politiqueiros, sem o mínimo de consciência ética, desdenhando totalmente o bem comum, o clamor dos pobres. É um daqueles pecados que, na linguagem da catequese tradicional, “bradam aos céus e pedem a Deus por vingança”. Não que Deus seja vingativo, mas são pecados que afrontam a ordem natural da Criação, que destroem a humanidade. “Lembrai-vos de que o salário, do qual privastes os trabalhadores que ceifaram os vossos campos, clama, e os gritos dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos” (Tg 5,4).

Da mesma forma, o “não adulterarás” dever ir além. Deve levar o discípulo de Jesus a lutar contra a cobiça que habita o coração de toda pessoa. No entendimento dos rabinos do tempo de Jesus, se a mulher olhasse para outro homem ou se demonstrasse qualquer insinuação de desejo por possuí-lo, já era motivo para divorciar-se dela. Porém o homem (varão) era imune a essas penalizações. Jesus, porém, coloca homem e mulher no mesmo nível de compromisso e de fidelidade. O mal é gestado nas más intenções que brotam do coração (cf. Mc 7, 21) tanto do homem quanto da mulher. Nesse mesmo sentido é preciso entender que o divórcio não faz parte do plano de Deus. Ainda que, em determinadas circunstâncias, seja um mal menor, é sempre um mal. Todos sabemos bem das conseqüências danosas provocadas pela separação do casal!

O evangelho de hoje nos ajuda a entender que diante de nós estão dois caminhos: “Diante dos homens está a vida e a morte, o bem e o mal; ser-te-á dado o que preferires” (Eclo, 15, 17; cf Dt 30,15-20). A Lei de Moisés nos ajuda a escolher qual o melhor caminho. Jesus, interpretando a Lei, nos mostra a necessidade de ir além de sua literalidade. Em outras palavras: se alguém pensa que para servir a Deus basta ir ao templo, “assistir” à missa, sem cultivar o amor e o cuidado para com os pais; ou que, em relação ao casamento, basta honrar o “contrato matrimonial”, sem necessidade de se preocupar em renovar o amor, o respeito e a fidelidade ao esposo, à esposa, aos filhos todos os dias, está fora do projeto de Deus; não está cumprindo a justiça do Reino. É o caso também de quem pensa que roubar ou matar é tirar algo do outro ou tirar a vida de alguém, podendo andar de mãos dadas com a corrupção e a mentira. Ou mesmo não se importando com a devastação do meio ambiente que geme dores de morte etc.

Viver o espírito da Lei, o Ensinamento de Deus, para se cumprir a justiça do Reino anunciado por Jesus, leva o discípulo a olhar para seu interior onde está inscrita a vontade do Pai. Escutando a consciência, voz de Deus, conferindo-a com a Palavra que ouvimos, vamos percebendo por onde andamos e que contornos de conversão precisamos fazer.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN