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Preparando-nos para o fim

aureliano, 29.11.24

1º Domingo do Advento - 02 de dezembro.jpg

1º Domingo do Advento [1º de dezembro de 2024]

[Lc 21,25-28.34-36]

Iniciamos o Ano Litúrgico da Igreja. Neste ano vamos caminhar com Lucas Evangelista. Esse evangelho se caracteriza pela alegria, pela presença das mulheres, pela revelação do rosto misericordioso do Pai, pela presença dos pobres. É o evangelho que mostra um Jesus orante: muitas vezes ele sobe a montanha ou foge para o deserto a fim de orar ao Pai. Os relatos da infância de Jesus lhe são também característicos. Lucas descreve os passos de Jesus perfazendo um longo Caminho cujo desfecho será Jerusalém. Ali ele entregará sua vida pela humanidade. E dali também enviará os discípulos em missão até os confins da terra.

O Ano Litúrgico tem início com o Advento. Esse tempo marca a celebração com uma liturgia que quer despertar o discípulo de Jesus para a espera confiante. É o tempo em que celebramos a vinda de Cristo na História e na Glória. Ele veio a primeira vez para nos libertar do pecado e da morte. Virá uma segunda vez para a manifestação definitiva do Reino de Deus: “Revestido da nossa fragilidade, ele veio a primeira vez para realizar seu eterno plano de amor e abrir-nos o caminho da salvação. Revestido de sua glória, ele virá uma segunda vez para conceder-nos em plenitude os bens prometidos que hoje, vigilantes, esperamos” (Prefácio da Missa).

O relato de hoje distingue dois momentos: o primeiro (Lc 21,25-28) fala do fim. O segundo (Lc 21,34-36) fala das atitudes que devemos cultivar em função do fim. É um relato de gênero literário apocalíptico. É bom termos diante dos olhos que esse modo de escrever do autor sagrado não tem como objetivo amedrontar, causar pânico, deixar o leitor em polvorosa. Apocalipse significa revelação. Como se algo estivesse oculto aos nossos olhos por causa de uma espécie de véu que nos cobre e impede de enxergar, devido às perseguições e dificuldades que levam ao desânimo. Esse véu é tirado e a gente começa a enxergar as coisas com um olhar de Deus. A revelação nos faz olhar para o mundo, para as pessoas numa perspectiva escatológica, de fim, das últimas coisas que irão acontecer conosco pela Palavra definitiva do Pai. Não se trata do fim de tudo, entendido como redução da criação ao nada. Mas no sentido de finalidade da vida: Deus nos criou com uma Finalidade, para um Fim: uma teleologia. E ele quer que nós vivamos de acordo com esse Fim. É a vida eterna, que já começa aqui: “A vida eterna é que eles te conheçam a ti, o único verdadeiro Deus, e àquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3).

Então, sem nos prendermos à ideia de catástrofes, de alarmismos, que só faz mal, vamos pensar um pouco em nossa vida, nesse Advento. Como estamos vivendo em vista do fim para o qual o Pai nos criou?

Prestemos um pouco mais de atenção nessas palavras de Jesus: “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida”. Atentemos para o que torna o coração insensível: a gula, a embriaguez e as preocupações da vida! O nosso mundo é dominado por esse mal. A grande preocupação que invade nosso coração, geralmente, é se empanturrar de festa e comida, de gozar a vida (embriaguez/orgia) e ganhar dinheiro e poder a todo custo.  E, muitas vezes, há vidas e esperanças sacrificadas (idolatria)!

Quem é que está preocupado com a defesa dos direitos dos pobres e oprimidos? Quem reserva um tempo precioso para fazer uma visita a um doente ou idoso? A que nos estimulam as séries televisivas, as redes sociais? Quais são as principais preocupações e ações de nossos governantes e empresários? Investimos nossas forças, energias em vista de que mesmo? Qual o objetivo principal de nossa vida?

Papa Francisco, em sua homilia no dia 27/11/2019, a propósito de Apocalipse 14,14-19, ensinava a importância de pensarmos no fim. "Como será o meu fim? Como eu gostaria que o Senhor me encontrasse quando me chamar? É sábio pensar no fim, nos ajuda a seguir em frente, a fazer um exame de consciência sobre que coisas eu deveria corrigir e quais levar em frente porque são boas".

Ainda mais. “Tomai cuidado... aquele dia cairá como uma armadilha”. Jesus nos alerta à contínua vigilância. Esse “estar de pé” é garantia de um novo jeito de ser e de viver. É a atitude do guarda noturno que está sempre de atalaia para não ser surpreendido. Isso nos possibilita não sermos enganados nem nos acomodarmos.

“Orai a todo momento, a fim de terdes força”. Essa palavra de Jesus é um convite a repensar nossa fragilidade e dependência da força do Alto. A intimidade com o Senhor é que nos garante a salvação frente às forças do mal. O Pai é o nosso garante. Sem Ele o mal nos domina e nos destrói.

A propósito de uma vida vivida “em preparação”, deixo aqui mais uma palavra do Papa Francisco na mesma ocasião da citação anterior: “Nos fará bem nesta semana pensar no fim. Se o Senhor me chamasse hoje, o que eu faria? O que eu diria? Que trigo eu mostraria a ele? O pensamento do fim nos ajuda a seguir em frente; não é um pensamento estático: é um pensamento que avança porque é levado em frente pela virtude, pela esperança. Sim, haverá um fim, mas esse fim será um encontro: um encontro com o Senhor. É verdade, será uma prestação de contas daquilo que fiz, mas também será um encontro de misericórdia, de alegria, de felicidade. Pensar no fim, no final da criação, no fim da própria vida é sabedoria; os sábios fazem isso”.

Gostaria ainda de lembrar a palavra de Paulo para esse início do Advento: “Que assim ele confirme os vossos corações numa santidade sem defeito aos olhos de Deus, nosso Pai, no dia da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, com todos os seus santos. (...) Fazei progressos ainda maiores! Conheceis, de fato, as instruções que temos dado em nome do Senhor Jesus” (1Ts3, 13. 4,1-2). Nossa vocação é para a santidade. Esta consiste em nos colocarmos diante de Deus em total dependência dEle e num esforço contínuo em viver as “instruções” que Jesus nos deixou.

Por vezes somos “instruídos” na família, na catequese inicial, e depois nos esquecemos de tudo o que aprendemos. Tomamos um caminho que entra na contramão de tudo o que Jesus, a Igreja e a família nos ensinaram. Confirma isso o fato de sermos, no Brasil, uma população com cerca de 90% de batizados, porém somos campeões mundiais na violência e na corrupção. Que esquizofrenia é essa? Isso nos leva a concluir que ser batizado não é o mesmo que ser cristão.

O batismo é um rito que infunde em nosso coração a Graça de Deus, a fé e nos introduz na comunidade cristã. Porém o processo de amadurecimento desta fé se dá pela vida afora. Vamos nos fazendo cristãos na medida que incorporamos o ensinamento de Jesus em nossa vida. O grande desejo de Jesus é que nos tornemos seus discípulos. Que façamos processo de conversão cotidiana. Que construamos um mundo de fraternidade e de paz para o bem de toda a humanidade.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Preparai os caminhos do Senhor”

aureliano, 09.12.23

2º Domingo do Advento - B - 06 de dezembro.jpg

2º Domingo do Advento [10 de dezembro de 2023]

[Mc 1,1-8]

Estamos no advento, tempo de preparação para celebrarmos bem o Natal do Senhor. É uma Solenidade que precisaria ocupar o primeiro lugar em nossa preocupação nesses dias. O consumismo convida à corrida às compras, às viagens, às festas. Tudo isso é importante e muito bom. O que nos desafia é a ausência do elemento cristão em tudo isso na vida de muitos cristãos. Quando não há preocupação em colocar no centro da vida a pessoa de Jesus, o grande Presente do Pai para a humanidade, toda festa, folia, encontro ficam sem sentido.

No domingo passado, o primeiro do Advento, a liturgia enfocava a Segunda Vinda de Cristo, mostrando a necessidade da vigilância: “Vigiai, pois não sabeis quando será o momento” (Mc 13,35). Neste e nos demais domingos, a liturgia nos convida a prestar mais atenção ao acontecimento da Primeira Vinda. É o evento fundador da História da salvação da humanidade. Cristo é o Princípio e Fim de todas as coisas (Ap 22,13). Ele entra na nossa história sem privilégios: assume nossas dores e pecados, nasce pobre numa manjedoura, sem nada que lhe dê reconhecimento senão sua simplicidade e doação.

A figura de João Batista questiona nosso modo de vida e nossa preparação para o encontro com o Senhor. É preciso assumir uma vida simples, despojada, num caminho de permanente conversão. Como precursor do Senhor, João Batista, o aponta não somente com suas palavras, mas com sua vida. Ele não é o Messias. É apenas a voz que não se vê, que não aparece, que não esnoba, mas que convoca à conversão. Um modo de vida que provoca e questiona a vida de outros.

Como discípulos missionários temos a missão de ajudar as pessoas a fazer o encontro com Jesus, a reconhecê-lo como Mestre e Senhor. Para isso precisamos ter um pouco do espírito de João Batista: não se coloca no centro, não chama a atenção sobre si, não se julga mais importante e melhor do que os demais. Não se julga digno de “desatar as correias de suas sandálias”. Lancemos um olhar contemplativo para a figura de João Batista. Em quê nos sentimos questionados pela vida dele? Nossa vida está focada nas coisas ou nas pessoas?

No início do cristianismo os fiéis esperavam a volta de Jesus para breve. Por isso viviam um fervor muito grande, até mesmo exagerado (cf. 2Ts 3,10-12). Com o passar do tempo suas expectativas sofreram uma espécie de frustração: o Senhor não veio como esperavam! E começaram a cometer os mesmos pecados e abusos que hoje cometemos: consumismo, comodismo, ganância, infidelidades, intrigas. Seria bom guardarmos a palavra de Pedro, na segunda leitura de hoje: “Esforçai-vos para que ele vos encontre em paz, puros e irrepreensíveis” (2Pd 3, 14).

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O DESEJO DE CAMINHAR

Um elemento muito importante na vida cristã é o cultivo do desejo. Não estou falando aqui de psicanálise, mas de um caminho espiritual. O ser humano, do ponto de vista filosófico e psicológico é um ‘ser desejante’. Pe. Dalton Barros, redentorista, fala de “desejos” e “Desejo”. Os desejos que nos habitam podem destruir o Desejo (com D maiúsculo). Esse Desejo é que clama dentro de nós. E seu clamor é de uma “brisa suave”, como ocorreu a Elias (1Rs, 19,12-13). Os desejos da carne, no dizer de São Paulo, clamam em nós (cf. Gl 5,17). Querem prevalecer sobre o Espírito. Um pensamento de Simone Weil leva a um profundo questionamento a respeito de nossa fé cristã: “Onde falta o desejo de encontrar-se com Deus, ali não há crentes, mas pobres caricaturas de pessoas que se dirigem a Deus por medo ou por interesse”.

Outro pensamento do evangelho de hoje é o do ‘caminho’: “Preparai o caminho do Senhor”. A comunidade cristã em seus primórdios era conhecida como ‘Caminho’. Saulo perseguia os adeptos do ‘Caminho’ (cf. At 9). Não se tratava de um sistema religioso com normas e leis. O entendimento da comunidade cristã como Caminho continua muito interessante. No caminho esbarramos com várias situações e pessoas. Há retrocessos e avanços. Há atalhos e curvas, há pedras e espinhos, há provas, desilusões, cansaços, dores, dúvidas, angústias, incertezas, desânimo. É até meio perigoso dizer, mas as dúvidas e incertezas podem nos estimular mais do que a segurança de certezas absolutas, fechadas, simplistas e rotineiras.

Além do mais, quando lidamos com nossa fé como ‘Caminho’, aprendemos a lidar com os irmãos de caminhada. Cada um é responsável pelo seu próprio passo. Cada um tem um ritmo. Ninguém pode ser forçado a me acompanhar. Também não tenho que acompanhar o ritmo de ninguém. Além disso, na caminhada há etapas. As situações e circunstâncias de cada um são diferentes. O que importa mesmo é caminhar, não desanimar, não recuar, não se desviar “nem para a direita nem para a esquerda” (cf. Js 1,7). Estar atento ao chamado que o Senhor faz a todos: viver de maneira digna e feliz, e trabalhar para que todos tenham acesso à mesma dignidade e alegria de viver.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O dia do Juízo virá

aureliano, 25.11.22

1º Domingo do Advento - 1º de dezembro - A.jpg

1º Domingo do Advento [27 de novembro de 2022]

[Mt 24,37-44]

Estamos no Advento! Tempo litúrgico conhecido como preparação para o Natal. Mas na verdade é um tempo de celebrar a vinda do Senhor. Ele veio uma primeira vez historicamente, na Palestina. Ele virá uma segunda vez em sua glória para “julgar os vivos e os mortos”. E ele continua vindo no presente da Igreja, que deve se empenhar para ser sinal de sua presença no mundo.

O comércio se vale deste momento para vender, comprar, ganhar dinheiro. É preciso, porém, ter cuidado para não fazer deste tempo uma ocasião de festas sem aquela preocupação basilar de que falam as leituras da liturgia deste domingo: “Deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz... andemos decentemente; não em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas e ciúmes” (Rm 13,12-13). E ainda: “Ficai preparados, porque o Filho do Homem virá numa hora que não pensais” (Mt 24,44).

Não quero, com isso, negar a importância da festa, do encontro familiar, do descanso, da dança, da música, das alegrias ao redor da mesa. O que deve, porém, caracterizar nossas festas é a dimensão cristã destas festividades. Não perder o sentimento de solidariedade: não esbanjar, desperdiçar; não fechar o coração ao pobre e necessitado; buscar a reconciliação, o perdão, a celebração, a partilha. São elementos que “batizam” as nossas festas natalinas.

O Evangelho fala de três situações que mostram a importância de estarmos preparados. No episódio bíblico do dilúvio ninguém se interessou pela arca que Noé preparava. É uma advertência para estarmos conscientes de que o fim é inevitável. É preciso ouvir e ver os sinais de Deus manifestos nos gestos das pessoas. Sobre a narrativa em que as mulheres e os homens estão trabalhando (cf. Mt 24,40-41), é interessante notar que as pessoas estavam fazendo as mesmas atividades, no entanto “uma será tirada e outra será deixada”. Jesus quer dizer que o importante não é o que se está fazendo, mas o modo como cada um age no seu cotidiano. O cristão faz o mesmo que todos fazem, mas com o diferencial de fazê-lo à maneira de Jesus. Não há necessidade de ações heróicas, mirabolantes, de propósitos impossíveis de serem cumpridos. O que o Senhor quer é que nossas atitudes sejam regadas de fraternidade, de sinceridade, de compreensão, de perdão, de ajuda mútua, de solidariedade, de verdade.

Finalmente o ladrão, que sempre surpreende. Para não ser pego de surpresa é preciso vigiar, estar acordado, atento, alerta. Não podemos estar dormindo, mas viver em estado desperto à luz do Dia de Cristo, para que ele nos possa encontrar dispostos para a vida de incansável caridade que ele nos ensinou: “Tudo o que fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25, 40).

Esta vigilância de que fala o evangelho deve ser carregada de esperança. Então não se pode compreender uma espera vigilante que descarta aqueles que estão ao meu lado precisando de minha colaboração. O Papa Francisco chama-nos a atenção: "Não podemos dormir tranquilos enquanto houver crianças que morrem de fome e idosos que não têm assistência médica" (17/08/2013). Então a vigilância que Jesus pede deve ser inquieta. Não basta rezar, ir à Igreja, pedir isso ou aquilo a Deus. É preciso assumir uma atitude de fiel discípulo de Jesus.

Meu pensamento e minhas ações estão voltados para Deus e seu projeto ou voltados para mim mesmo? Isso é que decide a sorte de cada um no juízo de Deus.

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“NÃO PEGARÃO EM ARMAS”

“Ele há de julgar as nações e arguir numerosos povos; estes transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices: não pegarão em armas contra os outros e não mais travarão combate. Vinde, todos da casa de Jacó, e deixemo-nos guiar pela luz do Senhor” (Is 2,4-5).

O texto está tratando de uma situação vivida por Israel e provocada por governantes que fazem alianças perigosas com reis de nações vizinhas. Depositam assim a confiança nas forças humanas e não em Deus. O abandono de Deus e a confiança nas próprias forças colocam em risco toda a comunidade israelita.

O profeta intervém alertando sobre a necessidade de se voltar para Deus e depositar nele a confiança e a esperança. Sobretudo de não pensar que vencerão pela força do exército e das armas. O capítulo VII de Isaías aprofunda essa temática: “Se não o crerdes não vos mantereis firmes” (Is 7,9).

Quero aqui, mais uma vez, chamar a atenção a respeito de projetos propulsores de violência como o da posse e porte de armas de fogo e de outras ações violentas defendidas por pessoas que se dizem cristãs. Esse relato da Escritura convida a transformar as armas de guerra em instrumento de produção de alimento: espadas em arados e lanças em foices.

Como é que alguém que se diz temente a Deus e que cita a Sagrada Escritura como verdade revelada por Deus, pode defender a matança, a eliminação do ser humano? Está faltando em nossa Igreja e nos cristãos de modo geral uma volta para Deus, um processo de conversão do coração. O caminho do combate à violência deve passar pelos valores do Evangelho. Jesus deve ser a meta, o horizonte, o foco, a mira do cristão. “A essas palavras, um dos guardas, que ali se achavam, deu uma bofetada em Jesus, dizendo: ‘Assim respondes ao Sumo Sacerdote?’. Respondeu Jesus: ‘Se falei mal, testemunha sobre o mal; mas, se falei bem, por que me bates?’”(Jo 18, 22-23). A contemplação dessa cena da Paixão do Senhor pode nos ajudar a aprender do Mestre de Nazaré a atitude de reconciliação e de paz já recomendada pelo profeta: “Eles não pegarão mais em armas uns contra os outros” (Is 2,4).

Como estamos nos preparando para celebrar o Natal do Senhor, o Príncipe da Paz? Com pensamentos de paz, de reconciliação, de perdão? Ou de guerra, de ódio, de vingança, de destruição?

Deixo com o Papa Francisco a palavra final:

“Com a convicção de que é possível e necessário um mundo sem armas nucleares, peço aos líderes políticos para não se esquecerem de que as mesmas não nos defendem das ameaças à segurança nacional e internacional do nosso tempo.

Um dos anseios mais profundos do coração humano é o desejo de paz e estabilidade. A posse de armas nucleares e outras armas de destruição de massa não é a melhor resposta a este desejo; antes, parecem pô-lo continuamente à prova. O nosso mundo vive a dicotomia perversa de querer defender e garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança, que acaba por envenenar as relações entre os povos e impedir a possibilidade de qualquer diálogo.

No mundo atual, onde milhões de crianças e famílias vivem em condições desumanas, o dinheiro gasto e as fortunas obtidas no fabrico, modernização, manutenção e venda de armas, cada vez mais destrutivas, são um atentado contínuo que brada ao céu.

Em 1963, o Papa São João XXIII, na Encíclica Pacem in terris, solicitando também a proibição das armas atômicas (cf. n. 112), afirmou que «a verdadeira paz entre os povos não se baseia em tal equilíbrio [em armamentos], mas sim e exclusivamente na confiança mútua» (n. 113).

Oxalá a oração, a busca incansável de promover acordos, a insistência no diálogo sejam as «armas» em que deponhamos a nossa confiança e também a fonte de inspiração dos esforços para construir um mundo de justiça e solidariedade que forneça reais garantias para a paz.

Peço-vos para nos unirmos em oração diária pela conversão das consciências e pelo triunfo duma cultura da vida, da reconciliação e da fraternidade; uma fraternidade que saiba reconhecer e garantir as diferenças na busca dum destino comum” (Excertos do discurso do Papa Francisco no Japão, em 24 de novembro de 2019).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

O que dá sentido à nossa vida?

aureliano, 27.11.21

1º Domingo do Advento [28 de novembro de 2021]

[Lc 21,25-28.34-36]

Iniciamos o Ano Litúrgico da Igreja. Neste ano vamos caminhar com Lucas Evangelista. Esse evangelho se caracteriza pela alegria, pela presença das mulheres, pela revelação do rosto misericordioso do Pai, pela presença dos pobres. É o evangelho que mostra um Jesus orante: muitas vezes ele sobe a montanha para orar ao Pai. Os relatos da infância de Jesus lhe são também característicos. Lucas descreve os passos de Jesus perfazendo um longo Caminho cujo desfecho será Jerusalém. Ali ele entregará sua vida pela humanidade. E dali também enviará os discípulos em missão até os confins da terra.

O Ano Litúrgico tem início com o Advento. Esse tempo marca a celebração com uma liturgia que quer despertar o discípulo de Jesus para a espera confiante. É o tempo em que celebramos a vinda de Cristo na História e na Glória. Ele veio a primeira vez para nos libertar do pecado e da morte. Virá uma segunda vez para a manifestação definitiva do Reino de Deus: “Revestido da nossa fragilidade, ele veio a primeira vez para realizar seu eterno plano de amor e abrir-nos o caminho da salvação. Revestido de sua glória, ele virá uma segunda vez para conceder-nos em plenitude os bens prometidos que hoje, vigilantes, esperamos” (Prefácio da Missa).

O relato de hoje distingue dois momentos: o primeiro (Lc 21,25-28) fala do fim. O segundo (Lc 21,34-36) fala das atitudes que devemos cultivar em função do fim. É um relato de gênero literário apocalíptico. É bom termos diante dos olhos que esse modo de escrever do autor sagrado não tem como objetivo amedrontar, causar pânico, deixar o leitor em polvorosa. Apocalipse significa revelação. Como se algo estivesse oculto aos nossos olhos por causa de uma espécie de véu que nos cobre e impede de enxergar, devido às perseguições e dificuldades que levam ao desânimo. Esse véu é tirado e a gente começa a enxergar as coisas com um olhar de Deus. A revelação nos faz olhar para o mundo, para as pessoas numa perspectiva escatológica, de fim, das últimas coisas que irão acontecer conosco pela Palavra definitiva do Pai. Não se trata do fim de tudo, entendido como redução da criação ao nada. Mas no sentido de finalidade da vida: Deus nos criou com uma Finalidade, para um Fim: uma teleologia. E ele quer que nós vivamos de acordo com esse Fim. É a vida eterna, que já começa aqui: “A vida eterna é que eles te conheçam a ti, o único verdadeiro Deus, e àquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3).

Então, sem nos prendermos à ideia de catástrofes, de alarmismos, que só faz mal, vamos pensar um pouco em nossa vida, nesse Advento. Como estamos vivendo em vista do fim para o qual o Pai nos criou?

Prestemos um pouco mais de atenção nessas palavras de Jesus: “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida”. Atentemos para o que torna o coração insensível: a gula, a embriaguez e as preocupações da vida! O nosso mundo é dominado por esse mal. A grande preocupação que invade nosso coração, geralmente, é se empanturrar de festa e comida, de gozar a vida (embriaguez/orgia) e ganhar dinheiro e poder a todo custo. Ainda que as vidas sejam sacrificadas (idolatria)!

Quem é que está preocupado com a defesa dos direitos dos pobres e oprimidos? Quem reserva um tempo precioso para fazer uma visita a um doente ou idoso? A que nos estimulam a televisão, os filmes e as redes sociais? Quais são as principais preocupações e ações de nossos governantes e empresários? Investimos nossas forças, energias em vista de que mesmo? Qual o objetivo principal de nossa vida?

Papa Francisco, em sua homilia no dia 27/11/2019, a propósito de Apocalipse 14,14-19, ensinava a importância de pensarmos no fim. "Como será o meu fim? Como eu gostaria que o Senhor me encontrasse quando me chamar? É sábio pensar no fim, nos ajuda a seguir em frente, a fazer um exame de consciência sobre que coisas eu deveria corrigir e quais levar em frente porque são boas".

Ainda mais. “Tomai cuidado... aquele dia cairá como uma armadilha”. Jesus nos alerta à contínua vigilância. Esse “estar de pé” é garantia de um novo jeito de ser e de viver. É a atitude do guarda noturno que está sempre de atalaia para não ser surpreendido. Isso nos possibilita não sermos enganados nem nos acomodarmos.

“Orai a todo momento, a fim de terdes força”. Essa palavra de Jesus é um convite a repensar nossa fragilidade e dependência da força do Alto. A intimidade com o Senhor é que nos garante a salvação diante das forças do mal. O Pai é o nosso garante. Sem Ele o mal nos domina e nos devora.

A propósito de uma vivida “em preparação”, deixo aqui mais uma palavra do Papa Francisco na mesma ocasião da citação anterior: “Nos fará bem nesta semana pensar no fim. Se o Senhor me chamasse hoje, o que eu faria? O que eu diria? Que trigo eu mostraria a ele? O pensamento do fim nos ajuda a seguir em frente; não é um pensamento estático: é um pensamento que avança porque é levado em frente pela virtude, pela esperança. Sim, haverá um fim, mas esse fim será um encontro: um encontro com o Senhor. É verdade, será uma prestação de contas daquilo que fiz, mas também será um encontro de misericórdia, de alegria, de felicidade. Pensar no fim, no final da criação, no fim da própria vida é sabedoria; os sábios fazem isso”.

Gostaria ainda de lembrar a palavra de Paulo para esse início do Advento: “Que assim ele confirme os vossos corações numa santidade sem defeito aos olhos de Deus, nosso Pai, no dia da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, com todos os seus santos. (...) Fazei progressos ainda maiores! Conheceis, de fato, as instruções que temos dado em nome do Senhor Jesus” (1Ts3, 13. 4,1-2). Nossa vocação é para a santidade. Esta consiste em nos colocarmos diante de Deus em total dependência dEle e num esforço contínuo em viver as “instruções” que Jesus nos deixou.

Por vezes somos “instruídos” na família, na catequese inicial e depois nos esquecemos de tudo o que aprendemos. Tomamos um caminho que entra na contramão de tudo o que Jesus, a Igreja e a família nos ensinaram. Confirma isso o fato de sermos, no Brasil, uma população com cerca de 90% de batizados, porém somos campeões mundiais na violência e na corrupção. Que esquizofrenia é essa? Isso nos leva a concluir que ser batizado não é o mesmo que ser cristão. O batismo é um rito que infunde em nosso coração a Graça de Deus, a fé e nos introduz na comunidade cristã. Porém o processo de amadurecimento desta fé se dá pela vida afora. Vamos nos fazendo cristãos na medida que incorporamos o ensinamento de Jesus em nossa vida. O grande desejo de Jesus é que nos tornemos seus discípulos. Que façamos processo de conversão cotidiana. Que construamos um mundo de fraternidade e de paz para o bem de toda a humanidade. É o que enche nossa vida de sentido, da alegria que nada poderá tirar.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Preparai os caminhos do Senhor”

aureliano, 05.12.20

2º Domingo do Advento - B - 06 de dezembro.jpg

2º Domingo do Advento [06 de dezembro de 2020]

[Mc 1,1-8]

Estamos no advento, tempo de preparação para celebrarmos bem o Natal do Senhor. É uma Solenidade que precisaria ocupar o primeiro lugar em nossa preocupação nesses dias. Mesmo em meio à pandemia, há corrida às compras, às viagens, às festas. Tudo isso é importante e muito bom. O que nos desafia é a ausência do elemento cristão em tudo isso na vida de muitos cristãos. Quando não há preocupação em colocar no centro da vida a pessoa de Jesus, o grande Presente do Pai para a humanidade, toda festa, folia, encontro ficam sem sentido.

No domingo passado, o primeiro do Advento, a liturgia enfocava a Segunda Vinda de Cristo, mostrando a necessidade da vigilância: “Vigiai, pois não sabeis quando será o momento” (Mc 13,35). Neste e nos demais domingos, a liturgia nos convida a prestar mais atenção ao acontecimento da Primeira Vinda. É o evento fundador da História da salvação da humanidade. Cristo é o Princípio e Fim de todas as coisas (Ap 22,13). Ele entra na nossa história, sem privilégios: assume nossas dores e pecados, nasce pobre numa manjedoura, sem nada que lhe dê reconhecimento senão sua simplicidade e doação.

A figura de João Batista questiona nosso modo de vida e nossa preparação para o encontro com o Senhor. É preciso assumir uma vida simples, despojada, num caminho de permanente conversão. Como precursor do Senhor, João Batista, o aponta não somente com suas palavras, mas com sua vida. Ele não é o Messias. É apenas a voz que não se vê, que não aparece, que não esnoba, mas que convoca à conversão. Um modo de vida que provoca e questiona a vida de outros.

Como discípulos missionários temos a missão de ajudar as pessoas a fazer o encontro com Jesus, a reconhecê-lo como Mestre e Senhor. Para isso precisamos ter um pouco do espírito de João Batista: não se coloca no centro, não chama a atenção sobre si, não se julga mais importante e melhor do que os demais. Não se julga digno de “desatar as correias de suas sandálias”. Lancemos um olhar contemplativo para a figura de João Batista. Em quê nos sentimos questionados pela vida dele? Nossa vida está focada nas coisas ou nas pessoas?

No início do cristianismo os fiéis esperavam a volta de Jesus para breve. Por isso viviam um fervor muito grande, até mesmo exagerado (cf. 2Ts 3,10-12). Com o passar do tempo suas expectativas sofreram uma espécie de frustração: o Senhor não veio como esperavam! E começaram a cometer os mesmos pecados e abusos que hoje cometemos: consumismo, comodismo, ganância, infidelidades, intrigas. Seria bom guardarmos a palavra de Pedro, na segunda leitura de hoje: “Esforçai-vos para que ele vos encontre em paz, puros e irrepreensíveis” (2Pd 3, 14).

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O DESEJO DE CAMINHAR

Um elemento muito importante na vida cristã é o cultivo do desejo. Não estou falando aqui de psicanálise, mas de um caminho espiritual. O ser humano, do ponto de vista filosófico e psicológico é um ‘ser desejante’. Pe. Dalton Barros, redentorista, fala de “desejos” e “Desejo”. Os desejos que nos habitam podem destruir o Desejo (com D maiúsculo). Esse Desejo é que clama dentro de nós. E seu clamor é de uma “brisa suave”, como ocorreu a Elias (1Rs, 19,12-13). Os desejos da carne, no dizer de São Paulo, clamam em nós (cf. Gl 5,17). Querem prevalecer sobre o Espírito. Um pensamento de Simone Weil leva a um profundo questionamento a respeito de nossa fé cristã: “Onde falta o desejo de encontrar-se com Deus, ali não há crentes, mas pobres caricaturas de pessoas que se dirigem a Deus por medo ou por interesse”.

Outro pensamento do evangelho de hoje é o do ‘caminho’: “Preparai o caminho do Senhor”. A comunidade cristã em seus primórdios era conhecida como ‘Caminho’. Saulo perseguia os adeptos do ‘Caminho’ (cf. At 9). Não se tratava de um sistema religioso com normas e leis. O entendimento da comunidade cristã como Caminho continua muito interessante. No caminho esbarramos com várias situações e pessoas. Há retrocessos e avanços. Há atalhos e curvas, há pedras e espinhos, há provas, desilusões, cansaços, dores, dúvidas, angústias, incertezas, desânimo. É até meio perigoso dizer, mas as dúvidas e incertezas podem nos estimular mais do que a segurança de certezas absolutas, fechadas, simplistas e rotineiras.

Além do mais, quando lidamos com nossa fé como ‘Caminho’, aprendemos a lidar com os irmãos de caminhada. Cada um é responsável pelo seu próprio passo. Cada um tem um ritmo. Ninguém pode ser forçado a me acompanhar. Também não tenho que acompanhar o ritmo de ninguém. Além disso, na caminhada há etapas. As situações e circunstâncias de cada um são diferentes. O que importa mesmo é caminhar, não desanimar, não recuar, não se desviar “nem para a direita nem para a esquerda” (cf. Js 1,7). Estar atento ao chamado que o Senhor faz a todos: viver de maneira digna e feliz, e trabalhar para que todos tenham acesso à mesma dignidade e alegria de viver.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Que ninguém seja surpreendido

aureliano, 28.11.20

1º Domingo do Advento - B - 29 de novembro.jpg

1º Domingo do Advento [29 de novembro de 2020]

[Mc 13,33-37]

DEUS ENTRA EM NOSSA HISTÓRIA

O tempo litúrgico do Advento celebra a entrada de Nosso Senhor Jesus Cristo no mundo. É Deus entrando em nossa história para salvá-la, dar-lhe um sentido novo. O cristão é chamado a renovar em seu coração a esperança da salvação que nunca falha. A Igreja aproveita a oportunidade para ajudar seus fiéis a renovar as atitudes interiores de vigilância, de expectativa, de oração fervorosa e contínua, de abertura ao Senhor que quer “armar sua tenda no meio de nós” (cf. Jo 1,14). Ele quer continuar conosco (Emanuel), quer que lhe abramos o coração, quer que nos convertamos ao seu amor, quer que nossas atitudes sejam inspiradas nas palavras e ações de Jesus e de Maria de Nazaré.

Com o Advento, iniciamos o Ano Litúrgico. É tempo de renovar a esperança no Deus que virá, mas que já está no meio de nós: “já e ainda não – jam et nondum”. A vigilância recomendada por Jesus, hoje, é o modo como o reconhecemos no meio de nós. Aliás, o evangelho do domingo passado (Mt 25, 31-46) nos indicou o caminho por onde devemos trilhar para uma constante vigilância: o serviço generoso aos pequeninos do Reino.

O mercado se vale desta ocasião para vender, comprar, ganhar dinheiro. É preciso, porém, ter cuidado para não fazermos deste tempo uma ocasião somente para fazer festas, deixando em segundo plano aquela preocupação basilar de que falam as leituras da liturgia deste domingo: “É ele também que vos dará a perseverança em vosso procedimento irrepreensível, até ao fim, até ao dia de Nosso Senhor, Jesus Cristo” (1Cor 1,8). E ainda: “Vigiai, portando, porque não sabeis quando o dono da casa vem... Para que não vos suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo” (Mc 13,35-36).

Não quero, com isso, negar a importância da festa, do encontro familiar, do descanso, da dança, da música, das alegrias ao redor da mesa. O que deve, porém caracterizar nossas festas é a dimensão cristã destas festividades. Não perder o sentimento de solidariedade: não esbanjar, desperdiçar; não fechar o coração ao pobre e necessitado; buscar a reconciliação, o perdão, a celebração. Uma excelente oportunidade para reconciliar-se com um vizinho ou um familiar com quem se está brigado. São elementos que podem tornar mais cristãs as festas natalinas.

EVANGELHO DO DIA: “VIGIAR”

O acontecimento histórico, pano de fundo desse relato de Marcos, é a destruição de Jerusalém, nos anos 70, pelo exército romano. Foi um acontecimento terrível que provocou muito sofrimento, morte, destruição, sobretudo, do maior símbolo da fé judaica, o Templo. A comunidade de Marcos procurou tirar destes acontecimentos importante lição para a vida cristã: é preciso vigiar.

Ademais, havia no coração dos primeiros cristãos a convicção de que a parusia, isto é, a Segunda Vinda do Senhor, estava perto. Então conduziam a vida com este pensamento. E como a “volta” não acontecia, demorava, começaram a esmorecer na fidelidade ao Evangelho. Daí a ordem insistente: “Vigiai”. Ou seja, o cristão precisa viver em permanente estado de alerta para não se deixar perverter pelo mal que campeia no mundo.

Ainda mais: a vinda do Senhor não deve ser para o cristão motivo de medo, mas de alegre e confiante esperança. Essa expectativa da vinda gloriosa do Senhor, muito presente nas primeiras comunidades cristãs, deve nos levar a pensar no Cristo que inaugurou a presença do Reino no nosso meio, e que, uma vez concluída sua missão neste mundo, entregou-nos a tarefa de continuar (com ele) o que ele começou. Portanto é um trabalho, uma tarefa na qual devemos estar sempre acordados, atentos, vigilantes. É assumir como nossa a causa de Deus. Nossa ocupação neste mundo é trabalhar para que o Reino de Deus se estabeleça no mundo e nos corações. Não podemos dar tréguas, dar-nos por satisfeitos, acomodar-nos.

Há três situações que ameaçam a vigilância do cristão: a superficialidade da vida: falta de profundidade nas palavras e ações; a sensualidade: busca do prazer carnal com prejuízo da vida espiritual; a necessidade de bem-estar: preocupação excessiva com posses e poder.

Superficialidade: As relações tendem a ser inconsistentes; há muito jogo de interesse nas ditas ‘amizades’; mesmo as práticas religiosas estão marcadas pela superficialidade: diante de um desagrado, abandona-se ou troca-se de credo. Falta raiz, profundidade, falta convicção. Muitas relações se sustentam na base da troca, do dinheiro, do patrimônio material. Uma vez que alguma situação dessas começa a ruir, está desfeita a amizade, a parceria, o companheirismo. Isso sem falar daquelas pessoas de duas caras... É muito triste!

Sensualidade: Realidade humana interessante e, por vezes, necessária, marcada, no entanto, por um caráter ardiloso que transvia os corações vigilantes, pervertendo relações esponsais, familiares e comunitárias, trazendo grande prejuízo para a sociedade. É uma armadilha que prende a pessoa aos instintos egoístas. Um grau de sensualidade faz parte das relações, sobretudo das relações amorosas conjugais. Mas se a pessoa apostar nos jogos sensuais como substância da vida, vai se desviar do caminho da vida, do caminho de Jesus. Ela não é a única realidade que constitui o ser humano. Nem é o único meio de se estabelecer relação saudável.

Necessidades de bem-estar: Outra armadilha do mal que nos prende é o consumismo: compramos coisas de que não precisamos; gastamos o que não temos; fechamos os olhos às necessidades de nossos irmãos que vivem realidades miseráveis. O autocentramento fecha o ser humano em seu próprio mundo, tornando-o incapaz de abrir-se aos demais. Aos eternos insatisfeitos com a vida, é bom lembrar Santo Agostinho: “Fizeste-nos, Senhor, para ti. E o nosso coração andará inquieto enquanto não descansar em ti”.

A recomendação de Jesus para que estas armadilhas não nos surpreendam é o estado permanente de vigilância: estarmos acordados e atentos à vivência de nossa fé. Buscar o “único necessário” (cf. Lc 10,42).

A única forma de entregarmos a Ele um “relatório” completo de tudo o que fizemos é nunca faltarmos ao “serviço”. Viver cada dia como se fosse o último. Não adiar comprometimento com a comunidade e com a causa dos pobres. Não omitir. Não mentir. Não enganar.

A obra de Deus é resultado de mão dupla: Ele vem ao nosso encontro e nós vamos ao encontro d’Ele. A parte de Deus ele já a realizou em seu Filho Jesus. A nossa parte é a disposição diária de realizar a vontade d’Ele, cultivando o amor que ele veio nos ensinar. Procurando expressar em nossa atitude as atitudes de Jesus.

Vigiar é o contrário de adormecer, de desligar-se. Hoje em dia estamos plugados, conectados dia e noite nas redes sociais, mas, com muita frequência, totalmente desligados uns dos outros e de nossa relação com Deus, realidade última que nos constitui. Jesus quer dizer que vigiar é não se deixar seduzir pelas propostas de um mundo afastado de Deus, capitalista, consumista, hedonista, neoliberal. Não se pode desanimar diante dos desafios e dificuldades. Ligar-se a Deus, confiar n’Ele, acreditar no projeto de Jesus e tocar em frente. Assim, ninguém será surpreendido.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Menos palavras e mais atitudes

aureliano, 13.12.19

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3º Domingo do Advento [15 de dezembro de 2019]

[Mt 11,2-11]

Esse terceiro Domingo do Advento é cognominado pela tradição litúrgica como Dominica Gaudete (Domingo da Alegria). A proximidade da vinda do Senhor deve encher de santa alegria o coração do cristão. E só experimentará a alegria que brota do coração do Pai o cristão que busca assumir em sua vida o jeito de ser de Jesus de Nazaré. “Ide dizer a João o que ouvistes e vistes”. A plena vida e dignidade devolvida aos pobres e sofredores era a grande manifestação do Reino de Deus.

A ação evangelizadora de Jesus que curava os cegos, os coxos, os surdos no anúncio da Boa Nova aos pobres, revelava quem era Jesus. As obras e palavras revelam quem é uma pessoa. A celebração da ação litúrgica revela a vida de uma comunidade. As expressões, os gestos, as palavras, a homilia, o canto (conteúdo da letra), a acolhida etc são reveladores do lugar que a assembleia celebrante ocupa na vida da comunidade. As realidades vividas no cotidiano devem estar presentes na celebração, bem como a celebração deve iluminar e inspirar as atividades cotidianas. Uma circularidade humano-divina.

Aliás, a propósito de um culto desligado da vida, o Papa Francisco alerta contra o “cuidado exibicionista da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas não se preocupam que o Evangelho adquira uma real inserção no povo fiel de Deus e nas necessidades concretas da história” (EG, 95). E emenda o Pontífice: “É uma tremenda corrupção, com aparências de bem. (...) Deus nos livre de uma Igreja mundana sob vestes espirituais ou pastorais!” (EG, 97).

A “cura” traz alegria para a pessoa e a família. Jesus curava os sofredores, alivia-lhes o sofrimento. Hoje, se queremos trazer alegria à vida das pessoas precisamos “curar suas feridas”. Papa Francisco tem alertado para essa atitude: “Vejo com clareza que o que a Igreja necessita hoje é a capacidade de curar feridas e dar calor, intimidade e proximidade aos corações... Isto é o primeiro: curar feridas, curar feridas”. Fala ainda de “tratarmos das pessoas, acompanhando-as como o bom samaritano que lava, limpa e consola; caminhar com as pessoas na noite, saber dialogar e inclusive descer à sua noite e obscuridade sem se perder”.

Segundo o evangelho deste domingo, a atuação de Jesus está orientada para curar e libertar, não para julgar e condenar. Os discípulos de João devem comunicar-lhe o que vêem: Jesus vive voltado para os que sofrem para libertá-los do sofrimento. Depois devem dizer a João o que ouvem: uma mensagem de esperança dirigida àqueles camponeses pobres, vítimas de injustiças sociais.

Também a nós, se alguém nos pergunta se somos seguidores do Messias Jesus, que obras lhes poderemos mostrar? Que mensagem podem escutar de nós? De quem nos aproximamos? Com que interesse? Trabalhamos pelo interesse de quem? “Vão dizer a João o que vocês viram e ouviram”. Eis o desafio!

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OS SINAIS DO REINO DE DEUS

Quando estamos dirigindo pela cidade, nos deparamos frequentemente com os sinais de trânsito. Para que servem? Para indicar o que devemos fazer: parar, prosseguir, diminuir a velocidade etc. Seria ridículo alguém parar o carro e ficar admirando o sinal verde ou vermelho etc.

Costumamos fazer isso com os milagres de Jesus. Somos levados a pensar que os milagres que Jesus realizou e mandou seus discípulos realizar eram demonstração de um sinal de força e poder. A mídia está cheia de “igrejas” que afirmam “curar”. Seria bom verificarmos com que interesse se propaga isso.

No tempo de Jesus havia grupos que idealizavam o seu messias. Assim, os fariseus, os zelotes, os essênios, os discípulos de João Batista e outros esperavam um messias que os libertasse do jugo romano e fosse fiel cumpridor da Lei e seus ritos. Havia também o grupo dos que não esperavam o messias: os saduceus e os herodianos. Esses últimos identificavam Herodes com o rei messiânico.

Havia um grupo, os “pobres de Javé”, que esperavam um messias que incluísse os pobres, os doentes, os estrangeiros, os pecadores. Jesus encarnou a esperança deste grupo. Ele é o “Servo de Javé” (Is 42,1).

Contemplando as atitudes de Jesus notamos que as curas que ele realizava eram sinais indicadores de sua missão. O que interessa não é a placa, mas o que ela indica. Por isso Jesus manda dizer a João: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo”. Abrir os olhos aos cegos, soltar a língua dos mudos, abrir os ouvidos dos surdos, soltar os braços e as pernas dos entrevados, enfim, dar nova vida aos mortos é o núcleo da missão do Messias. Jesus não é um simples curandeiro, mas aquele que veio dar vida nova aos desafortunados da história.

Para João, que havia anunciado a presença de um messias forte, julgador severo, Jesus se comporta como um fraco. À dúvida honesta de João, Jesus responde com atitudes. Não aponta para sua pessoa, mas para suas ações. Enquanto João é severo exigindo arrependimento e mudança de vida, Jesus mostra-se manso, humilde, compadecido dos pobres e pecadores.

A pessoa de João Batista é elogiada por Jesus por causa de sua firmeza profética. “No entanto o menor no Reino dos céus é maior do que ele”. Reino dos céus aqui é a comunidade cristã que tem um caminho muito mais amplo, mais aberto, mais abrangente. Os tempos do Reino transcendem em muito àqueles que o prepararam.

O Reino sofre violência (cf. Mt 11,12). Na busca do Reino de Deus o mais difícil talvez seja desembaraçar-se do reinado do dinheiro, da fama, do sucesso e do poder para assumir a postura de “fraco” que se torna forte pela graça. Para entregar-se como Jesus precisa-se ser “violento”: ter coragem de doar-se generosamente. É na Eucaristia que celebramos a renovação do gesto de Jesus e nos fortalecemos para darmos continuidade à sua ação na história.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Viver preparados para o Juízo

aureliano, 29.11.19

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1º Domingo do Advento [1º de dezembro de 2019]

[Mt 24,37-44]

Estamos no Advento! Tempo litúrgico conhecido como preparação para o Natal. Mas na verdade é um tempo de celebrar a vinda do Senhor. Ele veio uma primeira vez historicamente, na Palestina. Ele virá uma segunda vez em sua glória para “julgar os vivos e os mortos”. E ele continua vindo no presente da Igreja, que deve se empenhar para ser sinal de sua presença no mundo.

O comércio se vale deste momento para vender, comprar, ganhar dinheiro. É preciso, porém, ter cuidado para não fazer deste tempo uma ocasião de festas sem aquela preocupação basilar de que falam as leituras da liturgia deste domingo: “Deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz... andemos decentemente; não em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas e ciúmes” (Rm 13,12-13). E ainda: “Ficai preparados, porque o Filho do Homem virá numa hora que não pensais” (Mt 24,44).

Não quero, com isso, negar a importância da festa, do encontro familiar, do descanso, da dança, da música, das alegrias ao redor da mesa. O que deve, porém, caracterizar nossas festas é a dimensão cristã destas festividades. Não perder o sentimento de solidariedade: não esbanjar, desperdiçar; não fechar o coração ao pobre e necessitado; buscar a reconciliação, o perdão, a celebração, a partilha. São elementos que “batizam” as nossas festas natalinas.

O Evangelho fala de três situações que mostram a importância de estarmos preparados. No episódio bíblico do dilúvio ninguém se interessou pela arca que Noé preparava. É uma advertência para estarmos conscientes de que o fim é inevitável. É preciso ouvir e ver os sinais de Deus manifestos nos gestos das pessoas. Sobre a narrativa em que as mulheres e os homens estão trabalhando (cf. Mt 24,40-41), é interessante notar que as pessoas estavam fazendo as mesmas atividades, no entanto “uma será tirada e outra será deixada”. Jesus quer dizer que o importante não é o que se está fazendo, mas o modo como cada um age no seu cotidiano. O cristão faz o mesmo que todos fazem, mas com o diferencial de fazê-lo à maneira de Jesus. Não há necessidade de ações heróicas, mirabolantes, de propósitos impossíveis de serem cumpridos. O que o Senhor quer é que nossas atitudes sejam regadas de fraternidade, de sinceridade, de compreensão, de perdão, de ajuda mútua, de solidariedade, de verdade.

Finalmente o ladrão, que sempre surpreende. Para não ser pego de surpresa é preciso vigiar, estar acordado, atento, alerta. Não podemos estar dormindo, mas viver em estado desperto à luz do Dia de Cristo, para que ele nos possa encontrar dispostos para a vida de incansável caridade que ele nos ensinou: “Tudo o que fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25, 40).

Esta vigilância de que fala o evangelho deve ser carregada de esperança. Então não se pode compreender uma espera vigilante que descarta aqueles que estão ao meu lado precisando de minha colaboração. O Papa Francisco chama-nos a atenção: "Não podemos dormir tranquilos enquanto houver crianças que morrem de fome e idosos que não têm assistência médica" (17/08/2013). Então a vigilância que Jesus pede deve ser inquieta. Não basta rezar, ir à Igreja, pedir isso ou aquilo a Deus. É preciso assumir uma atitude de fiel discípulo de Jesus.

Meu pensamento e minhas ações estão voltados para Deus e seu projeto ou voltados para mim mesmo? Isso é que decide a sorte de cada um no juízo de Deus.

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“NÃO PEGARÃO EM ARMAS”

“Ele há de julgar as nações e arguir numerosos povos; estes transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices: não pegarão em armas contra os outros e não mais travarão combate. Vinde, todos da casa de Jacó, e deixemo-nos guiar pela luz do Senhor” (Is 2,4-5).

O texto está tratando de uma situação vivida por Israel e provocada por governantes que fazem alianças perigosas com reis de nações vizinhas. Depositam assim a confiança nas forças humanas e não em Deus. O abandono de Deus e a confiança nas próprias forças colocam em risco toda a comunidade israelita.

O profeta intervém alertando sobre a necessidade de se voltar para Deus e depositar nele a confiança e a esperança. Sobretudo de não pensar que vencerão pela força do exército e das armas. O capítulo VII de Isaías aprofunda essa temática: “Se não o crerdes não vos mantereis firmes” (Is 7,9).

Quero aqui, mais uma vez, chamar a atenção a respeito de projetos propulsores de violência como o da posse e porte de armas de fogo e de outras ações violentas defendidas por pessoas que se dizem cristãs. Esse relato da Escritura convida a transformar as armas de guerra em instrumento de produção de alimento: espadas em arados e lanças em foices.

Como é que alguém que se diz temente a Deus e que cita a Sagrada Escritura como verdade revelada por Deus, pode defender a matança, a eliminação do ser humano? Está faltando em nossa Igreja e nos cristãos de modo geral uma volta para Deus, um processo de conversão do coração. O caminho do combate à violência deve passar pelos valores do Evangelho. Jesus deve ser a meta, o horizonte, o foco, a mira do cristão. “A essas palavras, um dos guardas, que ali se achavam, deu uma bofetada em Jesus, dizendo: ‘Assim respondes ao Sumo Sacerdote?’. Respondeu Jesus: ‘Se falei mal, testemunha sobre o mal; mas, se falei bem, por que me bates?’”(Jo 18, 22-23). A contemplação dessa cena da Paixão do Senhor pode nos ajudar a aprender do Mestre de Nazaré a atitude de reconciliação e de paz já recomendada pelo profeta: “Eles não pegarão mais em armas uns contra os outros” (Is 2,4).

Como estamos nos preparando para celebrar o Natal do Senhor, do Príncipe da Paz? Com pensamentos de paz, de reconciliação, de perdão? Ou de guerra, de ódio, de vingança, de destruição?

Deixo com o Papa Francisco a palavra final:

“Com a convicção de que é possível e necessário um mundo sem armas nucleares, peço aos líderes políticos para não se esquecerem de que as mesmas não nos defendem das ameaças à segurança nacional e internacional do nosso tempo.

Um dos anseios mais profundos do coração humano é o desejo de paz e estabilidade. A posse de armas nucleares e outras armas de destruição de massa não é a melhor resposta a este desejo; antes, parecem pô-lo continuamente à prova. O nosso mundo vive a dicotomia perversa de querer defender e garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança, que acaba por envenenar as relações entre os povos e impedir a possibilidade de qualquer diálogo.

No mundo atual, onde milhões de crianças e famílias vivem em condições desumanas, o dinheiro gasto e as fortunas obtidas no fabrico, modernização, manutenção e venda de armas, cada vez mais destrutivas, são um atentado contínuo que brada ao céu.

Em 1963, o Papa São João XXIII, na Encíclica Pacem in terris, solicitando também a proibição das armas atômicas (cf. n. 112), afirmou que «a verdadeira paz entre os povos não se baseia em tal equilíbrio [em armamentos], mas sim e exclusivamente na confiança mútua» (n. 113).

Oxalá a oração, a busca incansável de promover acordos, a insistência no diálogo sejam as «armas» em que deponhamos a nossa confiança e também a fonte de inspiração dos esforços para construir um mundo de justiça e solidariedade que forneça reais garantias para a paz.

Peço-vos para nos unirmos em oração diária pela conversão das consciências e pelo triunfo duma cultura da vida, da reconciliação e da fraternidade; uma fraternidade que saiba reconhecer e garantir as diferenças na busca dum destino comum” (Excertos do discurso do Papa Francisco no Japão, em 24 de novembro de 2019).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Que devemos fazer?”

aureliano, 14.12.18

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3º Domingo do Advento [16 de dezembro de 2018]

[Lc 3,10-18]

Este 3º Domingo do Advento é considerado pela tradição litúrgica da Igreja, como Domingo Laetare, pela alegria que resplandece nos corações e nas mentes dos fiéis que aguardam para muito breve a celebração do Natal do Senhor: “Canta de alegria, cidade de Sião..., pois o Senhor está no meio de ti” (Sf 3,14-15). “Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos... O Senhor está próximo” (Fl 4,4-5). É a proclamação das leituras da Liturgia da Palavra.

Essa alegria que inunda o coração do fiel só é possível pelo perdão de Deus que é dado a quem faz um caminho de conversão. Pois o pecado é a grande fonte de tristeza e de dor para a humanidade. As alegrias da salvação que queremos alcançar, conforme a oração da missa deste domingo, estão profundamente vinculadas ao caminho que fazemos. Aqui podemos nos remeter ao início do capítulo 3º de Lucas (2º domingo do advento): João pregava um batismo de conversão para o perdão dos pecados (cf Lc 3,3). O perdão de Deus é gratuito. Mas Ele não tem como perdoar alguém que não quer se arrepender, não quer mudar de vida, não quer se converter. A conversão é a acolhida do perdão do Pai que, por sua vez, enche o coração de alegria divina.

O relato do evangelho deste domingo mostra os efeitos da pregação de João. Tocadas pelo testemunho e pelas palavras do profeta e asceta João, as pessoas começaram a perguntar: “Que devemos fazer?” Essa pergunta é reveladora do grande mistério que é o ser humano: “O ser humano supera o ser humano”, dizia Paschal. Ou seja, há uma fagulha divina dentro do ser humano que o deixa inquieto, incomodado diante da vida e da história. Ele pode fazer de conta que não existe nada, mas lá no núcleo mais secreto de sua consciência sente um apelo para algo maior do que ele mesmo e os bens que possui. É o sopro de vida insuflado pelo Criador em suas narinas, na criação (cf. Gn 2,7).

Aparecem no texto três categorias de pessoas fazendo a mesma pergunta. E o Batista lhes indica o caminho de acordo com a categoria a que pertencem. Não lhes recomenda jejum, oração, deserto ou outro ato ‘religioso’. Mas vai direto à recomendação de um agir moral, ético para resolver o problema da fome (repartir com os mais pobres), da nudez (vestir os nus: dar dignidade) e da corrupção (não aceitar propina nem sonegar ou desviar impostos) que acarretam dor e sofrimento.

Às multidões João recomenda: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo”. Ou seja, a humanidade precisa preocupar-se, em primeiro lugar, para que ninguém passe fome nem fique ‘nu’. Que todos possam viver com dignidade através da partilha equitativa dos bens. Quantos freezers e guarda-roupas abarrotados, a ponto de não caber mais! Quantas contas bancárias gordas e quanto dinheiro em paraísos fiscais ou em bolsas de valores! Quanto dinheiro público desperdiçado, roubado, desviado! Quanta comida jogada fora, desperdiçada! Enquanto um terço da humanidade passa necessidade e fome! “Que devemos fazer?”

Aos cobradores de impostos, odiados pelos judeus, pois se enriqueciam às custas de seus correligionários, recomenda: “Não cobreis mais do que foi estabelecido”. João não lhes diz que precisam deixar o emprego. Mas que sejam honestos. Essa passagem nos faz lembrar a corrupção presente em nosso meio. É terrível conviver com gente desonesta, sacana, injusta, gananciosa. Desde o pobretão até o ricaço, há uma onda de desonestidade e de roubalheira escandalosa em nossa sociedade! De modo geral, se o sujeito tem oportunidade, rouba, engana, tira proveito, pede ou oferece ‘gorjeta’ para dar um “jeitinho”. Faz-se passar por bom, mas é um malvado, ganancioso que faz de tudo para enriquecer-se às custas de outros. Quem paga a conta são os pobres!

A terceira categoria que acorre a João na busca de um caminho de conversão são os soldados. João é enfático: “Não tomeis à força dinheiro de ninguém, nem façais falsas acusações; ficai satisfeitos com vosso salário”. É uma condenação à violência, à dominação, ao uso da força injusta e prevalecida para tirar da pessoa o que ela tem. Uma sociedade que se diz cristã e que emprega suas maiores forças econômicas na fabricação de armas é a maior prova da distância que ainda existe entre o dizer-se cristão e o ser cristão. Temos assistido às tragédias provocadas pela posse e porte de armas. A saúde e a educação ficam com as migalhas. Sem falar dos espertalhões que se valem dos cargos, do conhecimento das leis, dos espaços de poder, do ‘jeitinho brasileiro’, para engordarem suas contas ou escamotearem suas dívidas e compromissos seja com o Estado seja com os cidadãos que trilham o caminho da paz e do bem. O que está acontecendo com a humanidade é uma barbaridade!

Esse relato do evangelho nos remete a Lc 19,1-10 que trata do encontro de Jesus com Zaqueu. Aquele homem queria se encontrar com o Senhor. Mas, inicialmente, não estava disposto a mudar de vida. Quando vê Jesus entrando em sua casa, refaz seu projeto de vida! Promete fazer um caminho de conversão: “Eu reparto aos pobres a metade dos meus bens e, se prejudiquei alguém, restituo-lhe o quádruplo”. Diante deste propósito do “fazer” de Zaqueu que lhe transforma o “ser”, Jesus lhe diz: “Hoje veio a salvação a esta casa”. A salvação está, de alguma forma, condicionada á conversão. O agir ético, a caridade fraterna, a partilha dos bens, a luta pela justiça, pela igualdade de direitos e pela paz, a luta do cristão por políticas públicas, por melhoria para a população mais pobre. Em uma palavra: a saída de si, como João Batista, o “ex-cêntrico”, isto é, aquele que colocou o Senhor como centro de sua vida, é um caminho de salvação no sentido de ser uma resposta ao amor de Deus que nos salvou em Jesus Cristo.

“Que devemos fazer?” Ele está com a pá na mão. O Trigo recolherá no celeiro, mas a palha será lançada no fogo inextinguível. Sou trigo ou palha? Qual o meu conteúdo? O que estou fazendo de minha vida?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

“Deveis viver para agradar a Deus”

aureliano, 30.11.18

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1º Domingo do Advento [02 de dezembro de 2018]

[Lc 21,25-28.34-36]

Estamos iniciando o Ano Litúrgico. O Advento marca este início com uma liturgia que desperta a espera confiante. É o tempo em que celebramos a vinda de Cristo na História e na Glória. Ele veio a primeira vez para nos libertar do pecado e da morte. Virá uma segunda vez para a manifestação definitiva do Reino de Deus: “Revestido da nossa fragilidade, ele veio a primeira vez para realizar seu eterno plano de amor e abrir-nos o caminho da salvação. Revestido de sua glória, ele virá uma segunda vez para conceder-nos em plenitude os bens prometidos que hoje, vigilantes, esperamos” (Prefácio da Missa).

Estamos refletindo, neste ano, o Evangelho de Lucas. Esse evangelho se caracteriza pela alegria, pela presença das mulheres, pela revelação do rosto misericordioso do Pai, pela presença dos pobres. É o evangelho que mostra um Jesus orante: muitas vezes ele sobe a montanha para orar ao Pai. Os relatos da infância de Jesus lhe são também característicos. Lucas descreve os passos de Jesus perfazendo um longo Caminho cujo desfecho será Jerusalém. Ali ele entregará sua vida pela humanidade. E dali também enviará os discípulos em missão até os confins da terra.

O relato de hoje distingue dois momentos: o primeiro (Lc 21,25-28) fala do fim. O segundo (Lc 21,34-36) fala das atitudes que devemos cultivar em função do fim. É um relato de gênero literário apocalíptico. É bom termos diante dos olhos que esse modo de escrever do autor sagrado não tem como objetivo amedrontar, causar pânico, deixar o leitor em polvorosa. Apocalipse significa revelação. Como se algo estivesse oculto aos nossos olhos por causa de uma espécie de véu que nos cobre e impede de enxergar, devido às perseguições e dificuldades que levam ao desânimo. Esse véu é tirado e a gente começa a enxergar as coisas com um olhar de Deus. A revelação nos faz olhar para o mundo, para as pessoas numa perspectiva escatológica, de fim, das últimas coisas que irão acontecer conosco pela Palavra definitiva do Pai. Não se trata do fim de tudo, entendido como redução da criação ao nada. Mas no sentido de finalidade da vida: Deus nos criou com uma Finalidade, para um Fim: uma teleologia. E ele quer que nós vivamos de acordo com esse Fim. É a vida eterna, que já começa aqui: “A vida eterna é que eles te conheçam a ti, o único verdadeiro Deus, e àquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3).

Então, sem nos prendermos à ideia de catástrofes, de alarmismos, que só faz mal, vamos pensar um pouco em nossa vida, nesse Advento. Como estamos vivendo em vista do fim para o qual o Pai nos criou?

Prestemos um pouco mais de atenção nessas palavras de Jesus: “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida”. Atentemos para o que torna o coração insensível: a gula, a embriaguez e as preocupações da vida! O nosso mundo é dominado por esse mal. A grande preocupação que invade nosso coração, geralmente, é se empanturrar de festa e comida, de gozar a vida (embriaguez/orgia) e ganhar dinheiro a todo custo. Ainda que as vidas sejam sacrificadas (idolatria)!

Quem é que está preocupado com a defesa dos direitos dos pobres e oprimidos? Quem reserva um tempo precioso para fazer uma visita a um doente ou idoso? A que nos estimulam a televisão e a internet? Quais são as principais preocupações e ações de nossos governantes e empresários? Passamos a semana inteira, o mês todo preocupados com quê?

Papa Francisco, em sua homilia do último dia 27/11, a propósito de Apocalipse 14,14-19, ensinava a importância de pensarmos no fim. "Como será o meu fim? Como eu gostaria que o Senhor me encontrasse quando me chamar? É sábio pensar no fim, nos ajuda a seguir em frente, a fazer um exame de consciência sobre que coisas eu deveria corrigir e quais levar em frente porque são boas".

Ainda mais. “Tomai cuidado... aquele dia cairá como uma armadilha”. Jesus nos alerta à contínua vigilância. Esse “estar de pé” é garantia de um novo jeito de ser e de viver. É a atitude do guarda noturno que está sempre de atalaia para não ser surpreendido. Isso nos possibilita não sermos enganados nem nos acomodarmos.

“Orai a todo momento, a fim de terdes força”. Essa palavra de Jesus é um convite a repensar nossa fragilidade e dependência da força do Alto. A intimidade com o Senhor é que nos garante a salvação diante das forças do mal. O Pai é o nosso garante. Sem Ele o mal nos domina e nos devora.

A propósito de uma vivida “em preparação”, deixo aqui mais uma palavra do Papa Francisco na mesma ocasião da citação anterior: “Nos fará bem nesta semana pensar no fim. Se o Senhor me chamasse hoje, o que eu faria? O que eu diria? Que trigo eu mostraria a ele? O pensamento do fim nos ajuda a seguir em frente; não é um pensamento estático: é um pensamento que avança porque é levado em frente pela virtude, pela esperança. Sim, haverá um fim, mas esse fim será um encontro: um encontro com o Senhor. É verdade, será uma prestação de contas daquilo que fiz, mas também será um encontro de misericórdia, de alegria, de felicidade. Pensar no fim, no final da criação, no fim da própria vida é sabedoria; os sábios fazem isso”.

Gostaria ainda de lembrar a palavra de Paulo para esse início do Advento: “Que assim ele confirme os vossos corações numa santidade sem defeito aos olhos de Deus, nosso Pai, no dia da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, com todos os seus santos. (...) Fazei progressos ainda maiores! Conheceis, de fato, as instruções que temos dado em nome do Senhor Jesus” (1Ts3, 13. 4,1-2). Nossa vocação é para a santidade. Esta consiste em nos colocarmos diante de Deus em total dependência dEle e num esforço contínuo em viver as “instruções” que Jesus nos deixou.

Por vezes somos “instruídos” na família, na catequese inicial e depois nos esquecemos de tudo o que aprendemos. Tomamos um caminho que entra na contramão de tudo o que Jesus, a Igreja e a família nos ensinaram. Confirma isso o fato de sermos uma população de cerca de 90% de cristãos (no Brasil), mas com um percentual de corrupção, de violência e de pobreza que nos faz campeões do mundo. Que esquizofrenia é essa?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN