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Amar como Jesus amou

aureliano, 03.05.24

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6º Domingo da Páscoa [05 de maio de 2024]

[Jo 15,9-17]    

Falar em amor nesses nossos tempos tornou-se difícil e ambíguo porque esse conceito tomou várias conotações. De modo geral equivale a relações afetivo-sexuais. Daí a expressão tão corriqueira que a ‘galera’ toda entende: “fazer amor”, que equivale a “fazer sexo”.

O evangelho de hoje nos ajuda a perceber a profundidade do sentido da palavra amor. “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor” (Jo 15,9). Jesus fez a experiência do amor do Pai. O que ele viveu foi expressão de seu amor ao Pai e por nós. Ele não nos amou porque somos amáveis. Mas ele nos tornou amáveis por seu amor. Seu amor nos tornou seus amigos em vez de servos: “Já não vos chamo servos, (...) mas vos chamo amigos porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15, 15).

O amor que Jesus viveu e ensinou é um amor de doação, desinteressado. Ama pelo outro e não por si mesmo. É como aquela mulher que ama seu marido, mesmo que não tenha lá muitas qualidades, mas porque ela o escolheu como marido. Ou porque tem uma motivação maior, mais sublime: ser sinal da Aliança do Pai com a humanidade. Ou mesmo pelo cuidado e amor para com os filhos etc. Outra imagem também é a de Ricardo Pinheiro, rapaz que morreu na tragédia no Largo do Paissandu, São Paulo, em 2018: antes de se salvar pela corda oferecida pelo Corpo de Bombeiros estava ajudando a resgatar vizinhos. Em uma das vezes foi visto carregando quatro crianças. Mas acabou sendo consumido pelo desabamento do prédio. Também o exemplo da professora Helley de Abreu, da creche incendiada em Janaúba, norte de Minas, em outubro de 2017. Salvou muitas crianças. Terminou vítima de sua própria doação.

Então o amor não significa antes de tudo que nós amamos a Deus, mas que Deus nos amou primeiro dando seu Filho por nós (cf. 1Jo 4,10). É um amor de gratuidade, sem limites. Ele nos amou até o fim (cf. Jo 13,1). Amar é iniciativa de Deus. Para que permaneçamos no amor precisamos de estabelecer uma intimidade profunda com Ele para que seu amor esteja em nós e não desanimemos de amar como Ele nos amou.

É interessante notar ainda que o mandamento do amor ao próximo já estava na Lei Antiga: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18). Que novidade então Jesus introduziu? A novidade do mandamento de Jesus está no “como eu vos amei”. Esse “como ele nos amou” é que torna esse mandamento diferenciado, significativo, cristão. É ter a coragem de sair de si e de dar a vida. É amar na gratuidade, sem esperar nada em troca. Ainda mesmo o céu como recompensa! Se Deus não tivesse nada a nos dar, continuaríamos a fazer o bem!

Podemos falar então de um amor como dom e de um amor como missão. O amor como dom é a entrega generosa, gratuita de Deus por nós em Jesus. Já o amor como missão é nossa capacidade de amar, fundada no amor primeiro, o de Jesus. Ele nos dá a missão de fazer multiplicar seu amor no mundo. “Nisto meu Pai é glorificado: que deis muitos frutos e vos torneis meus discípulos” (Jo 15,8).

A dinâmica do amor de Deus também não é geral: amar todo mundo indistintamente, como uma massa informe. Não! Ele ama a todos e a cada um individualmente. Tem uma amizade criadora e íntima para cada um que acolhe seu amor manifestado em Jesus.

O amor por vezes deve enfrentar as potências da morte. O amor defende a vida ameaçada, enfrenta perseguição, suporta desaforo, humilhação e maledicência por causa da justiça, da vida e da paz. Essa dimensão do amor deve ser levada em conta para não pensarmos que o amor é somente uma atitude de benevolência passiva para com alguém. Às vezes precisamos enfrentar perseguição e morte. Jesus dizia: “Se o mundo vos odeia, sabei que primeiro odiou a mim” (Jo 15,18).

No amor de Jesus não há manipulação, dominação ou submissão. É um amor que liberta, que dá autonomia, confiança. Quando Jesus nos envia a produzir frutos não é uma carga pesada que ele coloca em nossos ombros, mas é participação na missão que Ele recebeu do Pai. É comunhão com Jesus e com os irmãos. Onde há comunhão, solidariedade, doação o peso fica mais leve.

Quando Jesus diz “permanecei no meu amor” ele não fala de permanecer em uma religião, mas no seu amor. Significa que, ser cristão não é questão de doutrina, mas de amor. O fundamental da fé cristã é não se desviar do amor. É “guardar seus mandamentos”. O seu mandamento é o amor fraterno. Esse mandamento não pode ser um peso, mas fonte de alegria.

Quando falta o verdadeiro amor, caímos no vazio, na falta de sentido para a vida, na tristeza. Jesus veio preencher nosso vazio de sentido com a alegria verdadeira gerada pelo amor sem medida. É o amor que gera alegria. Sem amor cultiva-se um cristianismo triste, ressentido, pesado, insuportável.

Por vezes em nossas comunidades cristãs sobra tristeza. O peso das normas e leis, da falta de acolhida, da incompreensão, do desejo e busca de poder e de dominação dentro da comunidade, do preconceito e desprezo aos mais pobres e pequenos deixa um rastro de dor, de tristeza, de desencanto. Sente-se também a falta de convicção na fé. É a convicção que nos leva a reproduzir na vida o modo de vida de Jesus, o seu mandamento: “Amai-vos uns aos outros”.

Vamos tornar mais leves nossas relações através de uma fé mais convicta, de um seguimento mais radical a Jesus, de uma atenção e compreensão a cada um na sua necessidade e dificuldade. “Para que a minha alegria esteja em vós”. A fé cristã precisa trazer mais alegria ao mundo e à vida das pessoas, começando pela nossa família, pelos companheiros de trabalho, pelas nossas comunidades.

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Amar é o que decide a vida

aureliano, 02.11.21

31º Domingo do Tempo Comum [31 de outubro 2021]

   [Mc 12,28-44]

O relato do evangelho de hoje é uma das mais belas páginas da Sagrada Escritura. Retomando o Shemah hebraico, Jesus responde à pergunta de um teólogo de seu tempo, insistindo que o amor a Deus não é somente um enfeite, uma peça de museu, mas algo vivo, dinâmico.

“Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6,4-5). Estas palavras proferidas em forma de oração ecoavam forte no coração de todo israelita.  É a profissão de fé no único Deus, a síntese do mandamento do amor, recordando a Aliança de Deus com seu povo. Os mandamentos que se seguem (Dt 6, 10ss) são iluminados por esse amor e fidelidade de Deus à sua Aliança.

A pergunta que esse doutor da Lei faz a Jesus revela o que se passa no mais profundo do coração humano: seu desejo de encontrar o caminho certo, o sentido da vida. E a resposta de Jesus, evocando o Código da Aliança no Deuteronômio, revela (retira o véu) aquela realidade que preenche plenamente o coração do ser humano: o amor.

Deus é amor. Fomos criados pela ação amorosa de Deus. Criados à sua imagem e semelhança. Portanto, somos chamados a viver amorosamente. Não um amor no sentido banalizado em que entrou o verbo amar em nossa sociedade consumista e narcisista. Mas na dimensão do amor generoso, gratuito, solidário, em permanente ofertório, à semelhança da vida de Jesus.

Aliás, Jesus emendou resposta à uma pergunta que não foi feita: “O segundo mandamento é: amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Esse ajuntamento que Jesus fez desses dois mandamentos, ao dizer que “não há outro mandamento maior do que estes”, revela que o verbo amar deve ocupar o primeiríssimo lugar na vida do ser humano. E que o amor ao próximo é, necessariamente, consequência do amor a Deus. Quem diz amar a Deus e despreza ou odeio seu irmão, é mentiroso (cf. 1Jo 2 e 4). Para Jesus Deus e o próximo são realidades inseparáveis. A fonte originante do amor é Deus. Dele decorre o amor ao próximo.

A primeira carta de João manifesta, em diversas passagens, a realidade de Deus-Amor e a necessidade de nos identificarmos com Ele em nossa prática cotidiana: “Se dissermos que estamos em comunhão com ele e andamos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade” (1Jo 1,6). E mais adiante completa: “Aquele que diz que está na luz, mas odeia seu irmão, está nas trevas até agora” (1Jo 2,9). João ainda insiste na necessidade de um amor que se concretiza na partilha: “Nisto conhecemos o amor: ele deu a sua vida por nós. E nós também devemos dar a nossa vida pelos nossos irmãos. Se alguém, possuindo bens deste mundo, vê o seu irmão na necessidade e lhe fecha o coração, como permanecerá nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade” (1Jo 3,16-18).

Para fortalecer ainda mais a premência do Evangelho sobre o amor fraterno, vejamos as recomendações de Jesus no relato sobre o Juízo Final. É um relato que nos faz repensar nossas atitudes em relação aos pequeninos do Reino: “Quando foi que te vimos  com fome e te alimentamos, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos forasteiro e te recolhemos ou nu e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso e fomos te ver? Ao que o lhes responderá o Rei: ‘Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes’” (Mt 25,37-40).

O amor de que trata Jesus no evangelho não é algo dado espontaneamente. O amor deve ser aprendido. No início confundimos amor com desejo, com narcisismo, com busca de ser amado, com reciprocidade e gratificações. Depois podemos crescer na experiência de Deus e perceber que o amor precisa ser entendido como uma realidade de participação no amor de Deus que deve ser desenvolvido por  nós de modo livre e consciente.

Os grupos cristãos que insistem em “experiências místicas” desligadas da vida, do sofrimento dos pequenos, indiferentes ao que acontece na sociedade ao seu redor, devem tomar esse evangelho e rever suas propostas. Podem estar alienando as pessoas e favorecendo um status quo que assassina em nome de Deus.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN