O amor do Coração de Jesus
Sagrado Coração de Jesus [16 de junho de 2023]
[Mt 11,25-30]
“Desde a Patrística, a água e o sangue do Coração de Jesus são símbolos dos sacramentos do Batismo e da Eucaristia. A própria Igreja é vista como nascida do lado aberto de Cristo na Cruz. A contemplação do Coração de Jesus, jorrando sangue e água, sempre foi na Igreja fonte de piedade, oração, fé, graça.
No entanto, uma festa propriamente dita do Coração de Jesus foi celebrada pela primeira vez em 20 de outubro de 1672, pelo padre São João Eudes. Pouco tempo depois, as revelações de Santa Margarida Maria Alacoque (1675) contribuíram imensamente para a difusão dessa devoção.
A característica própria dessa solenidade é a ação de graças pela riqueza insondável de Cristo e a contemplação reparadora do Coração Transpassado. O Papa Pio IX, em 1856, estendeu a festa a toda a Igreja Latina. Em 1899, Leão XIII consagrou o mundo ao Sagrado Coração de Jesus” (fonte: CNBB)..
Na sequência da solenidade do Sagrado Coração de Jesus, é celebrada a memória do Imaculado Coração de Maria. Neste ano, amanhã, sábado, 17 de junho.
Um coração para amar
O coração, na cultura judaica, é a sede das decisões, do pensamento, da vontade. O coração era considerado a própria vida das pessoas. Seu movimento de contração e expansão (sístole e diástole) lembrava ao israelita o movimento da terra e dos astros. Sede da vida emotiva e intelectual, os poetas e o povo em geral têm no coração o símbolo do amor, das emoções, dos sentimentos mais profundos.
A bíblia cita o coração mais de mil vezes, mas pouquíssimas vezes no sentido fisiológico. Quase sempre no sentido figurado, simbólico. Como sede das faculdades intelectuais e sentimentais, é conhecido por Deus em suas dobras mais profundas. Ele penetra os “rins e corações”. As más ações que brotam do ser humano tem como fonte o coração. A boca fala daquilo que está cheio o coração.
Deus disse, pelo profeta Ezequiel, que trocaria o “coração de pedra em coração de carne”. A dureza de coração do ser humano sempre foi objeto de crítica e condenação por parte dos profetas.
Porém sabemos que o coração, do ponto de vista fisiológico, não é mais do que um órgão responsável por bombear o sangue no organismo, desprovido, portanto, de qualquer sentimento ou emoção.
Do ponto de vista simbólico, na Sagrada Escritura, ele representa a mente, o cérebro. Nesse sentido o coração termina por ser o responsável pelos sentimentos de medo, de ansiedade, de desejos variados, de ódio, de alegria, de entusiasmo, de raiva etc. Toda essa onda de sentimentos e emoções que passam pela nossa vida é atribuída ao coração no sentido de mente, daquela parte do cérebro responsável por controlar e comandar nosso “sistema límbico” (saciedade, fome e memória).
Tudo isso para entendermos o sentido da celebração do Coração de Jesus. Para dizer que não se trata do órgão fisiológico, mas de uma expressão simbólica para dizer do pulsar amoroso do Coração de Deus por nós. Nesse sentido a celebração de hoje conduz à essência da fé cristã: o amor de Deus pela humanidade, manifestado em Jesus de Nazaré, que entregou sua vida por nós. No coração de Jesus nunca pulsou sentimentos de maldade, de ódio ou de destruição. O coração de Jesus foi sempre fonte de amor, de entrega, de generosidade, de perdão, de acolhida, de abertura, de salvação de todas as pessoas.
Amar é agir segundo Deus
Na primeira leitura de hoje temos o autor da primeira carta de João afirmando que o amor é a essência da vida cristã. É o amor que distingue quem é de Deus e quem não é de Deus. E o ponto de partida é o Deus-Amor. Deus se manifesta ao mundo como bondade, ternura, misericórdia. As palavras e ações de Jesus manifestam o ser de Deus. É a entrega total, o dom radical de Deus em seu Filho amado na cruz.
Se Deus nos amou então devemos amar-nos uns aos outros (1Jo 4,11). A vivência do amor de Deus não permite que assistamos de braços cruzados aos acontecimentos trágicos e dolorosos da história. É preciso agir. Esse amor coloca o ser humano numa dinâmica de entrega, de generosidade, de serviço, de saída de si, de querer bem aos outros. Essa é a dinâmica do “conhecer” Deus. Isto é, viver uma intimidade fecunda com Deus que nos coloca em movimento de fecundidade de mais vida.
Deus se revela aos pequenos
Nos versículos antecedentes ao relato do evangelho de hoje, Jesus diz palavras veementemente fortes contra as cidades de Cafarnaum, Corozaim e Betsaida que foram indiferentes aos sinais que ele aí realizara. Os habitantes destas cidades, fechados em si mesmos e autossuficientes, julgam não precisar da proposta de Jesus. O Homem de Nazaré então dirige-se aos excluídos e marginalizados na esperança de encontrar nestes acolhida de sua proposta do Reinado de Deus.
Jesus eleva um louvor ao Pai por ter escondido as “coisas” do Reino aos “sábios e entendidos”, compreendendo-se aqui, certamente, os fariseus e mestres da Lei, cheios de si, julgando agradarem a Deus com seus ritos externos de culto e cumprimento do que prescrevia a Lei. Jesus louva ao Pai por revelar essas “coisas” aos pequeninos, representados aqui nos seus discípulos que por primeiro acolheram seu chamado, e também por tantos outros homens, mulheres e crianças, marcados pelo preconceito, pela doença, considerados malditos pela Lei, pelos infortúnios da vida. Vêem em Jesus a cura de seus males e uma esperança para suas vidas.
Para se fazer a experiência de Deus, conhecer a Deus, é necessário levar uma vida de intimidade com o Pai, à semelhança de Jesus, o Filho amado. Essa intimidade é que garante a revelação de Deus, ou seja, a suspensão e abertura do véu que encobre o conhecimento de Deus. Entrando na intimidade do Pai, descobrimos o sentido da vida, enxergamos o mundo com os olhos de Deus, à semelhança de Jesus.
A vida em Deus, na pessoa de Jesus, libertava do jugo. Na época a Lei com seus 613 mandamentos era um peso enorme para os pobres judeus e prosélitos. Em lugar de conduzir, a Lei afastava as pessoas de Deus. Jesus vem libertar deste peso.
Na nova dinâmica de vida proposta por Jesus, o povo experimenta alegria de viver; sente no coração o Deus que os ama e os salva. Compreendem que a salvação não vem da prática externa da Lei, mas da bondade e graça de Deus. Todos se sentirão filhos e filhas de Deus.
Por detrás dessas palavras de Jesus está o amor de Deus. Ele ama a todos com amor eterno e gratuito. Ele veio trazer, em Jesus, a liberdade plena, o alívio nos sofrimentos, a comunhão com Deus que cuida de todos nós.
E só conhece a Deus aquele que se coloca no seguimento de Jesus, com humildade, com docilidade de coração, com espírito de abertura à novidade do Reino de Deus que Jesus veio inaugurar.
Ter o coração parecido com o de Jesus é a meta do cristão. Ser parecido com a criança que está sempre aberta, como uma tábula rasa, em disponibilidade para aprender e fazer como aprendeu.
Peçamos ao Senhor que tire do nosso coração todo sentimento de autossuficiência, de fechamento, de nos julgarmos sabedores de tudo, donos do dinheiro, do poder e das pessoas. Deus nos livre da arrogância, da soberba, do orgulho, da vaidade, da prepotência, da ganância e do egoísmo que arruína a nós e às pessoas ao nosso redor.
Os pobres que encontramos nas calçadas, nas nossas portas, nas portas de nossas igrejas têm de nossa parte um sorriso, um olhar de compaixão? Como tratamos o catador de reciclável, o enfermo de mente e de corpo, o gari, o flanelinha, o vendedor de bombom no semáfora etc?
Nossas atitudes para com os pequenos e pobres podem ser um bom “termômetro” para medir a “temperatura” de nosso amor a Deus. Nossos apegos a práticas externas de devoção podem revelar nossa distância do Deus de Jesus quando não nos convertem em pessoas mais humanizadas e misericordiosas.
Nossa meta como cristãos deve ser a de tornar o amor de Deus uma realidade viva no mundo lutando contra tudo o que gera ódio, injustiça, opressão, mentira, sofrimento…
Para refletir e rezar: Faço pacto (com o meu silêncio, indiferença, cumplicidade) com os sistemas que geram injustiça, ou esforço-me ativamente por destruir tudo o que é uma negação do amor de Deus? As nossas comunidades são espaços de acolhimento e de hospitalidade, oásis do amor de Deus, não só para os amigos, mas também para os pobres, os marginalizados, os sofredores que buscam em nós um sinal de amor, de ternura e de esperança?
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN