É santo quem expressa a bondade do Pai
7º Domingo do Tempo Comum [19 de fevereiro de 2017]
[Mt 5,38-48]
No Sermão da Montanha Jesus continua mostrando a grande novidade que veio trazer ao mundo para que se estabeleçam novas relações regidas pelo amor.
O judaísmo sempre entendeu a relação existente entre o amor ao Senhor e ao próximo. Prova disso é a insistência do Ensinamento (Lei) em relação aos pobres: estrangeiro, viúva e órfão (cf. Ex, 22, 20-23). A primeira leitura de hoje (Lv 19, 1-2.17-18) insiste em que não se guarde ódio nem se busque vingar de ninguém. A santidade se manifesta no amor ao próximo que se expressa no perdão, no cuidado, na solidariedade, na partilha, na correção fraterna etc.
O problema enfrentado por Jesus com seus irmãos na fé judaica foi que essa relação fraterna era guardada somente para com os correligionários (da própria religião e raça). Jesus quer universalizar essa relação de perdão e de não violência. Vai além: não enfrentar o malvado, ou seja, evitar toda violência, ainda que custe ao discípulo uma atitude de humildade: “Você é um bobo! Eu não aceitaria isso!”. É preciso ainda mais: amar o inimigo. Enquanto alguns contemporâneos de Jesus pregavam: “Ame o que Deus escolheu e odeie o que Deus rejeitou” (Essênios).
O que Jesus introduz de novo em tudo isso? – Seu discípulo deve expressar sempre mais na sua vida as atitudes do Pai que ama a todos os seres humanos. “Sede prefeitos como vosso Pai celeste é prefeito”. A perfeição de que fala Jesus não é psicológica, legalista, cumpridora da lei pela lei. Mas Jesus quer dizer que o discípulo do Reino precisa ser perfeito no amor como o Pai que ama todas as pessoas, independente do que são: “faz chover sobre bons e maus”. O amor não está na linha do merecimento, mas da gratuidade, generosidade. Ou seja, é preciso superar a mentalidade mundana, e enxergar o mundo e as pessoas com o olhar de Deus.
Faz-se necessário mudar o registro da mente e do coração. Entrar num processo de conversão. É poder dizer: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,33). O amor proposto por Jesus é o ágape: não há exclusividade no amor, ele é aberto. Parecido com aquele amor da Graça (lá de Vilas Boas) pelo seu filho Ronildo: “Meu Deus, eu te entrego meu filho. Assim como o Senhor me deu ele, eu te devolvo”. E cuidou dele a vida inteira, gratuitamente!
Talvez nos ajude mais o conceito de santidade, presente no Levítico 19, 1-2. Santidade e pecado coabitam em nós: somos santos e pecadores. Mas perfeição e pecado, não. Perfeição é atributo humano e não divino. É um ideal, algo que dá ideia de completude. A Escritura, com exceção de Mateus, não diz que Deus é perfeito, mas que Deus é Santo. É separado das criaturas, não se confunde com elas. É o Criador. Se Deus, o Santo, ama a todos, aqueles que Ele criou à sua imagem e semelhança, também devem amar para participar da santidade de Deus e comunicá-la aos demais.
Num comentário magnífico ao relato sobre o paralítico colocado na presença de Jesus pelo telhado da casa (Mc 1,1-12), Papa Francisco diz, com toda simplicidade: “Sem dúvida, «o povo é pecador, como eu sou pecador, todos o somos». Mas o povo «procura Jesus, procura algo, procura a salvação». Ao contrário, aquele «grupo» de homens «parados estavam ali, na varanda, a olhar e a julgar» (Homilia em 13/01/17). Ou seja, ainda que a motivação inicial esteja eivada de algum egoísmo, a Graça pode transformar a pessoa. O importante é buscar, é sair da “varanda” e caminhar atrás de Jesus.
Perfeição dá ideia de subida, de degraus. Santidade traduz descida, esvaziamento da auto-suficiência, de toda ambição e busca de riquezas, de prestígio, de projeção social, de dominação dos outros, de opressão. Santidade não é resultado matemático que possa ser contabilizado. É antes uma tendência para Deus, busca de se viver na presença de Deus, uma luta diária contra os desejos egoístas presentes no “homem velho”, para usar a linguagem paulina (Rm 6,6). É a verificação da própria indigência e, ao mesmo tempo, uma esperança confiante no amor, na graça, na salvação que vem de Deus. É um caminhar lentamente, passo a passo. “Caminheiro, não existe caminho. Passo a passo, pouco a pouco, o caminho se faz”. Não por nós, mas pela graça e perdão do Pai, com nossa resposta generosa, cotidianamente, pacientemente, confiantemente...
Assim como os filhos refletem a fisionomia dos pais, assim o discípulo de Jesus deve expressar, em suas relações, a santidade e o amor do Pai.
Obs.: No alto, foto de Ir. Doroty, assassinada aos 73 anos, no dia 12 de fevereiro de 2005, em Anapu/PA. Antes de receber os disparos que lhe ceifaram a vida, ela teria dito, quando lhe perguntaram se tinha arma: "Eis minha arma", e mostrou-lhes a bíblia.
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN