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aurelius

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Agere sequitur esse

aureliano, 13.12.24

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3º Domingo do Advento [15 de dezembro de 2024]

[Lc 3,10-18]

Este 3º Domingo do Advento é considerado pela tradição litúrgica da Igreja, como Domingo Laetare, pela alegria que resplandece nos corações e nas mentes dos fiéis que aguardam para muito breve a celebração do Natal do Senhor: “Canta de alegria, cidade de Sião..., pois o Senhor está no meio de ti” (Sf 3,14-15). “Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos... O Senhor está próximo” (Fl 4,4-5). É a proclamação das leituras da Liturgia da Palavra.

Essa alegria que inunda o coração do fiel só é possível pelo perdão de Deus que é dado a quem faz um caminho de conversão. Pois o pecado é a grande fonte de tristeza e de dor para a humanidade. As alegrias da salvação que queremos alcançar, conforme a oração da missa deste domingo, estão profundamente vinculadas ao caminho que fazemos. Aqui podemos nos remeter ao início do capítulo 3º de Lucas (2º domingo do advento): João pregava um batismo de conversão para o perdão dos pecados (cf Lc 3,3). O perdão de Deus é gratuito. Mas Ele não tem como perdoar alguém que não quer se arrepender, não quer mudar de vida, não quer se converter. A conversão é a acolhida do perdão do Pai que, por sua vez, enche o coração de alegria divina.

O relato do evangelho deste domingo mostra os efeitos da pregação de João. Tocadas pelo testemunho e pelas palavras do profeta e asceta João, as pessoas começaram a perguntar: “Que devemos fazer?” Essa pergunta é reveladora do grande mistério que é o ser humano: “O ser humano supera o ser humano”, dizia Paschal. Ou seja, há uma fagulha divina dentro do ser humano que o deixa inquieto, incomodado diante da vida e da história. Ele pode fazer de conta que não existe nada, mas lá no núcleo mais secreto de sua consciência sente um apelo para algo maior do que ele mesmo e os bens que possui. É o sopro de vida insuflado pelo Criador em suas narinas, na criação (cf. Gn 2,7).

Aparecem no texto três categorias de pessoas fazendo a mesma pergunta. E o Batista lhes indica o caminho de acordo com a categoria a que pertencem. Não lhes recomenda jejum, oração, deserto ou outro ato ‘religioso’. Mas vai direto à recomendação de um agir moral, ético para resolver o problema da fome (repartir com os mais pobres), da nudez (vestir os nus: dar dignidade) e da corrupção (não aceitar propina nem sonegar ou desviar impostos) que acarretam dor e sofrimento.

Às multidões João recomenda: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo”. Ou seja, a humanidade precisa preocupar-se, em primeiro lugar, para que ninguém passe fome nem fique ‘nu’. Que todos possam viver com dignidade através da partilha equitativa dos bens. Quantos freezers e guarda-roupas abarrotados, a ponto de não caber mais! Quantas contas bancárias gordas e quanto dinheiro em paraísos fiscais ou em bolsas de valores! Quanto dinheiro público desperdiçado, roubado, desviado! Quanta comida jogada fora, desperdiçada! Enquanto um terço da humanidade passa necessidade e fome! “Que devemos fazer?”

Aos cobradores de impostos, odiados pelos judeus, pois se enriqueciam às custas de seus correligionários, recomenda: “Não cobreis mais do que foi estabelecido”. João não lhes diz que precisam deixar o emprego. Mas que sejam honestos. Essa passagem nos faz lembrar a corrupção presente em nosso meio. É terrível conviver com gente desonesta, mentirosa, injusta, gananciosa. Desde o pobretão até o ricaço, há uma onda de desonestidade e de roubalheira escandalosa em nossa sociedade! De modo geral, se o sujeito tem oportunidade, rouba, engana, tira proveito, pede ou oferece ‘gorjeta’ para dar um “jeitinho”. Faz-se passar por bom, mas é um malvado, ganancioso que faz de tudo para enriquecer-se às custas de outros. Quem paga a conta são os pobres!

A terceira categoria que acorre a João na busca de um caminho de conversão são os soldados. João é enfático: “Não tomeis à força dinheiro de ninguém, nem façais falsas acusações; ficai satisfeitos com vosso salário”. É uma condenação à violência, à dominação, ao uso da força injusta e prevalecida para tirar da pessoa o que ela tem. Uma sociedade que se diz cristã e que emprega suas maiores forças econômicas na fabricação de armas é a maior prova da distância que ainda existe entre o dizer-se cristão e o ser cristão. Temos assistido às tragédias provocadas pela posse e porte de armas. Nesses dias o Congresso Nacional aprovou a tributação de produtos da cesta básica, mas deixou de fora dos tributos ao comércio de armas munição. Por aí se vê onde estão os interesses da maioria de nossos congressistas e legisladores. Sem falar dos espertalhões que se valem dos cargos, do conhecimento das leis, dos espaços de poder, do ‘jeitinho brasileiro’, para engordarem suas contas ou escamotearem suas dívidas e compromissos seja com o Estado seja com os cidadãos que trilham o caminho da paz, do bem e da justiça.

Esse relato do evangelho nos remete a Lc 19,1-10 que trata do encontro de Jesus com Zaqueu. Aquele homem queria se encontrar com o Senhor. Mas, inicialmente, não estava disposto a mudar de vida. Quando vê Jesus entrando em sua casa, refaz seu projeto de vida! Promete fazer um caminho de conversão: “Eu reparto aos pobres a metade dos meus bens e, se prejudiquei alguém, restituo-lhe o quádruplo”. Diante deste propósito do “fazer” de Zaqueu que lhe transforma o “ser”, Jesus lhe diz: “Hoje veio a salvação a esta casa”. A salvação está, de alguma forma, condicionada à conversão. O agir ético, a caridade fraterna, a partilha dos bens, a luta pela justiça, pela igualdade de direitos e pela paz, a luta do cristão por políticas públicas, por melhoria para a população mais pobre. Em uma palavra: a saída de si, como João Batista, o “ex-cêntrico”, isto é, aquele que colocou o Senhor como centro de sua vida, é um caminho de salvação no sentido de ser uma resposta ao amor de Deus que nos salvou em Jesus Cristo.

Uma adágio latino atribuído a Santo Tomás diz que "agere sequitur esse": o agir segue o ser. Ou seja, a essência do ser humano determina seu agir. Assim, se ele é uma pessoa boa, irá praticar atos de bondade; se é uma pessoa verdadeira, irá dizer sempre a verdade; se é uma pessoa gananciosa, irá usar todos os meios possíveis para obter lucro, fazer crescer seu patrimônio financeiro. Portanto, importa cuidar bem de nosso ser, de nossa essência, daquilo que nos define nesta vida como filhos de Deus, seguidores de Jesus, a fim de que nossas nossas ações sejam marcadas pela bondade, justiça e verdade.

“Que devemos fazer?” Ele está com a pá na mão. O Trigo recolherá no celeiro, mas a palha será lançada no fogo inextinguível. Sou trigo ou palha? Qual o meu conteúdo? O que estou fazendo de minha vida? O que cultivo dentro do coração?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

O dia do Juízo virá

aureliano, 25.11.22

1º Domingo do Advento - 1º de dezembro - A.jpg

1º Domingo do Advento [27 de novembro de 2022]

[Mt 24,37-44]

Estamos no Advento! Tempo litúrgico conhecido como preparação para o Natal. Mas na verdade é um tempo de celebrar a vinda do Senhor. Ele veio uma primeira vez historicamente, na Palestina. Ele virá uma segunda vez em sua glória para “julgar os vivos e os mortos”. E ele continua vindo no presente da Igreja, que deve se empenhar para ser sinal de sua presença no mundo.

O comércio se vale deste momento para vender, comprar, ganhar dinheiro. É preciso, porém, ter cuidado para não fazer deste tempo uma ocasião de festas sem aquela preocupação basilar de que falam as leituras da liturgia deste domingo: “Deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz... andemos decentemente; não em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas e ciúmes” (Rm 13,12-13). E ainda: “Ficai preparados, porque o Filho do Homem virá numa hora que não pensais” (Mt 24,44).

Não quero, com isso, negar a importância da festa, do encontro familiar, do descanso, da dança, da música, das alegrias ao redor da mesa. O que deve, porém, caracterizar nossas festas é a dimensão cristã destas festividades. Não perder o sentimento de solidariedade: não esbanjar, desperdiçar; não fechar o coração ao pobre e necessitado; buscar a reconciliação, o perdão, a celebração, a partilha. São elementos que “batizam” as nossas festas natalinas.

O Evangelho fala de três situações que mostram a importância de estarmos preparados. No episódio bíblico do dilúvio ninguém se interessou pela arca que Noé preparava. É uma advertência para estarmos conscientes de que o fim é inevitável. É preciso ouvir e ver os sinais de Deus manifestos nos gestos das pessoas. Sobre a narrativa em que as mulheres e os homens estão trabalhando (cf. Mt 24,40-41), é interessante notar que as pessoas estavam fazendo as mesmas atividades, no entanto “uma será tirada e outra será deixada”. Jesus quer dizer que o importante não é o que se está fazendo, mas o modo como cada um age no seu cotidiano. O cristão faz o mesmo que todos fazem, mas com o diferencial de fazê-lo à maneira de Jesus. Não há necessidade de ações heróicas, mirabolantes, de propósitos impossíveis de serem cumpridos. O que o Senhor quer é que nossas atitudes sejam regadas de fraternidade, de sinceridade, de compreensão, de perdão, de ajuda mútua, de solidariedade, de verdade.

Finalmente o ladrão, que sempre surpreende. Para não ser pego de surpresa é preciso vigiar, estar acordado, atento, alerta. Não podemos estar dormindo, mas viver em estado desperto à luz do Dia de Cristo, para que ele nos possa encontrar dispostos para a vida de incansável caridade que ele nos ensinou: “Tudo o que fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25, 40).

Esta vigilância de que fala o evangelho deve ser carregada de esperança. Então não se pode compreender uma espera vigilante que descarta aqueles que estão ao meu lado precisando de minha colaboração. O Papa Francisco chama-nos a atenção: "Não podemos dormir tranquilos enquanto houver crianças que morrem de fome e idosos que não têm assistência médica" (17/08/2013). Então a vigilância que Jesus pede deve ser inquieta. Não basta rezar, ir à Igreja, pedir isso ou aquilo a Deus. É preciso assumir uma atitude de fiel discípulo de Jesus.

Meu pensamento e minhas ações estão voltados para Deus e seu projeto ou voltados para mim mesmo? Isso é que decide a sorte de cada um no juízo de Deus.

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“NÃO PEGARÃO EM ARMAS”

“Ele há de julgar as nações e arguir numerosos povos; estes transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices: não pegarão em armas contra os outros e não mais travarão combate. Vinde, todos da casa de Jacó, e deixemo-nos guiar pela luz do Senhor” (Is 2,4-5).

O texto está tratando de uma situação vivida por Israel e provocada por governantes que fazem alianças perigosas com reis de nações vizinhas. Depositam assim a confiança nas forças humanas e não em Deus. O abandono de Deus e a confiança nas próprias forças colocam em risco toda a comunidade israelita.

O profeta intervém alertando sobre a necessidade de se voltar para Deus e depositar nele a confiança e a esperança. Sobretudo de não pensar que vencerão pela força do exército e das armas. O capítulo VII de Isaías aprofunda essa temática: “Se não o crerdes não vos mantereis firmes” (Is 7,9).

Quero aqui, mais uma vez, chamar a atenção a respeito de projetos propulsores de violência como o da posse e porte de armas de fogo e de outras ações violentas defendidas por pessoas que se dizem cristãs. Esse relato da Escritura convida a transformar as armas de guerra em instrumento de produção de alimento: espadas em arados e lanças em foices.

Como é que alguém que se diz temente a Deus e que cita a Sagrada Escritura como verdade revelada por Deus, pode defender a matança, a eliminação do ser humano? Está faltando em nossa Igreja e nos cristãos de modo geral uma volta para Deus, um processo de conversão do coração. O caminho do combate à violência deve passar pelos valores do Evangelho. Jesus deve ser a meta, o horizonte, o foco, a mira do cristão. “A essas palavras, um dos guardas, que ali se achavam, deu uma bofetada em Jesus, dizendo: ‘Assim respondes ao Sumo Sacerdote?’. Respondeu Jesus: ‘Se falei mal, testemunha sobre o mal; mas, se falei bem, por que me bates?’”(Jo 18, 22-23). A contemplação dessa cena da Paixão do Senhor pode nos ajudar a aprender do Mestre de Nazaré a atitude de reconciliação e de paz já recomendada pelo profeta: “Eles não pegarão mais em armas uns contra os outros” (Is 2,4).

Como estamos nos preparando para celebrar o Natal do Senhor, o Príncipe da Paz? Com pensamentos de paz, de reconciliação, de perdão? Ou de guerra, de ódio, de vingança, de destruição?

Deixo com o Papa Francisco a palavra final:

“Com a convicção de que é possível e necessário um mundo sem armas nucleares, peço aos líderes políticos para não se esquecerem de que as mesmas não nos defendem das ameaças à segurança nacional e internacional do nosso tempo.

Um dos anseios mais profundos do coração humano é o desejo de paz e estabilidade. A posse de armas nucleares e outras armas de destruição de massa não é a melhor resposta a este desejo; antes, parecem pô-lo continuamente à prova. O nosso mundo vive a dicotomia perversa de querer defender e garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança, que acaba por envenenar as relações entre os povos e impedir a possibilidade de qualquer diálogo.

No mundo atual, onde milhões de crianças e famílias vivem em condições desumanas, o dinheiro gasto e as fortunas obtidas no fabrico, modernização, manutenção e venda de armas, cada vez mais destrutivas, são um atentado contínuo que brada ao céu.

Em 1963, o Papa São João XXIII, na Encíclica Pacem in terris, solicitando também a proibição das armas atômicas (cf. n. 112), afirmou que «a verdadeira paz entre os povos não se baseia em tal equilíbrio [em armamentos], mas sim e exclusivamente na confiança mútua» (n. 113).

Oxalá a oração, a busca incansável de promover acordos, a insistência no diálogo sejam as «armas» em que deponhamos a nossa confiança e também a fonte de inspiração dos esforços para construir um mundo de justiça e solidariedade que forneça reais garantias para a paz.

Peço-vos para nos unirmos em oração diária pela conversão das consciências e pelo triunfo duma cultura da vida, da reconciliação e da fraternidade; uma fraternidade que saiba reconhecer e garantir as diferenças na busca dum destino comum” (Excertos do discurso do Papa Francisco no Japão, em 24 de novembro de 2019).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN