A autoridade de Jesus
4º Domingo do Tempo Comum [31 de janeiro de 2021]
[Mc 1,21-28]
Os versículos 22 e 27 dominam o relato do evangelho deste domingo: “um ensinamento novo dado com autoridade”.
Quero chamar a atenção do leitor para esse relato de hoje, buscando compreender bem o contexto em que ele se dá para entender o que o evangelista quer transmitir e o que devemos absorver, assimilar como luz para nossa vida pessoal e para nossa sociedade.
Em primeiro lugar fazemos notar que é a primeira manifestação (sinal-milagre) pública de Jesus, segundo Marcos. Depois, esse fato se dá em Cafarnaum, num dia de sábado e na presença dos escribas ou mestres da Lei. Era ali, na sinagoga que eles dominavam, davam as normas, recebiam ou expulsavam a pessoa do convívio social e da comunidade, se estivesse doente, por exemplo.
Essa introdução quer ajudar o leitor no entendimento deste relato. O pentecostalismo pode jogar com esse sinal de Jesus para justificar os exorcismos e expulsões do espírito do mal que diz realizar por aí, iludindo os incautos e explorando a boa fé dos inocentes.
Este texto quer ressaltar a figura de Jesus como aquele que veio libertar a humanidade do mal. Como o mal é mais forte do que o ser humano, Jesus recebe a autoridade do Pai para vencê-lo. E a expulsão daquele ‘demônio’ é sinal de que Jesus tem, verdadeiramente, poder sobre o mal. Tem autoridade sobre o mal.
Notemos que, quando Jesus está a ensinar na sinagoga, aquele homem começa a gritar: “Vieste para nos destruir?...” Ele não suporta ouvir o ensinamento de Jesus. Um ensinamento novo dado com autoridade. Esse endemoninhado representa os escribas que vêem seu poder de dominação indo água abaixo. Perdem sua força de liderança e dominação sobre a comunidade. Agora é Jesus quem é reconhecido como autoridade, não somente pelas palavras, mas sobretudo pelos sinais que as acompanham: “Ensinava como quem tem autoridade e não como os mestres da lei”.
Não foi um sermão nem um longo discurso que tocaram a assembleia, mas o gesto de Jesus: “’Cala-te e sai dele!’ Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu”. A obsessão demoníaca simboliza o mal que toma conta do ser humano sem que este o queira. O mal tem ramificações profundas que persistem ainda hoje: a desigualdade social, a má distribuição da renda, da terra e de seus produtos, a destruição do meio ambiente por parte das grandes indústrias e agriculturas poluidoras, a vida insalubre dos que têm menos, a corrupção sistêmica entre os grandes e os pequenos, o terrorismo, o tráfico de drogas e de seres humanos, a indústria bélica (fabricação de armas), o crime organizado, o esvaziamento espiritual e moral pelo mau uso dos meios de comunicação social (Big Brother e outras imoralidades tais como filmes e programas que incitam à violência). O sinal profético de Jesus indica que, se nossas forças são insuficientes contra esses males, a força dele poderá atuar em nós nessa luta renhida.
Portanto, essas manifestações ditas de ‘cura’ e de ‘poder’ que determinados grupos pentecostais dizem ter e realizar, não têm nada a ver com o projeto de Jesus e aquilo que ele veio anunciar. O que oprime o ser humano não são forças ‘espirituais’, mas ‘carnais’, isto é, egoístas, gananciosas, politiqueiras, dominadoras que tiram a esperança, a dignidade e a liberdade do ser humano.
A missão da Igreja, isto é, de todos nós, é levar adiante a missão que Jesus deixou em germe. Ele é o iniciador e propulsor dessa missão. A força da sua ressurreição quer fazer surgir vida nova e um mundo novo. Para isso ele conta com a colaboração da comunidade. Um outro mundo é possível na medida em que a fome e a guerra, as doenças e o analfalbetismo, o preconceito e o desrespeito forem sendo debelados pelas forças da vida trazida por Jesus Cristo e manifestada na comunidade.
Portanto, a autoridade de Jesus está para além de suas palavras. Seu gesto libertador, devolvendo a dignidade àquele homem, representante de uma comunidade dominada e oprimida, quer se estender a todos. É preciso que cada um de nós se disponha a colaborar nessa tarefa de ‘expulsar os demônios’ que impedem as pessoas de ser e de viver alegres e felizes.
Algumas perguntas inquietantes: Você tem autoridade moral para ensinar ou advertir as pessoas? Seu modo de viver se presta para iluminar a vida dos outros? Sua fé em Jesus se fundamenta na busca de milagres e soluções de seus problemas ou na busca de identificar-se com Ele? Que meios/ferramentas você usa para alimentar sua vida de fé e de discipulado de Jesus? Em que consistem sua oração, suas práticas religiosas? Você se lembra de ter libertado alguém de algum mal (demônio), devolvendo-lhe a alegria de viver?
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN