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aurelius

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Jesus é o novo Templo

aureliano, 02.03.18

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3º Domingo da Quaresma [04 de março de 2018]

 [Jo 2,13-25]

Quaresma é tempo de preparação para a Páscoa. Consequentemente, é tempo de se aprofundar o batismo, mergulho no Mistério Pascal: “Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” significa “Eu te mergulho...”. Por isso os textos são mais mistagógico-catequéticos, ou seja, tem a intenção de introduzir o cristão mais profundamente no mistério do amor de Deus revelado em Jesus Cristo.

O evangelho deste domingo tem como centro a automanifestação de Jesus como o novo Templo de Deus: “Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei”.

A Páscoa dos judeus era a celebração da libertação da escravidão do Egito. E o Templo de Jerusalém tornou-se o lugar em que os judeus e prosélitos se reuniam uma vez por ano para oferecer sacrifícios de expiação e ação de graças. Era uma forma de manifestar a Deus a gratidão. Com o gesto profético da expulsão dos vendilhões do Templo, Jesus introduz um novo modo de se relacionar com Deus: agora o Templo é o próprio Cristo. Nele se manifesta a glória de Deus: “Ele manifestou a sua glória e seus discípulos creram nele” (Jo 2, 11).

A libertação que o povo vinha celebrar em Jerusalém perdera o sentido, uma vez que novamente experimentavam a escravidão: os anciãos do povo e os sumos sacerdotes eram os grandes latifundiários que residiam em Jerusalém, engordavam os bois e carneiros para vender aos peregrinos por ocasião da festa da Páscoa. Alugavam a preços exorbitantes os espaços das barracas de modo que se fazia uma exploração escravista aos peregrinos, mormente aos mais pobres. Por isso Jesus se dirigiu especificamente aos vendedores de pombas: “Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!”. É que os pobres, pelo baixo poder aquisitivo, ofereciam pombas, como o fizeram José e Maria (cf. Lc 2,24). A ira de Jesus se coloca mais fortemente contra os exploradores dos pobres.

Estes parecem ser os dois elementos centrais do evangelho de hoje: Jesus como o novo Templo e a expulsão dos vendilhões do templo de Jerusalém. Vamos refletir alguns elementos de nossa vida de fé cristã:

  1. É preciso que Jesus Cristo ocupe verdadeiramente o centro de nossa vida de fé e de nossas decisões. Os gestos e as palavras de Jesus devem ser determinantes e iluminadores em nossas opções cotidianas. Não bastam um culto externo, uma celebração, uma oferta, uma vela acesa, uma bíblia debaixo do braço, um grito de louvor no templo, uma proclamação do nome de Jesus, um pedido de milagre. Não bastam os “sacrifícios de touros e carneiros”. O que conta para Deus é uma atitude de fidelidade cotidiana à sua Aliança (cf. a primeira leitura de hoje: Êx 20,1-17). O sacrificium laudis (sacrifício de louvor) é nossa própria vida vivida em conformidade com os valores proclamados no Evangelho. “Por acaso não consiste nisto o jejum que escolhi: em romper os grilhões da iniquidade, em soltar as ataduras do jugo e pôr em liberdade os oprimidos e desapegar todo jugo? Não consiste em repartires o pão com o faminto, em recolher em tua casa os pobres desabrigados, em vestires aquele que vês nu e em não te esconderes daquele que é da tua carne? (...) Se tu te privares para o faminto, e se tu saciares o oprimido, a tua luz brilhará nas trevas, e a escuridão será para ti como a claridade do meio-dia” (Is 58,6-7.10). Junte-se a isso a coragem de enfrentar oposições e desafios por causa de Cristo e do seu evangelho. “Os judeus pedem sinais milagrosos, os gregos procuram sabedoria; nós, porém pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e insensatez para os pagãos” (1Cor 1, 22-23). Vamos assumir com mais vigor nossa fé que se concretiza na defesa dos mais fracos e indefesos.
  2. Este relato do evangelho nos recorda o cuidado que devemos ter para não transformar nossas festas religiosas em campanhas comerciais: fazer do templo – lugar de intimidade com Deus, de oração, de reunião da comunidade de fé –, um espaço de exploração e arrecadação de dinheiro. Ocorre por vezes que nossos pobres nem podem participar das festividades dos padroeiros porque tudo ali é vendido, e muitas vezes a preços muito distantes do poder aquisitivo da pessoa. Vejam, por exemplo, um pai de família que leva os seus cinco filhos para participar da festa do padroeiro. Depois da missa e procissão, nas barraquinhas estão vendendo os quitutes. Imagine o pobre do pai ou da mãe que não tem dinheiro suficiente para comprar aquele feijão tropeiro ou aquele caldo para todos os filhos. Pronto! Precisam ir embora! Não podem ficar na festa! E isto sem falar naquelas “campanhas” financeiras que alguns costumam fazer, uma aberração ao evangelho: “Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!”.
  3. E, por falar em barracas, pior ainda é quando ali se vende bebida alcoólica com o seguinte argumento: “Se não tiver cerveja, as pessoas não vêm”. A bebida alcoólica funciona como o atrativo para a festa religiosa! Que argumento fajuto! Se o indivíduo vai à festa religiosa por causa da cerveja, onde está seu comprometimento com a comunidade? Então é melhor que vá para o boteco. Lá ele terá mais conforto, certamente! Comunidade é lugar de celebração da ação de Deus em nossa vida. Lugar de evangelização, de confraternização saudável. Lugar de espaço para todos: crianças, idosos, enfermos, família. Lugar em que se experimenta o Reino de Deus na partilha, na acolhida, na fraternidade, onde todos se sintam em casa. Lugar de renovação da Aliança do amor de Deus por nós. Fazer das festividades um espaço de arrecadação financeira é inverter o sentido das celebrações. Os recursos para sobrevivência da comunidade devem provir de um trabalho de conscientização sobre o dízimo. O cristão comprometido e consciente ajuda a sustentar a comunidade nas suas dimensões religiosa, missionária e social.
  4. Para terminar: A Campanha da Fraternidade deste ano conclama a comunidade a superar a violência e construir fraternidade: “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8). O evangelho de hoje mostra Jesus recriminando a atitude dos chefes políticos (saduceus) de Jerusalém que se valiam da religião para se locupletarem ainda mais de bens, em detrimento dos pobres. Subjaz aí uma forma de violência muito comum em nosso País: a concentração de renda nas mãos dos mandatários: 1% detém 28% da renda nacional; ou, de outro modo, 10% detêm 55% da renda nacional. O País está nas mãos de alguns. “Pensar a superação da violência dentro do sistema capitalista, que mantém sua centralidade no lucro econômico, e não no ser humano, exige um grande esforço de identificação e compreensão das iniciativas que sinalizam possibilidades de enfrentamento e superação da violência. Estas iniciativas, pensadas e desenvolvidas em manutenção deste sistema, em que o ser humano é apenas um objeto para o consumo, tornam-se “paliativas” à cultura da não violência. Em uma cultura de paz, homens e mulheres são chamados a testemunhar o amor, e a sociedade para estabelecer a harmonia entre as relações de poder, que devem estar a serviço da vida humana” (Texto-Base, nn. 241 e 242).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN