“Preparai os caminhos do Senhor”
2º Domingo do Advento [06 de dezembro de 2020]
[Mc 1,1-8]
Estamos no advento, tempo de preparação para celebrarmos bem o Natal do Senhor. É uma Solenidade que precisaria ocupar o primeiro lugar em nossa preocupação nesses dias. Mesmo em meio à pandemia, há corrida às compras, às viagens, às festas. Tudo isso é importante e muito bom. O que nos desafia é a ausência do elemento cristão em tudo isso na vida de muitos cristãos. Quando não há preocupação em colocar no centro da vida a pessoa de Jesus, o grande Presente do Pai para a humanidade, toda festa, folia, encontro ficam sem sentido.
No domingo passado, o primeiro do Advento, a liturgia enfocava a Segunda Vinda de Cristo, mostrando a necessidade da vigilância: “Vigiai, pois não sabeis quando será o momento” (Mc 13,35). Neste e nos demais domingos, a liturgia nos convida a prestar mais atenção ao acontecimento da Primeira Vinda. É o evento fundador da História da salvação da humanidade. Cristo é o Princípio e Fim de todas as coisas (Ap 22,13). Ele entra na nossa história, sem privilégios: assume nossas dores e pecados, nasce pobre numa manjedoura, sem nada que lhe dê reconhecimento senão sua simplicidade e doação.
A figura de João Batista questiona nosso modo de vida e nossa preparação para o encontro com o Senhor. É preciso assumir uma vida simples, despojada, num caminho de permanente conversão. Como precursor do Senhor, João Batista, o aponta não somente com suas palavras, mas com sua vida. Ele não é o Messias. É apenas a voz que não se vê, que não aparece, que não esnoba, mas que convoca à conversão. Um modo de vida que provoca e questiona a vida de outros.
Como discípulos missionários temos a missão de ajudar as pessoas a fazer o encontro com Jesus, a reconhecê-lo como Mestre e Senhor. Para isso precisamos ter um pouco do espírito de João Batista: não se coloca no centro, não chama a atenção sobre si, não se julga mais importante e melhor do que os demais. Não se julga digno de “desatar as correias de suas sandálias”. Lancemos um olhar contemplativo para a figura de João Batista. Em quê nos sentimos questionados pela vida dele? Nossa vida está focada nas coisas ou nas pessoas?
No início do cristianismo os fiéis esperavam a volta de Jesus para breve. Por isso viviam um fervor muito grande, até mesmo exagerado (cf. 2Ts 3,10-12). Com o passar do tempo suas expectativas sofreram uma espécie de frustração: o Senhor não veio como esperavam! E começaram a cometer os mesmos pecados e abusos que hoje cometemos: consumismo, comodismo, ganância, infidelidades, intrigas. Seria bom guardarmos a palavra de Pedro, na segunda leitura de hoje: “Esforçai-vos para que ele vos encontre em paz, puros e irrepreensíveis” (2Pd 3, 14).
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O DESEJO DE CAMINHAR
Um elemento muito importante na vida cristã é o cultivo do desejo. Não estou falando aqui de psicanálise, mas de um caminho espiritual. O ser humano, do ponto de vista filosófico e psicológico é um ‘ser desejante’. Pe. Dalton Barros, redentorista, fala de “desejos” e “Desejo”. Os desejos que nos habitam podem destruir o Desejo (com D maiúsculo). Esse Desejo é que clama dentro de nós. E seu clamor é de uma “brisa suave”, como ocorreu a Elias (1Rs, 19,12-13). Os desejos da carne, no dizer de São Paulo, clamam em nós (cf. Gl 5,17). Querem prevalecer sobre o Espírito. Um pensamento de Simone Weil leva a um profundo questionamento a respeito de nossa fé cristã: “Onde falta o desejo de encontrar-se com Deus, ali não há crentes, mas pobres caricaturas de pessoas que se dirigem a Deus por medo ou por interesse”.
Outro pensamento do evangelho de hoje é o do ‘caminho’: “Preparai o caminho do Senhor”. A comunidade cristã em seus primórdios era conhecida como ‘Caminho’. Saulo perseguia os adeptos do ‘Caminho’ (cf. At 9). Não se tratava de um sistema religioso com normas e leis. O entendimento da comunidade cristã como Caminho continua muito interessante. No caminho esbarramos com várias situações e pessoas. Há retrocessos e avanços. Há atalhos e curvas, há pedras e espinhos, há provas, desilusões, cansaços, dores, dúvidas, angústias, incertezas, desânimo. É até meio perigoso dizer, mas as dúvidas e incertezas podem nos estimular mais do que a segurança de certezas absolutas, fechadas, simplistas e rotineiras.
Além do mais, quando lidamos com nossa fé como ‘Caminho’, aprendemos a lidar com os irmãos de caminhada. Cada um é responsável pelo seu próprio passo. Cada um tem um ritmo. Ninguém pode ser forçado a me acompanhar. Também não tenho que acompanhar o ritmo de ninguém. Além disso, na caminhada há etapas. As situações e circunstâncias de cada um são diferentes. O que importa mesmo é caminhar, não desanimar, não recuar, não se desviar “nem para a direita nem para a esquerda” (cf. Js 1,7). Estar atento ao chamado que o Senhor faz a todos: viver de maneira digna e feliz, e trabalhar para que todos tenham acesso à mesma dignidade e alegria de viver.
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN